AD REGEM: USOS DAS RETÓRICAS EPIDÍTICA E JUDICIAL NA DEDICATÓRIA DA CRÔNICA DA GUINÉ (SÉCULO XV)

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Transcrição:

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2012v19n27p288 AD REGEM: USOS DAS RETÓRICAS EPIDÍTICA E JUDICIAL NA DEDICATÓRIA DA CRÔNICA DA GUINÉ (SÉCULO XV) AD REGEM: USES OF EPIDEICTIC AND FORENSIC RHETORICS IN THE CHRONICLE OF GUINEA S DEDICATORY (FIFTEENTH CENTURY) Jerry Santos Guimarães* Marcello Moreira** Resumo: Temos por objetivo demonstrar como Gomes Eanes de Zurara, segundo cronista-mor da Dinastia de Avis no século XV lusitano, fez uso de Palavras-chave: Crônica da Guiné Abstract: We have as pourpose to demonstrate how Gomes Eanes de Zurara, made use of rhetorical procedures in a work of historiography, namely, the Chronicle of Guinea Keywords: Chronicle of Guinea

289 INTRODUÇÃO: UMA HISTÓRIA RETORICAMENTE REGRADA téchne 1 técnicos poderia aumentar sobremaneira a capacidade persuasiva de alguém, de téchne, ars, nada mais é, segundo 2 Três são os gêneros da retórica, segundo Aristóteles: o deliberativo, 3 respeito ao futuro, e busca convencer aos ouvintes sobre a conveniência de diferencia a poesia da história? Na sua Poética 4 Segundo a antiga retórica latina, tributária e emuladora da retórica grega, a história faz parte de um gênero da Retórica a Herênio 5 De Oratore desconhece ser a primeira lei da história não ousar não dizer algo de falso? Em 6 Retórica

290 apresentado de maneira conveniente ao caráter das partes, 7 Poética 8 Ora, a priori 9 critérios do historiador medieval: Os historiadores eram muito estimulados a ir nessa 10

291 11 Assim, segundo Ricoeur, não é apenas 12 13 De fato, 14 utilizasse a refutatio, própria da própria Crônica da Guiné de reconstituir um discurso deliberativo, como acontece na Crônica da Tomada de Ceuta convencer os soldados portugueses, a maioria de origem campesina, a lutarem 15 16 17 As tópicas retóricas eram, 18 topoi, argumentos direcionados tanto à topoi, no entanto, são topoi não adviria somente dos tratados de

292 topoi 19 RETÓRICA E HISTÓRIA NO SÉCULO XV PORTUGUÊS 20 21 Liber Declamationum De Inuentione 22 Eanes de Zurara, onde lhe diz o seguinte: nesta arte assaz ensinado e a natureza vos deu mui gram 23

293 24 Crônica de 1419, de provável autoria 25 Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela 26 Crônica da Tomada de Ceuta: Deos e dos rreis meus antecessores e meu: e a outros por a Deos e a mim e fazerem de suas homrras : vos assaz sois 27 28 os atos de príncipes 29 30 gesta a serem seguidos

294 Mas agora, além de a escrita da história ser levada a cabo também por leigos, 31 acordo com Koselleck, o topos historia magistra vitae 32 segundo as palavras e os atos dos homens do passado, evitando seus erros e 33 Manipulando de tal forma a memória coletiva e tencionando provocar uma amnésia coletiva, o rei e sua dinastia agiam como senhores da 34 35 36 37 Se por um lado Zurara ascendia socialmente, 38 39 Alfarrobeira 40

295 41 Não vemos de forma gratuita, como uma coincidência apenas, o retórica e história eram estudadas simultaneamente nos mosteiros, antes de A CRÔNICA DA GUINÉ A Crônica da Guiné 42 Crônica da Guiné Romanus Pontifex 43 A DEDICATÓRIA DA CRÔNICA DA GUINÉ E A RETÓRICA EPIDÍTICA A dedicatória da Crônica da Guiné 44 Crônica, segue bem de perto os preceitos estabelecidos pela Retórica a Herênio 45 O gênero retórico

296 do acaso ou da fortuna, favorável ou adversa: ascendência, 46 47 persona do Crônica da Guiné Retórica a Herênio, 48 49 50 azenegues e os gentios negros da Guiné, até os cristãos alemães, franceses, 51 devem louvar seu engenho e dedicatória, conforme prescrito pela Retórica a Herênio

297 52 53 Crônica segundo a Retórica a Herênio: a persona 54 na narrativa, 55 Zurara apresenta-nos a parentela mais 56 compartilha da 57

298 58 Melhor então atender, conforme destacado acima, ao preceito da brevidade e não voltar muito no persona deve ter, segundo a Retórica a Herênio 59 Zurara é da opinião corpo em boa grandeza, e foi homem de carnadura grossa e de largos e fortes 60 61 62 63 64 Não 65 66 67 Ora, foi encontrada na 68 diz a Retórica a Herênio a esse respeito:

299 69 70 71 virtudes Retórica a Herênio 72 Crônica, e pretende 73 74

300 75 à mão armada contra Mouros, Azenagues ou Negros é narrado em estilo 76 Zurara Crônica Geral do Reino 77 A conclusão do elogio, segundo a Retórica a Herênio, deve ser breve 78 Zurara arremata a dedicatória 79 Retórica a Herênio consiste em trazer à memória dos 80 A na dedicatória da Crônica da Guiné

301 A DEDICATÓRIA DA CRÔNICA DA GUINÉ E A RETÓRICA JUDICIAL Os principais encargos do rei português nos Quatrocentos eram 81 Ou, segundo 82 portugueses, sendo cristãos, tiveram de levar adiante a luta contra os mouros interesses de chegar ao Oriente através do périplo africano e a própria Guiné era considerada pelo cronista vizinha do Egito e das Índias 83, os portugueses 84 O norte da 85 86 87 88

302 89 Entre os irmãos Crônica d El-Rei D. Duarte 90 91 governo não fosse temporariamente interrompido, poupando assim o reino 92 Deste 93 Assim, fazendo bem aos bons servidores, e aos maus trabucadores 94

303 95 Crônica da Guiné algumas tópicas da retórica judicial para defendê-lo na dedicatória da Crônica da Guiné. Retórica, 96 97

304 98 O autor da Retórica a Herênio 99 de sua obra 100 Retórica a Herênio, as 101 102 103 104 O empregado por Aristóteles em sua Ética a Nicômaco, obra citada por Zurara e

305 Ética a Nicômaco 105 106 naturalmente iguais, pois, conforme ele escreve em sua Poética 107 isto por si só desmentiria todo o discurso laudatório feito por Zurara para o Crônica da Guiné:

306 108 ter sido uma derrota: 109 não conhecêssemos o desastroso sucesso, ele pareceria mais uma vitória do 110

307 111 do reino, ou seja, guardião da memória institucionalizada da Dinastia de Avis, Retórica a Herênio 112 maus, porém, também podem eventualmente fazer boas coisas, mas nem por 113

308 CONSIDERAÇÕES FINAIS Crônica da Guiné ou demonstrativo, na sua tentativa de construir uma persona do sua Poética 114 Assim o fez Zurara em seu discurso laudatório: NOTAS 1 Retórica. 2 Literatura europeia e Idade Média latina. 3 4 Poética

309 5 Retórica a Herênio. 6 De rationibus exordiendi: 7 Fernão Lopes e a retórica medieval. 8 Poética 9 Dicionário temático do Ocidente Medieval 10 11 As escolas históricas 12 A memória, a história, o esquecimento 13 Fernão Lopes e a retórica medieval. Niterói: 14 15 A descoberta do homem e do mundo 16 17 ekphrasis Revista Usp 18 19 20 História de Portugal. Segundo volume: 21 Elementos de retórica literária 22 Dicionário de literatura medieval galega e portuguesa. 23 Crónica da Tomada de Ceuta por El-Rei D. João I 24 Os reinos dos cronistas medievais (século XV). São

310 25 Dicionário de literatura medieval galega e portuguesa. 26 27 28 29 30 31 32 Futuro passado 33 Crônica de Guiné. 34 História e memória 35 Dicionário de literatura medieval galega e portuguesa. 36 37 38 39 40 41 42 Crônica da Guiné ser entendida em algumas passagens da Crônica Negros, ou terra de Guiné, por cujo azo os homens e mulheres dela são chamados Guineus, 43 Crônica da Guiné apresentada em Romanus Pontifex

311 44 45 a Retórica a Herênio Da Invenção Retórica de Aristóteles 46 47 48 49 50 Introdução à retórica. 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69

312 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 O poder real em Portugal 82 As vésperas do Leviathan 83 84 A manilha e o libambo: 85 86 História de Portugal 87 88 89 90 Chronica d El-Rei D. Duarte 91 92 93 94 95 96 Retórica 97

313 98 99 100 A Retórica a Herênio 101 102 103 104 105 Ética a Nicômaco 106 107 Poética 108 109 110 111 112 113 Retórica, 114 Poética Artigo recebido em agosto de 2011. Aceito em abril de 2012.