UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DA ERGONOMIA NA CONCEPÇÃO DE SOFTWARE

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Transcrição:

UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DA ERGONOMIA NA CONCEPÇÃO DE SOFTWARE Luiz Eduardo Santos de Oliveira (UFS) oliveira.luiz@ymail.com Simone de Cassia Silva (UFS) scassia@gmail.com A gestão adequada das informações é, nos dias atuais, vital para o sucesso de empresas e organizações. Nesse processo, o software assume um papel fundamental na geração da informação desejada. Esses sistemas são operados por pessoas com differentes comportamentos diante de tal tecnologia. Com base nessa idéia, este artigo, através de uma pesquisa bibliográfica exploratória, busca analisar a participação da ergonomia, em especial a cognitiva, no processo de desenvolvimento de software para entender métodos que considere o aspecto humano na construção de sistemas informáticos que reflitam a real necessidade do usuário na tarefa realizada por ele durante a interação homem-computador. Palavras-chaves: Desenvolvimento de software, Ergonomia Cognitiva, IHC, Gestão de requisitos

1. Introdução Com a crescente preocupação das organizações modernas no tratamento dado às suas informações, a gestão destas por meio de sistemas de informação assume um papel decisivo no processo de tomada de decisões e, consequentemente, para a competitividade dessas empresas. Devido à crescente importância dos sistemas informáticos dentro dos ambientes de trabalho e considerando que as organizações são formadas por pessoas que interagem com o computador, muitos estudos vêm sendo realizados no campo da ergonomia cognitiva para o desenvolvimento de softwares voltados para uma adequada interface homem-computador. Apesar da importância dos sistemas informatizados para as instituições, o que se observa é que muitos projetos não são finalizados e fracassam por não atender às expectativas dos usuários na implantação e acabam sendo rejeitados. A falta de adoção de métodos, ferramentas e procedimentos no desenvolvimento de software e a difícil relação de entendimento entre o usuário com o desenvolvedor (PRESSMAN, 2002, p.5 apud COSER et al., 2006) são apontados como os possíveis fatores causadores desses problemas. Tradicionalmente, grande parte da comunidade informática vislumbra o espaço da ergonomia no processo de desenvolvimento de software ligado ao projeto da interface com o sistema. Nesse sentido, muitos sistemas são concebidos sem considerar a visão do usuário. Baseado nessa observação, o seguinte questionamento é feito: como a ergonomia, em específico a cognitiva, pode contribuir para a criação de uma metodologia de desenvolvimento de software que torne confortável, segura e eficiente a interação entre homem - sistema informatizado - máquina? Como forma de responder ao questionamento, todo processo de desenvolvimento de software começa com o levantamento de requisitos do cliente, o qual será o futuro usuário do sistema. Nesta fase os programadores, ou analistas de sistemas, se reunem com os usuários para entender, conhecer e registrar o fluxo de trabalho e detalhar os objetivos a serem atingidos com o projeto que venha a responder as necessidades dos usuários e da organização. Segundo Coser et al (2006), conhecer o usuário no seu posto trabalhando, seja qual for sua linha de atuação, realizando sua tarefa cotidiana é base de conhecimento para projetar o software que irá aperfeiçoar essa rotina. Uma grande quantidade de conhecimento dos usuários e técnicos é explicitada nesta etapa e este conhecimento precisa ser depositado em repositórios que facilitem a recuperação e agreguem valor ao processo. Muitos projetos fracassam por não analisar de forma mais cuidadosa, na etapa de especificação de requisitos, o trabalho e o local atual dos usuários envolvidos. As incompatibilidades da interação homem-computador que propiciam erros durante a operação dos sistemas informatizados e implicam dificuldades para o usuário devem-se ao desconhecimento, por parte do projetista do "software" da tarefa, do modo operatório e da estratégia de resolução de problemas do componente humano do sistema homem-máquina. (BENYON; DAVIES, 1990 apud MORAES, 2011). A área da ergonomia que se dedica a concepção de sistemas informáticos é citada por Burkhardt e Sperandio (2004) como ergonomia informática (software) e está relacionada às atividades realizadas com um computador, diretamente ou por intermédio de um terminal numa distância próxima ou remota. Essa área discute a ampla atuação da ergonomia no projeto de software, como o auxílio aos projetistas e os estudos das necessidades dos usuários, acompanhando toda a concepção. O objetivo deste trabalho é fazer uma análise sobre a importância da ergonomia cognitiva no processo de desenvolvimento de softwares a fim de estudar, entender e projetar 2

aplicações computadorizadas adaptadas às reais necessidades do usuário e ao seu ambiente trabalho. A metodologia aplicada para a realização deste estudo foi à revisão bibliográfica de caráter exploratório, tendo como base artigos publicados na área de ergonomia cognitiva para a concepção de sistemas informáticos, além de edições nas áreas de ergonomia geral e engenharia de software. Neste artigo são abordados os conceitos de ergonomia, ergonomia cognitiva e o que é ergonomia informática; mais adiante o software é definido, assim como alguns critérios invariantes que, de acordo com os ergonomistas, definem um produto de software de qualidade para os usuários. Adicionalmente, é discutida de um ponto de vista ergonômico a especificação de requisitos integrados ao projeto da interface homemcomputador juntamente com a maior participação do usuário final no projeto de concepção informática. 2. Ergonomia A ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao homem. (IIDA, 2005, p.2). Aqui o autor dá uma significação bastante ampla ao trabalho, incluindo toda a situação em que ocorre o relacionamento entre homem e uma atividade produtiva. A ergonomia estuda as características do trabalhador, a fim de projetar o trabalho que ele consegue executar, ajustando-o às suas capacidades e limitações. Sobre os objetivos da ergonomia Iida (2005) em seu trabalho conclui que esta área da ciência procura reduzir a fadiga, estresse, erros e acidentes, proporcionando segurança, satisfação e saúde aos trabalhadores, durante o seu relacionamento com um sistema produtivo. 2.1. Ergonomia Cognitiva Ao projetar software segundo uma orientação mais funcional que operacional, a concepção de interface com o usuário privilegia primeiro os aspectos internos ligados ao funcionamento do sistema e depois adapta esta interface para o usuário. A utilização desse software fica comprometida, muitas vezes não atendendo os objetivos, necessidades e expectativas básicas dos usuários. Por outro lado se utilizado uma abordagem ergonômica, isto é, com a participação do usuário-final tanto na prospecção, concepção quanto na avaliação de todo e qualquer desenvolvimento e implementação do sistema informatizado, a interface se adapta à arquitetura cognitiva do usuário. Para tanto é necessário uma análise cognitiva para adequar ou projetar uma interface do software ao homem. (SANTOS LIMA, 2003). Nesse cenário a ergonomia se torna imprescindível onde antes era matéria exclusiva dos engenheiros de software, analistas de sistemas. Dois ramos da ergonomia se somam para trabalhar com essa solicitação, a ergonomia de software e a ergonomia cognitiva. A ergonomia de software busca melhorar a capacidade de utilização usabilidade do software por usuários de diferentes características é a adaptação do sistema informatizado à inteligência humana (WISNER, 1987 apud MORAES, 2011). E, a ergonomia cognitiva tem sua fundamentação teórica na ciência cognitiva que é, segundo Peter (2001 apud NOGUEIRA, 2003, p.10 ), é o estudo de como o conhecimento é adquirido, representado na memória e utilizado na resolução de problemas. A ergonomia cognitiva aplicada ao desenvolvimento de software está focada em como os projetistas e analistas de sistemas tratam o conhecimento, a estrutura dos programas para a eficácia da percepção-aprendizagem e como o conhecimento é aplicado no desenvolvimento de software. De acordo com Iida (2005, p.3) a ciência cognitiva ocupa-se dos processos mentais, como a percepção, memória, raciocínio e resposta motora, relacionados às pessoas e outros elementos do sistema. Os processos cognitivos implicados na interação homem-computador são na visão de Santos Lima (2003, p.37): a memória, de curto e longo prazo, os processos de tomada de 3

decisão, a atenção, as estruturas e processos para perceber, armazenar, pensar e recuperar informações. 3. Ergonomia Informática A ergonomia informática (ou de software) está relacionada às atividades realizadas com um computador. Para Burkhardt e Sperandio (2004) a contribuição ergonomia informática ao desenvolvimento de sistemas informatizados envolve quatro perspectivas complementares: a divisão da tarefa entre operadores humanos e os sistemas informáticos; a formalização da perícia (expertise), como uma base de conhecimento, por exemplo; a predição dos usos e as dificuldades relativas à (futura) situação de trabalho informatizada: o ambiente, os equipamentos e os arranjos físicos, as funções necessárias, as interfaces e diálogos, etc. a avaliação, a verificação e a validação de hipóteses relativas à utilização ou ao comportamento dos usuários; nesta inclui o auxílio aos projetistas na decisão e na elaboração de especificações, validação de expectativas de critérios e especificações ergonômicas iniciais etc. Atualmente, no contexto informático, as fases de intervenção da ergonomia são pouco levadas em consideração, e o trabalho de inserção da mesma no plano do projeto está sujeito a enfrentar barreiras como custo, restrições e as dificuldades que os projetistas têm em compreender certos métodos de ação adaptados para concepção. De acordo com Burkhardt e Sperandio (2004) perdura em informática, a visão do ergonomista e da ergonomia associados: ao arranjo físico os locais e dispositivos; a aparência gráfica do sistema informático. Essa maneira de ver restringe a priori apenas aos aspectos visíveis da interface a possibilidade de negociar as escolhas de concepção e os objetos de questionamento; ao mágico cuja inovação permitiria transformar todo sistema em um sistema facilmente utilizável por seus usuários finais. ao representante dos usuários, ou mesmo um superusuário. Essa visão é reforçada pelo fato de um dos métodos de avaliação ergonômica consiste em percorrer o conjunto das funcionalidades, com base em cenários de tarefas usuais, pra identificar as dificuldades que os usuários poderiam encontrar. Assim, é o desafio da ergonomia informática incutir dentro da comunidade informática a mentalidade de que o papel da ergonomia utilizada na concepção de programas para computador não começa com término do projeto em uma possível avaliação de usabilidade, mas começa com a avaliação de ferramentas e um ambiente que auxiliem os projetistas na tarefa de concepção, até a definição das especificações iniciais do projeto, construção adaptada da IHC, validações de requisitos, etc. 4. O Software O software está presente em vários tipos de processos desde o mais simples ao mais complexo, os programas, documentos e dados que constituem o software, ajudam a gerar o bem mais importante que qualquer indivíduo, negócio ou governo pode adquirir a informação (PRESSMAN, 2002, p.828 apud COSER et al., 2006). Software, quando entendido como sistema informatizado, não é apenas um conjunto de dados e regras traduzidos em códigos programáveis, unidades de armazenamento, protocolos de comunicação eletrônicos e manuais. Trata-se de um mecanismo que habilita o usuário a executar uma atividade de trabalho, cujas finalidades são variáveis e, eventualmente, paradoxais. (SILVA; LIMA, 2005, p.32 apud COSER et al., 2006). Os conceitos apresentados não fazem referência às características e a variabilidade entre os usuários e o papel do software na tarefa executada por aqueles. Muitos usuários já se depararam com softwares que apresentavam dificuldades de utilização e funções que na 4

prática dificultavam a realização de simples tarefas como fazer um cadastro em um banco dados, por exemplo. Diante da necessidade de se adaptar as aplicações computadorizadas a realidade dos clientes desses sistemas é pertinente que se lance a seguinte questão: qual método de desenvolvimento de software possibilite aos analistas criar sistemas informatizados que tenha como foco o trabalho realizado pelo usuário com base no trinômio conforto, segurança e eficiência para uma adequada interação homem - sistema informatizado - máquina? Muitas vezes o papel da ergonomia é restrito a concepção da interface homem-sistema. Geralmente, nessa fase os projetos já se encontram praticamente finalizados, e sem considerar a visão do usuário final. Logo, como forma de responder à questão levantada na introdução e anteriormente neste tópico do artigo, é necessário identificar qual tarefa se deseja informatizar, com ajuda participativa do usuário final do sistema, que para a engenharia de software começa no início do projeto com a definição de requisitos. Com base nestes, readapta-se a interface homem-computador para satisfação do usuário. Nas organizações atuais o uso do software, independente da finalidade para a qual ele é aplicado, se torna vital, pois um método de captar conhecimento, um modo de diferenciar os produtos de uma empresa de seus competidores e uma janela para o conhecimento coletivo de uma corporação (PRESSMAN, 2002, p.828 apud COSER et al.,2006). 5. Interface Homem-computador (IHC) O MEC (2002) estabelece IHC como à disciplina que projeta, implanta e avalia o sistema interativo de computador para o uso do homem. Sistema, neste contexto, refere-se a tudo que envolve o uso da tecnologia computacional. (PESSOLINI e CARVALHO, 2003 apud GONÇALVES, M.K. et al.,2008). Para Agner (2006 apud GONÇALVES, M.K. et al.,2008), IHC representa o estudo do processo de design, visando à revisão conceitual do projeto centrado no sistema (ou na empresa) para o projeto centrado no usuário. A IHC é interdisciplinar, e, portanto integra áreas como a Inteligência Artificial, Comunicação, Psicologia, Engenharia, Design etc. (ROCHA e BARANAUSKAS, 2003 apud GONÇALVES, M.K. et al.,2008). Todas essas áreas objetivando melhor adaptar as estruturas computacionais às características humanas. 6. A ergonomia na Gestão de requisitos Os problemas que os engenheiros de software têm para solucionar são, muitas vezes, imensamente complexos. Compreender a natureza dos problemas pode ser muito difícil, especialmente se o sistema for novo. Conseqüentemente, é difícil estabelecer com exatidão o que o sistema deve fazer. As descrições das funções e das restrições são os requisitos para o sistema (SOMMERVILLE, 2003 apud NOGUEIRA, 2003). Segundo Pádua Filho (2003), o fluxo de requisitos reúne as atividades que visam a obter o enunciado completo, claro e preciso dos requisitos de um produto de software. Esses requisitos devem ser levantados pela equipe do projeto, em conjunto com representantes do cliente, usuários chaves e outros especialistas da área de aplicação. Adicionalmente, a este grupo surge o ergonomista. Sommerville (2003) apud Nogueira ( 2003) em seu trabalho divide os requisitos de um sistema de software em funcional e não-funcional, o primeiro está relacionado à como sistema deve reagir a entradas específicas e o segundo as restrições ao processo de desenvolvimento. Entretanto, essa separação ainda assim limita a definição de requisitos de software que este trabalho está buscando. Antes das decisões técnicas relacionadas para a execução do projeto a equipe de desenvolvimento composta por, entre outros profissionais, um ergonomista provido de conhecimentos de psicologia cognitiva e apoiado nas técnicas de Análise Ergonômica do Trabalho (AET), irá entender a tarefa realizada pelo trabalhador usuário do sistema. Sobre 5

AET Cybis et al (1999) discorre que este método de análise do trabalho considera tanto a lógica de funcionamento, que representa a estrutura interna dos sistemas conforme concebida por seus projetistas, como a lógica de utilização, que é aquela desenvolvida pelos usuários a partir das manifestações visíveis destes sistemas. Ele estrutura-se, por outro lado, na dicotomia entre tarefa prescrita e atividade realizada. A primeira representa a tarefa que os operadores devem realizar sob o ponto de vista pessoal, da gerência e da empresa. A noção de atividade, por sua vez, está ligada àquilo que realmente este operador executa em seu trabalho. Basicamente, essa fase envolve a atividade de elicitação de requisitos criando a documentação de especificação de requisitos. Inicialmente, o analista estuda a especificação do software, quando este já existir, e o plano de projeto do software. O escopo definido no projeto é revisto e detalhado. Os documentos e relatos dos usuários e gerentes são analisados. Nessa etapa os usuários, por meio de relatos, expõem idéias, desejos e crenças sobre o projeto. A meta é reconhecer os elementos básicos do problema segundo a perspectiva do usuário e, portanto, esta atividade envolve intensa comunicação com o usuário (COSER et al., 2006). Os dados resultantes deste processo são avaliados junto aos usuários e gerentes segundo uma análise de viabilidade, identificando a área de ação e fonte. Segundo Coser (et al.,2006) uma incorreta elicitação e validação de requisitos podem levar ao desenvolvimento de um produto que não atende aos objetivos para o qual foi planejado, sendo total ou parcialmente desperdiçado. A gestão de requisitos é um conjunto estruturado de atividades para derivar, validar e manter vivos os documentos de requisitos de um software durante o processo de desenvolvimento de forma a permitir a sustentabilidade do produto. Assim, podemos detectar que a dificuldade de compreender e especificar requisitos em diferentes níveis de abstração vai defrontar com a nossa capacidade cognitiva de adquirir o conhecimento para criar soluções de software (NOGUEIRA, 2003, p.10). A ergonomia cognitiva aplicada à gestão de requisitos tem importância decisiva no processo de desenvolvimento de software. 7. A Ergonomia nos projetos de software A ergonomia nos projetos de concepção informática trás algumas invariantes importantes para um bom desenvolvimento desses projetos: Recurso aos usuários: a informática é hoje provavelmente um dos campos onde os usuários participam em quantidade na concepção, evidentemente que em graus e a títulos diversos: testes, estudos de satisfação, beta-testes etc; Critérios: a utilidade, a eficácia a acessibilidade são critérios que compõem o processo de formação do projeto. Ergonomistas e técnicos vêem esses critérios em diferentes níveis de prioridade (BURKHARDT e SPERANDIO, 2004). A norma ISO 9241 regulamenta orientações necessárias para a adequação dos projetos dentro da informatização da informação. Leva-se em consideração para a aplicação da ergonomia cognitiva o esforço mental necessário para que o usuário compreenda, elabore a memória de curto prazo e, logo após, a memória de longo prazo para a utilização dos comandos exigidos pelo software utilizados no exercício do trabalho. A norma ISO 9241/12 lida com a apresentação visual das informações através de terminais de vídeo. Ela traz princípios gerais para a apresentação da informação e se refere tanto à organização da informação nas telas quanto ao uso de técnicas de codificação individual. Suas recomendações referem-se à: janelas, áreas de entradas e saídas, grupos, listas, tabelas, rótulos, campos, cursores, aspectos sintáticos e semânticos de códigos alfanuméricos, abreviaturas, codificação gráfica, códigos de cores e outras técnicas de codificação visual. (CYBIS, 2003) 6

Um dos objetivos dessa norma é atualizar a idéia de usabilidade e como ela se aplica na relação homem-máquina (ISO 9241/11 apud CYBIS, 2003). Ainda de acordo com a ISO 9241/11 (apud CYBIS, 2003) a usabilidade é definida como a capacidade que um sistema interativo oferece a seu usuário, em um determinado contexto de operação, para a realização de tarefas, de maneira eficaz, eficiente e agradável. 8. Conclusão Sabe-se da importância da informação na construção do conhecimento das organizações modernas, essa informação é manipulada por seres humanos com o auxílio do computador e ferramentas de software. Esses mesmos usuários reagem de maneira diferente no uso de sistemas informatizados. Diante disso, a engenharia de software se depara com a necessidade de métodos e procedimentos que melhorem a relação do usuário final do software com o desenvolvedor no sentido de construir aplicações que reflitam os processos cognitivos daquele cliente e a natureza da tarefa executada pelo mesmo em seu ambiente de trabalho. A criação da interface gráfica do sistema ainda é entendida por membros da comunidade informática como uma das poucas etapas em que se insere o ergonomista e a ergonomia no desenvolvimento de sistemas. Dessa forma, baseado no foi exposto neste trabalho, uma metodologia efetiva para construção de softwares eficazes será aquela que agregar uma adequada participação do usuário junto à equipe de projeto, apoiada nos princípios da ergonomia cognitiva e informática, para a cuidadosa especificação de requisitos do projeto de sistemas, além do acompanhamento, e validação da experiência com o usuário, para criação de interfaces homem-computador que atendam aos objetivos pretendidos pela ergonomia e as verdadeiras expectativas do usuário-final do software. Para trabalhos futuros, sugere-se a realização de um estudo da evolução da estrutura cognitiva de usuários de sistemas de computador projetados sem considerar os princípios ergonômicos, comparados ao desenvolvimento de operadores de computador que utilizam sistemas informáticos projetados dentro de uma abordagem ergonomicamente realista. Nesse sentido, seria possível avançar ainda mais na consolidação do papel da ergonomia no projeto de sistemas computacionais. 9. Referências BURKHARDT, J. & SPERANDIO, J. Ergonomia e concepção informática, 2004. In: FALZON, P. Ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher, 2007. COSER, M.A.; CARVALHO, H.G. & XAVIER, A.A. A importância da ergonomia cognitiva na gestão de requisitos de Software. Anais do Simpósio de Engenharia de Produção, XIII SIMPEP, Bauru, SP, 2006. CYBIS, W.A. Engenharia de Usabilidade: Uma Abordagem Ergonômica.. Laboratório de Utilizabilidade da Informática, UFSC, 2003. CYBIS, W.A.; PIMENTA, M.S.; SILVEIRA, M.C. & GAMEZ, L. Uma Abordagem Ergonômica para o Desenvolvimento de Sistemas Interativos. Laboratório de Utilizabilidade da Informática, UFSC, 1999. GONÇALVES, M. K.; SOARES, J.M.; ZANVETTOR, G.T.; SILVA, J.C. & PASCHOARELLI, L.C. Inter-Relações sobre IHC, Arquitetura de Informação, Usabilidade e Ergonomia de Software. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Paulo, SP, 2008. IIDA, I. Ergonomia Projeto e Produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005. MORAES, A. Temas Atuais na Ergonomia. Disponível em: <http://wwwusers.rdc.pucrio.br/moraergo/tematual.htm >. Acesso em: 12 jan. 2011. NOGUEIRA, M. Engenharia de Requisitos e a Ergonomia Cognitiva como Fatores Críticos de Sucesso na Produção de software. Anais do Simpósio de Engenharia de Produção, X SIMPEP, São Paulo, SP, 2003. PÁDUA FILHO, W. Engenharia de Software. Rio de Janeiro: LTC, 2003. SANTOS LIMA, S.L. Ergonomia Cognitiva e a Interação Pessoa-Computador: Análise Ergonômica da Urna Eletrônica 2002 e do Módulo Impressor Externo. 2003, 123f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas) Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção e Sistemas, UFSC, 2003. 7