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Transcrição:

Tema: A crítica lukacsiana do conceito de totalidade em História e Consciência de Classe; Texto: LUKÁCS, György: Prefácio de 67, in História e Consciência de Classe; Tradução de Rodnei Nascimento, São Paulo, Martins fontes, 2003, pp. 01-50. Objetivo: A partir da autocrítica conhecida como Prefácio de 67, objetiva-se reconstruir a argumentação e as denúncias elencadas por Lukács contra seu livro de Juventude, História e Consciência de Classe, a fim de delas extrair o panorama crítico acerca da noção de totalidade presente nessa obra. Problema: Em sua autocrítica, Lukács assume que dentre os méritos de História e Consciência de Classe encontra-se o seu esforço em restituir a centralidade filosófica que a categoria da totalidade havia adquirido na obra de Hegel e Marx. Contudo, como parece atestar suas críticas, essa centralidade não teria sido suficiente para orientar sua reformulação dos pressupostos filosóficos do marxismo em pilares legitimamente marxianos. Resta em aberto, contudo, a questão de saber em que consiste o descompasso entre a centralidade da categoria da totalidade em detrimento do desdobrar da fundamentação dos demais lineamentos categoriais do marxismo. Tese: A refundação dos pressupostos filosóficos do marxismo incorre em déficit ontológico na medida em que desconsidera que a prioridade ontológica da natureza no envolver do metabolismo societário, empobrecendo a noção de trabalho como protoforma originária da lógica multilateral da práxis social. Ademais, esse déficit ontológico traz como consequência a mistificação de algumas noções centrais para o desenvolver da argumentação levada a eito em História e Consciência de Classe, tais como a noção de objetivação e o postulado da identidade sujeito objeto, comprometendo a abordagem da alienação como diagnóstico do presente, bem como a possibilidade concreta de sua superação. Argumento 1: A crítica fundamental a História e Consciência de Classe consiste no fato de Lukács considerar que ela se situa entre aquelas tendências que restringem os pressupostos do marxismo à teoria social, desconsiderando toda tomada de posição acerca da natureza. Diria Lukács que seu livro assume uma posição muito firme nessa questão; em diversas passagem, a natureza é considerada como uma categoria social, e a concepção geral consiste no fato de que somente o conhecimento da sociedade e dos homens que vivem nela é filosoficamente relevantes [..] Isso demonstra, por um lado, que é precisamente a concepção materialista da natureza a separar de maneira radical a visão socialista do mundo da visão burguesa; que se esquivar desse complexo mitiga a discussão filosófica e impede, por exemplo, a elaboração precisa do conceito marxista de práxis (Prefácio de 67: p 14-15). 1

O dualismo entre natureza e sociedade, em História e Consciência de Classe, ampara-se na convicção de que as categorias determinativas do ser social são fluidas, enquanto que no complexo categorial da natureza essa fluidez inexiste, uma vez que a legalidade interna que mantém os processos naturais dispensa qualquer tipo de subjetividade. Assim, qualquer tomada de posição filosófica sobre a natureza só poderia ser assumida no âmbito de considerações a priori. Portanto, nas ciências da natureza o sujeito cognoscente não faz mais que extrair os conhecimentos possíveis do objeto tomado numa relação contemplativa da qual ele não interfere na legalidade interna do processo a ser descrito. Por outro lado, no estudo do complexo social não é possível falar do conhecimento sem considerar que o objeto é um produto a posteriori da ação do homem. Não importando que metodologicamente se coloque o postulado de apreender o processo independentemente do estado metal do sujeito envolvido no processo cognoscitivo. Desse modo, quando História e Consciência de Classe fala de determinações sociais está atribuindo a elas a função de uma cadeia de causalidades postas em marcha pelo próprio homem, não de causalidades determinadas exclusivamente pela legalidade interna aos processos. Em termos gnosiológicos, trata-se efetivamente de reconstruir no pensamento um conjunto de processos produzidos e reproduzidos pelo sujeito, o qual aqui não é restrito apenas ao domínio cognoscitivo, mas estende-se ao domínio da ação propriamente dita. Argumento 2: A compreensão da reprodução social como uma totalidade orgânica deve levar em conta a esfera na qual a vida transcorre imediatamente, o âmbito do trabalho. Este é fundamental para a visualização das possibilidades práticas de emancipação. A cisão entre natureza e sociedade tem como consequência uma abordagem empobrecida da economia e de sua categoria vital, o conceito de trabalho. Em História e Consciência de Classe, procura-se, é verdade, tornar compreensíveis todos os fenômenos ideológicos a partir de sua base econômica, mas a economia torna-se estreita quando se elimina dela a categoria marxista fundamental: o trabalho como mediador do metabolismo da sociedade com a natureza. Mas isso é o resultado natural dessa posição metodológica fundamental. Como consequência, os pilares reais e mais importantes da visão marxista do mundo desaparecem, e a tentativa de tirar, com extrema radicalidade, as últimas conclusões revolucionárias do marxismo permanecem sem sua autêntica justificação (Prefácio de 67: p. 15/16). Conforme a crítica madura ao déficit ontológico da fase juvenil, seria necessário problematizar as mediações pelas quais transcorre a constituição do ser social. Assim, Lukács assevera que o delineamento ontológico do processo de socialização pressupõe a demarcação precisa do meio pelo qual o homem se realiza, o metabolismo entre natureza e sociedade mediada pelo trabalho, entendido como protoforma de toda práxis. A ausência dessa compreensão restringiria a possibilidade de justa apreensão do caráter revolucionário presente na socialização da vida econômica capitalista. 2

Embora esse percurso seja contraditório e desigual, a práxis no seio do mundo capitalista adquire novas tonalidades e potencialidades, e o sujeito que a realiza não pode passar incólume a tal processo. Com efeito, o horizonte lukacsiano parece ser atravessado pela contínua procura por identificação de meios que permitam a ruptura com a dominação do capital. Nesse sentido, a investigação é abalizada pela convicção de que no processo exploratório capitalista também se dá a possibilidade de sua ultrapassagem. E o que é visto como insuficiência na fundamentação da práxis em História e Consciência de Classe, torna-se objeto de crítica. A argumentação contida no Prefácio de 1967 direciona-se para os impasses advindos da noção de práxis revolucionária. A concepção de práxis revolucionária adquire, neste livro, um caráter excessivo, o que correspondia à utopia messiânica própria do comunismo de esquerda da época, mas não à autêntica doutrina de Marx [...]; sem uma base na práxis efetiva, no trabalho como sua protoforma e seu modelo, o caráter exagerado do conceito de práxis acabaria se convertendo num conceito de contemplação idealista (Prefácio de 67: p 17). Em HCC a práxis teria sido exacerbada, isto é, ao ser expressão de uma imposição abstrata, algo como um imperativo ético, terminaria por se desconectar das possibilidades realmente vigentes na ordem social, convertendo-se às avessas em uma concepção contemplativa idealista. A consciência de classe desse sujeito revolucionário não teria lastro nas tensões e processos da realidade capitalista do período, seria unicamente uma consciência de classe atribuída, replicando os limites das instâncias sociais de mediação formuladas. Não obstante a proposta de tomar a prática como critério da teoria e ultrapassar perspectivas que equacionam essa relação por vias imediatistas, Lukács considera que em sua obra de juventude a argumentação estaria assentada em um corte abrupto acerca das múltiplas formas de intervenção na realidade. Diferentemente do que entende na maturidade, a noção de práxis formulada pelo jovem Lukács não abrange as formas de atividades sensíveis responsáveis pela reprodução imediata do metabolismo social, donde ele excluirá a consciência psicológica da concepção de consciência de classe, e a vida cotidiana será renegada como meio imediatamente portador da reificação. Em História e Consciência de Classe, a conceituação de práxis revolucionária acena única e exclusivamente para imperativos ético-normativos direcionados à supressão da imediaticidade da reificação por meio do processo revolucionário. Argumento III As consequências desse empobrecimento do conceito de práxis seria a mistificação do conceito de objetivação, que desprovido de seu contato com a natureza e sendo reduzida a dimensão estritamente social perde suas mediações com a realidade. Desse modo, História e Consciência de Classe desconhece que toda atividade humana possui a característica de ser uma exteriorização da subjetividade a ser plasmada nas coisas. Lukács se corrigiria alegando que A objetivação é, de fato, um modo de exteriorização insuperável na vida social dos homens. Quando se considera que na práxis tudo é objetivação, 3

principalmente o trabalho, que toda forma humana de expressão, inclusive a linguagem, objetiva os pensamentos e sentimentos humanos, então torna-se evidente que lidamos aqui com uma forma humana universal de intercâmbio dos homens entre si. Enquanto tal, a objetificacão não é, por certo, nem boa nem má: o correto é uma objetificacão tanto quanto o incorreto; a liberdade tanto quanto a escravidão. Somente quando as formas objetificadas assumem tais funções na sociedade, que colocam a essência dos homens em oposição ao ser, subjugam, deturpam, e desfiguram a essência humana pelo ser social, surgem a relação objetivamente social da alienação e, como consequência necessária, todos os sinais subjetivos da alienação interna (Prefácio de 67: p 27) A relação sujeito-objeto põe-se aqui como pano de fundo de toda a problemática da alienação. Se o sujeito perseguido por Lukács é a consciência de classe do proletariado, essa consciência no processo normal do desenvolvimento capitalista se objetiva nos objetos de seu trabalho na forma específica de trabalho estranhado. A alienação/estranhamento é um tipo específico de objetivação, porém, como História e Consciência de Classe desconsidera o metabolismo com a natureza, a interpretação de sua gênese é comprometida e ele passaria a considerar toda forma de objetivação como um meio portador de alienação/estranhamento, desconhecendo que somente sob determinadas circunstâncias é que a alienação passa a vigorar efetivamente. Argumento IV. A intenção de superar o complexo da alienação/estranhamento fiando-se na tese de que o proletariado seria a realização na história do postulado hegeliano do sujeito-objeto idêntico trai as expectativas e conduz Lukács ao erro de ser mais hegeliano do que Hegel. Na Fenomenologia o Espírito se exterioriza no mundo por uma cadeia de exteriorizações presidida pela consciência de si. Ocorre que a exteriorização é entendida por Hegel como um processo de alienação. Todavia, trata-se para ele de um processo que pode ser ao mesmo tempo positivo e negativo a depender da relação possível de ser estabelecida entre a consciência de si e o objeto produzido nesse processo. A alienação será positiva quando se trata de uma exteriorização do espírito no mundo, isto é, quando se trata de efetivamente construir um objeto cuja legalidade interna expressa a racionalidade própria do espírito. Porém, a alienação será negativa/estranhada quando a consciência de si não reconhece a racionalidade do objeto, e em vez de se realizar nele como produto idêntico a ela, a consciência de si se vê oprimida, pois o objeto não passa para ela de um produto reificado e irracional do qual ela não tem controle. A superação desse processo só é possível mediante a elevação da consciência ao nível de saber que se adequa à legalidade interna do objeto produzido. Segundo Lukács, O surgimento desse sujeito-objeto idêntico é de tipo-lógico filosófico: ao atingir-se a etapa superior do espírito absoluto na filosofia com a retomada da exteriorização e com o retorno da consciência a si mesma. Na História e Consciência de Classe, ao contrário, esse é um processo histórico-social que culmina no fato de que o proletariado realiza essa etapa na sua consciência de classe, tornando-se o sujeito objeto idêntico da história (Prefácio de 67: p. 24) 4

Nesse ponto, a crítica consiste precisamente no fato de essa identidade ser pressuposta como parte do metabolismo sociohistórico que dá origem à consciência de classe como sujeito objeto idêntico da história. Trata-se aqui de considerar a consciência de classe como um agente capaz de suprassumir, pela mediação da práxis revolucionária, as formas de alienação por ela experiencida. Contudo, a identidade sujeito objeto na Fenomenologia é abordada em termos de uma construção lógicometafísica e a pressuposição de sua efetivação no curso do desenvolvimento da história é uma mistificação: Mas será que o sujeito-objeto idêntico e mais do que uma construção puramente metafísica? Será que um sujeito-objeto idêntico é efetivamente produzido por um autoconhecimento, por mais adequado que seja, mesmo que tenha como base um conhecimento adequado do mundo social, ou seja, será que ele é produzido numa consciência de si, por mais completa que seja? Basta formular a questão com precisão para respondê-la negativamente (Prefácio de 67: p. 25). Conclusão O conceito de totalidade posto em marcha em História e Consciência de Classe, alinhava todas as formulações metodológicas em uma perspectiva de conjunto. Ao cindir a relação natureza e sociedade, Lukács não consegue uma noção de totalidade orgânica que permite traduzir as leis que exprimem o movimento ontológico do ser social em determinações da existência, como era sua pretensão. Empobrecendo assim as relações sociais de seu conteúdo material e reduzindo a noção de totalidade a uma formulação apriorística. 5