MATEMÁTICA E CAPOEIRA: UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO Micarlla Priscilla Freitas da Silva UFRN micarllapriscilla@hotmail.com Milena Barbosa da Rocha UFRN milenabarosa98@yahoo.com Mércia de Oliveira Pontes UFRN mercia@ufrnet.br Eixo Temático: Etnomatemática e as relações entre tendências em Educação Matemática. Palavras-chave: Etnomatemática; Capoeira; Estágio Supervisionado. Introdução O presente trabalho apresenta um relato sobre a aplicação de um Projeto de Intervenção desenvolvido na atividade coletiva especial Estágio Supervisionado de Formação de Professores II do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A atividade teve como orientadora a professora Mércia de Oliveira Pontes, professora do Departamento de Práticas Educacionais e Currículo do Centro de Educação. Iniciamos o semestre de Estágio com uma fundamentação teórica acerca das possibilidades do Estágio Curricular no espaço da escola e com a realização de algumas oficinas temáticas. Após esse período partimos para a escolha da escola campo de estágio e iniciamos nossa inserção nesse espaço com um período de observação, durante o qual realizamos sua caracterização e sondamos as necessidades da escola e as possibilidades de desenvolvimento de um Projeto de Intervenção. A escola escolhida integra a rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte. Elaboramos um Projeto de Intervenção com a finalidade de relacionar a Matemática com o cotidiano dos alunos, e tendo em vista que eram desenvolvidos diversos projetos na escola, procuramos agregar às atividades já desenvolvidas, a Matemática. Para isso tomamos como ponto de partida um subprojeto do Projeto Mais Educação, a atividade de Capoeira, dança de origem africana amplamente difundida na sociedade brasileira. Levando em consideração a aceitabilidade da Capoeira por parte dos alunos, pretendíamos visualizar a Matemática ali presente, bem como justificar a importância de seu estudo, trazendo um caso particular da Geometria. Referencial teórico A Matemática é uma ciência universal, ou seja, independe de etnia, raça, cor ou grau de intelecto. Em quaisquer partes do universo, Matemática é Matemática. Com base nisso,
pode-se obter uma grande diversidade de relações entre a Matemática e o cotidiano, dentre as quais pode ser destacada a Capoeira. A Capoeira é de origem africana e chegou ao Brasil entre os séculos XVII e XIX. Por muito tempo sua prática foi proibida no Brasil, pois era vista como violenta e subversiva, só em 1930, o então Presidente da República Getúlio Vargas transformou a Capoeira em esporte nacional brasileiro. Independentemente de sua classificação, seja dança, luta ou até mesmo esporte, na Capoeira existem aspectos muito peculiares, que podem ser observados matematicamente. O estudo aprofundado da Matemática presente na Capoeira tem se estendido ao longo dos tempos e por isso está em constante construção. Podemos nos apoiar em Costa e Silva (s/d), ao afirmarem que: A capoeira, assim como suas variações, são lutas, instrumentos de defesa e ataque, constituídos por um intrincado jogo de pernas, braços e movimentos do corpo, limitados por um círculo no chão chamado de roda-viva, com projeções no espaço. Nela se observa a ação dos corpos em um espaço tridimensional desenhando figuras geométricas que se transformam numa sequência rápida à medida que os braços e pernas dos combatentes constroem uma geometria dinâmica (COSTA; SILVA, s/d, p. 81-82). Na tentativa de conciliar conceitos matemáticos com a arte, a música e outros aspectos culturais, pode-se obter uma união perfeita, onde o olhar simples do cotidiano pode ser transformado em definições rigorosas e irrefutáveis. Os aspectos geométricos presentes na capoeira são um claro exemplo de extensão do conhecimento. Tomando como exemplo, temos em Marinheiro (2009) a execução de um projeto de diversidade cultural, na Escola Pública Municipal de Marcelândia-MT, no qual a professora de Matemática, conseguiu estabelecer uma relação interdisciplinar entre a Matemática e a Capoeira, criando uma ponte entre o conceito e a aplicação. As experiências de Costa; Silva (s/d) e Marinheiro (2009), nos incentivou a amadurecer a ideia do projeto ancorados na Etnomatemática, tendência da Educação Matemática que estuda relações entre a Matemática e diversos aspectos culturais, mitológicos e religiosos, que ganhou alicerce e fundamentação teórica para ser elaborado. D Ambrósio (1998), aponta que a Etnomatemática é um programa que visa explicar os processos de geração, organização, e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais. De acordo com D Ambrosio (2001, p. 17), o reconhecimento [...] de outras formas de pensar matemático, encoraja reflexões mais amplas sobre a natureza do pensamento matemático. Portanto, a Etnomatemática procura entender o saber/fazer matemático
contextualizado em grupos de diferentes interesses. Com base nesses pressupostos da Etnomatemática elaboramos nosso Projeto de Intervenção. Metodologia Durante a elaboração do projeto, conversamos com a direção da escola e o professor de Capoeira para apresentarmos o mesmo e colher informações para que pudéssemos montar o cronograma de atividades de acordo com o calendário da escola e a disponibilidade do grupo de Capoeira. Nesse contato obtivemos ampla aceitação de ambas as partes. O professor mostrou-se interessado e disposto a ajudar com a execução do projeto. As aulas de Capoeira aconteciam nas segundas e quartas-feiras, das 13h00 às 14h30. As aulas eram abertas a todos os alunos do ensino fundamental. O projeto foi executado em aproximadamente um mês, do dia 14/10/2011 ao dia 07/11/2011, sendo distribuído em três encontros com a frequência em média de 10 alunos. No primeiro momento fomos à aula de Capoeira para apresentar o projeto, na qual nos apresentamos como alunos do curso de Matemática da UFRN, cursando Estágio Supervisionado. Numa apresentação geral sobre o projeto, mostramos aos alunos os objetivos pretendidos, as atividades que seriam desenvolvidas, e ainda demos uma explanação sobre a interação entre Matemática e Capoeira. No segundo encontro o professor ministrou a sua aula normalmente, registrada com fotos e filmagem, disponibilizando-nos um tempo ao final. Esse encontro foi de observação nossa em relação aos alunos e dos alunos em relação às atividades realizadas. Os alunos foram orientados no encontro anterior a observarem quais aspectos matemáticos eles identificavam durante a aula de Capoeira. No final da aula aplicamos um questionário, respondido individualmente, que visava sondar as relações identificadas pelos alunos entre Matemática e Capoeira. Após uma análise do questionário aplicado, que constava de oito questões acerca da visão dos alunos sobre aspectos matemáticos na Capoeira, elaboramos nossa apresentação para o encontro seguinte. No terceiro encontro utilizamos todo o tempo da aula de Capoeira. Reservamos a sala de vídeo para nossa intervenção, ambiente esse favorável para utilização do Datashow. No planejamento desse encontro reunimos as pesquisas bibliográficas, observações e dados coletados, para então promovermos uma apresentação acerca do nosso trabalho. Começamos a apresentação com aspectos relacionados à origem da Capoeira e à História da Matemática, em seguida, apresentamos estudos sobre a interação Matemática e Capoeira, mostrando-lhes então a Etnomatemática. Em seguida retomamos o questionário que foi aplicado no encontro
anterior, mostrando graficamente os dados obtidos e abrindo uma discussão sobre cada questão, com explicações tanto de nossa parte, quanto do professor e dos alunos. Dando continuidade, mostramos um vídeo feito no encontro anterior, o qual mostrava alguns movimentos que caracterizavam figuras geométricas. Trouxemos uma explicação Matemática sobre alguns aspectos, tais como movimentos, ginga, espaço e, principalmente, a geometria presente na Capoeira, baseada em Costa; Silva (s/d). Finalizamos a apresentação cantando juntamente com os alunos uma música que indica em sua letra a relação existente entre Matemática e Capoeira. Análise O questionário possibilitou a caracterização da turma, o que permitiu que programássemos nossa apresentação de acordo com as respostas dos alunos. Todos os alunos consideraram a Matemática importante e a maioria gostava de Capoeira, onde pudemos estabelecer a relação Matemática importante mais o gosto pela capoeira. Com isso buscamos uma abordagem que unisse útil ao agradável. Nas respostas dos alunos, muitos não conseguiram descrever aspectos matemáticos presentes na Capoeira, mas através das discussões em sala, das demonstrações através dos movimentos e da apresentação nos slides, os alunos puderam identificar tais aspectos, visualizando figuras geométricas nos movimentos da Capoeira. Os movimentos identificados foram: na ginga, o triângulo imaginário no chão; em relação ao espaço, um cilindro imaginário que envolve os lutadores, limitando os movimentos; no movimento compasso, um giro de 360º. Ainda foram identificados o círculo formado pelas pessoas que observam a luta; a música, onde cada ritmo sincroniza um tipo de movimento e a velocidade na qual ele deve ser executado. O objetivo do projeto foi alcançado, pois os alunos puderam identificar a geometria presente na capoeira, perceberam a sincronia nos ritmos e passos e compreenderam que a Matemática está presente em seu cotidiano. Por isso, podemos dizer que os resultados obtidos foram satisfatórios, uma vez que pudemos experimentar a aplicação de uma teoria, ou seja, planejamos fundamentados teoricamente e principalmente, vimos na prática funcionando como na teoria. Considerações finais O projeto ressaltou a importância das ligações estabelecidas entre a Matemática e o cotidiano, evidenciando os benefícios da associação entre uma experiência diária com a Matemática. É nessa dimensão, que a Capoeira utiliza-se de movimentos que podem ser
associados à Matemática, que se faz presente nos instrumentos, nas músicas, nos golpes e na ginga, tornando-se expressão corporal que se reinventa em sequências lógicas, dessa forma, trabalhando o intelecto e tornando a atividade mais criativa. Através da exploração e análise dos aspectos matemáticos presentes na Capoeira, os alunos da Escola Estadual Castro Alves, experimentaram uma forma diferente de Capoeira, uma vez que levamos Matemática à aula, mostrando dinamicamente uma forma de intervenção interdisciplinar, facilitando interpretação de conteúdos matemáticos. Referências COSTA, Wanderleya Nara Gonçalves; SILVA, Vanisio Luiz da. Matemática mítico-religiosacorporal do negro brasileiro. In: Sientific American, São Paulo, s/d, n.35, p.78-82. SANTOS, E. C. Contribuição da história da África e suas africanidades no ensinoaprendizagem da educação matemática. Disponível em: http://www.forumafrica.com.br/textoforumafrica52006.pdf acesso em 05/10/2011. D'AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ed. Ática, 1998. D Ambrosio, Ubiratan. Etnomatemática: elo entre tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001 (Coleção Tendências em Educação Matemáticas). MARINHEIRO, Sueli Correa. A Ginga Geométrica. Disponível em: http://escolasantaterezinhamt.blogspot.com/search/label/%c3%a2ngulos%20e%20capoeira acesso em 05/10/2011.