CONSTRUÇÕES DE TERRA Causas de degradação

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Transcrição:

Maria Idália Gomes, Paulina Faria, Teresa Gonçalves (2009) Construções em terra. Causas de degradação (Earth constructions. Decay causes). Proc. 3.º Encontro sobre Patologia e Reabilitação de Edifícios - PATORREB 2009. Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 18-20 de Março. CONSTRUÇÕES DE TERRA Causas de degradação Maria Idália Gomes * idaliagomes@dec.isel.ipl.pt Paulina Faria mpr@fct.unl.pt Teresa Diaz Gonçalves teresag@lnec.pt Resumo Uma percentagem significativa do património histórico Português é constituído por construções de terra. Em construção nova, há também um reaparecimento das técnicas construtivas de terra crua, que surgiu com a tomada de consciência ecológica e no sentido de explorar recursos locais reutilizáveis. As técnicas actualmente utilizadas, em construção e reabilitação, surgem como uma evolução dos processos ancestrais. Mantêm, no entanto, um carácter essencialmente empírico e não estão ainda totalmente adaptadas às novas realidades. De facto, a perda do saber relativo às artes tradicionais, bem como a falta de conhecimentos sobre processos de degradação dos materiais de terra e da sua compatibilidade com os materiais modernos de construção, nem sempre permitem uma correcta especificação das técnicas a utilizar, quer em construção nova, quer na conservação de construções existentes. Neste artigo apresentam-se e discutem-se as principais anomalias identificadas em quatro construções de taipa localizadas no Alentejo e os factores de degradação associados. Puderam distinguir-se factores naturais - climáticos, fenómenos naturais, humidade, desenvolvimento biológico, envelhecimento dos materiais e factores humanos - abandono das edificações, introdução de materiais incompatíveis e uso indevido das mesmas. Verificou-se ainda que estes factores não actuam em geral isoladamente. Palavras-chave: Construção em terra, Anomalia, Causas de degradação. 1 Introdução e objectivo A terra como material de construção é utilizada desde tempos imemoriais. As construções de terra, desde simples formas até complexas estruturas, constituem um importante património da Humanidade, que urge conservar. De facto, 10% dos sítios que constam da lista do Património Mundial da UNESCO correspondem a construções de terra [1]. São também de terra 16 % e 57% * Assistente, DEC, Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Professora Auxiliar, DEC, Fac. Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa. Investigadora Auxiliar, Dep. de Materiais, Laboratório Nacional Engenharia Civil.

dos sítios que figuram na World Monuments Watch 2000 List of 100 Most Endangered Sites e na World Heritage List in Danger, respectivamente [1]. Em Portugal, uma parte significativa do património arquitectónico baseia- -se também, parcial ou maioritariamente, em terra crua. Recentemente, a terra começou a ser utilizada também em construção nova, não só devido às suas possibilidades arquitectónicas, mas também pelas boas características de conforto térmico e acústico que proporciona e pelas vantagens ambientais associadas à economia de energia no fabrico e à facilidade de reciclagem. O objectivo do trabalho que aqui se apresenta foi identificar as principais anomalias e as possíveis causas de degradação de quatro construções de terra localizadas na Costa Vicentina - Alentejo. A técnica construtiva é, nos quatro casos, a taipa (terra comprimida entre taipais com um maço). De facto, a taipa foi até aproximadamente aos anos 50, a técnica construtiva mais utilizada no Ribatejo, Alentejo e Algarve [2]. A Costa Vicentina é também hoje a zona do País com maior percentagem de construção nova de terra, sendo a taipa a técnica utilizada na generalidade dos casos. Das quatro edificações estudadas, uma foi construída de raiz em 2005, outra é uma obra de recuperação e ampliação/adaptação efectuada em 2007 e as restantes são construções tradicionais. O trabalho baseou-se na observação e análise das construções e na realização, quando possível, de entrevistas a projectistas e arquitectos envolvidos na construção e reabilitação dos edifícios, bem como a pessoas que habitavam no edifício ou perto deste. A informação foi recolhida e registada com base numa ficha de inspecção de obra e num questionário elaborados para o efeito. Neste artigo descrevem-se quatro dos edifícios analisados e faz-se uma análise global do seu estado de conservação, identificando as principais anomalias (secção 2) e suas possíveis causas (secção 3). 2 Descrição dos edifícios e sua patologia 2.1 Monte da Choça O edifício foi construído em 2005 e é habitado em permanência. É constituído por um piso térreo (Figura 1). É constituído por paredes autoportantes de taipa com espessura de 0.50 m. Há algumas zonas de taipa à vista, sendo as restantes áreas revestidas com um reboco de cal aérea. A cobertura descarrega sobre um lintel de bordadura de betão com 0.07 m de espessura. As fundações e o embasamento são de betão. Figura 1: À esquerda, alçado sudeste e, à direita, parede com humidades. Observaram-se anomalias nas paredes viradas a noroeste, tendo os primeiros sinais ocorrido um ano depois do fim da construção. No topo do paramento interior de uma parede exterior, observam-se manchas de humidade (Figura 1, direita). Uma causa possível é o facto de a taipa não ter tido tempo para secar, uma vez que o revestimento foi efectuado um ano depois da execução da parede. Outras causas possíveis são a ocorrência de infiltrações ou condensações. Na base desta mesma parede, junto ao embasamento, existem também manchas de humidade e o revest i-

mento começa a ficar pulverulento. É provável que a anomalia decorra da ascensão capilar de água da chuva, que frequentemente se acumula em charco no exterior, junto à construção. As paredes de taipa à vista apresentam alguma erosão que, no entanto, não parece ainda significativa. 2.2 Habitação em São Teotónio O edifício data de finais do séc. XIX; em 2007 foram efectuadas obras de recuperação e ampliação/adaptação e serve hoje como casa de férias. É constituído por dois corpos em piso térreo (Figura 2). A estrutura baseia-se em paredes autoportantes de taipa com espessura de 0.50 m e revestidas com um reboco de cal. Há também algumas zonas de taipa à vista, cujo objectivo foi, de acordo com o arquitecto, facilitar uma adequada secagem da taipa. Na fundação e embasamento são utilizados materiais presentes na construção original (pedra e terra) e, quando necessário, betão ciclópico. A principal anomalia observada nesta edificação é a erosão da taipa à vista no alçado sudoeste e na superfície corrente do alçado noroeste (Figura 2). Figura 2: À esquerda, alçados sudoeste e sudeste e, à direita, alçado noroeste. 2.3 Comercio/habitação Luzianes O edifício encontra-se desabitado, tendo anteriormente servido de habitação e comércio (Figura 3, esquerda). As paredes têm espessura de 0.50 m e são de taipa à vista, com excepção do alçado Este (fachada principal), que está revestido com um reboco de cal e areia. O embasamento e provavelmente também a fundação são constituídos por elementos de xisto. A cobertura descarrega directamente nas paredes, através de asnas de madeira. Há indícios de uma intervenção no interior, que incluiu o revestimento das paredes com argamassas que aparentemente incluem cimento. Também no exterior foi pontualmente revestida com argamassas de cimento. Figura 3: À esquerda, alçado oeste e sul da habitação e, à direita, fissura vertical. Esta edificação apresenta uma anomalia estrutural, com origem no facto de a cobertura descarregar directamente na parede, tendo surgido fissuras verticais (Figura 3, direita). Os revestimentos interiores encontram-se destacados. As paredes exteriores de taipa à vista apresentam-se com bastante erosão, principalmente na zona dos cunhais. Porém, a parede da fachada principal encontra-se em bom estado, visto apresentar um reboco de sacrifício.

2.4 Habitação na Bemposta O edifício encontra-se desocupado, tendo servido para habitação (Figura 4, esquerda). Não tendo havido acesso ao interior, não foi possível identificar a espessura das paredes nem o funcionamento da cobertura. A parede de taipa encontra-se revestida com um reboco de de cal e areia. O embasamento e provavelmente a fundação são de xisto. Os vãos das portas e janelas estão reforçados com um lintel de madeira. Figura 4: À esquerda, alçado este da habitação e, à direita, pormenor da parede. A parede do alçado Este encontra-se bastante degradada. Parte do revestimento não existe (Figura 4, direita), devendo-se possivelmente à acção da água por ascensão capilar. A parede também apresenta a acção de agentes biológicos, nomeadamente a presença de insectos (ninhos inseridos na parede). 3 Discussão e conclusão As principais anomalias detectadas nos quatro edifícios foram a erosão da taipa à vista, a ocorrência de manchas de humidade, o descolamento de rebocos, a fissuração da taipa e a sua deterioração por agentes biológicos. A erosão da taipa à vista foi observada, em menor ou maior grau, nos quatro edifícios analisados. Os dois primeiros casos correspondem a paredes de execução recente em que, para facilitar uma adequada secagem destas, foram deixados à vista alguns painéis de taipa. Os dois últimos casos correspondem a situações de falta de manutenção, em que a degradação dos revestimentos resultou na exposição da taipa aos agentes atmosféricos. No último caso de est udo (secção 2.4), a degradação do revestimento e a posterior erosão da taipa ocorrem na base da parede e estão provavelmente associados à ascensão de água do terreno. A erosão da taipa pode ser devida ao impacto da chuva e do vento (com partículas em suspensão). De acordo com Kerali [3], esta acção torna-se mais gravosa em conjunto com a acção da água. A erosão pode também ser devida à acção destrutiva de sais solúveis, os quais podem agravar a presença de humidade [4] e introduzir tensões internas quando cristalizam. A propensão para a erosão dependerá pois dos materiais utilizados, da sua resistência mecânica e coesão interna. Dependerá também, da tecnologia de construção, assim como das condições ambientes de cada região e da exposição das fachadas. As manchas de humidade foram observadas num paramento interior do Monte da Choça, estando associadas à deterioração do reboco de cal na base desta parede. Embora a inequívoca identificação das origens da humidade requeira a realização de ensaios in situ, das observações efectuadas ressaltam as seguintes hipóteses: as manchas no topo podem dever-se ao facto de a taipa não ter tido tempo para secar devidamente antes da aplicação do revestimento ou à ocorrência de infiltrações ou de condensações; as manchas na base são provavelmente devidas a ascensão capilar. O descolamento de rebocos foi observado no edifício de Luzianes (secção 2.3). Estes rebocos são aparentemente de base cimentícia, pelo que o seu descolamento estará provavelmente relaci-

onado com questões de compatibilidade mecânica ou devido à acção da água. Se existir água no interior da parede e a continuidade hídrica entre o revestimento e o suporte forem deficientes, os sais solúveis transportados por essa água podem depositar-se na interface da parede com o revestimento. Ao cristalizarem, os sais introduzem tensões internas que podem conduzir ao destacamento do revestimento [4]. Por outro lado, as argamassas hidráulicas podem ser muito rígidas e não acompanharem os movimentos da parede, ou as suas resistências mecânicas serem bastante superiores às das paredes e gerarem nelas tensões de que resulta o destaque entre materiais. A fissuração da taipa observada na edificação de Luizianes (secção 2.3) deve-se à inexistência de um lintel de bordadura que permita uma eficiente repartição das cargas localizadas da cobertura, podendo assim favorecer o assentamento e a fissuração do material na zona de concentração de esforços. A acção de agentes biológicos ocorre na habitação da Bemposta (secção 2.4) e corresponde a um estado avançado de abandono da edificação. Deve-se à presença de insectos e a ninhos inseridos na taipa. De facto, a presença de agentes biológicos, vegetais ou animais, podem originar a deterioração química e/ou mecânica destas construções. Também os factores humanos são responsáveis pelo aparecimento de anomalias na construção, escassa manutenção, abandono da edificação, escassez de recursos financeiros e humanos e introdução de materiais incompatíveis. Estes assumem um destaque bastante negativo, sendo responsáveis, directa ou indirectamente, pelo aparecimento de grande parte das situações anómalas. É difícil atribuir apenas uma causa às anomalias neste tipo de construções, sendo estas provocadas por vários factores. Do exposto, ressalta contudo que a presença de humidade será uma das principais fontes de anomalias, uma vez que reduz a coesão interna e a resistência mecânica da taipa e potencia a acção dos sais solúveis. 4 Agradecimentos Agradeço ao Arq.º Henrique Schreck pela colaboração prestada e informação disponibilizada relativamente aos seus projectos. 5 Bibliografia [1] Balderrama, A. A. The conservation of earthen architectures. The Getty Conservation Institute Newsletter, Volume 16, Number 1, 2001, pp. 4-10. [2] Correia, M. Taipa no Alentejo. Lisboa: Argumentum, 2007. [3] Kerali, A. Durability of compressed and cement-stabilized building blocks. PhD Thesis, School of Engineering, University of Warwick, Coventry, United Kingdom, 2001. [4] Gonçalves, T et al. Drying of salt-contaminated masonry: MRI laboratory monitoring. Environ Geol, Ed. 52, 2007: 249-258. [5] Faria, P. Revestimentos de paredes de terra. Arquitectura de Terra em Portugal. Lisboa: Argumentum, 2005.