Visões para o Desenvolvimento da Indústria do Gás Natural Ieda Gomes



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Transcrição:

Visões para o Desenvolvimento da Indústria do Gás Natural Ieda Gomes Gás Natural no Contexto Mundial O gás natural ocupa e continuará a ocupar um papel muito importante na matriz energética mundial. Segundo projeções da Agência Internacional de Energia (AIE) sua participação deverá crescer de 21 % em 2012 para 25% em 2035. O aumento do consumo de gás natural será impulsionado pelos países emergentes, particularmente da Ásia e Oriente Médio, que necessitam de energia limpa e eficiente para manter suas indústrias competitivas, produzir eletricidade e gerar novos empregos. Composição da Matriz Energética Mundial Fonte: Agência Internacional de Energia (AIE), 2013 Três fatores são fundamentais para entender a importância do gás natural no contexto mundial: 1. A revolução do gás de folhelho ( shale gas ) nos Estados Unidos, que hoje representa 40% da produção de gás no país, cerca de 800 milhões m3/dia. A parceria entre o Governo e empresas privadas, particularmente empresas independentes de médio porte, no desenvolvimento de tecnologia de poços horizontais e de fraturamento das rochas de folhelho tornou possivel a produção em escala comercial. Os impactos na economia americana são surpreendentes: Autosuficiência Energética O gás de folhelho foi o fator decisivo para o crescimento de 42% nas reservas provadas de gás dos EUA nos últimos 7 anos, comparado com o crescimento de 18% das reservas mundiais. Em apenas 8 anos, os EUA passaram de importador a exportador de gás natural. Além de gás, os folhelhos também produzem petróleo. A produção de petróleo de folhelho nos EUA é de 2 milhões de barris por dia, equivalente à produção total de petróleo do Brasil. Benefícios Econômicos Com o aumento da oferta de gás natural, os preços do gás nos EUA cairam de US$ 8-10/MMBtu para US$ 4-5/MMBtu 1. Tendo em vista o consumo médio de gás de 1,9 bilhão de metros cúbicos por dia, isso significa uma economia para os EUA de US$ 100 bilhões/ano. O barateamento do preço do gás natural atraiu dezenas de projetos industriais para os EUA, com investimetos anunciados de mais de US$ 90 bilhões nos últimos dois anos. O boom do gás de folhelho deverá gerar mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos no curto prazo e contribuir com um Valor Adicionado de US$ 118 bilhões em 2015. A população americana também se beneficiou: os consumidores residenciais tiveram uma redução média da conta de gás de 33% no período 2006-2013. A redução na conta de eletricidade foi de 10%, aumentando 1 MMBtu, unidade energética usada na indústria do gás, equivalente 28 metros cúbicos de gás.

a renda disponível das famílias americanas em quase mil dólares por ano (R$ 2200,00/ano) 1. O crescimento do comércio mundial de Gás Natural Liquefeito (GNL), que cresceu mais de 100% nos últimos dez anos. Além de interligar produtores e mercados distantes como Trinidad e Tobago com a Ásia, a indústria não cessa de inovar, através do desenvolvimento de tecnologias para uso de GNL em transporte urbano, navios, locomotivas, além de projetos de liquefação flutuantes, que permitem o aproveitamento de reservas de gás em campos de díficil acesso. 2. As enormes descobertas de gás natural na África Oriental, Austrália, China e Turquemenistão, gerando bilhões de dólares em investimentos e turbinando a economia e o mercado de trabalho nesses países: um projeto de gás natural integrado mobiliza de 10 a 20 mil empregos na fase de construção e gera investimentos de US$ 10 a 30 bilhões. A experiência mundial mostra que os países bem sucedidos são aqueles que efetivamente desenvolveram políticas de incentivo à exploração de gás, regularam as atividades monopolísticas do setor e implementaram parcerias entre governo e iniciativa privada. Cenário nacional: desafios e barreiras Em 2012 a participação do gás natural na matriz energética brasileira foi de 11,5%. Apesar da produção doméstica de gás ter crescido 69% entre 2006 e 2014, apenas 36% do gás nacional chega ao mercado consumidor, o restante é consumido nas atividades internas e refinarias da Petrobrás. O Brasil se tornou importador de gás natural em 1999, com a entrada em operação do gasoduto Bolivia-Brasil. Embora tenha cogitado exportar GNL, a Petrobras cancelou o projeto em função de incertezas quanto à produção de gás do Pré-Sal. A situação de dependência externa vem aumentando, com importações crescentes de GNL a partir de 2009, o qual é 50-60% mais caro que o gás importado da Bolívia. O consumo de gás para geração de energia elétrica quadruplicou entre 2011 e 2014, enquanto que o consumo nos outros setores (industrial, residencial e transporte) tem estado praticamente estagnado, fruto da falta de políticas setoriais para o gás e de preços pouco competitivos. O Brasil precisa de gás natural, pois é o combustível que reúne qualidades que não se encontram em outros energéticos: é mais limpo que o carvão e o petróleo; é versátil, podendo ser consumido em todos os segmentos (residencial, industrial, transportes, geração de eletricidade); é um combustível imprescindível para a qualidade dos produtos industriais; e não é intermitente, como o vento ou a energia solar. Além de reservas pouco mapeadas de gás convencional, o Brasil tem enormes reservas de gás de folhelho, ocupando a décima posição mundial, segundo estudo do Departamento de Energia dos EUA. Uma série de entraves institucionais, fiscais e regulatórios colocam em evidência a fragilidade e a dependência energética crescente do Brasil: 1. Incertezas quando à Oferta Dependência acentuada e crescente de importações de gás natural e GNL. A situação deverá se agravar a partir de 2019 quando expira o contrato de gás boliviano, pois a Bolívia não dispõe de reservas suficientes para garantir o suprimento do Brasil aos volumes atuais por mais 20 anos. Falta um cronograma anual e estável de rodadas de exploração de petróleo e gás natural. As rodadas, até então anuais, foram interrompidas em 2008 e retomadas em 2013; aparentemente não vão ocorrer nem 2014, nem em 2015, gerando incertezas junto aos investidores, e prejudicando a reposição das reservas brasileiras de petróleo e gás no longo prazo. Inexistência de incentivos para exploração tanto de gás convencional e não-convencional. Diferentemente de outros países, como os EUA, Inglaterra e China, que oferecem diversos incentivos fiscais e econômicos, o Brasil não diferencia o gás do petróleo e não oferece incentivos para produção de gás natural. O leilão de blocos de gás realizado em novembro de 2013 foi decepcionante: de 240 blocos ofertados, somente 72 foram arrematados, 49 dos quais pela Petrobrás, refletindo a falta de incentivos e incertezas regulatórias. 2. Entraves ao Crescimento da Demanda Os preços de gás no Brasil são dos mais altos no mundo isso apesar de 65% do gás nacional ser associado e portanto com custo de produção baixo, já embutido no custo de produção de petróleo. Em dezembro de 2013 o preço ao consumidor industrial era quase três vezes o preço nos EUA e de 10 a 37%

mais caro do que nos países europeus. O preço ao consumidor residencial chega a 450% do preço residencial nos EUA e é 26% mais caro que no Reino Unido. Preços altos e indefinição quanto à oferta inibem a maior penetração do gás na indústria e residências. Preços Internacionais de Gás no City-Gate, 2012 Source: International Gas Union e Nexant, 2012 Vários fatores contribuem para o preço alto do gás natural no Brasil: preço elevado da molécula, baixo consumo individual no setor residencial devido ao clima ameno, alta carga tributária, ausência de competição na oferta e dependência crescente de gás importado. A carga tributária sobre o preço do gás é muito elevada, equivalendo a 27% do preço do gás sem tributos; em muitos casos os impostos excedem as margens de distribuição. Distorções criadas por políticas populistas de redução de preços de eletricidade impedem o desenvolvimento do mercado de cogeração, que além de ser um dos usos mais eficientes do gás, possibilitaria o descongestionamento das redes de distribuição de eletricidade. O consumo de gás na geração de eletricidade cresceu 300% entre 2011 e 2014; apesar do perfil cada vez mais hidrotérmico do sistema elétrico brasileiro, as condições de despacho do Operador Nacional do Sistema (ONS) e as regras restritivas dos leilões de energia por exemplo, preços incompatíveis com preços de mercado e exigência de comprovação de reservas de gás por 20-25 anos - impedem a assinatura de contratos de gás de longo prazo e a participação de investidores privados em projetos de usinas elétricas a gás natural. Como consequência, a Petrobrás é obrigada a comprar GNL no mercado spot/curto prazo para impedir que falte energia elétrica no Brasil, pagando preços altos, similares aos do Japão. Em 2013 o custo de importação de GNL foi superior a US$ 3 bilhões, situação que deverá se repetir em 2014. 3. Quadro institucional e regulatório desfavorece a competitividade Decorridos quase 20 anos após a emenda constitucional quebrando o monopólio estatal do petróleo, e apesar de existirem mais de 70 empresas explorando ou produzindo petróleo e gás no Brasil, a Petrobrás detém o monopólio de fato no suprimento de gás natural no País. A Petrobrás controla toda o suprimento de gás aos Estados, todos os pontos de importação e ainda participa com poder de veto da maioria das distribuidoras de gás no Brasil. Como consequência do monopólio não regulado no suprimento, o gás natural é precificado no city-gate ao custo de oportunidade com o óleo combustível, sem qualquer relação com custos de produção. Não existe transparência quanto ao custo da matéria-prima e do transporte. O gás nacional sem desconto é 20% mais caro que o gás importado boliviano. Além disso, produtores associados vendem o gás para a Petrobrás a preços baixos na boca-do-poço, por falta de acesso ao mercado, sem que esse benefício seja repassado aos consumidores.

A venda de gás ao consumidor final é controlada pelas distribuidoras estaduais de gás canalizado, com contratos de concessão exclusiva de 30-50 anos, renováveis por mais 20 anos. Apesar de margens permitindo a recuperação de custos e investimentos, apenas a CEG (RJ) e a COMGAS (SP) têm investido no crescimento da infra-estrutura e na penetração do gás nos segmentos residencial e comercial. As duas empresas respondem por 93% dos consumidores e por 73% das redes de distribuição de gás natural. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que tem como função assessorar a Presidência na formulação de políticas e diretrizes relacionadas ao setor de energia, tem sido pouco atuante, reunindo-se duas vezes por ano, com representatividade pouco expressiva da sociedade civil. Inexiste coordenação entre os orgãos reguladores estaduais e federais. Apesar de vários estados permitirem a existência de consumidores livres, não existem incentivos para que tal aconteça, devido à falta de competição no suprimento de gás e margens de distribuição que praticamente não diferenciam consumidores livres e cativos. No cenário internacional, os grandes consumidores industriais de energia deverão ampliar seus investimentos em países com custos de produção baixo e energia competitiva: EUA, Oriente Médio, China e India, em detrimento de países e regiões onde o preço da energia não é competitivo, como o Japão, Europa e, possivelmente, o Brasil. Além de perda de investimentos industriais e de oportunidades de geração de emprego, o Brasil corre o risco de precisar recorrer a usinas termelétricas emergenciais a óleo combustível, mais caras e poluentes, tal como vem ocorrendo em países que não conseguiram viabilizar uma produção doméstica sustentável de gás natural, por exemplo Bangladesh e Paquistão. Participação no Mercado Global de Produtos Intensivos em Energia Fonte: Agência Internacional de Energia (AIE), 2013 Propostas para o Desenvolvimento da Indústria de Gás no Brasil O Brasil precisa urgentemente de uma política efetiva de Governo para o gás natural. O modelo atual não está funcionando e não atende às necessidades da sociedade brasileira, pois: 1) não reduziu, ao contrário aumentou, a dependência de gás importado; 2) não estimulou a competição no suprimento; 3) não contribuiu para baixar os preços aos consumidores; 4) está desestimulando o investimento industrial no Brasil; 4) e não está possibilitando a construção de termelétricas a gás a preços competitivos. O Governo Federal deve coordenar ações prioritárias visando estimular a indústria de gás no Brasil, dentre as quais: Definição de política de gás natural com participação efetiva da sociedade, com metas de investimentos por parte do Governo e do setor privado e ações efetivas para superar os entraves. O CNPE deveria ser reformulado para cumprir seu papel estatutário, com ampliação da participação da sociedade civil. Choque de Oferta, visando aumentar a produção de gás no Brasil e incentivar a competição no suprimento. É imprescindível uma ação imediata pois o efeito somente se fará sentir no longo prazo tendo em vista os horizontes de maturação de projetos de gás natural (5-10 anos). Compromisso do governo federal de manter um cronograma anual e previsivel de rodadas de exploração de petróleo e gás natural. Mapeamento geológico detalhado pela ANP das reservas de gás no Brasil. Revisão pela ANP e Ministério de Minas e Energia das regras de licitação visando oferecer incentivos ao investimento na exploração de gás natural: redução ou abolição dos bônus de assinatura e participação especial, abrandamento dos requerimentos de conteúdo local,

concessão de incentivos fiscais para produção de gás natural, redução/isenção dos royalties, concessão de financiamento em termos favoráveis para construção de infraestrutura de escoamento de gás. Obrigatoriedade da Petrobrás e produtores privados de informarem a disponibilidade de gás no curto e longo prazos, visando o planejamento de investimentos pelos consumidores finais. A ANP deve organisar leilões periódicos de compra de gás produzido por empresas independentes e parceiros da Petrobrás, com acesso garantido à infraestrutura de transporte e transferência de gás, com remuneração do uso da infra-estrutura definida pela ANP. Viabilização inicial pelo Governo de infraestrutura de transporte de gás produzido em zonas distantes dos centros consumidores, com emissão de bonds de infraestrutura. Criação de Demanda Sustentável A política de preços deve encorajar a penetração do gás em todos os segmentos do mercado. Enquanto não houver competição no suprimento, o Governo deveria regular as atividades monopolísticas: Separação contábil e aprovação pelo Governo dos custos da molécula e transporte de gás. Preço de gás no city-gate pelo custo do serviço em lugar de custo da oportunidade. Investimentos realizados pela Petrobras em projetos estratégicos de baixa utilização, tais como o gasoduto GASENE, não deverão ser repassados ao consumidor final. Se aprovados pelo Governo, deverão ser objeto de políticas específicas de financiamento. Redução da carga tributária sobre o gás natural: isenção de PIS/Cofins e redução do ICMS. O transporte de gás é um monopólio de fato. Portanto, à semelhança de outros países, a ANP deverá publicar e moderar as tarifas de transporte de gás natural. Coordenação entre ANP e orgãos reguladores estaduais para harmonização de margens e tarifas de distribuição de gás. Incentivos ao uso sustentável de gás nos segmentos de transporte (GNV), cogeração industrial, geração distribuída e residencial: financiamento a juros baixos da infraestrutura de transporte e distribuição, conversão de consumidores, compra de veículos e postos de GNV; eliminação dos subsidios ao gás de botijão (GLP) em regiões dispondo de redes de gás canalizado; eliminação das distorções regulatórias entravando o crescimento da geração distribuída. O Governo Federal deverá reformular as regras dos leilões de energia visando atrair investidores privados na construção de termelétricas a gás: leilões por fonte de energia, preços realistas e compatíveis com o mercado, abolição da exigência de comprovação de reservas de gás por 20-25 anos e custos fixos compatíveis com as obrigações de suprimento de contratos de gás natural. Isso permitiria ao investidor firmar contratos de gás/gnl de longo prazo, economizando bilhões de dólares para o País. É imprescindível a reformulação do Marco Regulatório, visando incentivar a eficiência e atrair investimentos. O Governo precisa coordenar a abertura da infraestrutura de gás a terceiros interessados mediante remuneração justa e transparente para diversificar a oferta e aumentar a competição, aí incluídos os gasodutos de transporte, escoamento e transferência, redes de distribuição e terminais de GNL. O marco regulatório do setor de gás deve efetivamente regular os monopólios naturais visando o justo equilíbrio entre a proteção ao consumidor e a atração de investimentos. A experiência bem sucedida nos EUA e países europeus mostra que esses princípios têm sido bem sucedidos em aumentar a oferta e competitividade do gás natural. O Reino Unido e países europeus optaram por um operador único privado, para o sistema nacional de transporte de gás natural. Nos EUA co-existem diversos operadores, todos privados. O que existe em comum entre esses países: os transportadores de gás não podem ser comercializadores, devido ao conflito de interesse. O Brasil deveria implementar um modelo semelhante, seja através da venda dos ativos de transporte da Petrobrás para um operador neutro, ou através da criação de um operador independente do Sistema Nacional de Gás, à semelhança do que ocorre no setor elétrico. Para garantir a diversificação de suprimentos e a competição na oferta, a Comunidade Européia obrigou os monopólios nacionais de gás a liberarem 10% dos contratos de gás e da capacidade de transporte para terceiros, o que facilitou a competição e a atuação de comercializadores independentes. O Brasil poderia adotar políticas similares, visando encorajar a competição no suprimento.