ATIVIDADE FÍSICA E DISFONIA EM PROFESSORAS Palavras-chave: Distúrbios da voz, Atividade Motora, Docentes. Introdução A disfonia é um dos problemas ocupacionais mais prevalentes entre os professores (1-4) e um dos principais motivos de afastamento do trabalho (1,5-6). As condições ambientais e organizacionais do trabalho e o estilo de vida são fatores associados à disfonia. Estudos também mostram que a disfonia tem impacto importante na qualidade de vida, tanto sobre o componente mental quanto físico (7-9). Entretanto, são poucos os estudos epidemiológicos que examinam a associação entre disfonia e a atividade física. Na prática clínica, a investigação da atividade física em pacientes com problemas de voz é feita de rotina não apenas devido aos benefícios da atividade física para a saúde em geral, mas também, porque esse hábito está envolvido na produção vocal mais enérgica e com maior resistência (10-11). As situações de estresse interferem na evolução da disfonia (12) e os autores buscam constatar a efetividade da atividade física como um dos recursos para interferir no desencadeamento ou evolução dessa morbidade (13-14). A promoção da atividade física é uma prioridade em saúde pública, pois indivíduos ativos fisicamente vivem mais tempo do que os indivíduos sedentários e têm menos chance de desenvolver vários tipos de doenças crônicas, entre elas: doenças cardíacas, hipertensão arterial, diabetes do tipo 2, ansiedade e depressão. A intensidade e a freqüência de atividade física podem modificar a magnitude do efeito sobre as doenças crônicas (15). Nesse caso, os sujeitos com disfonia seriam beneficiados quando inseridos em práticas de atividade física? Dada a elevada prevalência de alteração vocal em professores e de inatividade física na população adulta brasileira, o objetivo do presente artigo é investigar se a prática de atividade física está associada à presença de disfonia em professoras do ensino fundamental. Método Foi realizado um inquérito sobre as condições de saúde e de trabalho dos professores do ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte (RMEBH). Participaram do estudo 3.142 professoras, excluindo-se aquelas que não exerciam a docência na escola ou estavam licenciadas.
A amostra aleatória simples considerou as escolas municipais que estavam em funcionamento em 2004, nos turnos da manhã e tarde. O questionário continha questões referentes a características sociodemográficas, trabalho, presença de depressão (General Health Questionaire 12), sintomas vocais, presença de infecções de vias aéreas superiores, realização de outra atividade com o uso da voz, prática de atividade física e hidaratação. A coleta de dados ocorreu entre maio de 2004 e julho de 2005 por meio de visitas realizadas nas escolas selecionadas. Antes da aplicação do questionário, as professoras foram informadas sobre os objetivos da pesquisa, sobre a instituição responsável e sobre o caráter voluntário e sigiloso da participação de cada um. Procedia-se, então, à entrega da carta convite e consentimento livre e esclarecido e do questionário. A variável dependente foi uma combinação das respostas às questões 53 e 54 do questionário Nas duas últimas semanas, você tem sentido cansaço para falar? e Nas duas últimas semanas, você percebe piora na qualidade de sua voz? Essas perguntas possuem 3 possibilidades de resposta, sendo: não, de vez em quando e diariamente. O grupo de professoras consideradas com problema de voz foi definido tendo como critério a combinação de sintomas (cansaço ao falar e piora na qualidade vocal), a freqüência (de vez em quando; diariamente) e a duração (últimos 15 dias). A categorização da variável foi determinada pelos seguintes valores: 0 para disfonia ausente e 1 para disfonia presente. Disfonia foi considerada a manifestação concomitante de cansaço ao falar e de piora na qualidade da voz por um período de 15 dias tendo freqüência esporádica (de vez em quando) ou diária (diariamente). Duas condições levaram a descartar a presença da disfonia: quando o respondente negou a presença de um dos dois sintomas no período de 15 dias; ou, quando o respondente afirmou a presença de ambos os sintomas, mas relatou uma freqüência esporádica (de vez em quando). A variável independente para investigar a prática de atividade física derivou da questão Você realiza alguma atividade física regular (caminhadas, exercícios, prática de esportes, etc.)? com três possibilidades de resposta: nenhuma, 1-2 vezes por semana e 3 ou mais vezes por semana. Utilizou-se o programa STATA, versão 8.0 para a análise estatística. Para verificar os fatores associados à disfonia foi realizada uma análise univariada e, todas as variáveis associadas à variável dependente ao nível p<0,20 foram testadas no
modelo final (p<0,05). A magnitude de associação foi estimada pela razão de prevalência e intervalo de confiança de 95%, obtidos pela regressão de Poisson adaptada para estudos transversais. O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local em 05 de outubro de 2004 e cumpriu os princípios éticos expressos na Declaração de Helsinki. Resultados A média de idade das professoras foi 42 (desvio padrão= 8) anos, a maioria casada (58,77%), com pelo menos um filho (70,28%) e nível superior (94,19%), 57,88% lecionavam em dois ou três turnos. O exercício de outra atividade com o uso intensivo da voz foi relatado por 17,08% das professoras. No modelo final, a disfonia mostrou-se associada à inatividade física ajustada pelo hábito de ingestão de água durante as aulas, problemas de via aérea superior, presença de depressão/ansiedade e percepção de ruído elevado gerado na sala de aula (p<0,05) (Tabela 1). A ausência de atividade física foi associada positivamente à disfonia. As professoras que não praticavam atividade física tiveram maior risco em apresentar disfonia (RP= 1,58/ IC95%= 1,15-2,17) quando comparadas àquelas que praticavam atividade física três ou mais vezes por semana (RP= 1,0) (Tabela 1). Discussão Na população de estudo, a prevalência de disfonia encontrada foi de 15,63% e a ausência de atividade física (não praticar nenhum exercício físico durante a semana) foi informada por 47,52 % das professoras. As demais professoras (52,48%) praticavam caminhadas, exercícios físicos, esportes e outros, sendo 31,25% uma ou duas vezes por semana e 21,23% três ou mais vezes por semana. A prevalência de disfonia foi maior entre as professoras que não praticam atividade física. Este resultado suscita o debate sobre o benefício da atividade física regular sobre a voz. É possível, portanto, que a associação observada entre inatividade física e disfonia reflita tanto um efeito direto da piora do sintoma vocal, como também seja uma expressão geral da deterioração da qualidade geral de vida dos indivíduos com disfonia, já observada por outros autores (7-9). A presença de depressão/ansiedade mostrou-se associada à disfonia entre as professoras incluídas no presente estudo (Tabela 1). Quanto ao papel da atividade física, é plausível supor que a redução do estresse a ela relacionada poderia levar a uma produção vocal com menor esforço e menor tensão muscular do aparelho fonador. Freqüentemente, em resposta ao
estresse os quadros disfônicos estão acompanhados de uma hipercontração dos músculos intrínsecos e extrínsecos da laringe (16). A resistência vocal é a habilidade de um falante usar sua dinâmica de voz por um determinado período (demanda), sem mostrar sinais de cansaço (fadiga) (17). A demanda vocal é uma combinação de tempo de uso da voz relacionado a fatores ambientais da comunicação como ruído de fundo, acústica do ambiente e qualidade do ar. Na atividade docente, a demanda mais importante diz respeito ao uso prolongado da voz associado aos fatores ambientais desfavoráveis, gerando um aumento do esforço vocal (18). No presente estudo, houve associação significativa entre a percepção pelos professores de ruído elevado gerado dentro da sala de aula e a disfonia. Hábitos saudáveis, por exemplo, atividade física, poderia amenizar esse efeito sobre a dinâmica do aparelho fonador. Em suma, a atividade física pode repercutir positivamente sobre a resistência vocal, já que a saúde fisiológica e emocional tem relação direta com o bem estar da voz (19). Sendo assim, quanto melhor o bem estar físico, maior a resistência vocal, ou seja, maior a sua capacidade do indivíduo de suportar suas demandas vocais de origem social e/ou profissional, sem apresentar sinais de fadiga na voz. Um limite do presente estudo refere-se à aferição da prática da atividade física, feita por meio de uma pergunta que não permite avaliar, por exemplo, a duração da atividade física dos respondentes por unidade de tempo, nem a natureza da atividade. Ademais, não foi possível avaliar a contribuição dos vários domínios da atividade física (tempo de lazer, ocupação, tarefas domésticas etc) no conjunto da atividade física da professora. As professoras com freqüência esporádica dos sintomas de voz (cansaço ao falar e piora da qualidade vocal) e o grupo que referiu apenas um dos dois sintomas não foram consideradas professoras com disfonia. Essa caracterização pode ter provocado uma subestimação da prevalência de disfonia por não incluir as professoras em estágio precoce de disfonia. No entanto, o grupo das professoras consideradas com presença de disfonia preenche melhor os critérios de caso. Estudos futuros serão necessários para uma melhor compreensão da interferência da atividade física sobre o bem estar físico e mental dos indivíduos, principalmente, no tocante ao grau dos seus efeitos sobre a resistência e a produção vocal, e ao conseqüente surgimento de sintomas relacionados à voz. A prática de hábitos saudáveis é imprescindível para a saúde vocal.
Tabela 1. Modelo final da associação entre disfonia e prática da atividade física ajustado por outros fatores - 2004/2005 Fatores RP* IC95%** Prática de atividade física regular 3 ou mais vezes por semana 1 1-2 vezes por semana 1,24 0,88-1,76 Nenhuma 1,58 1,15-2,17 Ingestão de água durante as aulas Não 1 Sim 1,37 1,05-1,78 Problema nas vias aéreas superiores (últimos 15 dias) Não 1 Sim 2,65 2,07-3,39 Depressão/ Ansiedade ausente 1 presente 1,85 1,44-2,37 Ruído gerado na sala de aula Desprezível a razoável 1 Elevado a insuportável 2,20 1,70-2,85 *RP= razão de prevalência **IC= intervalo de confiança REFERÊNCIAS 1. Roy, N, Merril, RM, Thibeaul,TS, Gray, SD, Smith, EM. Voice disorders in teachers and the general population: effects on work performance, attendance, and future career choices. Journal of Speech, Language, and Hearing Research. 2004;47:542-551. 2. Delcor, NS, Araújo, TM, Reis, E JFB, Porto, LA, Carvalho, FM, Silva, MO, Barbalho, L, Andrade, JM. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2004;20(1):187-196. 3. Simberg, S, Sala, E, Vehmas, K, Laine, A. Changes in the prevalence of vocal symptoms among teachers during a twelve-year period. Journal of Voice. 2005;19(1):95-102. 4. Medeiros, AM, Barreto, SM, Assunção, AA. Voice disorder (dysphonia) in public school female teachers working in Belo Horizonte: prevalence and associated factors. Journal of Voice. 2008;22(6): 676-687. 5. Medeiros, AM, Barreto, SM, Assunção, AA. Professores afastados da docência por disfonia: o caso de Belo Horizonte. Cadernos de Saúde Pública (UFRJ). 2006,14:615-624 6. Fortes FSG, Imamura R, Tsuji DH, Sennes LU. Perfil dos profissionais da voz com queixas vocais atendidos em um centro terciário de saúde. Rev Brasileira de Otorrinolaringologia. 2007;73(1):27-31. 7. Wilson JA, Deary IJ, Millar A, Mackenzie K,. The quality of life impact of dysphonia. Clinics Otolaryngologie Allied Sciences. 2002;27:179-82. 8. Kasama ST, Brasolotto AG. Vocal perception and life quality. Pro Fono. 2007;19: 19-28.
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