Visita domiciliária: estratégia educativa em saúde para o autocuidado em diabetes



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Artigo Original Visita domiciliária: estratégia educativa em saúde para o autocuidado em diabetes Home visit: an educational health strategy for self-care in diabetes Heloisa de Carvalho Torres 1 Laura Maria dos Santos 1 Palloma Maciel Chaves de Souza Cordeiro 1 Descritores Enfermagem em saúde pública; Educação em enfermagem; Enfermagem de atenção primária; Diabetes mellitus tipo 2; Autocuidado Keywords Public health nursing; Nursing education; Nursing primary care; Diabetes mellitus type 2; Self care Submetido 16 de Janeiro de 2014 Aceito 26 de Febereiro de 2014 Resumo Objetivo: Compreender a visita domiciliária como estratégia educativa em saúde a para orientar as práticas do autocuidado aos portadores de diabetes mellitus tipo 2. Métodos: Pesquisa qualitativa utilizando 25 visitas domiciliárias a portadores de diabetes mellitus que não compareceram ao programa educativo em diabetes da unidade básica de saúde. Os dados foram organizados, categorizados mediante a análise de conteúdo. Resultados: Emergiram quatro categorias temáticas: Sentimentos; Conhecimento sobre a doença; Seguimento do plano alimentar e atividade física; e Barreiras para o autocuidado Conclusão: A visita domiciliária é uma importante estratégia para a educação em saúde para orientar as práticas do autocuidado aos portadores de diabetes mellitus tipo 2. Abstract Objective: To understand the home visit as an educational health care strategy to orient the self-care practices of patients with type 2 diabetes mellitus. Methods: A qualitative study using 25 home visits to patients with diabetes mellitus, who did not attend the diabetes education program offered by the basic health care unit. Data were organized and categorized by content analysis. Results: Four thematic categories emerged: feelings; knowledge about the disease; adherence to meal plan and physical activity; and barriers to self-care. Conclusion: Home visit is an important strategy for health care education to orient patients with type 2 diabetes on self-care practices. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400006 Autor correspondente Heloísa de Carvalho Torres Avenida Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30100-100 heloisa.ufmg@gmail.com 1 Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. Acta Paul Enferm. 2014; 27(1):23-8. 23

Visita domiciliária: estratégia educativa em saúde para o autocuidado em diabetes Introdução O aumento da expectativa de vida da população associado à má alimentação e ao sedentarismo, estão contribuindo para a elevação das taxas da ocorrência de diabetes mellitus tipo 2 em todo o mundo. (1) O Brasil apresenta aproximadamente seis milhões de pessoas com diabetes e estima-se que em 2025 chegue a 10 milhões. (1) A assistência ao portador de diabetes envolve diferentes estratégias, como consulta multiprofissional, tratamento medicamentoso, adoção de hábitos saudáveis e participação em grupos educativos. Assim, é necessário o desenvolvimento de programas educativos sobre a adoção de práticas do autocuidado. Constata-se que muitas vezes, por diversos motivos, entre eles a dificuldade de mobilidade, há baixa adesão a essas atividades e, nestes casos, a visita domiciliaria surge como uma estratégia. (2,3) O atendimento domiciliar valoriza a troca de experiências e saberes, aumentando o vínculo entre o portador e o profissional de saúde, e a elaboração de orientações a partir da compreensão do contexto de vida. (3,4) Essa abordagem assistencial, integral e humanizada busca melhorar o conhecimento sobre a patologia, aproximando o portador de seu tratamento tornando-o autônomo e responsável pela sua saúde. (5-9) Durante a visita domiciliária pode-se facilitar o entendimento do paciente e o seu envolvimento com a utilização do Mapa de Conversação que é um instrumento lúdico, criado pela Federação Internacional de Diabetes para abordar temas referentes à patologia valorizando o diálogo e a troca de experiências e saberes. (10) A estratégia da visita domiciliária permite levar educação em saúde para usuários com dificuldade de acesso aos serviços de atenção básica. É uma ferramenta que deve ser estudada e trabalhada a fim de aumentar sua viabilidade para os serviços de saúde. O objetivo deste trabalho é compreender a visita domiciliária como estratégia educativa em saúde a para orientar as práticas do autocuidado aos portadores de diabetes mellitus tipo 2. Métodos Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada em quatro Unidades Básicas de Saúde, da cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil que desenvolvem um programa educativo em diabetes. A população do estudo foi constituída pelos usuários que não compareceram ao programa. Foram realizadas 25 visitas domiciliárias, agendadas de acordo com a disponibilidade do usuário. A coleta dos dados ocorreu durante a realização das visitas domiciliares. Foi utilizado o Mapa de Conversação para direcionar as ações educativas, que apresenta seções com imagens e ilustrações sobre diferentes assuntos. A primeira seção é sobre os sentimentos frente ao diabetes mellitus. A segunda refere-se à sua fisiopatologia, apresentando de forma lúdica, os mecanismos de ação da insulina. A terceira trata das complicações crônicas e agudas da diabetes mellitus não controlada; e a quarta seção apresenta uma ilustração da tríade do autocuidado: alimentação saudável, prática de exercícios físicos e uso correto da medicação. Assim os diferentes temas sobre a importância do autocuidado foram apresentados e as dúvidas foram esclarecidas. Foi elaborado um roteiro semi-estruturado para a discussão do Mapa de Conversação, feito com perguntas norteadoras que exploravam os conhecimentos, os sentimentos e hábitos de vida em relação ao diabetes mellitus e ao autocuidado. Cada visita durou em média quarenta e cinco minutos. O decorrer das visitas foi registrado manualmente e por meio de gravações, sendo esse material sistematizado e categorizado para compor um banco de dados, considerandose opiniões recorrentes, dissensos e consensos. Em seguida, foi realizado o processamento e a interpretação de dados com base no enfoque da análise de conteúdo em sua versão adaptada por Bardin. (11) O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. 24 Acta Paul Enferm. 2014; 27(1):23-8.

Torres HC, Santos LM, Cordeiro PM Resultados Foram visitados 25 usuários, sendo 18 mulheres e sete homens, com média de idade igual a 63,7 anos para ambos os sexos. Com relação aos dados sociodemográficos, 64% viviam com um companheiro, 68% eram profissionalmente inativos. A média de duração da doença foi de 15 anos para os homens e 7,7 para as mulheres. Cursaram o ensino fundamental completo ou menos, 52% dos usuários, e 28% eram analfabetos. Emergiram quatro categorias temáticas: Sentimentos; Conhecimento sobre a doença; Seguimento do plano alimentar e atividade física; e Barreiras para o autocuidado (Figura 1). Sentimentos A primeira categoria discorre sobre os sentimentos que surgiram quando os usuários descobriram a doença e como foi sua reação diante desse primeiro contato. O primeiro tópico extraído dessa categoria foi o medo perante o diagnóstico, de ter que enfrentar uma doença crônica e tomar remédios para a vida toda. O segundo tópico foi o sentimento de raiva perante o diagnóstico e a necessidade de mudar hábitos de vida. O terceiro tópico traz o sentimento do reconhecimento da necessidade da mudança e toda a dificuldade que isso implica para o portador do DM e o quarto tópico, traz a aceitação do diagnóstico e a vontade de se cuidar. Nesse contexto fica claro a diversidade de sentimentos relacionados ao diagnóstico do DM. Aceitar a nova condição de saúde, as reações negativas como medo, raiva, a necessidade de mudanças, são sentimentos que devem ser escutados e trabalhados pelos profissionais de saúde intervindo sobre suas dúvidas e angústias a fim de tranquilizá-los a respeito de seus medos e temores. Conhecimento sobre a fisiopatologia da diabetes mellitus A partir das imagens presentes no Mapa de Conversação, alguns usuários demonstraram certo conhecimento sobre a doença, enquanto outros conseguiram fazer apenas poucas associações. O primeiro tópico extraído foi: a produção da insulina e o metabolismo da doença, explicitando o funcionamento do corpo humano e suas relações com o diabetes. O segundo tópico discorre sobre as complicações do diabetes, sendo que, em sua grande maioria, o seu conhecimento estava relacionado às vivências adquiridas com o passar dos anos, e os mais citados foram a hiper e hipoglicemias, as retinopatias, nefropatias e vasculopatias. Isso mostrou que é importante que o profissional de saúde oriente e explique melhor sobre o funcionamento da doença, pois isso aumenta a in- Sentimentos Conhecimentos sobre a fisiopatologia Plano Alimentar e Atividade Física Barreiras enfrentadas no cotidiano Medo Raiva Necessidade de mudança Aceitação Produção da insulina e metabolismo da doença Complicações da doença Plano Alimentar Prática de Atividade Física Falta de tempo Dificuldade Financeira Complicações da doença Figura 1. Categorias temáticas do estudo Acta Paul Enferm. 2014; 27(1):23-8. 25

Visita domiciliária: estratégia educativa em saúde para o autocuidado em diabetes teração do usuário com o seu tratamento a partir do momento que ele conhece o que está acontecendo no seu corpo. Plano alimentar e prática de atividade física O tópico plano alimentar demonstra o conhecimento que o usuário tem sobre a dieta, a necessidade de fracionamento das refeições e as dificuldades enfrentadas para mudar o hábito de vida. Já o tópico atividade física, traz o relato do entendimento da necessidade da atividade física no tratamento do diabetes, mas uma baixa adesão a esse estilo de vida, por diferentes motivos. Barreiras para o autocuidado O primeiro tópico destaca a falta de tempo para realizar atividades de autocuidado como as atividades físicas ou preparação dos alimentos. O segundo tópico traz as dificuldades financeiras como barreiras para aderir a uma dieta mais saudável ou práticas de atividades físicas e o terceiro tópico traz as complicações da doença ou patologias associadas como fatores dificultadores para a realização do autocuidado. A criação de estratégias para a superação das barreiras encontradas deve ser uma atividade desenvolvida em conjunto, pelos usuários e profissionais, a partir de suas vivências e o contexto em que vivem. Discussão A estratégia da visita domiciliária permitiu orientações para a prática do autocuidado. O Mapa de Conversação foi um instrumento facilitador que permitiu integrar os conceitos e relações da diabetes mellitus de forma lúdica, valorizando a importância do conhecimento fisiopatológico para estes. (12,13) Outro estudo realizado para avaliar o método do Mapa de Conversação apontou a facilidade do diálogo e interação dos sujeitos, a partir da construção de relacionamentos e partilhas de experiências, concluindo que contribui para o autocuidado. (10) Dois dados se tornaram relevantes para o presente estudo: idade e escolaridade dos participantes. A amostra se caracterizou por uma população idosa e com baixo nível de escolaridade. Foi perceptível durante as entrevistas uma dificuldade de compreensão das orientações por essa população. Estudos afirmam que idade avançada e baixo nível de instrução podem limitar o acesso às informações, uma vez que é menor a compreensão dos usuários frente às orientações passadas pelos profissionais de saúde. Dessa forma há uma maior dificuldade de adesão ao tratamento, prejudicando o autogerenciamento dos cuidados e conseqüentemente o controle da doença. (12) Isso requer do profissional conhecimento da clientela e habilidades para adaptar a linguagem para que se torne compreensível a esse público e ainda atitudes inovadoras, como o uso do Mapa de Conversação. O sentimento inicial frente ao diagnóstico de diabetes mellitus foi muito vezes negativo, e no domicílio os sentimentos emergiram, e a privacidade do lar permitiu aprofundar o diálogo, o que muitas vezes não ocorre durante as consultas individuais na unidade básica de saúde. Sentimentos de negação, tristeza e insatisfação foram os mais constantes e sempre relacionados à dificuldade de adaptação à nova rotina estabelecida pela doença. Uma pesquisa que aborda as dificuldades relatadas por diabéticos em um grupo de apoio, discorre sobre estes sentimentos e relata que as falas apontam diferentes reações frente ao diagnóstico. (14) Dentre aqueles que apresentaram reações emocionais negativas, preponderam os sentimentos como raiva e tristeza, levando às reações de impugnação e depressão. Percebeu-se que estes fatores emocionais estão ligados intimamente com o apoio familiar, conhecimento da doença e a presença de comorbidades psicológicas, como depressão e ansiedade. Além disso, muitas vezes a necessidade de mudança no estilo de vida, gera insatisfação e resistência, levando à negação da doença. (15) Outro estudo afirma que a maneira como os portadores reagem perante a diabete mellitus interfere direta e indiretamente no desempenho da prática do autocuidado, cabendo ao enfermeiro mediar o conflito entre as emoções e ações de autocuidado. (16) Assim, as atividades educativas devem ser 26 Acta Paul Enferm. 2014; 27(1):23-8.

Torres HC, Santos LM, Cordeiro PM apoiadoras e construtoras do saber, não somente um repasse de informações. Sobre a fisiopatologia do diabetes, os participantes possuíam alguma informação, mas não domínio de conceitos e das relações entre estes e o autocuidado. Uma pesquisa encontrou resultado semelhante ao estudo, afirmando que a maioria dos usuários relatava apenas que diabetes é açúcar no sangue. (2) Sabe-se que a falta de conhecimento sobre a doença impede que se faça um controle adequado. Portanto é necessário que a educação em saúde aborde de forma clara e de acordo com a realidade do usuário, o que caracteriza a doença e quais seus desdobramentos. Estudo que avalia o conhecimento do paciente sobre a diabetes mellitus indica que, após a intervenção educativa, esse melhorou significativamente. (8) O conhecimento sobre sua doença é a base para se conseguir a prática correta do autocuidado, assim como a participação mais efetiva no tratamento, porém a aquisição do conhecimento não induz necessariamente à mudança de comportamento. (17-20) Isso aponta a visita domiciliária não só como estratégia para a transmissão desse conhecimento, mas no desenvolvimento do processo de autocuidado e na reflexão da importância da adesão ao tratamento. No que diz respeito às complicações, o medo foi um sentimento que apareceu associado à possibilidade do seu surgimento. Apesar do medo ser um sentimento negativo, pode estimular o autocuidado, como forma de evitar o aparecimento destas complicações. (18) Discutindo esses aspectos, percebeu-se a necessidade dos usuários de aprender mais sobre a diabetes mellitus, e o reconhecimento por parte dos profissionais da deficiência das orientações dadas por meio do processo convencional da educação do autocuidado. A abordagem sobre a alimentação gerou muita dúvida por parte dos usuários. Percebeu-se que o assunto é uma das principais preocupações do tratamento e os questionamentos eram inevitáveis. Entre os diabéticos é comum dúvidas em itens importantes do tratamento dietético e a orientação alimentar realizada pelo nutricionista é muito importante. (12) Diante das restrições que os usuários vivenciam em seu cotidiano durante o longo processo de adoecimento da diabetes, aparecem reações de raiva e inconformismo com o atual plano alimentar recomendado pelo profissional. (18) Abordando a prática regular de atividade física, observou-se que há grande resistência por parte dos usuários em realizá-la. Muitos motivos são apontados como falta de tempo e de espaço para sua realização, dores advindas de comorbidades, falta de companhia, entre outras. Estudo encontra dado semelhante, no qual 62% dos portadores de diabetes relatam não praticar atividade física regularmente e as principais justificativas foram: falta de tempo, desconforto e restrição médica. (20) Nas visitas domiciliárias nenhum dos portadores relatou a prática regular de exercícios físicos juntamente com a dieta recomendada, indicando que a adesão completa ao tratamento é ainda difícil. Estudo mostra que os tratamentos que requerem decisões ou julgamentos por parte de portadores estão associados à não adesão. (20) Além disso, as crenças pessoais sobre a alimentação, especialmente em relação à existência de alimentos nocivos ou proibidos, são difíceis de serem mudadas, e podem interferir na adesão ao autocuidado. Considerando todos estes desafios, a atuação do profissional de saúde é muito importante. (18) O profissional deve buscar a interação com o indivíduo a fim de favorecer o diálogo capaz de gerar um pensamento crítico a respeito da mudança de comportamento, de acordo com seu contexto sócio cultural. O atendimento individual proporcionado pela visita domiciliária, permite ao profissional fornecer orientações específicas para cada usuário, de acordo com suas necessidades, sempre respeitando e valorizando suas peculiaridades. (7) E percebe-se que mais importante que transferir o conhecimento, é fornecer autonomia a esse indivíduo, abrindo espaço para que eles construam suas próprias perspectivas. (11,15) As dificuldades da realização das visitas domiciliárias são: dificuldade de acesso devido à localização demográfica, ausência do usuário, afazeres domésticos das donas de casa e presença de muitos familiares no domicílio dificultando a interação usuário-profissional de saúde. Dificuldades relacionadas Acta Paul Enferm. 2014; 27(1):23-8. 27

Visita domiciliária: estratégia educativa em saúde para o autocuidado em diabetes aos indivíduos também pode ser citadas: baixo grau de cognição, baixa escolaridade, o estado emocional do indivíduo abalado por problemas pessoais e a não aceitação da doença. Observou-se que a visita domiciliária estruturada, contempla as necessidades do indivíduo, estimulando a adesão ao tratamento a partir das práticas de autocuidado, trazendo autonomia. Além disso, promove a aproximação do profissional à realidade dos indivíduos. Conclusão A visita domiciliária é uma importante estratégia para a educação em saúde para orientar as práticas do autocuidado aos portadores de diabetes mellitus tipo 2. Agradecimentos Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), processo APQ-01056-10. Projeto apoiado pela BRIDGES (programa International da Federação de Diabetes apoiado por uma bolsa educacional de Lilly Diabetes). Colaborações Torres HC contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo. Santos LM colaborou com a revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Cordeiro PMCS participou da execução da pesquisa e redação do artigo. Referências 1. Albuquerque AB, Bosi ML. Visita domiciliar no âmbito da Estratégia Saúde da Família: percepções de usuários no Município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(5):1103-12. 2. Torres HC, Souza ER, Lima MH, Bodstain RC. Intervenção visando os conhecimentos, atitudes e práticas educativas do autocuidado em diabetes mellitus. Acta Paul Enferm. 2011;24(4):67-75. 3. Torres HC, Abreu CR, Nunes CS. Visita domiciliar: estratégia educativa para o autocuidado de clientes diabéticos na atenção básica. Rev Enferm UERJ. 2011;19(1):89-93. 4. Teixeira CP. Visita domiciliar: um instrumento de intervenção. Soc Debate. 2009;15(1):165-78. 5. Lopes WO, Saupe R, Massaroli A. Visita domiciliar: tecnologia para o cuidado, o ensino e a pesquisa. Ciênc Cuidado Saúde. 2008;7(2):241-7. 6. Otero LM, Zanetti ML, Ogrizio MD. Conhecimento do paciente diabético acerca de sua doença, antes e depois da implementação de um programa de educação em diabetes. Rev Latinoam Enferm. 2008;16(2):231-7. 7. Medeiros PA, Pivetta HM, Mayer MS. Contribuições da visita domiciliar na formação em Fisioterapia. Trabalho Educ Saúde. 2013;10(3):407-26. 8. Peres EM, Dal Poz MR, Grande NR. Visita domiciliar: espaço privilegiado para diálogo e produção de saberes. Rev Enferm UERJ. 2008;14(2):208-13. 9. Kebian LAV, Pena DA, Ferreira VA, Tavares MF, Acioli S. As práticas de saúde enfermeiros na visita domiciliar e a promoção da saúde. Rev APS. 2012;15(1):92-100. 10. Fernandes OD, Worley AV, Beaton SJ, Glasrud P. Educator experience with the U.S. Diabetes Conversation Map Education Program in the Journey for Control of Diabetes: The IDEA Study. Diabetes Spectrum. 2010;23(3):194-8. 11. Bardin L. Análise de conteúdo. 7a ed. São Paulo; 2011. 12. Torres HC, Pereira FR, Alexandre LR. Avaliação das ações educativas na promoção do autogerenciamento dos cuidados em diabetes mellitus tipo 2. Rev Escola Enferm USP. 2011;45(5):1077-82. 13. Fontinele RS, Peres LC, Nascimento MA, Boni MS. Avaliação do conhecimento sobre alimentação entre pacientes com diabetes tipo 2. Comun Ciênc Saúde. 2007;18(3):197-206. 14. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24a ed. São Paulo; 2002. 15. Xavier AT, Bittar DB, Ataíde MB. Crenças no autocuidado em diabetes: implicações para a prática. Texto & Contexto Enferm. 2009;18(1):124-30. 16. Sakata KN, Almeida MC, Alvarenga AM, Craco PF, Pereira MJ. Concepções da equipe de saúde da família sobre as visitas domiciliares. Rev Bras Enferm. 2007;60(6):659-64. 17. Trento M, Passera P, Tomalino M, Bajardi M, Pomero F, Allione A, et al. Group Visits Improve Metabolic Control in Type 2 Diabetes. Diabetes Care. 2001;24(6):995-1000. 18. Oliveira NF, Souza MC, Zanetti ML, Santos MA. Diabetes mellitus: desafios relacionados ao autocuidado abordados em Grupo de Apoio Psicológico. Rev Bras Enferm. 2011;64(2):301-37. 19. Filho CV, Rodrigues WH, Santos RB. Papéis de autocuidado - subsídios para enfermagem diante das reações emocionais dos portadores de diabetes mellitus. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(1):125-129. 20. Villas Boas LC, Foss MC, Freitas MC, Torres HC, Monteiro LZ, et al. Adesão à dieta e ao exercício físico das pessoas com diabetes mellitus. Texto & Contexto Enferm. 2011;20(2):272-9. 28 Acta Paul Enferm. 2014; 27(1):23-8.