REVISTA BRASILEIRA DE COLOPROCTOLOGIA

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VOLUME REVISTA BRASILEIRA DE COLOPROCTOLOGIA ABRIL / JUNHO 2005 ARTIGOS ORIGINAIS EFEITO DA HEMORROIDECTOMIA NAS PRESSÕES DO CANAL ANAL ESTUDO MANOMÉTRICO Nº 2 NÚMERO 25 2 MARIA AUXILIADORA PROLUNGATTI CESAR 1, CARLOS EDUARDO AZEVEDO FERRETTI 1, DEOMIR GERMANO BASSI 1, HUGO NUNES MACHADO FILHO 1, MARIA FERNANDA DE OLIVEIRA 1, ROSANA PROLUNGATTI CESAR 1, MANLIO BASILIO SPERANZINI 1 1 Serviço de Clínica Cirúrgica, Hospital Universitário de Taubaté, UNITAU, Taubaté, SP CESAR MAP, FERRETTI CEA, BASSI DG, MACHADO FILHO HN, OLIVEIRA MF, CESAR RP, SPERANZINI MB. Efeito da Hemorroidectomia nas Pressoes do Canal Anal Estudo Manométrico. Rev bras Coloproct, 2005;25(2):115-120. RESUMO: A doença hemorroidária é afecção muito freqüente, sendo o conhecimento da anatomia e fisiologia anorretal indispensável para o tratamento cirúrgico. A relação causa-efeito entre o procedimento cirúrgico e as alterações das pressões do canal anal ainda não estão bem definidas na literatura. Objetivo: O estudo visa verificar as pressões do canal anal, através manometria ano-retal, em pacientes submetidos a hemorroidectomia à Milligan-Morgan. Pacientes e métodos: Estudo prospectivo em dez pacientes portadores de doença hemorroidária grau III, com os três mamilos em posições clássicas, submetidos a hemorroidectomia. O estudo foi realizado com manômetro portátil PL-3000 com balão de água sem preparo intestinal; na véspera da cirurgia e doze semanas após o procedimento cirúrgico. O balão do manômetro era introduzido no orifício anal até seis centímetros da reborda anal. Realizaram-se medidas em intervalo de um em um centímetro no sentido crânio-caudal, medindo em cada ponto: pressão máxima de repouso, pressão máxima de contração e pressão mínima de evacuação. Para análise estatística foi utilizado o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, com probabilidade de erro de 5%.(Z=1.96). Resultados: Os resultados obtidos nos dois exames para as mesmas variáveis não apresentaram diferença significativa, cujo Z calculado foi menor que 1,96 em todas as variáveis. Conclusão: Concluímos com análise dos dados que estatisticamente não há alteração nas pressões e no comprimento do canal anal em pacientes submetidos a hemorroidectomia à Milligan-Morgan. Descritores: hemorroidectomia, manometria ano-retal, fisiologia anal INTRODUÇÃO A doença hemorroidária é uma das enfermidades mais antigas de que se tem registro e por sua grande incidência desperta interesse do cirurgião pela aparente facilidade e simplicidade das técnicas operatórias (Habr-Gama et al, 1980). A manometria anorretal é um exame que está se tornando cada dia mais acessível aos coloproctologistas no auxílio diagnóstico e terapêutico de algumas doenças, permitindo, entre suas múltiplas indicações, a análise das alterações pressóricas do canal anal pós hemorroidectomia. Para caracterização do padrão pressórico do canal anal, os estudos de Keighley (1989) e Ger (1993), determinaram as variáveis a serem analisadas em um estudo manométrico: a pressão de repouso do canal anal, a pressão máxima de contração e a pressão de evacuação. Trabalho realizado no Hospital Universitário de Taubaté - UNITAU - Serviço de Clínica Cirúrgica. Recebido em 09/05/2005 Aceito para publicação em 23/05/2005 115

Nº2 Admite-se que as alterações pressóricas existentes em pacientes portadores de doença hemorroidária sejam conseqüência e não causa da doença, tanto que relatos da literatura descrevem o retorno aos parâmetros pressóricos normais após o procedimento cirúrgico (hemorroidectomia). (Bursics et al, 2004). Em 1989, Champigneulle et al. publicaram um estudo prospectivo sobre a função do esfíncter anal antes e após hemorroidectomia, através de uma comparação entre vinte e cinco pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico da doença hemorroidária (H) e 22 paciente voluntários formando um grupo controle (T). Observaram que a pressão de repouso no préoperatório era maior no grupo H do que no grupo T, e que no pós-operatório a pressão de repouso ficava estatisticamente menor no grupo H. Ao analisar o comprimento do canal anal, verificaram que no préoperatório não havia diferença entre os grupos, mas após a cirurgia o grupo H mostrou uma diminuição estatisticamente significativa. HO et al ( 1995 ) investigaram a hipótese de que a doença hemorroidária ocorre devido a anormalidades fisiológicas, referentes às pressões do canal anal. Esses autores, comparando os achados manométricos prévios à hemorroidectomia, demonstraram que, após seis semanas de pós-operatório, havia uma queda na pressão de contração, mas os demais parâmetros permaneciam inalterados. Ao avaliar as pressões com seis meses, observaram que tanto a pressão de repouso quanto a de contração apresentavam redução quando comparadas às do pré-operatório. Concluíram que as anormalidades pressóricas seriam secundárias à presença da doença hemorroidária e não sua causa. Em 1999, Chen HH et al. publicaram os resultados preliminares dos achados manométricos pré e pós hemorroidectomia, relatando que a pressão de repouso nos pacientes com doença hemorroidária é maior que no grupo controle, mas que após a cirurgia existe um decréscimo da pressão de repouso. Altomare et al. (2001), avaliando os efeitos a longo prazo da hemorroidectomia, concluíram não haver repercussões funcionais ou morfológicas no esfíncter interno, sendo que as alterações de sensibilidade e as complicações pós-operatórias (estenose e incontinência) são conseqüências da lesão da fibra muscular. A diferença de opinião e as poucas publicações na literatura relacionadas às alterações da manometria ano-retal em pacientes portadores de doença hemorroidária submetidos ao procedimento cirúrgico, despertam interesse marcante em determinar quais as possíveis alterações nas pressões do canal anal resultantes da cirurgia. OBJETIVOS Avaliar as variações das pressões do canal anal, no pré e pós-operatório de hemorroidectomia à Milligan-Morgan, por meio de estudo manométrico PACIENTES E MÉTODOS Trata-se de estudo prospectivo realizado em dez pacientes internados na Enfermaria de Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário de Taubaté, portadores de doença hemorroidária de III grau, submetidos a hemorroidectomia à Milligan-Morgan, no período de janeiro a setembro de 2004 (todos operados pelo mesmo cirurgião- mapc ). Os pacientes foram submetidos ao exame de manometria anorretal no pré e pós-operatório, sendo considerados os seguintes fatores de exclusão: operações prévias ano-retais ou colorretais ; uso de medicações que possam afetar a motilidade intestinal e a sensibilidade do canal anal; fissura anal associada; complicações pós-operatórias locais. Todos os pacientes analisados no presente estudo eram, antes da execução do exame, orientados e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a participação. Tal instrumento de pesquisa teve sua apreciação e aprovação na Comissão de Ética Médica (CEM) do Hospital Universitário de Taubaté e pela comissão de ética em pesquisa da Universidade de Taubaté (CEP- UNITAU ) O exame manométrico foi realizado com o aparelho Proctosystem PL-3000 (Viotti Associados Indústria Eletrônica, São Paulo, Brasil), com sonda de balão. O exame manométrico foi realizado em todos os pacientes em dois momentos. O primeiro no dia que antecedeu a hemorroidectomia e o segundo, 12 semanas após o procedimento cirúrgico com cicatrização da região perianal completa. Foram medidas as pressões a cada centímetro desde 6 cm da borda anal. Os dados registrados determinaram as variáveis analisadas: 116

Nº 2 Pressão de Repouso (PR) : representa o valor máximo com o paciente em repouso, determinada pelo tônus do músculo esfíncter interno do anus. Pressão de Contração (PC) : representa o valor máximo durante a contração voluntária do músculo esfíncter externo do anus. Pressão de Evacuação (PEv) : representa o valor mínimo durante o esforço evacuatório. A cada exame ( pré e pós operatório ) foram registrados 18 valores de pressão. Em cada paciente, expressos em centímetros de água (cm H 2 O); com a análise das variações pressóricas de repouso foi determinado o comprimento do canal anal, que constituiu a quarta variável analisada. Para apresentação dos resultados, os parâmetros utilizados foram as médias e o respectivo desvio-padrão de cada variável, utilizando o Microsoft Excel 2000. Com a finalidade de verificar a existência de significância na comparação dos resultados foi utilizado o teste de Wilcoxon - Mann - Whitney, com valor do Z calculado em 1,96 para intervalo de confiança de 95%, isto é, valor de α (alfa) igual a 5%, através do programa estatístico Assistat 7.1 beta. RESULTADOS Nos dez pacientes analisados, no presente estudo, a média das idades foi de 52,8 anos, tendo variado entre 38 e 85 anos ; seis pacientes eram do sexo feminino e quatro do sexo masculino. Os resultados das pressões de repouso, contração, e evacuação, estão dispostos nas Tabelas- 1, 2 e 3 respectivamente. Em todos as distâncias da borda anal e em todas as pressões estudadas os dados são significativos, não se demonstrando estatisticamente nenhuma alteração pressórica provocada pelo procedimento cirúrgico. Analisando o comprimento do canal anal não houve variação no comprimento do canal anal, com exceção dos pacientes 1 e 10. (Tabela-4). DISCUSSÃO Por muitos anos as operações orificiais, das quais a hemorroidectomia é a mais freqüente, foram realizadas sem a mínima preocupação em conhecer o comportamento fisiológico do canal anal. O seu estudo se tornou possível a partir da utilização crescente da manometria ano-retal na investigação clínica das doenças do canal anal. As estenoses e principalmente as Tabela 1 Resultados manométricos - PRESSÃO DE REPOUSO (cm H 2 O). Altura do Canal Anal Paciente 6 cm 5 cm 4 cm 3 cm 2 cm 1 cm PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS 1 33 37 40 42 49 60 58 53 66 62 56 59 2 25 27 23 25 10 12 22 20 55 52 48 46 3 30 31 46 44 32 33 23 27 10 18 23 30 4 38 37 35 36 16 20 53 52 64 63 23 25 5 60 61 45 44 20 25 20 26 56 55 54 49 6 36 35 88 86 38 36 28 29 44 45 23 24 7 53 55 45 40 41 42 39 37 52 54 43 42 8 30 28 37 36 58 60 35 34 32 30 35 37 9 74 62 26 30 40 43 26 27 20 25 50 42 10 22 25 32 37 45 48 51 54 54 58 32 38 Zcalc= 0,19 Zcalc= 0,15 Zcalc= 0,49 Zcalc= 0,26 Zcalc= 0,04 Zcalc= 0,15 p < 0,03 P < 0,03 p < 0,05 p < 0,05 p < 0,01 p < 0,03 117

Nº2 Tabela 3 Resultados manométricos - PRESSÃO DE EVACUAÇÃO (cm H 2 O). Altura do Canal Anal Paciente 6 cm 5 cm 4 cm 3 cm 2 cm 1 cm PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS 1 71 68 43 45 69 67 112 108 48 45 73 72 2 76 69 64 70 74 76 45 50 48 47 88 80 3 70 71 115 112 40 42 41 40 43 44 38 50 4 36 35 39 38 43 45 41 43 29 27 35 37 5 110 108 132 129 40 42 28 30 89 92 34 34 6 48 49 120 112 102 98 83 82 117 115 53 54 7 68 67 59 58 52 54 48 46 48 40 37 40 8 58 60 47 50 50 49 60 62 44 45 38 36 9 43 40 53 54 80 70 43 40 48 46 55 65 10 57 59 42 45 37 39 41 45 39 42 32 34 Zcalc= 0,23 Zcalc= 0,001 Zcalc= 0,08 Zcalc= 0,08 Zcalc= 0,64 Zcalc= 0,26 p < 0,05 p < 0,01 p < 0,01 p < 0,01 p < 0,05 p < 0,05 incontinências passaram a ser melhor estudadas e relatadas no acompanhamento pós-operatório de algumas afecções pélvicas e ano-retais (Göke et al, 1992). Em relação ao manômetro utilizado, estudos nacionais têm utilizado a manometria por cateter com balão, demonstrando a utilização deste equipamento para reprodutibilidade da manometria nos pacientes, obtendo resultados que demonstram confiabilidade no uso deste aparelho (Cesar et al, 2004). A utilização freqüente da manometria facilitou o diagnóstico e o tratamento das incontinências, bem como a identificação de alguns fatores que poderiam influenciar o tônus de repouso, reflexo evacuatório e a resistência à abertura dos músculos esfincterianos, e Tabela 2 Resultados manométricos - PRESSÃO DE CONTRAÇÃO (cm H 2 O). Altura do Canal Anal Paciente 6 cm 5 cm 4 cm 3 cm 2 cm 1 cm PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS PRÉ PÓS 1 62 64 158 118 194 172 216 184 247 196 243 200 2 35 38 30 27 13 18 64 70 68 76 72 80 3 32 30 58 60 18 20 18 24 20 19 47 53 4 44 42 70 72 73 75 82 80 80 78 102 105 5 102 100 168 158 77 70 127 125 184 182 157 164 6 53 52 90 92 48 50 87 85 65 67 42 43 7 61 63 53 55 41 40 43 43 102 100 136 120 8 35 35 38 37 51 52 84 82 88 80 95 90 9 78 68 35 37 27 29 72 62 40 38 133 140 10 32 33 41 42 52 54 69 72 74 78 85 88 Zcalc= 0,08 Zcalc= 0,04 Zcalc= 0,15 Zcalc= 0,19 Zcalc= 0,11 Zcalc= 0,15 p < 0,01 p < 0,01 p < 0,03 p < 0,03 p < 0,03 p < 0,03 118

Nº 2 Tabela 4 Resultados manométricos CANAL ANAL (cm). Paciente Canal Anal PRÉ PÓS 1 3 4 2 2 2 3 5 5 4 3 3 5 6 6 6 5 5 7 6 6 8 4 4 9 6 6 10 4 3 Zcalc= 2,83 P = 0,89 ainda confirmar o comprometimento esfincteriano, pela obtenção de valores abaixo daqueles ditos normais. (Eckardt & Elmer, 1991; Lacerda Filho et al, 1999; Cesar, 2000). Os estudos manométricos, envolvendo pacientes no pós-operatório de doenças orificiais, incluindo os submetidos a hemorroidectomia, são escassos. As diferenças de opinião e a divergência de achados nos trabalhos publicados, faz com que não se chegue a uma conclusão sobre as possíveis relações de causa-efeito existentes entre a doença hemorroidária, hemorroidectomia e alterações pressóricas desses pacientes. Bursics et al (2004) sugerem que as alterações pressóricas são conseqüência da doença hemorroidária. Em nosso estudo houve a reprodutibilidade dos exames manométricos no pré e pós operatório. Outros autores, como Sentovich et al (1997), embasaram suas teorias no fato de que as lesões esfincterianas e conseqüentemente as alterações pressóricas não são resultantes da operação, mas de lesões iatrogênicas do mecanismo esfincteriano. Essas observações vêm em apoio aos nossos achados, pois observamos que os pacientes tinham manometria normal no pré operatório e não apresentaram elevação ou queda da pressão no pós operatório. Estas observações contraindicam, inclusive, a rotina adotada. Quanto ao canal anal, não comprovamos em nossos pacientes a redução no seu comprimento, observada por Champigneulle et al (1989). Embora em nosso estudo observamos que as pressões de repouso, contração e evacuação não foram diferentes no pré e pós operatório de três meses, é necessário investigar possíveis alterações no pós operatório imediato, situação em que ocorre dor intensa. CONCLUSÕES A avaliação manométrica no pré e pósoperatório de pacientes portadores de doença hemorroidária grau III, submetidos a hemorroidectomia à Milligan Morgan, mostrou não haver alterações nas pressões e no comprimento do canal anal. Agradecimentos Ao Dr Luis Fernando Costa Nascimento pela orientação da análise estatística desta pesquisa e ao Dr Jorge Alberto Ortiz pelo constante incentivo na área de fisiologia anal. SUMMARY: The disease hemorrhoids is very frequent, being after all the knowledge of the ano-rectal anatomy and physiology indispensable for the surgical treatment. Iatrogenic maneuvers determine alterations on the pressures of the anal channel. The cause-effect relationship between the surgical procedure and the alterations of the pressures of the anal channel is not still well defined in the literature. Objective: The study seeks to verify the pressures of the anal channel, through anal manometry, in patients submitted to the Milligan-Morgan s haemorrhoidectomy. Patients and Methods: Prospective study in ten patient bearers of degree III hemorrhoids, with the three classic nipples, submitted the haemorrhoidectomy. Accomplished with portable manometer PL-3000 with balloon of water without intestinal preparation; in the previous day of the surgery and twelve weeks after the surgical procedure. The balloon of the manometer was introduced in the anal hole until six centimeters of the anal edge. They took measures in interval of one centimeter in the cranium-flow sense, measuring: maximum pressure of rest, maximum pressure of contraction and minimum pressure of evacuation. For statistical analysis the test of Wilcoxon-Mann-Whitney was used, with probability of mistake of 5%. (Z=1.96). Results: The obtained results in the two exams for the same variables didn t present significant difference, the calculated Z was smaller than 1,96 in all the variables. Conclusion: With analysis of the data we concluded that statistically there is not alteration in the pressures of the anal channel in patient submitted to the Milligan-Morgan s haemorrhoidectomy. Key words: hemorroidectomy, manometry, anal fisiology 119

Nº2 REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS 1. Altomare DF, Rinaldi M, Sallustio PL, Martino P, De Fazio M, Memeo V: Long-term effects of stapled haemorrhoidectomy on internal anal function and sensitivity. Br J Surg. 2001; 88: 1487-91. 2. Bursics A, Weltner J, Flautner LE, Morvay K: Ano-rectal physiological changes after rubber band ligation and closed haemorrhoidectomy. Colorectal Dis. 2004; 6: 58-61. 3. Cesar MA: Diagnóstico da constipação intestinal por defecação obstruída através de exames no laboratório de fisiologia anal. [Tese de Mestrado em Medicina]. São Paulo: Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo. 2000. 4. Cesar MA, Ortiz JA, Faria FG, Salgado FC, Salán FO, Branco GA, Sayegh K, Neder RP, Bassi DG, Speranzini MB: Reprodutibilidade da manometria ano-retal em mulheres sem distúrbio evacuatório. Rev Bras Coloproct. 2004; 24: 33-7. 5. Chen HH: Anal manometric findings before and after hemorrhoidectomy: a preliminary report. Changgeng Yi Xue Za Zhi. 1999; 22: 25-30. 6. Eckardt VF, Elmer T: Reliability of anal pressure measurements. Dis Colon Rectum. 1991; 34: 72-7; Erratum in: Dis Colon Rectum 1991; 34: 420. 7. Ferrara A, Pemberton JH, Levin KE, Hanson RB: Relationship between anal canal tone and rectal motor activity. Dis Colon Rectum. 1993; 36: 337-42. 8. Ger GC, Wexner SD, Jorge JM, Salanga VD: Anorectal manometry in the diagnosis of paradoxical puborectalis syndrome. Dis Colon Rectum. 1993; 36: 816-25. 9. Goke M, Donner K, Ewe K, Meyer zum Buschenfelde KH: Intraindividual variability of anorectal manometry parameters. Z Gastroenterol. 1992; 30: 243-6. 10. Habr-Gama A, Alves PR, Corsi A, Jatobá P, Teixeira MG, D Albuquerque R, Gama-Rodrigues JJ: Plástica da estenose pós-hemorroidectomia. Rev Ass Med Bras. 1980; 26: 100-2. 11. Hool GR, Hull TL, Fazio VW: Surgical treatment of recurrent complete rectal prolapse: a thirty-year experience. Dis Colon Rectum. 1997; 40: 270-2. 12. Ho YH, Seow-Choen F, Goh HS: Haemorrhoidectomy and disordered rectal and anal physiology in patients with prolapsed haemorrhoids. Br J Surg. 1995; 82: 596-8. 13. Keighley MR, Henry MM, Bartolo DC, Mortensen NJ: Anorectal physiology measurement: report of a working party. Br J Surg. 1989; 76: 356-7. 14. Lacerda Filho A, Holeva K, Wald A: Avaliação Manométrica e endo-sonográfica de pacientes com incontinência anal e historia de parto vaginal. Rev Bras Coloproct. 1999; 19: 94-8. 15. Sentovich SM, Blatchford GJ, Rivela LJ, Lin K, Thorson AG, Christensen MA: Diagnosing anal sphincter injury with transanal ultrasound and manometry. Dis Colon Rectum. 1997; 40: 1430-4. Endereço para correspondência: Maria Auxiliadora Prolungatti César Hospital Universitário de Taubaté - Serviço de Clínica Cirúrgica Avenida Granadeiro Guimarães,270 Taubaté (SP) E-mail: prolungatti@uol.com.br 120