O lugar da História das Ideias Linguísticas nas disciplinas de enfoque gramatical

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Transcrição:

O lugar da História das Ideias Linguísticas nas disciplinas de enfoque gramatical 1 As inter-relações entre História e Língua são conhecidas desde tempos remotos, uma vez que a transmissão, a elaboração e as perspectivas históricas se deram, em grande parte, através das línguas, nas modalidades oral ou escrita. Uma das primeiras manifestações humanas foi a representação dos fatos, através do emprego, inicialmente, da modalidade oral; a seguir, da linguagem pictórica; e, mais tarde, da modalidade escrita. 1 Professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM. E-mail: icrisifer@yahoo.es.

Como já é sabido, a História não é apenas uma representação de um acontecimento a partir de uma determinada perspectiva, mas também um processo em que os sujeitos produzem sentidos em um determinado contexto sócioideológico. E tal produção de sentido não se dá sem a tríade sujeito, fato e discurso. Portanto, juntamente com a Filosofia, a História é um dos principais campos de conhecimento que possibilitam compreender as mudanças do passado, a configuração do presente e as hipóteses de evolução para o futuro da sociedade. No entanto, da mesma forma que a linguagem, a História tem o seu teor de subjetividade e, consequentemente, está constituída de possibilidades múltiplas. Dessa maneira, tornou-se necessário tentar elaborar uma História da História que explicitasse os percursos, as metodologias e os pontos de vista envolvidos no processo de fazer História. Considerando essa tarefa hercúlea, optou-se por uma abordagem indutiva, isto é, pensar a História a partir de áreas específicas. Assim, iniciaram os estudos sobre a História com um direcionamento específico para a elaboração progressiva de uma História da Política, História Intelectual, História das Mulheres, História da Vida Privada, etc. Entre esses direcionamentos, temos a História das Ideias, campo pluridisciplinar e pluriconceitual. Essa área é uma das que promovem mais discussões, visto que já existem ambiguidades quando tratamos o conceito ideias, elementos dinâmicos que se articulam entre si e que produzem sentidos. Esta noção é muito mais complexa que a definição corrente de representação mental de um fato ou objeto. Na obra Domínios da História (Cardoso; Vainfas, 1997), Falcon perfila um panorama sobre a História das Ideias. Segundo esse pesquisador, a pluralidade disciplinar e conceitual é a marca desse campo que se define paulatinamente a partir da perspectiva de que a ideia não é uma representação (signo), mas sim um processo. Portanto, no texto escrito se desvelam enunciados reativos, isto é, enunciados que discutem e interpelam outras vozes. Dessa maneira, podemos conceber a História das Ideias como um microcosmo polifônico em que se articulam estruturalmente o passado e o presente através de um discurso, sempre visto a partir da intertextualidade e da contextualização. 161

Em especial, no século XX se discute a História relacionada à subjetividade linguística, isto é, como o sujeito, através da linguagem, interpreta, elabora e (re)constrói uma determinada realidade social para a posteridade. Assim, concordamos com Auroux (1989) quando define a História das Ideias como um saber elaborado sobre uma língua, fruto de uma reflexão ou atividade metalinguística. Desta maneira, textos e discursos de vários campos e diversos objetivos se transformam em fontes de documentação em que o pesquisador busca identificar peculiaridades linguísticas, enunciativas e discursivas que o auxiliem a esboçar um conjunto representativo de uma certa época, contextualizada histórica e ideologicamente. No Brasil, uma firme tradição historiográfica na História das Ideias está se consolidando. Existe uma tendência ao aumento de trabalhos relacionados com a Histórica Social das Ideias e a Histórica Intelectual. No entanto, estes estudos ainda se encontram dispersos em várias áreas. A maioria das produções deste tipo de trabalho se dá através de Congressos e Encontros com temáticas referentes a este tema ou nos Programas de Pós-Graduação. Diante de tal contexto, deduzimos que hipóteses, descobertas e indagações realizadas a partir de trabalhos desenvolvidos na área da História das Ideias ainda circulam em um âmbito restrito quando nos referimos à graduação na área de Humanas. Por conseguinte, é essencial que se divulgue essa área e que os resultados de trabalhos sejam discutidos por toda a comunidade acadêmica, uma vez que todo campo de conhecimento tem uma história e, através da mesma, pode-se compreender o presente e esboçar possíveis caminhos para o futuro de cada área. Além disso, entender a História e a dinâmica dos sujeitos que participam nesse contexto auxilia-nos a ampliar perspectivas e a motivar questões importantes sobre a relação do sujeito com o conhecimento, no esboço da sua identidade. Os avanços das pesquisas relacionadas com a área da História das Ideias e da Análise do Discurso aplicam-se lentamente nos campos de ensino de língua materna e estrangeira. Em princípio, são enfocados os elementos gramaticais a partir de uma perspectiva discursiva em que a materialidade linguística concretiza a relação entre o sujeito e a linguagem. Dessa relação, constroem-se os sentidos que se inserem em um contexto histórico e político. Como consequência, a abordagem 162

enunciativa se revela a mais adequada para o tratamento de várias questões linguísticas que os estudos da gramática normativa não contemplam. Essas mudanças também se mostram cada vez mais presentes na elaboração de gramáticas e materiais didáticos em geral. Nunes (2007) lembra-nos que as gramáticas e os dicionários ainda são objetos negligenciados por epistemologias em que se baseia a linguística moderna, embora sejam instrumentos linguísticos e objetos de estudo para a análise discursiva no campo da História das Ideias. No entanto, muitas vezes, os professores não possuem a consciência de que, como afirma Orlandi (2001), a gramática é parte de um processo em que os sujeitos constituem-se em sua relação e participam da formação histórica. Portanto, tais educadores não podem ser relegados ao lugar de aplicadores das teorias subjacentes nos materiais, quando, na verdade, deveriam ser agentes reflexivos em tal processo. No ensino-aprendizagem de língua estrangeira, acrescenta-se um aspecto à problemática: a sistematização excessiva dos manuais de língua. Em alguns desses materiais, o conhecimento está pasteurizado e forma um conjunto em que várias teorias se entrecruzam, não sempre de maneira explicitada. As inadequações no cotidiano em sala de aula, provenientes do uso que se faz do conhecimento linguístico elaborado nos centros de pesquisas, poderiam ser minimizadas se os estudantes do ensino superior das áreas relacionadas ao magistério tivessem um contato mais efetivo com os estudos elaborados pelos pesquisadores da História das Ideias Linguísticas e da Análise do Discurso. Tendo como eixo essa proposta, iniciamos um trabalho com os alunos que cursam as disciplinas Fundamentos Gramaticais e Tópicos Avançados de Gramática, ambas referentes à língua espanhola. Através de um questionário, perguntamos sobre o conceito de gramática, História das Ideias e as inter-relações estabelecidas. Em uma análise preliminar, os seis alunos questionados afirmaram que não tinham conhecimento sobre a História das Ideias. Paralelamente, antes de iniciar os estudos sobre os elementos gramaticais propriamente ditos, comparamos e discutimos as peculiaridades das principais gramáticas empregadas, como material de consulta por alunos e professores no curso de Letras/Espanhol da Universidade Federal de Santa Maria: Gramática de la Lengua Española (Alarcos Lhorach, 1994), Gramática Didáctica del Español 163

(Gómez Torrego, 1997), Gramática Comunicativa del Español: de la lengua a la idea/tomo I (Matte Bon, 1992) e Gramática y Práctica de Español para brasileños (Fanjul, 2005). Escolhemos comparar os prólogos, índices e sumários, bem como bibliografia e definições de algumas classes gramaticais. A título de menção, ressaltamos que aspectos importantes relacionados às políticas linguísticas implícitas na elaboração de cada gramática se esboçam na configuração imagética das capas nas edições mais recentes, tais como: cor predominante da capa, presença ou ausência de símbolos institucionais (como brasões), presença ou ausência de fotos ou imagens que aludam ao conceito de língua, ênfase ou não no subtítulo (escolha de fonte, posicionamento na capa), localização do nome do autor e da editora, etc: Imagem 1: Capa da Gramática de La Lengua Española Imagem 2: Capa da Gramática didáctica del español 164

Imagem 3: Capa da Gramática Comunicativa del Español Imagem 4: Capa da Gramática y Práctica de Español O objetivo da comparação é o de motivar questões que nos levem a introduzir a relação entre a História das Ideias e a concepção e planificação linguística das gramáticas, pois os futuros professores e pesquisadores em língua espanhola devem possuir minimamente uma noção sobre este tema, posto que auxilia a entender a coerência da obra: da nomenclatura e organização até a elaboração de definições. Além disso, eles próprios são agentes históricos e necessitam ter consciência de que estão inseridos no processo. Também, tradicionalmente visto a partir de uma perspectiva estruturalista, o ensino de gramática tem passado por diversas mudanças, de modo que hoje se busca abordar as questões gramaticais dentro de uma Gramática de Texto, embora muitas vezes isso se limite, de forma errônea, ao uso do texto como modo de apresentação de um problema que será examinado estritamente sob o ponto de vista do estruturalismo. 165

Essa prática acentua-se nas classes de uma língua estrangeira, apesar do emprego constante de abordagens ditas comunicativas, em especial, nas abordagens que implicam realização de tarefas. Ainda quando existem disciplinas dedicadas à discussão da História da Língua, na maioria dos casos, o tema parece desvinculado dos problemas enfrentados para a compreensão dos aspectos gramaticais. Assim, deparamo-nos comumente com o contexto em que o professor tem um discurso relacionado com a teoria funcionalista, enquanto suas práticas e as obras que seus alunos possuem são de tendência estruturalista, por exemplo. Este quadro só promove uma incoerência de visões, e uma das formas de modificar esta situação é permitir que os futuros professores possam reconstruir a gramática a partir de uma visão histórico-ideológica para, com isso, adequarem o seu discurso e o seu material à prática e aos objetivos inicialmente propostos. Não obstante, na prática de ensino-aprendizagem, a História das Ideias encontraria um campo fértil de expansão, podendo ser mais divulgada e questionada, o que só reverteria em benefícios, pois haveria uma tendência de incrementar o número de trabalhos de pesquisa aplicados ao ensino e à consolidação da área. Dados os propósitos deste trabalho, os pontos abordados serão relativos à organização do índice/sumário. Pensamos que as diferenças e semelhanças entre tais obras podem ser importantes materiais para a discussão sobre como o contexto histórico-ideológico pode moldar a elaboração de um conceito gramatical. Não identificar essas características na materialidade linguística de uma gramática pode prejudicar a aprendizagem de uma língua bem como incentivar a reprodução mecânica de conceitos sem avaliar a situação que se apresenta em sala de aula. Após uma análise preliminar, percebemos que os mesmos representam mais que uma escolha fortuita de sistematização. A seguir, apresentamos uma síntese de organização dos sumários/índices através da tabela 1: 166

Tabela 1 Gramática de la L.E. Índice general dividido en Prólogo, Fonología (abarca sonidos y fonemas sílaba, acento, entonación); Las unidades en el enunciado: forma y función (abarca las clases morfológicas); Estructuras de los enunciados: oraciones y frases (abarca la sintaxis), Clave de citas y Índice temático. Sumários / Índices 2 Gramática Gramática Didáctica Comunicativa (Tomo I) Índice dividido en Sumario dividido en Capítulo 1: Agradecimientos, Introducción (sobre Introducción, Símbolos partes de la utilizados, Definiciones; gramática y la morfología como objeto de estudio); Capítulo 2: Clases de palabras (clases morfológicas); Capítulo 3: Oraciones y Grupos (clases sintácticas); Capítulo 4: Fonética y Fonología (abarca consideraciones generales sobre esta área); Capítulo 5: Ortografía (abarca ortografía de letras, sílabas, palabras, Acentuación y Puntuación); Soluciones a los ejercicios (que fueron presentados al final de cada subdivisión de capítulo) y Índice temático. Introducción general al sistema verba; Nota para la conjugación de los verbos; El indicativo: introducción; El presente de indicativo; El pretérito indefinido; El imperfecto de indicativo; Modo Virtual; El futuro de indicativo; el condicional; El subjuntivo; El presente y el imperfecto de subjuntivo; El Infinitivo; El imperativo; El participio pasado; El gerundio; Los tiempos compuesto: el pasado en los distintos tiempos; Aspectos de la acción verbal; La pasiva; Las perífrasis verbales; El sustantivo: introducción; El género del sustantivo; El adjetivo; El plural del sustantivo y adjetivo; Los determinantes del sustantivo: introducción; El Artículo; El demostrativo; El Posesivo; Los pronombres personales; El adverbio; Las preposiciones; Los relativos y las oraciones de relativo; Reglas ortográficas y pronunciación; El acento tónico y las reglas de acentuación gráfica; Bibliografía, Índice alfabético; Sumario. Gramática y Práctica Sumario dividido en Presentación; cien capítulos con temas gramaticales (1. Alfabeto, 2. Género I, 3. Género II, 4. Número, 5. Pronombres sujeto + ser` y estar` hasta el 100. Marcadores discursivos); Apéndices contrastivos (abarca 14 aspectos); Presentación del apéndice de verbo; Conjugación Verbal; Remisiones a los paradigmas; Índice remisivo; Bibliografía; Crédito de las fotos; Claves. 2 Empregamos a nomenclatura dada pelos autores. Também selecionamos as subdivisões mais gerais, indicadas por capítulos, números ou fontes em maiúsculas. 167

Na Gramática de la Lengua Española, apresenta-se uma divisão clássica: Fonologia, Morfologia e Sintaxe. Tais classificações referem-se às hierarquizações dos fenômenos fonéticos, das formações e classificações do léxico e da combinação de sintagmas nas orações. A noção de língua que se apreende dessa organização é a de um sistema estruturado, descrito e depurado através da gramática. De similar organização, a Gramática Didáctica del Español apresenta uma preocupação em explicitar como é enfocado o conhecimento de determinada área em cada capítulo da obra. Também, notamos que há um cuidado com a assimilação do tema tratado, já que existem exercícios e suas respectivas soluções, de tendência conceitual-estrutural. Por outro lado, de enfoque descritivo-funcional para o público de falantes não nativos, o índice da Gramática Comunicativa del Español não se organiza mediante a sistematização de áreas clássicas da Linguística, mas sim a partir de blocos de temas morfológicos, priorizando os verbos. Esta apresentação explicita o papel da Pragmática na concepção da língua. O funcionamento das classes de palavras orienta as agrupações de várias classes gramaticais em um mesmo capítulo. Por último, com objetivo mais definido, a Gramática y Práctica de Español para brasileños mostra uma tendência contrastiva (espanhol/português brasileiro) para um público específico. Concebida como um manual de consulta rápida e, ao mesmo tempo, ampla, os temas são estruturados por ordem de dificuldade gramático-funcional a partir do ponto de vista do estudante brasileiro. Os assuntos são tratados de forma sistemática, comparativa e funcional, além de acompanhar exercícios (e suas soluções) de matiz estrutural-funcional. Como podemos observar indiretamente, tais aspectos se orientam à discussão, entre outros, de questões como a de autoria e a de concepção dos instrumentos linguísticos. Por um lado, a temática de autoria requer uma análise sobre as abordagens do sujeito discursivo, ora como uma figura individual, ora como representante de uma coletividade, o que nos leva à problemática de polifonia, intertextualidade e autoria (mostrada e citada). 168

Além disso, podemos observar como se apresentam estas questões quando tratamos várias edições de uma mesma obra (versão completa ou simplificada, gramáticas autorais, manuais, etc.) ou obras similares do mesmo autor. Por outro, a temática sobre concepção dos instrumentos linguísticos privilegia a discussão a propósito do conceito de língua e da formação das várias correntes reunidas no que chamamos Ciências da Linguagem. E não só podemos abordá-la de forma única (quando nos referimos à língua portuguesa), mas também de modo contrastivo (quando observamos a língua portuguesa, comparando-a com outras línguas, no caso, o espanhol). Também poderemos observar as perspectivas da elaboração dos instrumentos linguísticos quando pensados para falantes nativos e quando pensados para falantes estrangeiros. Por fim, analisar a materialidade linguística de uma gramática permite refletir sobre a subjetividade e sobre a enunciação no discurso científico. Tais temas são abordados na História das Ideias e, assim, pensamos que a conjunção entre esse campo e os fundamentos gramaticais não só propicia a aprendizagem dos conhecimentos gramaticais de maneira reflexiva, como também gera motivação para a análise discursiva e para a consciente produção do conhecimento como processo dinâmico de reelaboração dos sentidos a partir da relação entre o sujeito e a língua. Ao poder questionar e buscar a compreensão dos processos teóricos que estão implícitos na estrutura e na materialidade linguística das obras gramaticais, o futuro professor colocar-se-á no lugar de sujeito ativo, uma vez que terá que analisar criticamente as gramáticas e manuais que emprega e adequar estes instrumentos aos seus propósitos e aos dos discentes. Além disso, ao comparar as peculiaridades da produção do conhecimento linguístico na língua materna e na língua estrangeira, o sujeito terá a oportunidade de refletir sobre a problemática da relação entre definição de língua e as suas representações no contexto sócio-histórico. Com base nas considerações aqui apresentadas, defendemos a realização da análise da materialidade linguística e da estruturação das 169

gramáticas como prática indispensável nas disciplinas relacionadas aos fundamentos gramaticais nos cursos de Letras. Tal prática incentivaria a postura crítica dos futuros professores e a expansão dos estudos relativos à História das Ideias, auxiliando na consolidação dessa área no cenário da pesquisa acadêmica de formação de professores de língua materna e estrangeira. Referências ANTUNES, I. Muito além da gramática. São Paulo: Parábola, 2007. AUROUX, S. Histoire des idées linguistiques. Tomo I. Paris: Pierre Mardaga, 1989.. A questão da origem das línguas seguido de A historicidade das ciências. Campinas: RG, 2008. FÁVERO, L. L.; MOLINA, M. A. G. As concepções lingüísticas no século XX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 2004. NUNES, J. H. Uma articulação da análise de discurso com a história das idéias lingüísticas. Conferência do VIII Seminário Corpus - História das idéias lingüísticas, 2007. ORLANDI, E. P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. Referências do Corpus BON, F. M. Gramática comunicativa del español. Tomo I. Madrid: Edelsa, 1999. FANJUL, A. Gramática y práctica de español para brasileños. São Paulo: Santillana, 2006. LLORACH, E. A. Gramática de la lengua española. Real Academia Española. Madrid: Espasa Calpe, 1999. 170

NEBRIJA, A. Gramática castellana. Madrid: Fundación Antonio de Nebrija, 1992. TORREGO, L. G. Gramática didáctica del español. Madrid: SM, 1997. 171