Genes e Relógios Biológicos: Mario Pedrazzoli. Tese de Livre-Docência

Documentos relacionados
Ritmos Biológicos. Profa. Dra. Eliane Comoli FMRP-USP

ESTUDO DA DISTRIBUIÇÃO DOS GENÓTIPOS SEGUNDO O VNTR DO GENE NUMA AMOSTRA DE HOMEMS E MULHERES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS-RS

Recursos Genéticos Vegetais

Ritmos Biológicos Sistemas Circadianos e Glândula Pineal. Profa. Dra. Eliane Comoli FMRP-USP

Ritmos Biológicos Sistemas Circadianos e Glândula Pineal. Profa. Dra. Eliane Comoli FMRP-USP

Os indivíduos selecionados para participarem da segunda fase do estudo

ANA ALVES BARBOSA Análise distribuição frequência

Descreve a história da vida na Terra Investiga os processos responsáveis por essa história

Os cnidários dormem? Milena Carvalho Carneiro*; Sérgio Nascimento Stampar

Ritmos Biológicos I. Profa. Dra. Eliane Comoli FMRP-USP

GUILHERME SILVA UMEMURA. Análise da ritmicidade circadiana nas transições do horário de verão

Fotorrecepção não-formadora-de-imagens e Ritmos Circadianos

RITMOS BIOLÓGICOS E CICLO SONO-VIGÍLIA

CONCEITOS BÁSICOS DE GENÉTICA

a) do DNAmt, transmitido ao longo da linhagem materna, pois, em cada célula humana, há várias cópias dessa molécula.

Ritmos biológicos e trabalho em turnos

Conceitos Básicos de Genética. Relação Fenótipo-Genótipo

Extensão da herança a Mendeliana

2 vertical: 5 letras, plural. 1 vertical: 11 letras

APÊNDICE I - Versão original das tabelas 4, 5 e 6 e a lista com os conteúdos mantidos e eliminados nas tabelas finais apresentadas no corpo da tese

2. O ângulo de incidência é i = 45 0 e o índice de refração do ar é 1. Determine:

Bio. Bio. Monitor: Sarah Elis

Neurocurso.com Educação Continuada em Neurociências e Neurologia Todos os Direitos Reservados Proibida Reprodução Parcial ou Total

. a d iza r to u a ia p ó C II

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES I DISCIPLINA: BIOLOGIA PROFESSOR(A: DATA: / / ALUNO(A): SÉRIE: 3º ANO ENTREGA: / /

BIOLOGIA. Questões de 01 a 06

Ritmos Biológicos Trabalho Noturno e em Turnos

Controle da Expressão Gênica em Eucariotes

Tarefa 19 Professora Sarah OBSERVAÇÃO: TODAS AS QUESTÕES DEVEM SER JUSTIFICADAS POR ESCRITO NO CADERNO.

MARCADORES MOLECULARES

FISIOLOGIA ENDÓCRINA E METABÓLICA DE PEIXES. Programa de PG em Aquicultura. Profa. Elisabeth Criscuolo Urbinati

Cartilha do Sono. Associação Brasileira do Sono.

Oscilador Circadiano EFERÊNCIA. aferência. Ciclo CE T=24h. Ritmo Diário T=24h. Via nervosa Via hormonal

Nome: Exercícios de Genética (Conceitos e 1a. Lei de Mendel) Atividade Avaliativa 0 a 2,5

biologia caderno de prova instruções informações gerais 13/12/2009 boa prova! 2ª fase exame discursivo

Genealogias, Heredogramas ou Árvores Genealógicas pg.25

Boa prova! 05/12/2010

COMISSÃO PERMANENTE DE SELEÇÃO COPESE PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PROGRAD CONCURSO PISM III - TRIÊNIO PROVA DE BIOLOGIA

MARCADORES MOLECULARES: DO MELHORAMENTO A CONSERVAÇÃO. Aula 10. Maria Carolina Quecine Departamento de Genética

OS GENES NAS POPULAÇÕES. Augusto Schneider Faculdade de Nutrição Universidade Federal de Pelotas

Anais do Conic-Semesp. Volume 1, Faculdade Anhanguera de Campinas - Unidade 3. ISSN

Os Fundamentos da genética. Professora Débora Lia Biologia

Bio. Bio. Monitor: Júlio Junior

Curso de Informática Biomédica BG-054 Genética. Prof. Ricardo Lehtonen R. de Souza

CAPÍTULO 6: COMPOSTOS ORGÂNICOS PROTEÍNAS CAP. 7: COMPOSTOS ORGÂNICOS ÁCIDOS NUCLEICOS E VITAMINAS

Evolução Molecular. "Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution. Theodosius Dobzhansky

MARCADORES MOLECULARES

PROFESSORA: HAMANDA SOARES DISCIPLINA: BIOLOGIA CONTEÚDO: PRATICANDO AULA - 01

Síntese de Proteínas e Divisão Celular

Biologia e Ciências Naturais. Prof. Paulo Henrique Mueller.

Regulação do material genético

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Curso Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental Biologia Aplicada Aula 7

Genética Humana. Faculdade Anísio Teixeira. Prof João Ronaldo Neto

SOBRE MIM... Graduação em nutrição em 2010 pela UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO OESTE UNICENTRO

Genética. Resolução de exercícios! Vai filhããão! Prof. Rafael Rosolen T Zafred

BIOLOGIA. Hereditariedade e diversidade da vida. Introdução à genética 1ª e 2ª leis de Mendel. Professor: Alex Santos

1. Produção de DNA recombinante (plasmídio de uma bactéria/gene do vaga-lume). 3. Multiplicação da célula de tabaco com o gene do vaga-lume.

Disciplina: Biologia

Genética Molecular. Tema 1: Genética Molecular. Prof. Leandro Parussolo

UFSC. Biologia (Amarela)

genética molecular genética clássica DNA RNA polipeptídio GENÉTICA Exercícios 1. Julgue os itens que se seguem.

PROCESSO SELETIVO Edital 02/2017

Do DNA à Proteína: Síntese protéica. Profa. Dra. Viviane Nogaroto

BG-053 Genética Curso de Nutrição

Aula 2 HERANÇA MENDELIANA

Universidade Estadual de Maringá - UEM

Essas fitas de DNA, localizadas no núcleo das células, se esticadas medem cerca de 2 metros de comprimento.

Teorias da evolução. A teoria da evolução de Lamarck. A teoria da evolução de Darwin

LISTA DE EXERCÍCIOS 3º ANO

Gene tica. O que é genética? É o estudo dos genes e de sua transmissão para as futuras gerações. Genética Clássica -> Mendel(1856)

GENÉTICA DO OLHO. Alex Schmidt; Guilherme Cossetin; Júlia Toral Gutteres; Sandra Gelati; Juliana Rosa

Transcrição é a primeira etapa da expressão do gene. Envolve a cópia da sequência de DNA de um gene para produzir uma molécula de RNA

Resoluções das atividades

BC.09: Herança de um par de alelos BIOLOGIA

A ILUSÃO DOS RELÓGIOS: UMA AMEAÇA À SAÚDE

O que é a vida? DISCIPLINA: BIOLOGIA.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA E BIODIVERSIDADE UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA

Extensão da herança Mendeliana

Cartilha do Sono. Associação Brasileira do Sono.

CRUZAGENS: UMA PROPOSTA LÚDICA NO PROCESSO DE ENSINO- APRENDIZAGEM Adriana de Souza Santos

FUVEST Segunda Fase. Prova de Biologia

Cromossômicas Monogênicas Poligênicas ou Multifatoriais Mitocondriais

ORGANIZAÇÃO DO GENOMA HUMANO. Departamento de Genética. Nilce M. Martinez Rossi

1º trimestre Sala de Estudos - Biologia

1º trimestre Sala de Estudos - Biologia Ensino Médio 2º ano classe: Prof. Gustavo Baviera Nome: nº

9º Simposio de Ensino de Graduação IDENTIFICAÇÃO DO CRONOTIPO E PERFIL CRONOBIOLÓGICO DE UMA POPULAÇÃO DE ACADÊMICOS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNIMEP

Regulação da Expressão Gênica em Eucariotos

HERANÇA MONOGÊNICA OU MENDELIANA

Evolução de Plantas Cultivadas MGV 3717

3) Usando seus conhecimentos de probabilidade, Mendel chegou às seguintes conclusões, com exceção de uma delas. Indique-a:

Matriz de Referência da área de Ciências da Natureza II Ensino Fundamental

Fatores Genéticos. Muitos genes. Fatores Ambientais Também chamadas doenças complexas

a) Qual é o mecanismo de herança dessa doença? Justifique.

UNISALESIANO. Profª Tatiani

A fonte Solar de Energia da Terra

PROFESSORA: TÉRCIO CÂMARA DISCIPLINA: BIOLOGIA CONTEÚDO: REVISANDO

O SONO NA ADOLESCÊNCIA QUAL A SUA IMPORTÂNCIA?

BIOLOGIA QUESTÃO 01. Observe o esquema abaixo que apresenta as diferentes etapas do processo de coagulação sangüínea. Ca ++ e tromboplastina

Lista de Recuperação Não rasure os testes, não use branquinho à tinta.

Transcrição:

Genes e Relógios Biológicos: Implicações para evolução, saúde e organização social humana Mario Pedrazzoli Tese de Livre-Docência EACH/USP Setembro de 2010

Sumário Apresentação 1 Lista de estudos 2 1. Introdução 1.1 O dia exterior - o dia interior e as relações entre eles 1.2 Regulação da ritmicidade circadiana pelo sistema nervoso a partir da informação luminosa 1.3 Fenótipos de ritmo circadiano em humanos e sua repercussão social 1.4 Genética molecular da ritmicidade circadiana 1.5 O significado do relógio molecular na biologia circadiana em humanos 2. Objetivo 3. Considerações gerais sobre os métodos 3.1 Sujetios 3.2 Fenotipagem circadiana comportamental 3.3 Classifição Étnica 3.4 Genotipagem e manipulação molecular dos genes 3.4.1 Tecidos e manipulação do DNA e RNA 3.4.2 Região repetida no gene Per3 3.5 Aspectos Éticos 4. Resultados 4.1 Estudo 1 4.2 Estudo 2 4.3 Estudo 3 4.4 Estudo 4 4.5 Estudo 5 4.6 Estudo 6 4.7 Estudo 7 4.8 Estudo 8 5. Discussão VNTR (Variable Number of Tandem Repeats)

5.1 Considerações finais

APRESENTAÇÃO Esta tese constitui um recorte de parte de minha produção científica em genética do sono e dos ritmos circadianos que se iniciou durante o meu pósdoutorado na Universidade de Stanford em 1998. Mais especificamente se refere à parte de minha pesquisa voltada ao estudo dos genes relógio, sua influência na determinação dos cronotipos ou no estabelecimento da Síndrome da Fase Atrasada de Sono, ao estudo da distribuição das freqüências alélicas destes genes em diferentes grupos étnicos e ao estudo do gene Per3 em primatas. A interpretação dos resultados dos nossos estudos nos últimos anos, seu significado teórico e complementaridade nos leva a uma nova visão da interação entre as relações astronômicas entre a Terra e o Sol e a expressão gênica necessária a adaptação dos seres vivos ao ciclo claro/escuro natural, visão esta que tem como corolário uma visão da evolução humana centrada no ponto de vista da adaptação às variações anuais do ciclo claro/escuro ao longo do clina latitudinal no nosso planeta e as consequências para a saúde humana na sociedade urbana moderna. A construção dessa visão que será apresentada neste texto é resultante da minha formação na pós-graduação no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo um departamento em essência multidisciplinar, das minhas relações e leituras científicas, das minhas idiossincrasias intelectuais e intuições, mas principalmente, e obviamente, dos resultados dos estudos feitos em conjunto com os meus alunos de pós-graduação. Vamos aos fatos.

Lista de Estudos A presente tese é baseada nos resultados do projeto PROSUL de Cronobiologia, alguns dos meus s artigos científicos e em tese de Doutorado sob minha orientação como segue: 1. Pereira DS, Tufik S, Pedrazzoli M. Timekeeping molecules: implications for circadian phenotypes. Rev Bras Psiquiatr. 2009; 31(1):63-71. 2. Pereira DS, Tufik S, Louzada FM, Benedito-Silva AA, Lopez AR, Lemos NA, Korczak AL, D'Almeida V, Pedrazzoli M. Association of the length polymorphism in the human Per3 gene with the delayed sleep-phase syndrome: does latitude have an influence upon it? Sleep. 2005; 28(1):29-32. 3. Pedrazzoli M, Louzada F, Araujo JF, Duartão L, Areas R, Menna-Barreto. Projeto PROSUL de Cronobiologia Humana: Distribuição de Cronotipos em Diferentes Latitudes na América Latina 4. Pedrazzoli M, Louzada FM, Pereira DS, Benedito-Silva AA, Lopez AR, Martynhak BJ, Korczak AL, Koike Bdel V, Barbosa AA, D'Almeida V, Tufik S. 5. Pereira DS, Pedrazzoli M, Koike Bdel V, Louzada FM, Benedito-Silva AA, Lopez AR, Tufik S. The G619A Aa-nat gene polymorphism does not contribute to sleep time variation in the Brazilian population. Behav Genet. 2007;37(4):637-8. 6. Castro RM, Barbosa AA, Pedrazzoli M, Tufik S. Casein kinase I epsilon (CKI) N408 allele is very rare in the Brazilian population and is not involved in susceptibility to circadian rhythm sleep disorders. Behav Brain Res. 2008;193(1):156-7

7. Barbosa AA, Pedrazzoli M, Koike BD, Tufik S. Do Caucasian and Asian clocks tick differently? Braz J Med Biol Res. 2010; 43(1):96-9. 8. Flavia Cal Sabino. Caracterização Molecular do Gene Relógio Per3 em primatas: foco no Sagui (Callithrix jacchus). Tese de Doutorado, Departamento de Psicobiologia da Universidade federal de São Paulo, 2010.

INTRODUÇÃO A Terra, em sua rota pelo espaço, faz um movimento de rotação ao redor do seu próprio eixo norte-sul, no sentido anti-horário. O tempo que leva para girar 360º em relação ao Sol, é de aproximadamente 24h, tempo o qual consideramos a duração de um dia. Além deste movimento a Terra realiza também o movimento de translação que consiste no avanço ao longo de uma trajetória levemente elíptica ao redor do Sol. O plano perpendicular ao eixo de rotação da Terra faz um ângulo de aproximadamente 23º relativo ao plano do equador solar. Da composição destes dois movimentos e do eixo inclinado do planeta deriva o padrão dia e noite sob o qual vivem os seres vivos no nosso planeta. Embora pareça uma informação geográfica trivial, na verdade quando analisados cuidadosamente, estes fatos trazem explicação e significado para as estações climáticas ou a quase ausência delas, a duração do dia e da noite ao longo do ano e o momento do nascer e do pôr do sol ao longo do eixo norte/sul durante o ano e algo menos trivial; a evolução, na matéria viva, de um sistema oscilatório com duração periódica de aproximadamente 24h com capacidade de antecipação dos ciclos ambientais associados a posição da terra no sistema solar. Por causa da inclinação do eixo da Terra, a quantidade e duração da recepção da luz do sol num período de 24h está em função da latitude. Enquanto na região equatorial, latitude 0º, o dia e a noite duram sempre 12h cada durante todo ano, na latitude 60º norte, em janeiro, o dia dura aproximadamente 5,5h sendo as 18,5h remanescentes, noite. Em julho esta situação se inverte, o dia tem a duração próxima a 18,5h enquanto a noite dura 5,5h. Estes fatos deixam claro o quanto são diferentes

as condições de luminosidade às quais os seres vivos estão submetidos ao longo do clina latitudinal da Terra. Um fato curioso que deriva dai, mas não tão fácil de entender, é que o dia nem sempre dura exatamente 24h, se considerarmos que os seres vivos na superfície do planeta sentem a passagem do tempo não pela rotação da terra, mas sim pela informação claro/escuro emanante desta rotação. Não é conhecido nenhum sistema sensorial em qualquer animal que tenha a capacidade de captar a rotação da Terra, portanto esta informação é captada principalmente através da visão que é sensível a duração do dia ou da noite ou o nascer e pôr do Sol. O período de um dia para um observador da luminosidade se dá, por exemplo, a partir do tempo decorrente entre dois nasceres do sol. Devido ao eixo inclinado da Terra e posição no espaço em relação ao Sol, os horários do nascer do sol acontecem em horários diferentes dia a dia em função da latitude e da época do ano, de forma que, deste ponto de vista os dias podem ser ligeiramente maiores ou menores do que 24h dependendo da época do ano. Uma área da biologia está intimamente ligada às relações astronômicas entre o Sol e a Terra e os parâmetros de luminosidade com periodicidade próxima a 24h que ocorrem no nosso planeta derivados destas relações, é a Cronobiologia. 1.1 O DIA EXTERIOR - O DIA INTERIOR E AS RELAÇÕES ENTRE ELES A Cronobiologia tem como uma de suas metas centrais estudar os aspectos temporais rítmicos da matéria viva, em todos os seus níveis de organização; molecular, bioquímico, fisiológico, comportamental e social.

Os ritmos ditos biológicos se expressam em uma grande variedade de períodos, mas uma faixa de período em especial é bem evidente por estar claramente associado ao ciclo geofísico dado pela rotação da Terra, a faixa circadiana. Os ritmos circadianos, do latim circa diem que significa cerca de um dia, são ritmos cujo período varia entre 20 e 28h, de acordo com a espécie estudada. De fato os ritmos circadianos expressam uma temporalidade que poderíamos chamar de dia interior. Nos humanos, em condições experimentais controladas, o período circadiano do ciclo sono/vigília, da secreção de melatonina e do cortisol e da temperatura corporal central é em média 24,2h (Duffy e cols., 2001; Czeisler e cols, 1999). Denomina-se este período endógeno próximo às 24h, tau (τ). Existe uma forte relação entre a periodicidade circadiana das condições de luminosidade ambiental e as expressões metabólicas, fisiológicas e comportamentais nos seres vivos. A repetição e alternância de eventos na natureza de forma temporal organizada cíclica contribuiu para que evoluíssem, nos seres vivos, mecanismos de resposta eficiente e antecipatória as mudanças do clima, das horas do dia e das estações do ano. A alternância rítmica de expressão de um fenômeno implica numa oscilação na qual cada momento tem um valor específico até se completar um ciclo, momento a partir do qual os valores vão se repetir até completar o próximo ciclo, tal valor momentâneo é denominado fase. Em cronobiolgia algumas fases específicas são usadas mais comumente para expressar relações temporais entre eventos ou relações de fase. Por exemplo, acrofase, o momento (ajustado pelo cosinor) de maior valor ou batifase de menor valor, ou ainda horários de início ou final do sono ou ainda o

nascer e o pôr do sol podem ser usadas como referencial de fase do ritmo claro/escuro embiental. O fator cíclico ambiental que age como pista temporal para os seres vivos é denominado zeitgeber (do idioma alemão, doador de tempo) e ao processo de ajuste do ritmo biológico ao zeitgeber conceitua-se arrastamento, finalizado o processo de arrastamento diz-se que o ritmo foi sincronizado (Marques N e Menna-Barreto L, 2003). Por meio do arrastamento, ritmos circadianos endógenos ligeiramente maiores ou menores que 24h são ajustados ao ritmo ambiental de forma a se expressarem com período idêntico ao ambiental, momento a partir do qual os dois ritmos passam a ter uma relação de fase razoavelmente estável. Muitos parâmetros fisiológicos nos seres vivos se repetem a cada 24h e mantém uma relação temporal razoavelmente estável, ou seja, sincronizada, com o ciclo claro/escuro natural o que poderíamos denominar organização temporal externa (Menna-Barreto, 2008). A vida no planeta se adaptou a essa periodicidade circadiana dada pela incidência rítmica da luz do sol no nosso planeta. Embora a primeira vista se tenha a sensação que essa sincronização seja simplesmente uma resposta do organismo ao meio oscilante, não se trata só disso, mas também de um ajuste entre ritmos de periodicidade circadiana. Os seres vivos ao longo do processo evolutivo desenvolveram um mecanismo de oscilação endógeno com periodicidade circadiana que não depende de informação do meio, mecanismo o qual se mantém oscilante com uma periodicidade constante sem uma pista temporal externa. Desta forma a organização temporal de um ser vivo se

expressa de duas formas: como reação a estímulos ambientais e como ritmicidade intrínseca (Marques N e Menna-Barreto L, 2003). O processo de reação ao aparecimento cíclico da luz ambiental que resulta na sincronização da ritmicidade intrínseca se dá por dois processos; o arrastamento e o mascaramento. O arrastamento age através do sistema circadiano e o mascaramento age diretamente no comportamento como, por exemplo, o desejo de sair ao sol numa manhã ensolarada. Em humanos, considerando a luz como agente mascarador, o efeito é de aumentar o alerta quando o estímulo é dado durante a noite (Cajochen C, 2007). No processo de arrastamento, o efeito da luz (o zeitgeber) no sistema circadiano não é sempre o mesmo ao longo do período circadiano, a resposta ao sinal luminoso pode ser de avanço de fase, de atraso ou nula e é dependente da fase na qual o sistema circadiano é atingido pelo sinal luminoso e da força do zeitgeber (Figura 1a e 1b) (Foster&Kreitzman, 2004). Em humanos a luz no final da noite ou pela manhã avança a fase (Figura 1b) e nos faz dormir mais cedo, por exemplo, (Boivin e cols., 1996; Zeitzer e cols., 2005 ) e no final da tarde e início da noite a luz atrasa a fase, no meio do dia não faz efeito (Zeitzer e cols., 2000) O desenvolvimento desta ritmicidade endógena ou programa temporal circadiano está inscrito no programa genético de cada organismo e permite que a expressão de processos metabólicos e/ou comportamentais aconteça em consonância com o claro/escuro ambiental de acordo com as necessidades de cada espécie, proporcionando trocas energéticas eficientes e maximizando a possibilidade de sobrevivência e reprodução (Foster & Kreitzman, 2004).

a) b) Figura 1. Curva de resposta dependente de fase (CRdF) em animal noturno e avanço de fase produzido por pulso de luz em humanos. 1a) Diagrama atividade/repouso (actograma) de um animal noturno sincronizado em 24h sob um ciclo claro/escuro de 12h/12h. Os regimes de luminosidade são mostrados por barras brancas e negras (claro e escuro respectivamente), LD significa claro/escuro (ligth/dark em inglês) e DD escuro contínuo (dark/dark). As barras cinza escuro logo abaixo dos regimes de luminosidade representam a fase de atividade dos animais dia a dia. No quinto dia as luzes são apagadas definitivamente e mantidas assim, o animal entra em livre curso expressando um período um pouco menor que 24h como mostra o aspecto inclinado do registros de atividade. Por convenção, no escuro constante, se considera o início da atividade como a hora circadiana 12 (circadian time 12 ou CT12), e entre CT0 e 12 é considerado o dia subjetivo (subjective day na figura) porque o animal permanece mais em repouso e entre CT12-24 a noite subjetiva (subjective night na figura) porque o animal se move mais. Usa-se o termo subjetivo porque de fato é sempre escuro durante o experimento e o dia e a noite são definidos pelo padrão atividade/repouso que mimetizam o comportamento do animal em condições reais de claro/escuro; atividade à noite e repouso durante o dia. O pequeno quadrado cinza nos actogramas representa um pulso de luz num determinado momento do ciclo circadiano, o gráfico logo abaixo dos actogramas é de fato como é representada uma CRdF. Nas ordenadas o deslocamento de fase (phase shifts, em inglês) gerado por pulsos de luz, + representa avanços e - atrasos de fase. Observe o efeito do pulso de luz no actograma e em seguida observe como é representado na CRdF. A) Um pulso de luz no meio do dia subjetivo não causa deslocamento de fase, tem efeito nulo (dead zone), B) Um pulso logo no começo da noite subjetiva causa um pequeno atraso, C) um pulso um pouco depois do inicio da noite subjetiva causa um atraso maior e D) Um pulso de luz dado depois do meio da noite subjetiva causa avanços de fase. Em humanos espera-se uma CRdF semelhante. Adaptado de Foster&Kreitzman (2005) b) Avanços de fase da temperatura central causados por pulso de luz de diferentes intensidades no mesmo momento em humanos, uma curva dose resposta para a luz. Nas ordenadas os valores da temperatura central (core body temperature) em Celsius, nas abscissas a hora subjetiva (relative clock time). O momento do mínimo da temperatura por grupo em livre curso está indicado pela linha vertical EP1 (endogenous period 1) como valor de referência 6h. Os círculos pretos representam o momento da temperatura mínima depois do pulso de luz, dado para todos os grupos 1,5h depois do mínimo da temperatura (depois da metade da noite subjetiva). A intensidade dos pulsos de luz de 5h esta dada em lux acima de cada curva (de 0,03 a 9500 lux). Com exceção do pulso de 0,03 todos os outros causaram um avanço de uma maneira dose dependente, quanto mais brilhante mais avanço na temperatura. Adaptado de Boivin e cols. (1996).

1.2 A REGULAÇÃO DA RITMICIDADE CIRCADIANA PELO SISTEMA NERVOSO A PARTIR DA INFORMAÇÃO LUMINOSA A informação do nível de luminosidade ambiental chega à retina, uma estrutura do olho humano com milhões de células fotoreceptoras e neurônios, onde é transduzida num sinal elétrico e depois químico que é transmitido cérebro adentro. Essa sinalização luminosa além de ser a informação que o nosso cérebro usa para constituir nosso sentido da visão, é também informação temporal emanante do ciclo geofísico claro/escuro ao qual estamos submetidos diariamente. A retina é a única estrutura fotossensível do nosso corpo. Nela a informação recebida pelas células fotoreceptoras é enviada às células ganglionares, cujos axônios emergem pelo nervo óptico alcançando estruturas intra-cerebrais especializadas em processar a visão de imagens e cores, alguns reflexos ligados a visão e a temporalidade do sinal luminoso. Parte do nervo óptico forma o trato retino-hipotalâmico, que chega ao hipotálamo para inervar os núcleos supraquiasmáticos (para revisão, Morin & Allen, 2005). Os núcleos supraquiasmáticos (NSQ) são dois aglomerados de neurônios separados pelo terceiro ventrículo, localizados na base do hipotálamo logo acima do quiasma óptico. Deles partem diversas vias eferentes nervosas e hormonais peptídicas, que levam a informação temporal processada, para todo o organismo (Moore RY, 1992). Estes sinais neuronais e humorais, originados do NSQ podem regular vias que controlam diversas funções fisiológicas. Estas vias estão muito envolvidas na manutenção da periodicidade, por exemplo, da liberação hormonal, do ciclo sono-vigília, do comportamento de alimentação e da termorregulação e,

portanto participam controle nervoso da sincronização ao claro/escuro ambiental. (Saper et al, 2005). Inicialmente a informação temporal processada no NSQ é transmitida por uma rede de conexões entre este núcleo e vários núcleos hipotalâmicos. Esta rede transmite e a espalha o sinal que permite a regulação temporal fisiológica do comportamento. O NSQ emite sinais para a zona subparaventricular (spvz) que é retransmitido para as regiões medial pré-óptica (MPO) e pré óptica ventro-lateral (VLPO) para controlar a termorregulação e o sono, respectivamente. Da zona subparaventricular, também, parte um sinal, para o núcleo dorsomedial do hipotálamo (DMH), que controla a secreção hormonal diária, através do núcleo paraventricular (PVN) e a vigília através área hipotálâmica lateral (LH) (Takahashi, 2008, Figura 2).

Figura 1. Esquema do NSQ e suas vias. A região ventromedial do NSQ recebe informações sobre o ciclo diário de claro/escuro através do trato retinohipotalâmico. Tanto sinais neuronais quanto sinais humorais funcionam como sinais do NSQ para outras regiões do cérebro e periféricas. O NSQ emite sinais para a zona subparaventricular (spvz) que são retransmitidos para a região medial pré-óptica (MPO) para controlar o ritmo circadiano de temperatura do corpo. Outra projeção da spvz, através do núcleo dorsomedial do hipotálamo (DMH), controla a secreção de hormônios diariamente através do núcleo paraventricular (PVN) e ciclos de sono-vigília através do hipotálamo lateral (LH) e núcleo pré-óptico ventro-lateral (VLPO). Figura traduzida de Takahashi e cols. (2008).

Uma das vias mais importantes na amplificação do sinal claro/escuro decodificado na retina e processado no NSQ é a via que passa pelo PVN e vai à glândula pineal (Kalsbeek A e cols., 2006), onde é produzido e liberado o hormônio melatonina que se difunde para a malha capilar, sendo assim distribuído sistemicamente (Zawilska e cols., 2009). A liberação da melatonina acontece principalmente na ausência de luz e, portanto sinaliza o escuro ambiental, por isso há quem a nomeie, poeticamente, como o hormônio da noite interior (para revisão Arendt, 2006). Pelo sinal dado pela concentração de melatonina no plasma e no líquor cefalorraquidiano originado na pineal, qualquer célula nas profundezas do nosso organismo decodifica que é noite e pode adequar seu metabolismo a este sinal. Além dos sinais provenientes do meio externo o NSQ e a rede de núcleos no hipotálamo conectados entre si também recebem múltiplas informações temporais dos tecidos periféricos. O resultado é um arranjo complexo de interações recíprocas as quais contribuem para a manutenção do período, da fase, da amplitude e da sincronização dos ritmos circadianos (Dibner e cols., 2010). 1.3 FENÓTIPOS DE RITMOS CIRCADIANOS EM HUMANOS E SUA REPERCUSSÃO SOCIAL O Homo sapiens como nos conhecemos hoje surgiu na África há aproximadamente 150 mil anos (Stanford, 2004). A partir daí nossos ancestrais em movimentos migratórios graduais ocuparam pouco a pouco a Ásia, a Europa, a Oceania e as Américas. Podemos imaginar que esta diáspora inicial da espécie humana a partir de regiões equatoriais na África foi acompanhada de diversificação morfológica, fruto

de adaptações necessárias a sobrevivência em diferentes condições climáticas e ambientais existentes nos outros continentes. Entre estas condições climáticas destacam-se as condições de luminosidade e temperatura ao longo do eixo norte-sul latitudinal. Nossos ancestrais partiram de um local no qual praticamente não existem variações na duração do dia e da noite ao longo do ano, para regiões distantes do equador onde estas variações são muito grandes. É lícito supor que parte destas adaptações aumentou as chances de sobrevivência dos nossos ancestrais em ambientes com alternância entre dias curtos e noites longas para dias longos e noites curtas e também para épocas de frio extremo e escassez de alimento que acompanhavam a as condições de luminosidade. É interessante imaginar que tais adaptações permitiram um sistema de temporização suficientemente plástico que tivesse a capacidade de sincronizar com essas novas condições nunca experimentadas antes. Mas talvez parte do mecanismo já estivesse suficientemente inscrito no nosso programa genético. Mas existem evidências científicas para estes fatos? Os humanos são animais diurnos assim como todos os primatas, com somente uma exceção, o macaco da noite (Aoutus sp). Os horários de dormir e acordar nas populações humanas são a expressão mais evidente de fenótipos circadianos, pois são de fácil observação sem necessidade de nenhuma medida mais invasiva ao organismo. Apesar de sermos animais diurnos, as relações de fase que mantemos com as pistas temporais ambientais como a luz do sol ou falta dela no escuro da noite que resultam nos horários nos quais iniciamos um episódio de sono, são características individuais. De forma geral, considerando, por exemplo, latitudes subtropicais como

em São Paulo e a falta de obrigações sociais, ao observar os horários de dormir e acordar de populações humanas nota-se que uma pequena parte da população acorda num horário próximo ou anterior ao nascer do sol e dorme algumas poucas horas após o pôr do sol, outra pequena parte tem um padrão invertido; acorda muitas horas depois do nascer do sol e dorme muitas horas depois do pôr. No entanto a maioria da população mantém relações de fase com o nascer e o pôr do sol, intermediárias entre estes dois extremos (Roennberg e cols. 2007). Podemos considerar os horários de dormir e acordar como somente um dos muitos processos fisiológicos ou comportamentais que apresentam expressão circadiana. Se considerarmos estes processos na sua totalidade é possível notar, por exemplo, que o início do sono mantém uma relação de fase com a temperatura corporal, que por sua vez mantém uma relação com a secreção do hormônio melatonina que mantém uma relação com a secreção do cortisol e que todos mantém relações temporais (de fase) entre si, formando o que pode ser definido como uma organização temporal interna. Portanto, quando consideramos os horários de sono como fenótipo, não podemos deixar de levar em consideração que estes horários são somente a ponta de um iceberg o qual é um reflexo do que está sob sua superfície; a organização temporal interna daquele organismo em particular. Em termos cronobiológicos podemos fenotipar ou cronotipar os indivíduos de acordo com a preferência de horários que têm para realizar suas atividades diárias e para dormir, um caráter conhecido como preferência diurna ou cronotipo. De acordo com esta preferência identificam-se três cronotipos básicos; os matutinos, indivíduos que têm preferência em levantar cedo e realizar suas atividades pela

manhã, os vespertinos que preferem acordar tarde e realizar suas atividades durante à tarde ou à noite e os intermediários, que escolhem horários intermediários entre os dois extremos. A maioria da população é intermediária (Roenneberg e cols., 2007; Wittmann e cols., 2006; Horne & Ostberg, 1976). Curiosamente o cronotipo apresenta um componente de desenvolvimento ontogenético, ou seja, o cronotipo muda durante o desenvolvimento, do nascimento a velhice. Crianças tendem a serem matutinos, adolescentes muito vespertinos, adultos jovens e sujeitos de meia idade intermediários e os idosos tendem a ser extremamente matutinos (Randler e Bilger, 2009; Duffy et al, 1999; Abe e Suzuki, 1985). Considerando que cronotipos refletem processos de sincronização entre a organização temporal interna e eventos rítmicos ambientais e que esta temporalidade endógena é particular de cada indivíduo, em parte herdada dos ancestrais, desenvolvida durante o processo evolutivo da espécie ante as forças naturais, é interessante pensar como este sistema de temporização circadiano endógeno lida com as novas pistas ambientais de temporalidade surgidas, após a revolução industrial, como a luz artificial, a organização para a educação dos jovens e o modo de produção capitalista que impõe os horários sociais de trabalho. A organização social humana impõe uma temporalidade na qual a maioria das atividades trabalhistas e educacionais ocorre entre 8h e 18h, portanto, os indivíduos que estão sincronizados a este horário têm uma tendência a um melhor desempenho. Parte da população, entretanto, está biologicamente sincronizada em horários incomuns e vive num estado dessincronizado aos horários sociais o qual poderíamos chamar de Jet lag social, em alusão ao desarranjo temporal sofrido por viajantes aéreos que passam por vários fusos horários (Wittmann e cols., 2006).

Além do problema da adaptação ou sincronização aos horários sociais mais habituais, a sociedade urbana moderna traz alguns desafios temporais ao sistema de temporização biológico. Por exemplo, viagens transcontinentais nas quais vários fusos horários são ultrapassados em pouco tempo (o já citado, Jet lag ), trabalho noturno e horários escolares nas primeiras horas da manhã para os adolescentes que naturalmente apresentam um horário de dormir tardio. A adaptação aos horários sociais é dependente de uma tendência individual pela escolha do momento para realizar atividades, num contínuo que vai da preferência pela manhã até a preferência pela tarde e noite. Se um indivíduo que tem uma tendência natural a ser vespertino, ou seja, dorme e acorda tarde necessita acordar muito cedo para obrigações sociais como trabalho ou escola, seu desempenho será prejudicado e sua adaptação a este evento temporal não será totalmente eficiente. Além destas tendências individuais de escolha de horários existem indivíduos nas populações humanas que têm tendências muito extremas na escolha dos horários de sono e realização de atividades. Estes horários por estarem muito fora do padrão populacional e por gerarem consequências negativas físicas e psicológicas nos indivíduos, são consideradas patologias da ritmicidade circadiana e do sono. Existem três tipos de distúrbios de sono caracterizados por anormalidades no sistema circadiano já bem descritos hoje em dia. A Síndrome da Fase Atrasada do Sono (SFAS), é um distúrbio no qual o principal episódio de sono é atrasado, resultando em sintomas semelhante à insônia e dificuldade de levantar no horário desejado pela manhã. A Síndrome de Fase Avançada do Sono (SFAVS), é

caracterizada por um episódio de sono adiantado, próximo ao começo da fase noturna e um despertar espontâneo nas primeiras horas da manhã. A síndrome do ciclo sono-vigília diferente de 24h (N-24), um padrão constante crônico de atrasos diários em uma ou duas horas no começo e final do sono, resultando em um horário não constante de início do sono e despertar (American Sleep Disorder Association, 1997). Desta forma considerando os padrões individuais destes diferentes fenótipos em relação à escolha de horários mais apropriados para se exercer atividades ou dormir podemos imaginar se tais padrões derivam em parte de herança genética e como a carga genética permite ou dificulta a adaptação. 1.4 GENÉTICA MOLECULAR DA RITMICIDADE CIRCADIANA Pesquisas recentes mostram que a matutinidade ou a vespertinidade, ou os cronotipos, são características resultantes do funcionamento do sistema de temporização circadiano que são herdadas geneticamente e sofrem uma adaptação as condições ambientais (Katzenberg e cols., 1998; Pereira e cols., 2005; Pedrazzoli e cols., 2007, Pereira e cols., 2009). Os ritmos circadianos biológicos são expressos como eventos bioquímicos, fisiológicos ou comportamentais e são muito importantes para sobrevivência. Estes ritmos circadianos têm um mecanismo correspondente ao nível molecular existente em cada célula do organismo, composto por alças de retroalimentação de facilitação e repressão de transcrição gênica (Gallego e Virshup, 2007; Lowrey e cols., 2000; Gekakis e cols., 1998; Shearman e cols., 2000a; Sangoram e cols., 1998; Zylka e cols., 1998). Este mecanismo molecular é como um espelho da expressão rítmica circadiana dos níveis organizacionais superiores de complexidade (bioquímico,

fisiológico e comportamental) que oscila com o mesmo período e que regula em última instância a expressão destes. A construção teórica colocada no parágrafo anterior a respeito da existência de um mecanismo molecular de oscilação circadiana e suas relações com o comportamento ocupou os cientistas na área nos últimos 40 anos e foi uma história que se inicia em estudos básicos em invertebrados, passa pelo estudo de mamíferos roedores e constrói conhecimento que pode ser hoje aplicado em humanos. O passo inicial para a construção deste conhecimento aconteceu no início da década de 70 com Konopka e Benzer (1971). Estes pesquisadores analisaram drosófilas mutantes e observaram que alguns animais apresentavam ritmicidade circadiana anormal da atividade locomotora e eclosão de pupas. Enquanto moscas selvagens em livre-curso, ou seja, sem a presença de pistas temporais ambientais externas, apresentavam o ciclo atividade/repouso numa periodicidade que se aproximava muito de 24h, podia-se observar em moscas mutantes sob o mesmo protocolo três linhagens distintas para o fenótipo do ritmo circadiano de atividade e repouso; um mutante arrítmico, um mutante com período circadiano endógeno curto (19h) e um mutante com período longo (28h). Estas observações significavam que alterações gênicas que provavelmente levavam a alterações de estrutura protéica estavam associadas à manutenção da duração do período na expressão circadiana da variável comportamental atividade e repouso (Konopka & Benzer, 1971). O que era uma novidade absoluta na época e de difícil interpretação, qual seria o mecanismo? Mas definitivamente o primeiro passo estava dado na identificação do mecanismo molecular da ritmicidade circadiana.

Em 1981, Smith e Konopka descobriram exatamente qual o era o gene mutante nestas moscas e o nomearam de Period (Per), pois causava alterações no período endógeno, este gene foi mais tarde identificado também em mamíferos e continua a ser considerado importante no mecanismo molecular do sistema de temporização circadiano (Tei e cols, 1997). Após esta descoberta na década de 70, nenhum estudo sobre a regulação da ritmicidade circadiana em vertebrados ou mamíferos surgiu até 1988, ano no qual Ralph & Menaker encontraram por serendipidade a primeira evidência da regulação genética do ritmo circadiano do ciclo sono-vigília em mamíferos. Estes pesquisadores observaram que um dos animais de seu laboratório apresentava um fenótipo anormal do ritmo circadiano ciclo sono-vigília. Este hamster quando colocado em livre-curso, apresentava um período endógeno curto de 22h e uma sincronização anormal ao ciclo claro/escuro com ângulos de fase entre e o início da atividade e o apagar das luzes com cerca de 3h de diferença dos animais selvagens. Fazendo uma analogia com uma condição humana para facilitar a compreensão, este resultado representa um indivíduo que acorda bem cedo e inicia sua atividade pela manhã, muito antes do sol nascer. Por meio de cruzamentos deste animal com outras fêmeas e entre animais das gerações F1, os pesquisadores observaram nas proles três fenótipos diferentes; animais com período endógeno médio de 24,1h (selvagens) e hamsters com período médio de 22h. e outro grupo com período médio de 20h, indicando um padrão genético mendeliano de herança. A observação posterior de cruzamentos entre hamsters com estes três fenótipos diferentes e a análise de proporções de animais nascidos revelou que o fenótipo apresentado inicialmente (período endógeno de 22h) era devido a uma mutação genética, ocorria em um único lócus autossômico e

era parcialmente dominante, seguindo um padrão de herança mendeliano clássico. Esta mutação foi denominada a princípio tau (τ), como referência a abreviação usada em cronobiologia para período circadiano endógeno. Nesta época (1988) não existiam ainda ferramentas de biologia molecular suficientes para identificar qual era exatamente o gene e a mutação existente neste animal, no entanto, este trabalho é um grande marco para pesquisa molecular da ritmicidade circadiana. Os resultados encontrados mostravam que exatamente como nas moscas drosófilas, mas no sistema mais complexo do organismo mamífero, uma mutação em somente um gene podia alterar drasticamente a regulação de ritmicidade circadiana. Com o estudo de Ralph & Menaker (1988), as investigações moleculares sobre a ritmicidade circadiana em mamíferos evoluíram rapidamente e alguns genes foram identificados como participantes do sistema de temporização circadiano. Vitaterna e cols. (1994) identificaram especificamente o primeiro gene do relógio circadiano celular em mamíferos. Neste estudo os pesquisadores por meio de agentes mutagênicos, induziram mutações em camundongos que resultaram em alterações no comprimento do período endógeno e perda da ritmicidade circadiana dos animais. O cruzamento entre animais heterozigotos mutantes produziu três fenótipos diferentes para a geração F2, indicando que a mutação estava localizada em um único gene que poderia ser o responsável por regular o comportamento circadiano de atividade/repouso. Análises posteriores demonstraram que este gene estava localizado no cromossomo 5 em camundongos (região equivalente ao cromossomo 4 humano), ele foi denominado gene Clock (do inglês, Circadian Locomotor Output Cycle Kaput).

Após a caracterização direta do primeiro gene envolvido com o sistema de temporização circadiano em mamíferos, outros genes foram descobertos o que indicava a crescente complexidade deste mecanismo na regulação dos ritmos circadianos. Considerando que em termos de expressão fisiológica ou comportamentais muitas variáveis, como o ciclo sono-vigília, a temperatura corporal e a secreção hormonal se expressam circadianamente, de alguma forma o mecanismo molecular, se único, teria que dar conta da explicação da expressão circadiana e das relações de fase de todas estas variáveis. Em 1992, foi demonstrado que sequências conservadas do gene Per de drosófilas eram também expressas nos Núcleos Supraquiasmáticos (NSQs) de mamíferos (Maler e cols, 1992) o que indicava a extrema conservação evolutiva que este gene teria sofrido, pois era semelhante em duas espécies muito distantes na escala filogenética, o que por sua vez sugeria que a conservação deste gene deveria ser importante para a adaptação ao ambiente desde antes do momento em que estas duas espécies tiveram um ancestral em comum. A descrição completa e caracterização do gene Per1 em mamíferos foram feitas em 1997 (Tei e cols, 1997). Em 1998, Takumi e cols. isolaram o segundo gene Period em mamíferos (Per2) que possui alta homologia com o gene Per1 e neste mesmo ano, foi isolado outro gene desta família, em mamíferos, o gene Per3 (Takumi e cols., 1998; Zylca e cols., 1998). Desta forma, diferente das drosófilas, o relógio circadiano molecular dos mamíferos possui três proteínas PER com papéis provavelmente não redundantes (Dunlap e cols., 1999; Vitaterna e cols., 2001). Os genes Per1 e Per2 apresentam diferentes respostas na expressão gênica nos núcleos supraquiasmáticos do

hipotálamo diante da estimulação por pulsos de luz (Zylca e cols., 1998) enquanto o Per3 parece ter um padrão oscilatório de expressão independente da luz nos núcleos supraquiasmáticos (Takumi e cols., 1998). Animais knock-out para os genes Per1, Per2 e Per3 apresentam período endógeno mais curto em livre-curso. Esse efeito é menos evidente para os animais knock-out para o gene Per3, que apresentam somente 30 minutos de encurtamento do período endógeno (Shearman e cols., 2000). O gene Bmal1 também conhecido como Mop3 passou a ser considerado um gene relógio em 1998 (Gekakis e cols.). Os autores demonstraram que a proteína BMAL1, que se expressava circadianamente, era capaz de se ligar a proteína CLOCK, formando um heterodímero que funcionava como um fator de transcrição que, portanto promove a transcrição de outros genes com um padrão rítmico circadiano. Animais com o gene Bmal1 não funcional (animais knock-out), tornamse totalmente arrítmicos em escuro constante e com a atividade locomotora prejudicada em condições normais de luminosidade (Bunger e cols, 2000). Neste ponto fica claro que há uma complexidade crescente no possível mecanismo do relógio circadiano molecular, mas ainda nesta mesma época uma dupla de genes parálogos, os genes Cryptocromo 1 e 2 (Cry 1 e Cry2) são adicionados na lista dos genes relógio. Estes genes são membros da família de receptores de luz azul em plantas (Todo e cols., 1996; van der Spek e cols., 1996; Hsu e cols.,1996; Kobayashi e cols., 1998). Em mamíferos, estes genes foram primeiramente classificados como possíveis candidatos para fotoreceptores circadianos (Stanewsky e cols., 1998), no entanto, análises posteriores demonstraram que eles têm um papel independente da luz no sistema circadiano de mamíferos (Griffin e cols., 1999).

Estudos em animais knock-out mostram que estes genes são essenciais para a regulação molecular do sistema de temporização e estão envolvidos com a regulação do período endógeno e com a sincronização. Camundongos knock-out para o gene Cry1 apresentam um período curto em livre-curso, enquanto os knock-out para o gene Cry2 exibem um período endógeno longo. Animais duplo knock-out tornam-se arrítmicos em escuro constante (van der Horst e cols., 1999). Finalmente, em 2000, a mutação tau identificada pela primeira vez em 1988 em hamsters foi encontrada no genoma do camundongo e localizada no gene da caseína quinase I épsilon (CKI ), uma importante enzima envolvida na fosforilação de proteínas (Lowrey e cols., em 2000). Desta forma por volta do ano 2000 oito genes haviam sido identificados como componentes de um possível mecanismo molecular de oscilação circadiana, mas qual seria o mecanismo? Um grupo de características especiais e comuns destes diferentes genes guiaria alguns pesquisadores para a elaboração de uma hipótese. Em primeiro lugar, eles possuem um perfil robusto de oscilação nos NSQs que dura aproximadamente 24h, exceto pelo gene Clock. Mutações em qualquer um destes genes podem causar uma regulação circadiana anormal com fenótipos que vão desde períodos endógenos mais curtos ou mais longos até a perda da ritmicidade e um prejuízo na sincronização pela luz. Em segundo lugar, todos os genes relógio codificam proteínas que possuem o domínio PAS, um domínio protéico que permite a dimerização proteína-proteína, essencial para o funcionamento do relógio circadiano. Os genes Clock e Bmal1 possuem um domínio adicional chamado basic-helix-loop-helix que permite a interação destes genes com a molécula de DNA (Zheng e cols., 1999; Shearman e

cols., 1999; Allada e cols., 1998). O heterodímero CLOCK/BMAL1 possui a capacidade de ligação com o DNA e age como um fator de transcrição para os outros genes relógio e outros genes no genoma (Lowrey e cols., 2000; Shearman e cols., 2000; Badiu, 2003; Gachon e cols., 2004; Cermakian e cols., 2003). Baseado nestas características, Lowrey e col. (2000) propuseram um mecanismo no qual, uma alça de retroalimentação negativa que envolve a transcrição e tradução de todos os genes relógio, estaria atuando como reguladora da ritmicidade circadiana molecular. De acordo com Lowrey (2000) o heterodímero formado pelas proteínas CLOCK e BMAL1 promoveria a transcrição dos genes Per1, Per2, Per3, Cry1 e Cry2. As proteínas codificadas por estes genes, uma vez traduzidas, formariam dímeros no citoplasma e quando em determinados níveis de concentração retornariam ao núcleo, bloqueando a ação do heterodímero CLOCK/BMAL1 na transcrição de seus próprios genes, formando assim uma alça de retroalimentação negativa de transcrição e tradução que duraria aproximadamente 24h (Lowrey e cols.,2000; Sangoram e cols., 1998). A enzima CKI também estaria envolvida neste mecanismo e tem como papel principal regular a atividade das proteínas PER por meio de fosforilação (Lowrey e col., 2000). Entretanto, está claro que este é um modelo bastante simplificado, pois novas descobertas estão sendo descritas demonstrando a complexidade deste sistema. De qualquer forma este modelo de alça de retroalimentação de facilitação e repressão da transcrição gênica tem valor heurístico, sendo bastante suficiente até o momento para explicar grande parte dos fenômenos comportamentais associados aos ritmos circadianos em animais de experimentação.

1.5 O SIGNIFICADO DO RELÓGIO MOLECULAR NA BIOLOGIA CIRCADIANA EM HUMANOS Uma conseqüência dos estudos descritos anteriormente é entender como a regulação molecular do sistema de temporização em mamíferos é aplicável na regulação da ritmicidade circadiana em humanos. Se mutações nos genes relógio levam a regulação anormal da ritmicidade circadiana em animais de laboratório, poderíamos supor que a regulação da fisiologia circadiana humana e seus aspectos fisiopatológicos podem ser conseqüências da variabilidade genética nestes genes relógio? Essa, a princípio, suposição já tem bastante confirmação experimental, Katzenberg e col. (1998) demonstraram que um polimorfismo localizado na região 3 do gene Clock (C3111T) está associado com a preferência diurna. Eles verificaram que o alelo C na posição 3111 está associado com a vespertinidade. Os dados em relação a este polimorfismo ainda são muito controversos. Em 2002, Robilliard e cols. não encontraram a mesma associação em uma amostra da população inglesa e alguns dados obtidos em nosso laboratório também não mostram a associação do polimorfismo no gene Clock com a preferência diurna em uma amostra da população brasileira (Pedrazzoli e cols., 2007). Outros genes além do gene Clock também têm sido implicados com os cronotipos. Archer e col. (2003) e Pereira e col. (2005) demonstraram que um polimorfismo de repetição, um VNTR (Variable Number of Tandem Repeats) no gene Per3 humano está associado com a preferência diurna. Ambos os grupos de pesquisa demonstraram que a freqüência do alelo longo (5 repetições) é maior em grupos de matutinos do que em grupos de vespertinos.

Figura 3. Esquema representativo da proteína PER3 humana. Nos domínios PAS A e B se ligam outras moléculas PER. A seqüência de aminoácidos da região com 4 ou 5 repetições esta expandida na parte de baixo da figura. As repetições estão numeradas de 1 a 5. Na primeira linha consta a seqüência com 5 repetições, e na segunda linha a de 4 repetições, a seqüência faltante é representada por traços. Os círculos negros indicam sítios potenciais de fosforilação. Figura extraída de Archer e cols., 2003. Carpen e cols. (2006) analisaram um polimorfismo silencioso no gene Per1 (T2434C) e verificaram que a freqüência do alelo C foi maior no grupo de matutinos do que no de vespertinos. Como o polimorfismo T2434C não altera a seqüência de aminoácidos na proteína e nem a estrutura do RNAm, os autores sugerem que alteração (T2434C) esteja em desequilíbrio de ligação com algum polimorfismo desconhecido. Estudos em família têm demonstrado que o avanço ou o atraso de fase do sono possui um caráter hereditário (Reid e cols.,2001; Ancoli-Israel e cols., 2001). A identificação de famílias com distúrbios de ritmo é uma importante ferramenta para identificar genes relacionados com a regulação do ritmo circadiano do ciclo sono-vigília em humanos. Em 2001, Reid e cols. caracterizaram fenotipicamente uma família com SFAVS e observaram que existia um indivíduo afetado para cada geração, seguindo

um padrão mendeliano de herança autossômica dominante. Ancoli-Israel e cols. (2001), publicaram um heredrograma de uma família com SFAS. Toh e cols. (2001) analisaram geneticamente uma família portadora de SFAVS e verificaram que uma mutação encontrada no gene Per2 (A2106G) estava presente em todos os membros afetados da família. Em 2007, Xu e col. inseriram a mutação humana do gene Per2 (A2106G) em camundongos e observaram o mesmo fenótipo de avanço de fase nos animais e conseqüentemente a diminuição do período endógeno, reforçando a associação desta mutação com a SFAVS. Outros polimorfismos têm sido estudados em casos não familiares de distúrbios de ritmo circadiano. Ebisawa e cols. (2001) mostraram que polimorfismos presentes no gene Per3 podem estar associados com a SFAS. Archer e cols. (2003) reduziram a região estudada por Ebisawa e verificaram que o VNTR presente no gene Per3 está associado com a SFAS. Estes pesquisadores verificaram que a freqüência do alelo curto de 4 repetições era maior no grupo de pacientes com SFAS. Nosso grupo (Pereira e cols., 2005) encontrou associação do alelo oposto, o alelo longo (5 repetições), com a SFAS. Viola e cols., 2007 analisaram a estrutura do sono em 24 indivíduos saudáveis, que foram selecionados por seu genótipo no gene Per3 (homozigotos de 4 ou 5 repetições), no laboratório de sono em condições constantes e monitoradas. Os resultados deste trabalho mostram que este polimorfismo tem notáveis efeitos na estrutura do sono, incluindo marcadores da homeostase do sono, sugerindo que este alelo do gene Per3 esteja envolvido não somente com a regulação circadiana do sono, como também com sua regulação homeostática.

Em geral, estudos em animais têm demonstrado que variações nos genes relógio causam anormalidades na regulação dos ritmos circadianos, principalmente por alteração na duração do período endógeno, levando a uma alteração no ângulo de fase de sincronização pela luz. O nível de conservação filogenética destes genes é alta e é muito provável que alterações gênicas associadas a expressões comportamentais e circadianas observadas em animais de experimentação tenham certa semelhança em humanos. Descobertas de variações genéticas regulando os fenótipos circadianos em humanos incluindo alguns distúrbios de humor e suas relações com pistas temporais ambientais teriam, a longo prazo, um importante impacto terapêutico em medicina preventiva, ajudando no entendimento e tratamento dos distúrbios do sono, de ritmo circadiano e de humor, bem como, na prevenção de riscos para saúde causados por viagens transcontinentais e trabalhos em turno e noturno.

2. OBJETIVO Esta tese tem como objetivo fazer uma análise de parte de minha produção científica e demonstrar, a partir desta análise, que existem elementos suficientes para considerar que as condições climáticas e de luminosidade associadas à latitude influenciam a ritmicidade circadiana humana, que o ciclo claro/escuro ambiental é a pista temporal preponderante para a nossa espécie, que esta ritmicidade é em parte determinada geneticamente e que estes fatos têm implicação para a organização social, saúde e a evolução humana.

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS SUJEITOS ESTUDADOS E OS MÉTODOS 3.1 SUJEITOS Humanos Para os estudos genéticos participaram 1750 voluntários, na sua maioria estudantes universitários de várias universidades em São Paulo e 17 pacientes com Síndrome da Fase Atrasada de Sono. Para o projeto PROSUL de cronobiologia (cronotipo on-line) participaram 16 mil pessoas residentes em todos os estados do Brasil. Primatas não humanos Utilizamos as seguintes espécies primatas, macaco-prego (Cebus apella), sagüi-de-goeldi (Callimico Goeldi), bugio (Alouatta), macaco-aranha (Ateles paniscus), macaco-barrigudo (Lagothrix lagothricha), macaco verde africano (Chlorocebus aethiops), sagüi-de-cara-branca (Callithrix geoffroy), sagüi-una (Sagüinus 34idas), sagüi-imperador (Sagüinus imperator), macaco-de-cheiro (Saimiri sciurus), macaco-da-noite (Aotus infulatus) e sagüi-de-cara-suja (Sagüinus fuscicollis). Estas amostras foram coletadas no Núcleo de macaco-prego da UNESP (campus Araçatuba), na Função Parque do Zoológico de São Paulo e no Centro Nacional de Primatas (Belém PA).

3.2 FENOTIPAGEM CIRCADIANA COMPORTAMENTAL Para determinar o cronotipo usamos uma versão on-line ou em papel do questionário Horne-Ostberg (1976). Este questionário é um instrumento internacionalmente validado e muito difundido, utilizado na avaliação de preferências diurnas para a realização de atividades e identifica os chamados cronotipos do espectro matutino/vespertino. Os pacientes foram diagnosticados por médicos especializados de acordo com o International Classification of Sleep Disorders. 3.3 CLASSIFICAÇÃO ÉTNICA A princípio nos primeiros estudos os voluntários se auto-classificavam. No estudo específico sobre diferenças étnicas nas freqüências gênicas (estudo 8), os indivíduos foram primeiramente visualmente observados quanto às características físicas inerentes a origem étnica, tais como, tipo de cabelo, cor da pele e tipo e cor dos olhos. Após essa observação prévia foi aplicado um questionário de avaliação etnica (anexo 1) no qual era indagado o país de origem do voluntário, dos pais, avôs e avós paternos e maternos. Foram selecionados somente aqueles que tinham todos os ancestrais asiáticos ou caucasianos segundo as respostas do questionário. 3.4 GENOTIPAGEM E MANIPULAÇÃO MOLECULAR DOS GENES 3.4.1 Tecidos e manipulação do DNA e RNA Amostras de sangue ou amostras da mucosa oral foram coletadas para a extração do DNA ou RNA das células. As genotipagens foram feitas a partir do DNA por meio de técnicas tradicionais (PCR-RFLP, Polimerase Chain Reaction- Restriction Fragment Lenght Polimorphism), mas também por meio de novas