Transtorno por estresse pós-traumático como causa de acidente de trabalho

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ARTIGO ORIGINAL Transtorno por estresse pós-traumático como causa de acidente de trabalho Post-traumatic stress disorder and occupational accident Cláudia Wanderley da Nóbrega Cabral de Almeida 1, Thalyssa Lorenna Barbosa Galdino de Lira 2, Lorena Vitório da Costa Januário 2, Mônica Rodrigues de Araújo Souza 1,3 RESUMO No contexto das doenças mentais, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) pode ser definido como uma perturbação psíquica desencadeada pela exposição a um evento traumático e fortemente ameaçador. Em razão da escassez de informações sobre o assunto, objetivou-se estudar a ocorrência do TEPT como causa de acidente de trabalho, detalhando seus aspectos epidemiológicos e previdenciários. Um total de 5.219 casos de acidente de trabalho foi registrado nos arquivos eletrônicos no Ministério da Previdência Social, no período de janeiro de 2007 até junho de 2010. Desse total, 22 casos tiveram como diagnóstico principal o TEPT (CID F 43.1). Os resultados e conclusões deste estudo indicam que a incidência de TEPT foi 2,3 vezes maior nas mulheres do que nos homens, ocorrendo nas faixas etárias mais produtivas (com 22 53 anos de idade) e em trabalhadores procedentes predominantemente da capital e região metropolitana. Na maioria dos casos, observaram-se traumas de origem unicamente psicológica, sendo que, em dois casos, houve também agressão física. Na maioria dos casos, o tempo médio de recuperação da capacidade laborativa foi de seis meses. Metade dos casos de TEPT como causa de acidente de trabalho foi reconhecida através da avaliação médico-pericial. As profissões mais vulneráveis a esse tipo de trauma foram aquelas ligadas diretamente ao atendimento ao público, as que lidam com valores monetários elevados e as que estão mais susceptíveis à violência urbana. Palavras-chave: transtornos de estresse pós-traumático; acidentes de trabalho; transtornos mentais. Recebido em: 14/11/2011 Aprovado em: 30/01/2012 Trabalho realizado no Instituto Nacional do Seguro social (INSS) e Faculdade de Medicina Nova Esperança (FAMENE) João Pessoa (PB), Brasil. 1 Médica Perita Previdenciária; Especialista em Medicina do Trabalho João Pessoa (PB), Brasil. 2 Acadêmica da FAMENE João Pessoa (PB), Brasil. 3 Professora de Medicina da FAMENE João Pessoa (PB), Brasil. Endereço para correspondência: Mônica Rodrigues de Araújo Souza Avenida Frei Galvão, 12 Gramame CEP: 58067-695 João Pessoa (PB), Brasil E-mail: mrsmonicca@gmail.com Fonte de financiamento: nenhuma.

Almeida CWNC, et al. / Rev Bras Med Trab.2012;10(1):100-5 ABSTRACT In the context of mental illness, post-traumatic stress disorder (PTSD) can be defined as a mental disorder triggered by exposure to a traumatic event and strongly threatening. Due to the scarcity of information, the aim of this research was study the occurrence of PTSD as a cause of accidents at work, detailing its epidemiological and social security issues. A total of 5219 cases of occupational accidents was recorded in the electronic files in the Ministry of Social Security, from January 2007 through June 2010. Of these, 22 cases had a main diagnosis of PTSD (ICD F 43.1). The results and conclusions of the study indicated that the incidence of PTSD was 2.3 times greater in women than in men, occurring in the most productive age groups (with 22 53 years of age) and in workers coming predominantly from capital and metropolitan area. The majority of the cases was due to psychological trauma, but in two cases there were also physical aggression. In most cases, the median time to recovery of working capacity was six months. Half the cases of PTSD recognized as work-related injury was determined by the medical expert. The most vulnerable professions were those related to public service, dealing with high monetary values and more susceptible to urban violence. Keywords: post-traumatic stress disorders; occupational accidents; mental disorders. INTRODUÇÃO O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), termo que surgiu em 1980, com a publicação da terceira revisão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM-III), pode ser entendido como uma perturbação psíquica decorrente e condicionada a um evento fortemente ameaçador ao próprio paciente, ou nos casos em que esse apenas é testemunha da ocorrência. Consiste num tipo de recordação, que é mais bem definida como revivescência, pois é muito mais forte do que uma simples recordação 1. Outra definição caracteriza o TEPT como um transtorno de ansiedade desencadeado por um evento traumático de natureza extrema 2. Na população em geral, a prevalência estimada do TEPT é de 1 a 3%. Já, nos grupos de risco (por exemplo, combatentes), as taxas de prevalência variam de 5 a 75%, dependendo dos grupos estudados (Manual de procedimentos para os serviços de saúde). Atualmente, o TEPT é muito estudado nos Estados Unidos, alguns países da Europa, Israel e Oceania. No Brasil, essa entidade clínica ainda é pouca conhecida e, muitas vezes, confundida 3. De acordo com estudo epidemiológico americano, realizado por Kessler, foi estimada em 7,8% da população geral, sendo encontrado em 5% dos homens e 10,4% das mulheres 4. O TEPT pode ser classificado como doença relacionada ao trabalho, quando o trauma que o desencadeou foi caracterizado como acidente de trabalho, ou seja, ocorreu no ambiente laboral e no horário de expediente, devido a um ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiros ou mesmo por um companheiro de trabalho 5. A maior incidência de desenvolvimento do TEPT relacionado ao trabalho parece ocorrer na população que realiza trabalhos perigosos, principalmente aqueles que envolvem vidas humanas, com risco de grandes acidentes, como o trabalho nos sistemas de transporte ferroviário, metroviário e aéreo, o trabalho dos bombeiros, médicos e policiais 6,7, entre outros. É mais comum em adultos e jovens, ou seja, a população ativa, mas pode surgir em qualquer idade devido à natureza das situações desencadeadoras. O TEPT acomete mais pessoas solteiras, divorciadas, viúvas ou expostas a maior vulnerabilidade social ou econômica 8. Os sintomas agudos de TEPT podem ser divididos em três grupos: revivescência do trauma, esquiva/entorpecimento emocional e hiperestimulação autonômica. É necessário que os sintomas referidos persistam por, pelo menos, quatro semanas após a ocorrência do trauma e que ocorra comprometimento social e ocupacional do paciente 2. No Brasil, os dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registram os transtornos mentais como a terceira maior causa de concessão de benefícios previdenciários de auxílio-doença 9,10. Diante dessa reali- 7

Transtorno por estresse pós-traumático como causa de acidente de trabalho dade e considerando a importância do TEPT no cenário da saúde ocupacional, considerou-se racional e oportuno a realização deste trabalho, onde foram estudados todos os casos de TEPT como causa de acidente de trabalho nos municípios da área de abrangência da Gerência Executiva do INSS em João Pessoa (PB), no período de janeiro de 2007 até junho de 2010. MÉTODOS Foram estudados todos os casos de benefícios concedidos com CID F 43.1 (TEPT) como causa de acidente de trabalho nos municípios da área de abrangência da Gerência Executiva do INSS em João Pessoa (PB), no período de janeiro de 2007 até junho de 2010. Os dados foram coletados nos arquivos eletrônicos das principais bases de dados disponíveis no INSS: Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade (SABI), Sistema Único Informatizado de Benefício (SUIBE) e outros sistemas corporativos (PRISMA, PLENUS). A descrição qualitativa dos dados subjetivos foi extraída da análise de informações contidas nos laudos de exames constantes dos antecedentes médico-periciais. Foram detalhados os seguintes dados epidemiológicos e previdenciários dos segurados: sexo, idade em que ocorreu o trauma, procedência, tipo de atividade exercida, data do trauma, tipo de trauma ocorrido e tempo de incapacidade laborativa. Foi observado, ainda, se houve a emissão de comunicação de acidente de trabalho (CAT) ou se a caracterização do acidente de trabalho foi realizada pela Perícia Médica Previdenciária, através do Nexo Técnico epidemiológico Previdenciário (NTEP) e/ou Nexo individual, após análise da história clínica e documentos médicos apresentados pelo trabalhador. Foi realizada uma análise descritiva dos dados por meio das análises de frequência e média, com suas respectivas variações. Na comparação das características dos casos por sexo, foram aplicados os testes não paramétricos c 2 de Fischer, quando comparadas proporções, e o teste de Mann-Whitney, quando comparadas as médias. A significância estatística adotada foi de 5% e o software utilizado o EPIINFO versão 6.04. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesta pesquisa, estudou-se o transtorno de estresse pós-traumático como causa de acidente de trabalho na Gerência Executiva do INSS em João Pessoa (PB). Foram estudados 22 casos de TEPT, no período de janeiro de 2007 até junho de 2010, e as características dos casos estão expostas na Tabela 1. O número total de casos de acidentes de trabalho nessa Gerência, no mesmo período, foi de 5.219, sendo destes, 1.361 casos do sexo feminino e 3.858 casos do sexo masculino. Assim, a incidência de TEPT nos homens foi de 3,1 casos por 1.000 benefícios e nas mulheres, 7,3 casos a cada 1.000 benefícios acidentários, o que constata que a incidência nas mulheres foi 2,3 vezes maior do que quando comparadas aos homens. A idade média geral dos trabalhadores com TEPT foi de 38,5 com desvio padrão de 9,4 anos, o que põe em evidência a frequência da doença nas faixas etárias mais produtivas, muito embora, de acordo com Maes et al., o TEPT pode ocorrer em qualquer Tabela 1. Características dos casos de transtorno de estresse póstraumático (TEPT) como causa de acidente de trabalho, no período de janeiro de 2007 até junho de 2010 Características Estatísticas Número de casos 22 Sexo número (%) Masculino 12 (54,5) Feminino 10 (45,5) Idade média±dp (mínimo; máximo) 38,5±9,4 (22; 53) Procedência número (%) Capital 14 (63,6) Região metropolitana 5 (22,7) Interior 3 (13,6) Tipo de trauma número (%) Psicológico 20 (90,9) Físico e psicológico 02 (9,1) Tempo de benefício número (%) Menos de 6 meses 12 (54,5) De 6 meses a menos de 1 ano 4 (18,2) De 1 a 2 anos 4 (18,2) Mais de 2 anos 2 (9,1) Emissão da CAT número (%) Sim 11 (50,0) Não 11 (50,0) Início do benefício número (%) 2007 1 (4,5) 2008 6 (27,3) 2009 7 (31,8) 2010 8 (36,4) DP: desvio padrão; CAT: comunicação de acidente de trabalho 8

Almeida CWNC, et al. / Rev Bras Med Trab.2012;10(1):100-5 idade, sendo apenas necessário que ocorra um evento traumático para desencadear o transtorno 1. Como a população estudada nesse trabalho consiste de trabalhadores, segurados da Previdência Social, é provável que a idade média encontrada reflita o extrato da população economicamente ativa. Com relação à procedência, pode-se evidenciar que a maioria dos casos ocorreu na capital e na região metropolitana, o que pode ser explicado pelos riscos inerentes às atividades urbanas, tornando esses trabalhadores mais expostos ao TEPT em comparação aos trabalhadores da zona rural. Com relação ao tipo de trauma sofrido, em todos os casos foram caracterizadas a origem do trauma psicológico, contudo em dois casos também foram identificadas agressões físicas, sendo esses trabalhadores do sexo masculino e motoristas de ônibus urbano. Essa profissão, a de motorista de ônibus, encontra-se entre as atividades mais expostas ao TEPT, considerando o alto nível de violência urbana encontrada hoje no país. Alves e Paula 11 fizeram referência ao grau de exposição a que estão submetidos os motoristas de transporte urbano, uma vez que desenvolvem atividades externas, lidam com uma população bastante heterogênea, do ponto de vista sociocultural, e mantêm contato com valores monetários. Quanto à análise do tempo de afastamento, o que mais chama a atenção é que em mais da metade (54,5%) dos casos, os segurados necessitaram de um tempo de recuperação da capacidade laborativa inferior a 6 meses, tratando-se de uma incapacidade temporária. Enquanto que uma das situações, devido à gravidade do caso, foi reconhecida a incapacidade definitiva (aposentadoria por invalidez), pois o paciente evoluiu com quadro depressivo grave. A depressão, além do Transtorno Obsessivo Compulsivo e a dependência química, são as principais comorbidades associadas ao TEPT 12. A emissão da CAT foi referida em metade dos casos do TEPT, como causa de acidente de trabalho. Nos outros 50% a caracterização de acidente de trabalho foi realizada pelo médico no momento do ato pericial, o que coloca em evidência a figura do perito médico previdenciário e sua importância no contexto social, previdenciário e trabalhista. Observou-se um aumento na frequência do TEPT ao longo dos anos de 2007 a 2010. Uma das explicações seria por causa da piora das condições de trabalho, maior exposição dos trabalhadores a fatores estressores e o aumento da violência urbana. A adoção do nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, a partir de 2007, modificou a legislação vigente e também contribuiu para maior notificação do TEPT como causa de acidente de trabalho. Em relação às ocupações, as ocorrências foram as mais variadas. Auxiliar contábil (um caso), agente comunitário de saúde (um caso), auxiliar de escritório (dois casos), atendente comercial (dois casos), auxiliar de produção (um caso), auxiliar de serviços gerais na confecção de roupas (um caso), bilheteria de transporte coletivo (um caso), caixa de banco (um caso), cobrador de transportes coletivos (dois casos), gerente de divisão comercial (dois casos), gerente de produtos bancários (dois casos), gerente de operação dos Correios e Telecomunicações (um caso), vendedor de comércio varejista (dois casos) e motorista de ônibus urbano (dois casos). Observou-se que 14 trabalhadores exerciam algum tipo de atividade em que tinham contato com o publico, em maior ou menor grau, sendo que, em 12 casos, os trabalhadores exerciam suas atividades em contato direto com o público. Em relação ao local de trabalho, em cinco casos, esses trabalhadores realizavam suas funções em ambientes externos, o que aumenta sua exposição aos riscos da violência urbana. De acordo com o tipo de atividade, em 16 casos, os trabalhadores exerciam atividades relacionadas às áreas financeiras e contábeis. Dos 22 casos de TEPT estudados, em 17 casos, os traumas foram decorrentes de assaltos, sendo que em 2 casos os trabalhadores sofreram agressão física. Houve um caso de TEPT após a trabalhadora ter presenciado uma briga entre dois assaltantes dentro do seu estabelecimento de trabalho, com disparos por arma de fogo. Houve ainda outro caso de invasão do estabelecimento de trabalho por vândalos. Desse modo, os casos de TEPT na população trabalhadora estudada, cujo trauma está diretamente relacionado com a violência urbana, configuram um total de 19 casos. Os demais casos de TEPT foram devidos a traumas relacionados com o ambiente de trabalho, sendo um caso após o trabalhador ter presenciado um acidente na empresa, com vítima fatal e um caso de constrangimento sofrido por uma segurada, no seu ambiente 9

Transtorno por estresse pós-traumático como causa de acidente de trabalho de trabalho, devido à exposição de aspectos íntimos de sua vida pessoal. Em um caso não foi possível caracterizar o trauma sofrido pela trabalhadora. Em relação à distribuição dos casos de TEPT como causa de acidente de trabalho por sexo, percebe-se que não houve diferença significativa entre as variáveis, como pode ser visto na Tabela 2. Em relação à procedência, todos os casos originados do interior correspondiam ao sexo feminino. Quanto ao tipo de trauma, os dois trabalhadores que apresentaram, além do trauma psicológico, o trauma físico eram do sexo masculino e exerciam a atividade de motorista de ônibus. Quanto ao tempo necessário para recuperação da capacidade laborativa, não se observou diferença significativamente estatística entre os sexos. Entretanto, em números relativos, 80% dos benefícios por incapacidade nas mulheres prolongaram-se por tempo inferior a 6 meses; enquanto que, nos homens, perduraram por um tempo maior. Em outras palavras, 2/3 dos homens necessitaram de tempo de afastamento superior a 6 meses. Constatou-se que houve um aumento progressivo da ocorrência do TEPT entre as mulheres ao longo dos anos estudados. A prevalência dessa patologia duplicou no ano de 2010, o que pode ser explicado pelo aumento da exposição das mulheres aos fatores de risco estressores. CONCLUSÃO Com base na casuística estudada, podemos concluir que a incidência do TEPT, nos anos de 2007 2010, na Gerência Executiva do INSS, em João Pessoa (PB), nos homens foi de 3,1 casos por 1.000 benefícios e entre as mulheres 7,3 casos a cada 1.000 benefícios acidentários, sendo a incidência entre as mulheres 2,3 vezes maior, quando comparada aos homens. Na sequência dos anos, de 2007 a 2010, observou-se maior ocorrência dos casos de TEPT como causa de acidente do trabalho, no sexo feminino. Na amostra estudada, as faixas etárias mais produtivas, com dis- Tabela 2. Distribuição dos casos de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) como causa de acidente de trabalho por sexo, no período de janeiro de 2007 até junho de 2010 Características Sexo Masculino Feminino Valor p Idade média±dp 39,2±9,6 37,7±9,6 0,724 Procedência número (%) Capital 8 (66,7) 6 (60,0) Região metropolitana 4 (33,3) 1 (10,0) 0,084 Interior 0 (0,0) 3 (30,0) Tipo de trauma número (%) Psicológico 10 (83,3) 10 (100,0) 0,286 Físico e psicológico 2 (16,7) 0 (0,0) Tempo de benefício número (%) Menos de 6 meses 4 (33,3) 8 (80,0) De 6 meses a menos de 1 ano 3 (25,0) 1 (10,0) 0,158 De 1 a 2 anos 3 (25,0) 1 (10,0) Mais de 2 anos 2 (16,7) 0 (0,0) Emissão do CAT Sim 7 (58,3) 4 (40,0) 0,391 Não 5 (41,7) 6 (60,0) Início do benefício número (%) 2007 1 (8,4) 0 (0,0) 2008 4 (33,3) 2 (20,0) 0,543 2009 4 (33,3) 3 (30,0) 2010 3 (25,0) 5 (50,0) DP: desvio padrão; CAT: comunicação de acidente de trabalho 10

Almeida CWNC, et al. / Rev Bras Med Trab.2012;10(1):100-5 tribuição entre 22 53 anos de idade, foram as mais acometidas e a maioria dos casos ocorreu em trabalhadores procedentes da capital e região metropolitana, em detrimento da zona rural. Ainda, constatou-se que a maioria absoluta dos casos deveu-se a traumas de origem unicamente psicológica e que, na maioria, o tempo médio de recuperação da capacidade laborativa foi de seis meses, sendo que 2/3 dos homens necessitaram de mais de seis meses para recuperação do potencial laboral. Observou-se que a metade dos casos de TEPT, como causa de acidente do trabalho, foi reconhecida através da emissão da CAT, e que, na outra metade, o acidente de trabalho foi reconhecido independentemente da emissão do CAT através da avaliação médico-pericial, pelo reconhecimento do nexo técnico epidemiológico ou do nexo individual. Ainda, constatou-se que as profissões mais vulneráveis foram aquelas ligadas diretamente ao atendimento ao público, as que lidam com valores monetários elevados e aquelas que lidam com conflitos de interesse. Diante do exposto, conclui-se que, com o aumento da violência urbana e da maior exposição dos trabalhadores a eventos traumáticos, o TEPT tornou-se uma importante causa de acidente de trabalho, sendo necessária a intervenção multiprofissional, com apoio médico e biopsicossocial, acolhimento do trabalhador no seu ambiente de trabalho e/ou afastamento, quando indicado. Esta pesquisa aponta para a importância de uma maior interação entre os diversos profissionais que lidam com os trabalhadores expostos aos fatores de risco para o transtorno de estresse pós-traumático, com foco nas medidas preventivas e de redução dos agravos. REFERÊNCIAS 1. Maes M, Delmeire L, Schotte C, Janca A, Creten T, Mylle J, et al. Epidemiological and phenomenological aspects of post-traumatic stress disorder. Psychiatry Res. 1998;81(2):179-93. 2. Figueira I, Mendlowicz M. Diagnóstico do transtorno de estresse póstraumático. Rev Bras Psiq. 2003;25(1):12-6. 3. Camara Filho JWS, Sougey EB. Transtorno de estresse pós-traumático: formulação diagnóstica e questões sobre co-morbidade. Rev Bras Psiq. 2001;23(4):221-8. 4. Kessler RC. Posttraumatic stress disorder: The burden to the individual and to society. J Clin Psych. 2000;61(Suppl 5):4-14 5. Bucasio E, Vieira I, Berger W, Martins D, Souza C, Maia D, et al. Transtorno de estresse pós-traumático como acidente de trabalho em um bancário: relato de um caso. Rev Psiquiatr RS. 2005;27(1):86-9. 6. Saeki K, Okamoto N, Tomioka K, Obayashi K, Nishioka H, Ohara K, et al. Work-related aggression and violence committed by patients and its psychological influence on doctors. J Occup Health. 2011;53(5):356-64. 7. Camara Filho JWS. Transtorno de estresse pós-traumático: características clínicas e sociodemográficas em policiais militares e suas famílias [dissertação]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 1999. 8. Alves CRSA, Paula PP. Doenças relacionadas ao trabalho. In: Manual de procedimentos para os serviços de saúde/ministério da Saúde do Brasil. Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil; 2001. 9. Medina MCG. A aposentadoria por invalidez no Brasil [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 1986. 10. Jacques MG. O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho: uma demanda para a psicologia. Psicol Social. 2007;19, n. spe:112-9. 11. Alves CRSA, Paula PP. Violência no trabalho: possíveis relações entre assaltos e TEPT em rodoviários de uma empresa de transporte coletivo. Cad Psicol Soc Trab. 2009;12(1):35-46. 12. Ballone GJ. Transtorno por estresse pós-traumático. 2002 [cited 2011 Nov 07]. Available from: http://gballone.sites.uol.com.br/voce/postrauma.html 11