GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental.

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GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental. Laboratório de Habilidades Médicas Belém - Pará 2016

GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Laboratório de Habilidades Médicas Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental. Reitor da UEPA: Prof. Dr. Juarez Antônio Simões Quaresma Vice Reitor Prof. Rubens Cardoso da Silva Pró-reitor de pesquisa: Prof. Douglas Rodrigues da Conceição Pró-reitora de extensão: Prof.ª Dr.ª Mariane Cordeiro Alves Franco Diretora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde: Prof.ª Dr.ª Ilma Pastana Ferreira Coordenadora do Curso de Medicina: Prof.ª Dr.ª Elaine Xavier Prestes Coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental: Prof. Dr. Marcus Vinicius Henriques Brito Trabalho desenvolvido no Programa de Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental como um dos produtos da tese da pós-graduanda Dr.ª Ana Paula Santos Oliveira Brito, sob orientação do Prof. Dr. Marcus Vinicius Henriques Brito. REPRODUÇÃO PROIBIDA Nenhuma parte desta obra, ou sua totalidade poderá ser reproduzida sem a permissão por escrito dos autores, quer por meio de fotocópias, fotografias, scanner, meios mecânicos e/ou eletrônicos ou quaisquer outros meios de reprodução ou gravação. Os infratores estarão sujeitos a punição pela lei 5.988, de dezembro de 1973, artigos 122-130 e pela lei do Direito Autoral, nº 9.610/98. Direitos de cópias / Copyright 2016 por / by / MESTRADO CIPE / UEPA Belém, Pará, Brasil 1

AUTORES Prof. Dr. Marcus Vinicius Henriques Brito Dr.ª Ana Paula Santos Oliveira Brito Prof. Dr. Edson Yuzur Yasojima Dr.ª Rafaela de Souza Dias Neves COLABORADORES Ana Carolina Maués de Oliveira Camila Noura de Brito Fabrício Maués dos Santos Rodrigues Luan Teles Ferreira de Carvalho Lucas Nascimento Galvão Larissa Vasconcelos de Castro Thiago Farias Câmara 2

1. INTRODUÇÃO: A propedêutica cardíaca é considerada de difícil compressão. Tais idéias são motivadas pelo fato de que o exame está relacionado ao ciclo cardíaco, de fisiologia dinâmica, sendo mais rápido que a nossa capacidade de perceber sua variações. Contudo, quando se tem um algoritmo mental feito e o examinador sabe o que está procurando em cada etapa, o exame fica muito mais simples e eficiente. 2. NOÇÕES BÁSICAS: O precórdio é a área de apresentação cardíaca na parede torácica anterior (Fig. 1), de modo que: As cavidades cardíacas que se localizam no tórax anterior, são: o átrio D, ventrículo D, aurícula E, ventrículo E. A ponta corresponde ao ventrículo E. O VD, fica junto a borda esquerda do esterno, mas não faz parte do contorno. Valorização do método: além da extrema simplicidade, a inspeção e palpação do precórdio oferecem contribuição de valor à conceituação clínica, motivo por que a sua importância vem sendo reiteradamente destacada. Três itens fundamentais são facilmente determinados por esse método à cabeceira do paciente: a) Situação, tamanho, mobilidade do coração e eventual presença de pulsação diastólica; b) No caso de aumento da área cardíaca, qual a câmara ventricular responsável, se esquerda, direita ou ambas; c) Se o aumento decorre predominantemente de dilatação ou de hipertrofia. O segundo item se reveste de particular interesse, porque o exame radiológico, em determinados casos, é insuficiente para esclarecer qual a câmara cardíaca aumentada e, por sua vez, o eletrocardiograma, sobretudo nas sobrecargas combinadas, pode ser de interpretação duvidosa e mesmo de aparência normal, pelo balanceamento das forças vetoriais. 3

Figura 1: Localização do Precórdio. 2.1 FOCOS DE AUSCULTA Os focos de ausculta são pontos para referência, usados para demarcação da topografia no exame físico cardiológico. A localização deles se baseia em pontos referentes à anatomia e acústica sonora das valvas. Dessa forma, relaciona - se o que se percebe nos pontos de ausculta há determinada estrutura cardíaca. Localizar os espaços intercostais (EIC) é importante para se ter conhecimento dos focos; como ponto de referência, utiliza se o ângulo de Louis, que corresponde ao nível do 2º espaço intercostal. Foco aórtico (FA): 2º espaço intercostal com linha justaesternal direita (Fig. 2). Figura 2: Foco aórtico. 4

Foco pulmonar (FP): 2º espaço intercostal com linha justaesternal e esquerda (Fig. 3). Figura 3: Foco pulmonar. Foco tricúspide (FT): 5º espaço intercostal com linha justaesternal esquerda (Fig. 4). Figura 4: Foco tricúspide. Foco mitral (FM): 5º espaço intercostal com a linha mamilar esquerda (Fig. 5). Figura 5: Foco mitral. 5

Foco aórtico acessório (ponto de Erb): entre FA e FM, no 3º/4º espaço intercostal na linha justaesternal esquerda (Fig. 6). Figura 6: Foco aórtico acessório. 2.2. O CICLO CARDÍACO A semiotécnica cardíaca estuda o ciclo cardíaco. Sem saber os principais eventos do ciclo e sua fisiologia básica é difícil traduzir os achados semiológicos. O coração é uma bomba muscular, que gera pressões variáveis no decorrer das contrações de suas câmaras. A sístole é o período de contração ventricular, havendo um aumento da pressão do ventrículo esquerdo de 5 mmhg para 120 mmhg, e após a ejeção de grande parte do sangue na aorta, esses níveis pressóricos voltam a cair. Na diástole, período de relaxamento dos ventrículos, essa pressão cai ainda mais, para menos de 5 mmhg, o que permite que o sangue flua do átrio para o ventrículo. Durante a sístole, a valva aórtica permanece aberta, permitindo a ejeção do sangue do ventrículo esquerdo para a aorta, e a mitral, por sua vez, permanece fechada, impedindo o refluxo de para o átrio. Já durante a diástole, a valva aórtica permanece fechada, impedindo o refluxo do sangue da aorta para o ventrículo esquerdo, e a mitral, por sua vez, permanece aberta, permitindo o fluxo de sangue do átrio para o ventrículo. O conhecimento das fases do ciclo, bem como dos movimentos das valvas faz-se necessário, visto que os ruídos cardíacos são decorrentes de tais movimentos. Esses ruídos são transitórios, de curta duração, e sua propagação até a superfície do tórax depende do local de origem e da intensidade da vibração (Fig. 7). Na sístole, os ventrículos contraem e a pressão ultrapassa a dos átrios, fechando as valvas mitral e tricúspide. O fechamento dessas valvas na sístole ventricular é o evento mais importante para a formação da primeira bulha cardíaca (B1), com o componente mitral (M1) antecedendo o tricúspide (T1) em aproximadamente 30 ms, tendo ambos uma alta frequência. Na prática clínica, devido à proximidade dos dois 6

componentes, nem sempre é possível distingui-los, fazendo com eles sejam percebidos como um som único. Dois outros componentes têm sido descritos como participantes da formação de B1, sendo que um deles precede o componente mitral e é composto de vibrações de baixa frequência, estando relacionado com o início da contração ventricular esquerda; o outro acontece depois do componente tricúspide e coincide com a aceleração do sangue dentro dos grandes vasos. Á medida que os ventrículos ejetam o sangue, a pressão ventricular começa a cair. Quando a pressão cai abaixo das pressões aórtica e pulmonar, ocorre o fechamento dessas valvas, iniciando então uma nova diástole. O fechamento dessas valvas produz a segunda bulha cardíaca (B2), com o componente aórtico (A2) mais precoce em relação ao componente pulmonar (P2). Na maioria dos indivíduos normais, percebe-se um ruído único durante a expiração, enquanto que, na inspiração principalmente porque a sístole do ventrículo direito se prolonga ligeiramente em função do maior afluxo sanguíneo a este lado do coração, o componente pulmonar sofre um retardo que é suficiente para perceber, nitidamente, os dois componentes, o que caracteriza o desdobramento fisiológico do segundo ruído cardíaco. Na diástole, a pressão ventricular continua a cair e atinge níveis inferiores às dos átrios cheios de sangue, ocorrendo então a abertura das valvas mitral e tricúspide. Logo no início da diástole, ocorre um período de enchimento ventricular rápido. Neste momento, pode surgir uma terceira bulha cardíaca (B3), que é um ruído protodiastólico de baixa frequência, que se origina das vibrações da parede ventricular subitamente distendida pela corrente sanguínea que penetra na cavidade durante esse período. É mais audível no foco mitral, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Em crianças e adultos jovens pode ser fisiológica, entretanto, em adultos mais velhos, costuma indicar alteração patológica da complacência ventricular. 7

Por fim, a quarta bulha cardíaca (B4) é um ruído débil que ocorre no fim da diástole ou imediatamente anterior à sístole (anterior à B1 do ciclo seguinte). Sua gênese da não está completamente esclarecida, embora alguns autores considerem que ela seja proveniente da brusca desaceleração do fluxo sanguíneo mobilizado pela contração atrial de encontro à massa sanguínea já existente no ventrículo, no final da diástole, portanto, refletiria uma alteração patológica na complacência ventricular. Entretanto, também pode ser raramente ouvida em condições normais em crianças e adultos jovens. Figura 7: Ciclo cardíaco. (Fonte: ebah.com.b/pressao-volume-ventricular-auricular) 8

3. INSPEÇÃO: Semiotécnica: Luz natural e difusa; a inspeção pode ser feita indiferentemente, atendendo à melhor visualização. A inspeção se iniciará com o paciente em decúbito dorsal (Fig. 8), musculatura relaxada, ombros ligeiramente elevados, cabeça estendida. O tórax ficará despido. Em se tratando de pessoa do sexo feminino, poder-se-á utilizar uma camiseta, que será levantada ou abaixada, com descobrimento parcial do busto. Preferencialmente, devem ser realizadas a inspeção e a palpação simultaneamente, tornando os achados mais significativos. Figura 8: Inspeção com paciente em decúbito dorsal. 3.1. INSPEÇÃO ESTÁTICA a) Pele -Cor: normal, pálida, vermelha, cianótica, ictérica, amarela não ictérica, outras. -Umidade: normal, úmida, seca. -Brilho: normal, diminuído, luzidio. -Oleosidade: normal, aumentada, diminuída. -Elasticidade: normal, diminuída, pele pergaminhada. b) Lesões elementares -Tipo: alterações de cor, elevações edematosas, formações sólidas, coleções líquidas, alterações de espessura, perda/reparações teciduais. -Tamanho -Localização c) Depressões: podem resultar de deformações torácicas, sínfise pericárdica, afecções que produzem atrofia e retração das lâminas pulmonares que recobrem a face anterior do coração. 9

d) Tumorações -Tamanho -Localização e) Abaulamentos: os abaulamentos patológicos da região precordial podem ser difusos e circunscritos. Os abaulamentos difusos correspondem a causas extracardíacas e cardíacas. Os abaulamentos resultantes de fatores extracardíacos são geralmente difusos: derrame pleural, pneumotórax, cifoescoliose. Os abaulamentos de origem cardíaca se restringem ao precórdio e dependem de cardiopatia desenvolvida na fase de crescimento. Podem resultar de pericardite com derrame. Em se tratando de lesão congênita, as causas habituais são grande CIV (comunicação inter-ventricular) e átrio ventricularis comunis. Normalmente, o abaulamento é determinado pela dilatação do ventrículo direito, em maior contato com a parede torácica. Para melhor avaliação de abaulamentos, o examinador deve observar de forma: Tangencial: de pé, ao lado direito do paciente (Fig. 9). Figura 9: Avaliação de abaulamentos com examinador tangencial. Frontal: junto aos pés do paciente deitado (Fig. 10). Figura 10: Avaliação de abaulamentos com examinador frontal. 10

f) Telotismo unilateral: é a ereção do mamilo esquerdo, que pode provir de uma causa local de irritação ou constituir um fenômeno reflexo na angina de peito. g) Desvio do mamilo: o desvio do mamilo esquerdo para fora e para cima, pode ser devido a aumento do ventrículo direito, ocasionando abaulamento no 3º e 4º intercosto esquerdo. h) Inversão mamilar: os mamilos estão retraídos total ou parcialmente dentro da mama, isso ocorre em decorrência da diminuição de tecido estrutural, retração por bandas fibróticas ou hipoplasia dos ductos. Esta patologia é mais encontrada em mulheres. i) Circulação colateral: ocorre devido a obstrução do vaso principal, logo uma rede de vasos de formas para manter a circulação no local. Quando estes novos vasos ficam ingurgitados, tornam-se visíveis na pele 3.2. INSPEÇÃO DINÂMICA a) Ictus cordis -Visibilidade: em pacientes com enfisema pulmonar, obesos, com grandes mamas, ou que tenham musculatura desenvolvida o ictus pode se tornar invisível e impalpável -Localização: varia de acordo com o biótipo (brevilíneo, longilíneo, entre outros), nos mediolíneos ele se situa na linha hemiclavicular esquerda no 5º espaço intercostal. Nos brevilíneos desloca-se 2cm para cima e para a lateral ficando no 4º espaço intercostal. Nos longilíneos costuma estar no 6º espaço intercostal 1 ou 2 cm para dentro da linha hemiclavicular. b) Pulsações: além do ictus cordis, em outras regiões. b.1) Carotídea: dois tempos b.2) Jugular: três tempos b.3) Epigástrica: podem ser fisiológicas ou patológicas. As pulsações fisiológicas resultam da transmissão dos batimentos do ventrículo direito ou da aorta abdominal. As pulsações patológicas também resultam de: Transmissão dos batimentos do ventrículo direito: sendo mais intensos no ângulo xifoesternal. O examinador deve posicionar a palma da mão pressionando para cima a parte superior da região epigástrica Aorta abdominal: 11

Pulso hepático: em razão do de estenose tricúspide, sendo a pulsação pré-sistólica, ou ainda insuficiência tricúspide, sendo a pulsação sistólica. Semiotécnica: para esclarecer se uma pulsação epigástrica provém da aorta ou do coração, pede-se ao paciente para respirar lenta e profundamente. Nestas condições, a inspiração profunda abaixa o diafragma, aumenta a tensão abdominal e afasta o epigástrio do plano posterior do corpo. Sendo da aorta o batimento, atenua-se ou desaparece. Proveniente do coração acentua-se. b.4) Dança das artérias: pulsações arteriais exageradas. Característica dos estados circulatórios hipercinéticos, em que aumenta a pressão diferencial por diminuição da pressão mínima e aumento da pressão máxima. Ex: insuficiência aórtica, persistência do canal arterial, anemia, hipertiroidismo, etc. b.5) Aorta torácica: os batimentos da aorta torácica normal podem ser visíveis e palpáveis na fúrcula esternal, nos indivíduos de tórax curto. Nos casos patológicos, em todos os aumentos de calibre do vaso. b.6) Pulsação diastólica: é um impulso para fora, visível e palpável, que tem lugar durante a diástole, e corresponde a 3ª bulha cardíaca. b.7) Pulsações anormais: podem ser resultantes de ectasia da aorta, ectasia da artéria pulmonar, pulsação da auriculeta esquerda em grave insuficiência mitral, movimentos de translação. c) Retrações: os diversos tipos de retração sistólica: puntiforme, pluricostal, rastejo sistólico, quando se acompanham de imobilidade do ictus cordis, significam sínfise pericárdica. No dorso, ocasionalmente, percebem-se retrações sistólicas das últimas costelas, à esquerda, denunciando também aderências pericárdicas. Quando o ictus é móvel, resultam de maior contato do coração com a parede torácica, seja por hipertrofia das câmaras ventriculares ou por retração das lâminas pulmonares que recobrem o coração. 12

4. PALPAÇÃO Semiotécnica: a palpação deve ser feita pela direita do paciente. O tórax ficará despido. Em se tratando de pessoa do sexo feminino, poder-se-á utilizar uma camiseta, que será levantada ou abaixada, com descobrimento parcial do busto. Se o paciente estiver em decúbito forçado, o exame se fará sem movê-lo ou, quando muito, mudando de posição com o maior cuidado. Não havendo essa restrição, a palpação se iniciará com o paciente em decúbito dorsal, musculatura relaxada, ombros ligeiramente elevados, cabeça estendida (Fig. 11). Figura 11: Palpação em decúbito dorsal. Uma vez realizado o exame nessa posição, deve-se recorrer a outras posições e a manobras eventuais. Posições: decúbito lateral esquerdo (Fig. 12), sentada, de pé, etc. Manobras eventuais: Valsava (tentativa de expiração com a glote fechada); indivíduo sentado, inclinado para diante (Fig. 13) e em apnéia pós-expiratória; realização prévia de exercício, etc. Figura 12: Palpação em decúbito lateral esquerdo. 13

Figura 13: Palpação com paciente inclinado para diante. a) Ictus cordis Ictus cordis ou choque de ponta é o levantamento periódico da zona de projeção da ponta do coração, sincrônico com a sístole cardíaca, levantamento que se vê, se palpa ou, às vezes, apenas se palpa. Em condições normais, a ponta corresponde ao ventrículo esquerdo. Fisiogênese: durante a sístole, o coração experimenta um movimento de torção para diante e para a direita (a referência é sempre em relação ao paciente e não em relação ao observador), um aumento do diâmetro ântero-posterior, encurtamento dos diâmetros longitudinal e transversal, endurecimento dos ventrículos, provocando íntimo contato com da região imediatamente supra-apexiana com a parede costal. Semiotécnica: Para efetuá-lo, o paciente encontrar-se-á em decúbito dorsal (peito para cima) com a extremidade do leito que sustenta sua cabeça posicionada a 30º, seu tórax deve estar amostra e seus membros, tanto inferiores quanto superiores, não podem estar cruzados, de modo que descansem sobre a superfície. Com a mão espalmada em cima do tórax, procura-se o ponto de impulso mais forte e, após sua localização, se coloca a ponta dos dedos no espaço intercostal correspondem ao íctus para aumentar a sensibilidade tátil (Fig. 14). Se for difícil efetuar a sua localização, solicita-se que o paciente vire para o seu lado esquerdo, tomando a postura de decúbito lateral esquerdo, assim se aproxima a ponta do coração à caixa torácica. A presença de íctus palpável não significa patologia. O íctus é patológico de acordo com suas características. Em pacientes musculosos, obesos e portadores de DPOC, a palpação de íctus pode ser dificultosa. 14

Figura 14: Palpação do Ictus cordis. Durante a palpação do íctus, devem ser levadas em consideração as seguintes características: a.1) Sede: é o local de maior intensidade. No adulto, a sede habitual é no 5º espaço intercostal esquerdo, meio ou 1 cm para dentro da linha mamilar. Mais raramente, 4º espaço intercostal esquerdo. Nos indivíduos idosos, à altura da 6ª costela ou no 6º espaço intercostal esquerdo. Nas crianças, 4º espaço intercostal esquerdo. Desvios no local em que o íctus é delimitado são indicativos de aumentos cavitários, de modo que: No aumento do VE, o íctus é movido para baixo. Nos VD, ocorre desvio é lateral. Na hipertrofia do VE não ocorre desvio. Em patologias pulmonares, tais quais a atelectasia ou a fibrose, o íctus será movido para o lado do pulmão mais acometido. Da mesma forma, há outras que irão deslocá lo em sentido oposto, tal qual o pneumotórax hipertensivo. Em mal formações congênitas raras, o coração e seus grandes vasos poderão apresentar uma conformação anatômica invertida, de tal forma que o íctus estará situado em hemitórax direito, qualificando a condição de dextrocardia. a.2) Extensão: Avalia - se com cerca de dois parâmetros. Deve se, contudo, levar em consideração que a extensão normal do íctus não deve passar de 2 3 cm. O primeiro são os espaços intercostais para mensurar o aumento de íctus. Já o segundo consiste em mensurar a extensão ictal por intermédio de polpas digitais. - Circunscrito: palpável com até duas polpas digitais ou restrito há 2 EIC s. 15

- Difuso: palpável com mais de duas polpas digitais ou incluso em espaço maior que dois ou mais EIC s. Indicativo de dilatação do VE. Semiotécnica: deve-se colocar os dedos horizontalmente na direção do espaço intercostal, de modo que as polpas digitais penetrem no espaço. a.3) Intensidade: é o grau de impulsão do choque. A intensidade do ictus normal é variável: medianamente intenso, muito intenso, pouco intenso. Em condições normais pode variar devido a fortes emoções e prática de exercício. Semiotécnica: Repousar a palma da mão sobre a localização do ictus cordis (Fig. 11). a.4) Ritmo: é definido pela maneira de sucessão dos batimentos. O ictus rítmico ou cadenciado obedece a uma cadência regular: batimentos iguais, separados por intervalos iguais, dentro de uma freqüência em repouso de 60 a 80 por minuto. Havendo irregularidade, o ictus se diz arrítmico. a.5) Mobilidade Semiotécnica: examinador à direita do paciente, mão espalmada sobre o ictus cordis, pedir para o paciente virar para os lados esquerdo, direito (Fig. 15) e para sentar-se (Fig. 16). Normalmente, o ictus cordis move-se cerca de dois centímetros para os lados, para cima e para baixo. Figura 15: Palpação do Ictus cordis com mobilidade para a direita. -Se o paciente tiver uma pericardite, a tendência é o coração aderir ao pericárdio e não haver mobilidade. 16

Figura 16: Palpação do Ictus cordis com paciente sentado. a.6) Variações da sede do ictus cordis: o ictus cordis pode se apresentar deslocado da sede normal por causas intrínsecas (de origem cardíaca) e causas extrínsecas (extracardíacas). Causas intrínsecas - Deslocamento para fora e para baixo: ocorre nas hipertrofias ventriculares e constitui a causa mais freqüente do desvio da sede do ictus cordis. A distinção entre a hipertrofia do ventrículo direito e a hipertrofia do ventrículo esquerdo se faz mais pela forma do ictus do que pelo grau de deslocamento, já que um mesmo tipo de hipertrofia se exterioriza diversamente conforme o biótipo, pelas modificações da posição anatômica do coração. - Deslocamento para a direita: observa-se nas destrocardias. - Deslocamento para baixo: cardioptose. - Deslocamento para cima: extremamente raro; aneurisma da crossa da aorta, por pressão sobre a base do coração, a cada sístole, provocando movimento em báscula e ascensão da ponta. Causas extrínsecas - Deslocamento para a esquerda: derrame líquido ou gasoso da pleura direita; atelectasia do pulmão esquerdo. - Deslocamento para a direita: derrame líquido ou gasoso da pleura esquerda; atelectasia do pulmão direito. - Deslocamento para baixo (causas que rebaixam o diafragma): enfisema pulmonar; derrame líquido ou gasoso da pleura. 17

- Deslocamento para cima (causas que determinam levantamento do diafragma): gravidez, ascite, cistos do ovário, meteorismo abdominal, etc. a.7) Forma ou caráter: a forma do ictus é a expressão de suas características mais evidentes, avaliadas de maneira global. Quando o coração está aumentado de tamanho, o que se constata pelo deslocamento e extensão do ictus, a forma pode ser bastante peculiar pela dominância de alguns atributos. Nesses casos, outros atributos, além dos já descritos, são computados para definir a forma, tais como: contato rápido ou contato demorado com a mão que palpa. A forma de ictus é atípica, na maioria dos casos normais. Em realidade, importa definir a forma nos corações hipertrofiados. Formas peculiares típicas (em corações hipertrofiados) -Ictus globoso: ictus deslocado, difuso, propulsivo, demorado, dando a impressão de grande força (permanecendo mais tempo em contato com a mão que palpa). Indica predomínio da hipertrofia sobre a dilatação (sobrecarga sistólica). -Ictus cupuliforme, de Bard: ictus deslocado, difuso, amplo, hipercinético (de contato rápido com a mão que palpa). Traduz predomínio da dilatação sobre a hipertrofia (sobrecarga diastólica, de volume). a.8) Ausência de ictus cordis: pode ser fisiológico ou patológico. Não se deve concluir ausência de ictus cordis antes de pesquisá-lo melhor através de movimentos respiratórios, do exercício, decúbito lateral E, posição sentada, inclinando o tronco para diante, etc. a.9) Amplitude: Devemos atentar para a presença do chamado íctus propulsivo, isto é, aquele capaz de ocasionar um impulso embaixo dos dedos do examinador, chegando a erguer estes. A presença de íctus propulsivo é indicativa de possível hipertrofia ventricular esquerda. a.10) Duração: não há critérios de classificação temporal do íctus quanto a sua duração, o que faz com que a classificação referente a uma duração aumentada se baseie ma experiência do examinador. O termo sustentado é utilizado quando o tempo de palpação do íctus está prolongado, sendo proporcional ao grau de hipertrofia ventricular, isto é, nesse 18

caso, quanto maior a duração ou mais sustentada ela for, maior será o tamanho do provável do ventrículo esquerdo. Íctus sustentados também podem ser o indicativo de possível obstrução ao trato de saída do VE. O aumento volumétrico do VE também é outra causa. b) Frêmito: é uma sensação tátil de tremulação. Percebido na estenose, nas comunicações arterio-venosas e na insuficiência. -Frêmito catáreo: é o equivalente tátil de um sopro. Todo frêmito catáreo é acompanhado de sopro, mas nem todo sopro é acompanhado de frêmito catáreo. Ex: frêmito catáreo - fístulas arterio-venosas em pacientes que faz hemodiálise. A pressão da artéria é maior que na veia, provocando o turbilhonamento do sangue. -Frêmito pericárdico: é o equivalente tátil do atrito pericárdico, ruído produzido pelo roçar dos folhetos enrugados do pericárdio. É percebido na região descoberta do coração, zona do órgão não recoberta pelas lâminas pulmonares. Para diferenciá-lo do atrito pleural originado nas lâminas pulmonares, pede-se ao doente que prenda a respiração: se for de origem pericárdica, o frêmito persistirá. No caso de gênese pleural, desaparecerá. Semiotécnica: usar a mão espalmada, apoiada suavemente (sempre a mesma mão). Obedecer a uma sistemática que pode ser a seguinte: áreas de ponta; região mesocardíaca; áreas da base; regiões infraclaviculares e axilares; fúrcula esternal; regiões supraclaviculares; faces laterais do pescoço (carótidas e jugulares); região dorsal. Para descrição deve-se observar localização, situação no ciclo cardíaco (coincide ou não com o ictus cordis) e intensidade ( + a ++++). c) Choque valvular palpável: é a sensação tátil produzida pelo fechamento das valvas. Semiotécnica: os choques valvares se exploram palpando suavemente a região precordial sobre as áreas dos orifícios valvares. Em condições normais, são percebidos após exercícios físicos, emoções e nas crianças. Em condições patológicas, são observados com muita freqüência nas áreas da base, em casos de hipertensão arterial pulmonar e hipertensão arterial sistêmica. É comum o choque valvar palpável sobre a área mitral, na estenose mitral. 19

d) Hiperestesia cutânea: a sensibilidade da pele da região precordial é maior que a sensibilidade da pele e das partes vizinhas. Semiotécnica: pesquisada pelo leve roçar das polpas digitais do indicador e médio ou com simples fricção de um chumaço de algodão. 5. AUSCULTA A ausculta é parte fundamental não somente do exame cardiovascular, mas também do exame físico geral. Continua sendo recurso indispensável para avaliação de diversas patologias que acometem o coração, muitas delas podendo ser diagnosticadas somente com essa ferramenta. Hoje em dia, com o desenvolvimento das mais diversas tecnologias que revolucionaram a abordagem diagnóstica das patologias do coração, a tendência é que, principalmente as novas gerações de médicos tendam a substituir métodos propedêuticos básicos por tais exames, sem nenhuma sustentação clínica, gerando custos econômicos e muitas vezes submetendo o paciente a métodos invasivos desnecessários. Para direcionar o exame físico, existem áreas onde fenômenos originados de determinadas estruturas do coração são mais bem percebidas, sendo estes os focos de ausculta cardíaca. Porém, é válido ressaltar que essas demarcações não significam que o examinador avaliará apenas essas áreas. Uma boa ausculta conta com a avaliação de todo o precórdio e áreas circunvizinhas, incluindo pescoço e fúrcula esternal, regiões infraclaviculares, região axilar e até mesmo o dorso. Além disso, recomenda-se auscultar a área próxima ao foco de ausculta devido às variações anatômicas individuais. Os clássicos focos servem como pontos de referência porque, nas regiões correspondentes a eles, encontram-se as informações mais pertinentes às respectivas valvas. Porém, os focos de ausculta não correspondem às localizações anatômicas das valvas que lhes emprestam os nomes. A projeção das valvas e dos anéis orovalvares concentra-se na região correspondente à metade inferior do esterno, enquanto os focos ou áreas de ausculta localizam-se nas seguintes regiões: Foco aórtico: situado no 2º espaço intercostal direito, justaesternal (Fig. 17). 20

Figura 17: Ausculta do foco aórtico com paciente sentado. Foco pulmonar: localiza-se no 2 espaço intercostal esquerdo, justaesternal. É neste foco em que se têm as condições ideais para a análise dos desdobramentos da 2a bulha pulmonar, pois os fenômenos acústicos originados pela valva pulmonar, pouco ou nada se irradiam para os demais focos (Fig. 18). Figura 18: Ausculta do foco pulmonar com paciente sentado. 21

Foco tricúspide: localiza-se na base no apêndice xifóide, ligeiramente para a esquerda. Os fenômenos acústicos dessa valva costumam ser mais bem percebidos próximo à área mitral. Na ausculta do coração durante inspiração profunda, obtém-se a intensificação do sopro de origem tricúspide (Fig. 19). Figura 19: Ausculta do foco tricúspide com paciente sentado. Foco mitral: situa-se no 5º espaço intercostal esquerdo na linha hemiclavicular e corresponde ao ictus cordis ou ponta do coração. Nos pacientes com cardiomegalia acentuada, este foco desloca-se lateralmente na direção da linha axilar anterior. Por isso, antes de começar a ausculta do coração, é indispensável localizar o ictus cordis (Fig. 20). 22

Figura 20: Ausculta do foco mitral com paciente sentado. Foco aórtico acessório: área compreendida entre o 3º e o 4º espaço intercostal esquerdo, nas proximidades do esterno. Muitas vezes é o melhor local para perceber os fenômenos provenientes da valva aórtica (Fig. 21). Figura 21: Ausculta do foco aórtico acessório com paciente sentado. 5.1. SEMIOTÉCNICA Para que a ausculta seja realizada de maneira correta, alguns pontos devem ser levados em consideração: Ambiente: um ambiente silencioso é indispensável, pois os ruídos do coração são de pequena intensidade. Além disso, o paciente deve estar calmo e em posição confortável. Estetoscópio: existem vários modelos, entretanto todos com os mesmos componentes, tendo apenas algumas variações na forma, material e qualidade. São compostos pelas peças auriculares (ou olivas), uma armação metálica provida de mola, tubos de borracha e os receptores (Fig. 22). Os receptores podem ser de dois tipos, a campânula, que é utilizada para ausculta de sons de baixa frequência (sons mais graves) representados pelas bulhas acessórias (B3 e B4) e o ruflar diastólico da estenose mitral; e o diafragma, que é útil para a ausculta de sons de alta frequência (agudos), ou seja, da maioria dos sons cardíacos. 23

Figura 22: Estetoscópio. (Fonte: static.wmobjects.com.br/imgresg) Posição: A ausculta deve ser efetuada nas posições deitada, sentada e em decúbito lateral esquerdo. A posição padrão é o decúbito dorsal com a cabeça apoiada em um pequeno travesseiro, com o tórax completamente descoberto (Fig. 23). O examinador fica ao lado direito do paciente, de pé ou sentado, conforme a altura da cama ou da mesa de exame. Outra posição de rotina é com o paciente de pé ou sentado na beira do leito ou em uma cadeira com o tórax ligeiramente inclinado para frente. O examinador põe-se de pé do lado direito do doente. As solicitações feitas ao doente devem ser claras. A escolha do receptor deve ser adequada, de modo geral, deve ser usado o receptor de diafragma de menor diâmetro, com ele sendo efetuada toda a ausculta; o receptor, seja do tipo de diafragma ou de campânula, deve ficar levemente apoiado sobre a pele, procurando-se, ao mesmo tempo, obter uma perfeita coaptação de suas bordas na área que está sendo auscultada. Deve ser enfatizado que o receptor é colocado diretamente sobre a pele e nunca sobre a roupa do paciente. Pode-se ainda utilizar manobras especiais quando conveniente, sendo as mais utilizadas as respiratórias (inspiração ou expiração forçadas). Obs: é de fundamental importância que o examinador estabeleça sua própria sequência lógica de ausculta, de modo a conter todos os elementos necessários para uma boa avaliação: caracterização do ritmo cardíaco, frequência cardíaca, avaliação das bulhas (1ª e 2ª), presença de ruídos adicionais (3ª e 4ª bulhas, clicks, estalidos, ruídos de próteses), presença de sopros e atritos. 24

Figura 23: Ausculta do foco mitral em decúbito dorsal. 5.2. CARACTERÍSTICAS DA AUSCULTA Sintetizando o que foi visto nas fases do ciclo cardíaco, para avaliação da ausculta cardíaca, devem-se seguir as seguintes recomendações para o reconhecimento das bulhas cardíacas: Inicialmente, deve-se avaliar apenas a 1ª e 2ª bulha, pois a chave da ausculta é o reconhecimento desses ruídos. A 1ª bulha coincide com o pulso carotídeo e do ictus cordis. Seu timbre é mais grave e dura um pouco mais do que a 2ª bulha. É representada pela expressão TUM. A 2ª bulha acontece após o pequeno silêncio, possui timbre mais agudo e duração menor que a 1ª. É representada pela expressão TÁ. O pequeno silêncio ocorrido entre a 1ª e 2ª bulha é mais curto que o grande silêncio, o intervalo entre a 2ª e 1ª bulha. O reconhecimento das bulhas é facilitado se o examinador repetir mentalmente uma sequência onomatopeica com esta: TUM 1ª BULHA; TÁ 2ª BULHA TUM..TÁ...TUM..TÁ...TUM..TÁ...TUM..TÁ Onde:.. : pequeno silêncio e... : grande silêncio Sendo que o pequeno silêncio é referente à sístole e o grande silêncio a diástole, sabe-se que em cada um desses eventos a valvas estarão desta forma: 25

Sístole ventricular: Diástole ventricular: -Pulmonar aberta -Pulmonar fechada -Tricúspede fechada -Tricúspede aberta -Aórtica aberta -Aórtica fechada -Mitral fechada -Mitral aberta Qualquer ruído anormal deve ser atentamente pesquisado pelo examinador. 5.3. CARACTERÍSTICAS DAS BULHAS CARDÍACAS Ritmo: é a cadência. Se segue a mesma cadência é regular; se não segue é irregular. Tempo: corresponde ao número de bulhas presentes. Se há duas bulhas, diz-se ritmo cardíaco em dois tempos. Tum Tá - 2 tempos Trum Tá - 3 tempos Tum Trá - 3 tempos Trum Tra - 4 tempos Desdobramento: ocorre quando percebe-se em vez do tum-tá, um tum-tra, trum-ta ou trum-tra. Caso, durante uma inspiração forçada ou manobra de Valsalva (prender a respiração), o desdobramento sumir, é fisiológico. Fonese: é a intensidade audível. Pode ser normal (normofonética), diminuída (hipofonética) ou aumentada (hiperfonética) 5.4. SOPROS Os sopros cardíacos consistem em ruídos que refletem uma velocidade circulatória aumentada, causada pela alteração do padrão circulatório laminar do sangue para um turbilhonar. Tais alterações podem ser ocasionadas por distúrbios cardiopáticos ou nãocardiopáticos; decorrentes de problemas estruturais no coração como estenoses e insuficiências valvares ou comunicações anômalas entre as câmaras cardíacas e os nãocardiopáticos são em decorrências de alterações sistêmicas como anemias ou tireotoxicose. Ao analisar os sopros faz-se necessário a descrição de algumas características destes: 26

Fase do ciclo cardíaco: sistólico, diastólico ou contínuos. Considera-se sistólico quando o fenômeno auscultatório coincide com o pulso carotídeo; Duração: avaliada a partir do ciclo de incidência do sopro; Proto: ocorrência no início da fase; Meso: no meio; Tele: ao final ou Holo: quando abrange toda a fase do ciclo cardíaco; Tonalidade: grave ou agudo; Timbre: rude, áspero, suave, musical, aspirativo ou em ruflar; Configuração: em crescendo, em decrescendo, em crescendo-decrescendo ou em platô; Localização: local de maior intensidade do sopro, baseia-se nos focos clássicos de ausculta Irradiação: possui relação com a direção do fluxo sanguíneo, avaliado a partir da detecção do foco principal do sopro; Relação com a respiração Intensidade: de acordo com a classificação de Levine e Freeman pode ser avaliado em 6+, leva em conta a presença de frêmito sensação tátil do fenômeno auscultatório do sopro; Grau 1: Sopro muito leve, dificilmente audível; Grau 2: Sopro leve facilmente audível; Grau 3: Sopro alto sem frêmito no foco de maior intensidade; Grau 4: Sopro muito alto com frêmito Grau 5: Sopro muito alto, audível com estetoscópio levemente encostado na pele do paciente; Grau 6: Sopro muito intenso, audível mesmo com estetoscópio desencostado da pele do paciente. 27

Os sopros sistólicos podem apresentam-se como de regurgitação, ocasionados pela insuficiência valvar, ou de ejeção, pela dificuldade de passagem do sangue através de uma valva estenosada. Sopro de regurgitação temos o causado por uma insuficiência mitral caracterizado como: proto, meso ou tele-sistólico; agudo; decrescente; localizado no foco mitral; com possível irradiação axilar. Sopro de ejeção, podemos citar o da estenose aórtica: meso ou tele-sistólico; grave; crescendo e decrescendo; localizado no foco aórtico/aórtico acessório; com possível irradiação para carótidas D ou E (Fig. 24), fúrcula e bordo esternal esquerdo. Figura 24: Ausculta do foco carotídeo direito com paciente sentado. Os sopros diastólicos apresentam-se com de regurgitação e de enchimento ventricular ou diastólico tardio. Sopro de regurgitação diastólico temos o da insuficiência aórtica caracterizado como: proto, meso ou tele-diastólico; agudo; decrescente; localizado no foco aórtico/aórtico acessório; com possível irradiação para apêndice xifoide. A estenose mitral gera um sopro de enchimento ventricular de baixa frequência, melhor audível com a campânula do estetoscópio; meso ou tele-diastólico; grave; crescendo e decrescendo; localizado no foco mitral; geralmente restrito a tal foco mas com possível irradiação para a linha axilar anterior. 28

5.5. DIAGNÓSTICO DE SOPROS CARDÍACOS: Na estenose, a válvula não abre por completo. Na insuficiência, a válvula inverte quando fecha. -Os sopros geralmente se irradiam, onde for mais audível é a origem. Os sopros de ponta (T e M) tendem a irradiar para a base (A e P) e os sopros de base se irradiam para a lateral (A P). SÍSTOLE DIÁSTOLE PONTA Mitral INSUFICIÊNCIA ESTENOSE Tricúspide INSUFICIÊNCIA ESTENOSE BASE Aórtico ESTENOSE INSUFICIÊNCIA Pulmonar ESTENOSE INSUFICIÊNCIA 5.6. ATRITO PERICÁRDICO São ruídos causados pelo atrito cardíaco contra um pericárdio inflamado ou sobre a pleura pulmonar. Retratado como um som rude, áspero a ausculta, continuo e presente em toda a caixa torácica. Com um componente sistólico ocasionado pela contração ventricular e dois diastólicos referentes ao enchimento ventricular rápido e a contração atrial. Pode ser mais facilmente audível com o paciente inclinado para a frente. 5.7. DESCRIÇÃO DA AUSCULTA Ausculta do paciente X revelou presença de ritmo cardíaco regular ou irregular; 2, 3, 4 tempos; desdobramento em B1 ou B2; foco do desdobramento; bulhas cardíacas normo, hipo ou hiperfonéticas; com ou sem sopros (com sopro: sistólico ou diástólico, foco do sopro, irradiação, intensidade, timbre); freqüência cardíaca. 29

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