RECONHECIMENTO DE POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS DOS EVENTOS EL NIÑO E LA NIÑA NO REGIME PLUVIOMÉTRICO DA BACIA DO RIO ARAGUARI, MINAS GERAIS

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Transcrição:

RECONHECIMENTO DE POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS DOS EVENTOS EL NIÑO E LA NIÑA NO REGIME PLUVIOMÉTRICO DA BACIA DO RIO ARAGUARI, MINAS GERAIS Mariana Mendes Silva Universidade Federal de Uberlândia marianamendes_01@yahoo.com.br Vanderlei de Oliveira Ferreira Universidade Federal de Uberlândia vanderlei@ig.ufu.br Jorge Luís Silva Brito Universidade Federal de Uberlândia jbrito@ig.ufu.br CLIMATOLOGIA: APORTES TEÓRICOS, METODOLÓGICOS E TÉCNICOS Resumo: O conhecimento da distribuição temporal e espacial das chuvas em bacias hidrográficas é essencial para a gestão dos recursos naturais, incluindo a racionalização do uso e ocupação do solo. Nesta perspectiva, considera-se particularmente importante a identificação de anomalias nos regimes pluviométricos. O presente artigo tem por objetivo avaliar uma metodologia de mensuração de anomalias associadas aos eventos El Niño e La Niña, recorrendo a procedimentos propostos por Braga et all (2002). Para tanto, utilizou-se de dados diários de pluviosidade de 4 postos pluviométricos situados na bacia do rio Araguari, em Minas Gerais. São eles: Araxá, Monte Carmelo, Santa Juliana e Estrela do Sul. Os dados foram obtidos no sítio eletrônico da Agência Nacional de Águas (ANA). Os resultados mostram que não há conexão forte e sistemática entre os eventos que ocorrem no Oceano Pacífico (fenômenos El Niño e La Niña) com o regime pluviométrico da bacia. Percebe-se que existem casos individuais de dias que ocorrem grande quantidade de chuvas que, obviamente, influenciam no somatório mensal e anual e nos cálculos de anomalias. Entretanto, há uma descontinuidade das anomalias ao longo dos meses, coincidentes ou não à ocorrência dos referidos fenômenos, demonstrando que a área da bacia pode não ser significativamente influenciada por eles. Palavras-chave: El Niño e La Niña; regime de precipitação; bacia do rio Araguari Abstract: The knowledge of the temporal and spatial distribution of rainfall in a watershed is essential to the management of natural resources, including the rationalization of the use and occupation of land. In this perspective, it is particularly important to identify anomalies in rainfall regimes. This article aims to evaluate a methodology for measuring anomalies associated with El Niño and La Niña, using procedures proposed by Braga et all (2002). To this end, we used daily data of rainfall of 4 pluviometric posts included in the basin Araguari river in the state of Minas Gerais. There are: Araxá, Monte Carmelo, Santa Juliana e Estrela do Sul. The rainfall data were obtained in the website of the Agência Nacional de Águas (ANA). The results show that no there are strong and systematic connection between the events that occur in the Pacific Ocean (El Niño and La Niña) with the precipitation regime of the basin. It is noticed that there are individual cases of days that occur lots of rain and that will influence in the sum monthly and annual and in the calculations of anomalies. However, there is a discontinuity of the anomalies over months, coincidents or not with the occurrence of such phenomena, demonstrating that the basin can not be significantly influenced by them. Keywords: El Niño e La Niña; precipitation regime, basin Araguari river. 754

INTRODUÇÃO A climatologia é uma ciência que procura explicar o clima, incluindo sua gênese, seus elementos e fatores, visando contribuir para um melhor planejamento e gestão do território. O clima difere de um lugar para o outro e se relaciona com outros elementos naturais, repercutindo nas atividades humanas. Pelo fato do clima influenciar na vida das pessoas é que se torna importante conhecer a distribuição temporal e espacial de seus elementos, ressaltando que o conhecimento mais detalhado da variabilidade pluviométrica nas bacias hidrográficas é fundamental para a gestão dos recursos naturais e racionalização do uso e ocupação do solo. As oscilações positivas ou negativas na quantidade de chuvas controlam, por exemplo, a disponibilidade hídrica para a dinâmica dos ambientes e para inúmeras atividades humanas, especialmente aquelas relacionadas à agricultura, pecuária e produção de energia. O objetivo desse artigo é avaliar uma metodologia de estudo de anomalias climáticas possivelmente associadas à ocorrência de eventos El Niño e La Niña, utilizando-se de dados diários de pluviosidade da bacia do rio Araguari, situada na Mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, na porção oeste do estado de Minas Gerais (figura 1). Essa bacia faz divisa com as bacias dos rios Tijuco, Grande, São Francisco e Dourados, em diferentes orientações. Possui uma área de 20.186km², ocupando áreas de 20 municípios. 755

MATO GROSSO RECONHECIMENTO DE POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS DOS EVENTOS EL NIÑO E LA NIÑA NO REGIME BAHIA TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA DF DO SUL GOIÁS SÃO PAULO MINAS GERAIS ESPÍRITO SANTO RIO DE JANEIRO GOIÁS MINAS GERAIS PARANÁ Tupaciguara Araguari Uberlândia MATO GROSSO DO SUL Uberaba Santa Juliana Sacramento Tapira Rio Paranaíba São Roque de Minas LEGENDA Sede de município Limite Interestadual Drenagem Bacia do Rio Araraguari SÃO PAULO FONTE: Estado de Minas Gerais - Mapa Geo político - IGA 1994 Organizado por: Brito, J.L.S., e Macedo, D. Figura 1 Localização da bacia do rio Araguari O clima na bacia do rio Araguari apresenta uma estação seca, abrangendo os meses de abril a setembro, e outra úmida, que vai de outubro a março. As chuvas podem variar entre 800 a 2000 mm anualmente, com médias entre 1.200 a 1.500 mm/ano, condicionando potencial agrícola elevado. A cobertura vegetal nativa constituía-se, predominantemente, de cerrado, com suas várias fitofisionomias, e de florestas estacionais semideciduais e deciduais normalmente ocupando até 1/3 das encostas. Hoje restam apenas fragmentos da cobertura original. As altitudes variam entre 800 e 1000 m e os cursos d água são encachoeirados. Tendo em vista as características fisiográficas favoráveis, o rio Araguari é um dos cursos d água mais importantes para a geração de energia elétrica de Minas Gerais. Nele encontram-se instaladas várias usinas hidrelétricas, com destaque para as Usinas de Miranda, Nova Ponte e Capim Branco I e II. REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL Conforme Fisch (1999) apud Fisch & Valério (2005, p. 20) [...] a dinâmica da atmosfera global apresenta comportamento distinto de um ano para outro, resultando em diferenças interanuais significativas nos totais de precipitação. Esse comportamento irregular da distribuição temporal das chuvas é resultado da própria variabilidade natural do clima, da conexão de efeitos que sistemas 756

meteorológicos podem ter numa determinada região. Um exemplo dessa conexão é a ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña, que têm origem no Pacífico Equatorial, mas que causam efeitos muitas vezes marcantes no clima das diferentes regiões brasileiras, assim como em outras partes do Globo. Conforme o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e Oliveira (1999), em condições normais as águas superficiais são relativamente mais frias no Pacífico Equatorial Leste, junto à costa oeste da América do Sul, e relativamente mais aquecidas no Pacífico Equatorial Oeste, além de que os ventos alísios sopram de leste para oeste favorecendo a ressurgência próximo à costa oeste da América do Sul. Em contrapartida, as condições que indicam a presença do fenômeno El Niño provocam o enfraquecimento dos ventos alísios e o aumento da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Oceano Pacífico Equatorial LesteJá as condições que indicam a presença do fenômeno La Niña, ainda de acordo com o CPTEC, referem-se à intensificação dos ventos alísios e o declínio da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Pacífico Equatorial Leste, fazendo com que as águas adjacentes à costa oeste da América do Sul tornem-se ainda mais frias devido à intensificação do movimento de ressurgência. Isso resulta no caso do fenômeno El Niño num aquecimento anormal das águas superficiais no Oceano Pacífico Tropical, o que pode afetar o clima regional e global em relação aos padrões de vento, tendo como consequência mudanças nos regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias. No caso do fenômeno La Niña há um esfriamento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical, também ocasionando mudança nos regimes de chuva de áreas longínquas. O quadro 1 apresenta os anos de ocorrência de eventos El Niño e La Niña. A intensidade dos mesmos é baseada no padrão e magnitude das anomalias da TSM do Pacífico Tropical. Quadro 1 Ocorrências de eventos El Niño e La Niña e respectivas intensidades OCORRÊNCIAS DE EL NIÑO OCORRÊNCIAS DE LA NIÑA ANO INTENSIDADE ANO INTENSIDADE 1877-1878 Forte 1886 Forte 1888-1889 Moderada 1903-1904 Forte 1896-1897 Forte 1906-1908 Forte 1899 Forte 1909-1910 Forte 1902-1903 Forte 1916-1918 Forte 1905-1906 Forte 1924-1925 Moderada 1911-1912 Forte 1928-1929 Fraca 1913-1914 Moderada 1938-1939 Forte 1918-1919 Forte 1949-1951 Forte 757

1923 Moderada 1954-1956 Forte 1925-1926 Forte 1964-1965 Moderada 1932 Moderada 1970-1971 Moderada 1939-1941 Forte 1973-1976 Forte 1946-1947 Moderada 1983-1984 Fraca 1951 Fraca 1984-1985 Fraca 1953 Fraca 1988-1989 Forte 1957-1959 Forte 1995-1996 Fraca 1963 Fraca 1998-2001 Moderada 1965-1966 Moderada 2007-2008 Forte 1968-1970 Moderada 1972-1973 Forte 1976-1977 Fraca 1977-1978 Fraca 1979-1980 Fraca 1982-1983 Forte 1986-1988 Moderada 1990-1993 Forte 1994-1995 Moderada 1997-1998 Forte 2002-2003 Moderada 2004-2005 Fraca 2006-2007 Fraca 2009-2010 Fraca Fonte: http://enos.cptec.inpe.br Em relação aos efeitos regionais do El Niño no Brasil pode-se dizer que: no Norte há ocorrência de secas acentuadas devido à diminuição das precipitações; no Nordeste secas severas, prejudiciais para o desenvolvimento econômico não só do Sertão, mas também do Agreste, Zona da Mata e Litoral; no Centro-Oeste não apresenta efeitos evidentes de mudanças no padrão das chuvas, podendo acontecer uma leve tendência do aumento destas no sul de Mato Grosso do Sul; no Sudeste há aumento sutil das temperaturas médias, mas não há um padrão característico de mudanças na distribuição e intensidade de chuvas; e no Sul tem-se excesso de chuvas, mas não durante todo o período de atuação dos eventos, além de que as temperaturas também mudam e é observado um inverno mais ameno que diminui significativamente a incidência de geadas. Quanto aos efeitos regionais do La Niña observa-se: tendência ao aumento de chuvas no norte e leste da Amazônia; no Nordeste a chegada das frentes frias, principalmente no litoral da Bahia, Sergipe e Alagoas e a possibilidade de chuvas acima da média sobre a região semi-árida; no Centro- Oeste não há modificações marcantes; no Sudeste há ocorrência de temperaturas próximas da média climatológica ou ligeiramente abaixo da média durante o inverno; e no Sul chuvas abaixo do normal, mas observam-se chuvas acima da média no leste dos Estados da região com estiagem no oeste (secas severas) e passagens rápidas de frentes frias. A partir dos conhecimentos sobre os possíveis efeitos que esses eventos El Niño e La Niña trazem nas diferentes regiões brasileiras torna-se imprescindível estimar a influência e intensidade dos 758

mesmos em escalas menores para que se tenha ciência das eventuais repercussões na disponibilidade de recursos hídricos para o desenvolvimento das atividades econômicas, principalmente aquelas ligadas à agropecuária. Dessa forma, verificar e dimensionar possíveis influências desses eventos na bacia do rio Araguari é importante para o planejamento e gestão do uso da terra. Mas para tanto, é necessário estudar metodologias de mensuração de anomalias climáticas. O uso da estatística, em especial, a média aritmética e o desvio padrão é a base para uma análise inicial e entendimento de tais repercussões, pois a Estatística Descritiva oferece subsídios que permitem uma razoável compreensão acerca do comportamento da variável expressa no conjunto de dados.. A média aritmética simples é um valor que representa vários outros, mas ela não é o bastante para observar a precisão e a comparação dos dados (CRESPO, 2002). É necessário também o cálculo do desvio padrão, que mostra o quanto os valores dos quais se calculou a média são próximos ou longínquos da própria média, considerando assim a totalidade dos valores da variável em estudo. Associando a estatística e os estudos de anomalias climáticas a partir de um intervalo de normalidade das precipitações é possível comparar a média mensal e do período analisado às discrepâncias dos valores e, assim, utilizar-se do desvio padrão para medir o grau de dispersão entre as médias. Assim, segundo Braga et all (2002), relacionando esses cálculos à existência de possíveis anomalias, positivas e negativas, vários autores chegaram à seguinte conclusão: A anomalia anual ou mensal é definida quando a precipitação observada excede (anomalia positiva) o valor da precipitação média mais o desvio padrão do período ou é inferior (anomalia negativa) ao valor da média menos desvio padrão. Portanto, considera-se que a precipitação observada normalmente pode oscilar no intervalo limitado pela precipitação média mais ou menos o desvio padrão, e valores acima ou abaixo deste limite são considerados anos ou meses de anomalias. (BRAGA et all, 2002, p. 2068) METODOLOGIA Para avaliar a aplicabilidade da metodologia citada anteriormente à bacia do rio Araguari foram baixados dados de precipitação diários de 4 postos pluviométricos da Agência Nacional de Águas (ANA): Araxá, Monte Carmelo, Santa Juliana, Estrela do Sul (Quadro 1). A bacia do Araguari é uma sub-bacia da bacia do Paranaíba, que possui 121 postos pluviométricos espacialmente bem distribuídos e com boa qualidade de dados, mas que somente serão estudados posteriormente, na continuidade da pesquisa. 759

ESTAÇÃO Quadro 1 Localização dos postos pluviométricos adotados na pesquisa MUNICÍPIO LATITUDE S LONGITUDE W ALTITUDE (m) PERÍODO DE DADOS 1946002 Araxá 19º35'00" 46º54'00" 950 1941-1978 1847000 Monte Carmelo 18º43'14" 47º31'28" 880 1941-2011 1947001 Santa Juliana 19º18'57" 47º31'34" 950 1941-2011 1847001 Estrela do Sul 18º44'17" 47º41'24" 461 1944-2011 Calculou-se o somatório mensal de chuvas, a média aritmética do período e o desvio padrão do período. Para identificar as anomalias de pluviosidade, positivas e negativas, foram utilizadas as seguintes equações (Braga et all, 2002, p. 2068): Onde AP corresponde a anomalia positiva, AN anomalia negativa, Pobs precipitação observada, Pmed precipitação média do período, e DP o desvio padrão do período. Compreende período neste estudo todos os dados do mês de Janeiro para cada posto pluviométrico e, assim sucessivamente para os outros meses do ano. Além disso, ressalta-se que o mês que faltou um dia pelo menos de dado foi retirado da análise, pois se considerou que talvez nesse dia ocorreu uma grande quantidade de precipitação que poderia resultar numa anomalia positiva. E os valores que não estão dentro de Pobs > Pmed + DP e Pobs < Pmed DP são considerados ocasiões normalizadas, isto é, que não possuem nem anomalia positiva e nem negativa. Após a verificação da existência de anos que possuem anomalias positivas ou negativas foram construídos gráficos mensais para melhor visualização dos resultados. RESULTADOS Observa-se que a ocorrência de anomalias pluviométricas é muito frequente no setor sudeste da bacia do rio Paranaíba. Ressalta-se ainda que o acontecimento dessas anomalias, sejam elas positivas ou negativas, têm maior expressão no período chuvoso. Além de que, os eventos negativos não são presentes na estação seca, já que dentro da normalidade do regime pluviométrico da bacia as chuvas inexistem ou são pouco significativas entre os meses de abril e setembro. 760

O posto pluviométrico de Araxá apresenta precipitação média anual de aproximadamente 1700mm, tendo como mínima o equivalente a 1200mm e máxima com cerca de 2400mm. Assim, conforme o Gráfico 1 da média mensal das anomalias pluviais, percebe-se que as mesmas são mais presentes durante o período chuvoso, dando destaque ao mês de Janeiro, que através dos dados de precipitações diárias pôde-se constatar que no ano de 1943 choveu cerca de 680mm, sendo que 91mm precipitaram no segundo dia do mês. Porém, no caso de 1943 não houve influência do evento El Niño. Em contrapartida, no ano de 1947, ano de ocorrência do referido fenômeno, ocorreram precipitações bem acima da normal, com anomalias positivas nos meses de Janeiro, Março, Junho, Agosto, Outubro e Novembro, demonstrando a continuidade da influência desse evento ao longo do ano nessa localidade. No que diz respeito às anomalias negativas deste posto, observa-se que são mais expressivas nos meses de Novembro, Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março, dando destaque ao mês de Dezembro de 1963 em que choveu abaixo da normalidade (107mm), mas que não foi um ano de La Niña. 9 8 7 6 Gráfico 1 Média mensal das anomalias - Araxá/MG 5 4 3 2 1 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 Máxima mensal das anomalias - Araxá/MG Fonte: ANA, 2012 761

O posto pluviométrico de Monte Carmelo apresenta média anual de aproximadamente 1390mm, com máxima de 2340mm e mínima de 468mm. Observa-se no Gráfico 2 que o mês de Fevereiro é o que mais apresenta anomalia positiva com uma média de 97mm acima da normal, destacando o ano de 1992 que possui uma soma mensal de 463mm, correspondendo a uma anomalia de 160mm, e que é um ano de ocorrência de El Niño. Em relação às anomalias negativas é possível perceber que os meses de Janeiro e Dezembro possuem as máximas de 107 e 105mm, respectivamente, porém essas não ocorrem em anos de La Niña. 10 9 8 7 Gráfico 2 Média mensal das anomalias - Monte Carmelo/MG 6 5 4 3 2 1 Máxima mensal das anomalias - Monte Carmelo/MG 35 30 25 20 15 10 5 Fonte: ANA, 2012 Em Santa Juliana/MG a precipitação média anual é superior a 1600mm, variando entre 3048 a 752mm. Observando o Gráfico 3 é possível constatar que o mês de Fevereiro possui a maior média de anomalia positiva (114mm), sendo que o ano de 1957 tem um somatório mensal de 612mm, que é um ano de ocorrência de El Niño e que percebe-se a continuidade de anomalias positivas em grande parte dos meses deste ano. Em relação às anomalias negativas destaca-se o mês de Dezembro que possui a 762

maior média anômala (58mm), sendo que a máxima corresponde a 128,6mm no ano de 1963, que não é um ano de La Niña. Gráfico 3 Média mensal das anomalias - Santa Juliana 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 45 40 35 30 25 20 15 10 5 Máxima mensal das anomalias - Santa Juliana/MG Fonte: ANA, 2012 O posto pluviométrico de Estrela do Sul/MG possui precipitação média mensal de aproximadamente 1526mm, sendo a máxima de 2484mm e a mínima de 659mm. As maiores médias de anomalias positivas (Gráfico 4) ocorreram nos meses de Janeiro e Dezembro, com o equivalente a 116 e 99,5mm, respectivamente, sendo que em janeiro de 2003 a máxima anômala chegou a 220mm e em Dezembro de 1962 atingiu 369mm, podendo dizer que este não foi um ano de ocorrência do fenômeno El Niño e aquele foi. No que diz respeito às anomalias negativas destaca-se o mês de 763

Dezembro com uma média anômala de 41mm, sendo que o ano de 1951, de ocorrência do evento La Niña, o referido mês teve uma máxima anômala de 102mm. Gráfico 4 Média mensal das anomalias - Estrela do Sul/MG 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 40 35 30 25 20 15 10 5 Máxima mensal das anomalias - Estrela do Sul/MG Fonte: ANA, 2012 CONCLUSÕES 764

O estudo de anomalias pluviométricas e dos padrões de teleconexão com sistemas atmosféricos é muito importante. Estudando a variabilidade de precipitações dos postos selecionados para este artigo pôde-se perceber que tanto as anomalias positivas quanto as negativas são muito presentes no setor sudeste da bacia do rio Paranaíba, onde está situada a sub-bacia do rio Araguari. Entretanto, não se pode concluir que as anomalias advêm diretamente dos eventos de El Niño e La Niña. É muito provável que a bacia estudada não possua uma conexão forte com os fenômenos do Oceano Pacífico, conforme já indicado na bibliografia atinente à escala regional até porque o tempo e o clima sofrem variabilidade interanual devido a inúmeros outros fatores que agem de forma aparentemente desorganizada na área estudada. Os dados mostram casos individuais de dias que ocorreram grande quantidade de chuvas e que vão influenciar no somatório mensal e anual e nos cálculos de anomalias. Portanto, se acontecesse tais relações de causa e efeito haveria uma continuidade no aumento ou diminuição de chuvas ao longo dos meses, pois o El Niño e La Niña, geralmente, têm longa durabilidade. REFERÊNCIAS BRAGA, A. P.; ROCHA, E. J. P.; ROLIM, P. A. M.; NEVES, D. G. das; BARROS, R. C. de. Estudo da variabilidade interanual associada ao El Niño e La Niña sobre o regime hidropluviométrico da bacia do rio Guamá-Capim. In: XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2002, Foz do Iguaçu-PR. Anais... Foz do Iguaçu, 2002, p. 2067-2072. Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). El Niño e La Niña. Disponível em: <http://enos.cptec.inpe.br/>. Acessado em maio de 2012. CRESPO, A. A. Estatística Fácil. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. FISCH, Gilberto; VALÉRIO, Matheus Cesário. Variabilidade intra e interanual da precipitação em Taubaté-SP associado aos eventos El Niño e La Niña. Revista Biociências, v. 11, n. 1-2, p. 19-29, jan./jun. 2005. OLIVEIRA, Gilvan Sampaio de. O El Niño e você: o fenômeno climático. São José dos Campos/SP: TRANSTEC, 1999. 765