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Isolados primários de VIH-2 que não utilizam os co-receptores CCR5 e CXCR4 para infectar CMSP, revelam uma baixa infecciosidade In-vitro Q. Santos-Costa 1, K. Mansinho 2, J. Moniz-Pereira 1, J.M. Azevedo-Pereira 1 1 Centro de Patogénese Molecular (CPM) - Unidade dos Retrovírus e Infecções Associadas (URIA) - Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa 2 Serviço de Infecto-Contagiosas Hospital Egas Moniz, Lisboa, Portugal. Índice: Introdução.1 Objectivos.2 Resultados e discussão.2 Conclusão.6 Agradecimentos.7 Bibliografia.7 Introdução Como definir infecciosidade vírica? Será a capacidade de um determinado vírus entrar e replicar-se dentro de uma célula susceptível, provocando uma infecção. Vejam, o conceito de infecciosidade está directamente ligado à adaptabilidade de um determinado vírus à célula hospedeira, sendo tanto maior quanto mais eficazes forem as interacções víruscélula verificadas ao longo do ciclo replicativo. Esta infecciosidade é medida in vitro, pela capacidade replicativa vírica num determinado sistema celular, (expressa em unidades infecciosas). Por outro lado, é também resultante de vários factores que directamente influenciam o ciclo replicativo do vírus e que determinam a rapidez de produção de novas partículas víricas (cinética de replicação) bem como a concentração dessas partículas virais (título). Vários trabalhos sugerem que a infecciosidade do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) é principalmente determinada pelas interacções iniciais que se estabelecem durante a entrada do vírus na célula (4, 6, 7, 10, 19). Estas interacções envolvem as glicoproteínas do invólucro vírico (SU) e os receptores específicos presentes na célulaalvo: a molécula CD4 e um receptor das quimiocinas, nomeadamente, o CCR5 e/ou o CXCR4 (co-receptor). Destas interacções resulta a fusão entre o invólucro do VIH e a membrana da célula com consequente libertação da nucleocápside no interior do citoplasma celular (2, 15). De todos os receptores das quimiocinas que demonstraram ter actividade de co-receptor para a entrada do VIH, a capacidade de usar o receptor das quimiocinas CCR5 como co-receptor parece ser fundamental quer na transmissão quer na patogénese da infecção pelo VIH-1 (18, 21).

Apesar de serem biológica e estruturalmente semelhantes, e de ambos estarem associados à imunodeficiência e ao aparecimento do Síndroma da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), o VIH-1 e o VIH-2 diferem substancialmente em vários aspectos, salientando a forma em como utilizam os receptores celulares. Por um lado, a eficiente utilização de outros co-receptores, para além do CCR5 e CXCR4, é uma característica comum a várias estirpes de VIH-2, mas só raramente observada no VIH-1 (12, 18, 21). Por outro lado, a entrada do vírus na célula duma forma independente do receptor CD4 tem sido unicamente observada em estirpes primárias de VIH-2 (16). Estes dois aspectos estão relacionados com a estrutura conformacional apresentada pelas glicoproteínas constituintes do invólucro vírico (17), sugerindo que essa estrutura é diferente no VIH-1 e VIH-2. Objectivos Neste trabalho focámos a nossa atenção na relevante incapacidade replicativa, mais concretamente, na menor eficiência da interacção das glicoproteínas do invólucro com os receptores celulares que conduz a uma menor eficácia na entrada do VIH-2 na célula alvo, de duas estirpes de VIH-2 (comparativamente com outras estirpes de fenótipo conhecido) que têm como característica principal a não utilização do CCR5 e do CXCR4 para infectarem células mononucleadas do sangue periférico (CMSP) humanas e também o facto de a presença de inibidores (3, 8, 13, 14) dirigidos para os co-receptores CCR5 e CXCR4 não impedirem a infecção das CMSP (1). Estes vírus tiveram a sua origem em amostras de sangue de dois indivíduos assintomáticos não sujeitos a nenhuma terapêutica e sem quaisquer sinais clínicos ou imunológicos da infecção. Fez-se ainda a correlação da baixa capacidade replicativa com o perfil de utilização dos co-receptores e com a fase clínica apresentada pelos indivíduos de onde os vírus foram isolados. Resultados e Discussão Ensaios de infecciosidade. Para caracterizar o perfil de utilização de co-receptores por estes vírus, inocularam-se CMSP CD4+ e linhas celulares derivadas das células GHOST e U87, expressando os vários receptores das quimiocinas (CCR1, CCR2, CCR3, CCR5, CXCR4, STRL33 e GPR15), com quantidades iguais de vírus (50 TCID 50 ). A replicação vírica foi monitorizada pela actividade da transcriptase reversa (RT) nos sobrenadantes das culturas infectadas de acordo com as instruções do fabricante (Lenti-RT kit, Cavidi). Os resultados demonstram que o HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97 são capazes de se replicarem normalmente nas CMSP CD4+, mas incapazes de se replicarem em células expressando os co-receptores (1). Detecção do antigénio vírico na fracção citosólica. Com o objectivo de verificar se o passo de entrada era ou não o determinante na infecção abortiva verificada nas células GHOST, bem como verificar com que eficiência esse passo ocorria, procedeu-se à detecção e quantificação da proteína da nucleocápside vírica na fracção citosólica das células inoculadas com o HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97. A presença desta proteína na fracção

citosólica está correlacionada, no VIH-1, com a infecção produtiva (11) e permite concluir sobre a capacidade do vírus fundir e entrar na célula. Esta correlação foi igualmente demonstrada para o VIH-2 (Figura 1) mediante a utilização de estirpes cujo perfil de utilização dos co-receptores é já conhecida (HIV-2 ALI, HIV-2 SAB e HIV-2 TER ) além duma estirpe de VIH-1 (HIV-1 JRCSF ) utilizadora do CCR5. Conforme se demonstra na Figura 1, nas células expostas ao HIV-2 MIC97 e ao HIV-2 MJC97 não foi possível detectar a presença da proteína da nucleocápside, o que leva a concluir que a incapacidade de infectar produtivamente as células GHOST é devida a uma incapacidade de entrada na célula por parte do HIV-2 MIC97 e do HIV-2 MJC97. Ou seja, concluímos que o HIV-2 MIC97 e o HIV-2 MJC97 não utilizam eficazmente as moléculas dos co-receptores presentes na membrana das várias células GHOST testadas embora o façam nas CMSP, CMSP-CD4+ e MDM. 85,0 p27 Ag detectado na fracção citosólica (pg) 75,0 65,0 55,0 45,0 35,0 25,0 15,0 5,0 PBMC CD4+ CCR1 CCR2b CCR3 CCR5 CXCR4 GHOST-CD4+ STRL33 GPR15 HIV-2MIC97 HIV-2MJC97 HIV-2ALI HIV-2TER HIV-1JRCSF Mock Células Figura 1-Detecção da presença da proteína da nucleocápside na fracção citosólica das células expostas aos diferentes VIH-2. As células foram expostas a quantidades iguais de vírus e a concentração de proteína vírica presente na fracção citosólica dessas células foi quantificada. Assim, com estes dois estudos demonstrou-se que as presentes estirpes primárias de VIH-2 (HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97 ), isoladas a partir de indivíduos assintomáticos, são incapazes de infectar produtivamente as linhas celulares GHOST e U87 co-expressando a molécula CD4 e os co-receptores das quimiocinas, apesar destas células expressarem receptores funcionais para outras estirpes primárias de VIH-2 (20).

Demonstrámos igualmente que esta incapacidade de infecção está directamente relacionada com a incapacidade de entrar nessas células, excluindo dessa forma a possibilidade de existirem bloqueios pós-entrada (1). Ambos os virus revelam uma menor eficácia no passo de entrada nas CMSP CD4+, comparativamente com as outras estirpes HIV-2 R5, R5/X4 e X4. Análise da capacidade replicativa dos isolados VIH-2. Aquando da detecção do antigénio vírico na fracção citosólica das células GHOST (Figura 2) constatou-se que, embora o HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97 fossem ambos capazes de entrar em CMSP, revelavam níveis de antigénio intracelular significativamente inferiores aos apresentados pelos restantes vírus ensaiados quer eles fossem R5 (HIV-2 ALI e HIV-1 JRCSF ) ou R5X4 (HIV- 2 TER ). Para o HIV-2 MIC97 as diferenças na eficiência de entrada do vírus na célula, comparada com outros vírus, variou entre 49,2% e 63,7% enquanto que para o HIV-2 MJC97 essas diferenças variaram entre 38% e 55,8%. Devido às diferenças significativas na eficiência de entrada destes vírus nas CMSP, pretendeu-se verificar se esta menor infecciosidade podia ser igualmente observada nas respectivas cinéticas de replicação. Para isso as CMSP estimuladas foram inoculadas com quantidades iguais de vírus (100 ng de RT) e os níveis de replicação vírico foram monitorizados através da detecção de transcriptase reversa no sobrenadante das culturas infectadas ao longo de 21 dias. Os resultados apresentados na Figura 2 revelaram uma menor e mais lenta capacidade replicativa por parte do HIV-2 MIC97 e do HIV-2 MJC97 quando comparados com o HIV-2 ROD e com o HIV-1 JRCSF, os quais apresentam fenótipos R5X4 e R5, respectivamente (5). De realçar que a replicação vírico por parte do HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97 só foi detectada quando o inóculo inicial de cada um destes vírus foi igual ou superior a 10 ng de RT, ao contrário do verificado para os restantes vírus; abaixo dessa quantidade a produção vírica foi indetectável (dados não apresentados), o que sugere uma importante falta de aptidão replicativa in vitro, muito provavelmente devido a uma deficiente interacção com os receptores celulares, como aliás já sugeriam os dados relativos à entrada do vírus na célula (Figura 2). Para confirmar estes dados relativos à replicação vírica, o número de células infectadas foi monitorizado ao longo do tempo de cultura após infecção. Com esse objectivo, as CMSP foram inoculadas com quantidades iguais de vírus em termos de RT e analisou-se por imunofluorescência indirecta a percentagem de células infectadas detectadas em cultura ao longo de 12 dias. Os resultados apresentados na Figura 2B mostram inequivocamente uma significativa diferença na percentagem de células infectadas nas culturas dos vírus HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97, confirmando a menor capacidade de infecção das células alvo in vitro que se reflecte na menor produção de novas partículas víricas.

Figura 2- Análise das cinéticas de produção de partículas virais (A) e de células infectadas (B) do HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97 em comparação com duas estirpes padrão: R5X4 (HIV-2 ROD ) e R5 (HIV-1 JRCSF ). Mock: CMSP não infectadas. Os resultados apresentados referem-se à média de três experiências e respectivos desvios. A imagem em sobreposição ao gráfico B mostra um exemplo do ensaio de imunofluorescência indirecta (IF), no caso do HIV-2 ROD. Correlação entre o uso dos co-receptores e a fase clínica. Apesar do reduzido número de estirpes em análise, foi tentado estabelecer uma correlação entre o uso dos diferentes co-receptores, e a fase clínica do indivíduo a partir do qual o vírus foi isolado.

Assim foi-nos possível constatar que os vírus obtidos a partir de indivíduos assintomáticos ou na fase inicial da infecção usam predominantemente o CCR5 enquanto que as estirpes utilizadoras de CXCR4 eram provenientes de indivíduos com SIDA. Entre estes dois grupos bem individualizados e definidos, existem estirpes que se classificariam de transição entre esses dois fenótipos. Figura 3-Evolução do uso dos co-receptores em associação à fase clínica dos indivíduos infectados com VIH-2. Aqui vemos que, na evolução da utilização dos co-receptores ao longo das fases clínicas da doença, as estirpes teriam uma gama mais alargada de co-receptores usados, com o predomínio no entanto do CCR5 no início e do CXCR4 nas fases mais avançadas. Conclusão Tendo em conta os isolados primários VIH-2 usados, estes resultados levaram-nos a concluir que a aquisição da capacidade de utilizar o CCR5 ou o CXCR4 como coreceptores está relacionado com o aumento do potencial infeccioso das estirpes, nomeadamente, com uma eficiente entrada e produção do ciclo replicativo completo. Os nossos resultados indicam que a incapacidade da utilização dos co-receptores CCR5 e CXCR4 constitui um factor determinante para a reduzida capacidade replicativa das estirpes HIV-2 MIC97 e HIV-2 MJC97. Deste modo sugerimos que a existência de uma população CCR5-CXCR4-independente em indivíduos assintomáticos com uma reduzida capacidade replicativa, poderá estar relacionada com o período assintomático extraordinariamente longo, observado na infecção pelo VIH-2, quando comparado com a generalidade das infecções pelo VIH-1. E mais, poderá estar aberta uma nova perspectiva para a compreensão das diferenças dos

mecanismos patogénicos dentre o VIH-1 e o VIH-2. Agora levanta-se ainda outro tipo de questões que se relacionam com a terapêutica baseada em inibidores da interacção com o CCR5 ou CXCR4 (9). Se a entrada do vírus na célula, duma forma CCR5 e CXCR4- independente, for um mecanismo alternativo comum a outras estirpes, será de prever que possam surgir variantes que escapem à neutralização por agentes bloqueadores do CCR5 e CXCR4. Agradecimentos Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT POCTI/2001/ESP/39987). Bibliografia 1. Azevedo-Pereira, J. M., Q. Santos-Costa, K. Mansinho, and J. Moniz-Pereira. 2003. Identification and characterization of HIV-2 strains obtained from asymptomatic patients that do not use CCR5 or CXCR4 coreceptors. Virology 313:136-46. 2. Berger, E. A., P. M. Murphy, and J. M. Farber. 1999. Chemokine receptors as HIV-1 coreceptors: roles in viral entry, tropism, and disease. Annu Rev Immunol 17:657-700. 3. Bleul, C. C., M. Farzan, H. Choe, C. Parolin, I. Clark-Lewis, J. Sodroski, and T. A. Springer. 1996. The lymphocyte chemoattractant SDF-1 is a ligand for LESTR/fusin and blocks HIV-1 entry. Nature 382:829-833. 4. Broder, C. C., and E. A. Berger. 1995. Fusogenic selectivity of the envelope glycoprotein is a major determinant of human immunodeficiency virus type 1 tropism for CD4+ T- cell lines vs. primary macrophages. Proc Natl Acad Sci U S A 92:9004-9008. 5. Broder, C. C. a. J.-T., A. Kuiken CL, Foley B, Hahn B, Korber B, McCutchan F, Marx PA, Mellors JW, Mullins JI, Sodroski J, and Wolinksy S, Eds. 1999. Coreceptor use by primate Lentiviruses. 6. Cann, A. J., J. A. Zack, A. S. Go, S. J. Arrigo, Y. Koyanagi, P. L. Green, S. Pang, and I. S. Chen. 1990. Human immunodeficiency virus type 1 T-cell tropism is determined by events prior to provirus formation. J Virol 64:4735-4742. 7. Chesebro, B., J. Nishio, S. Perryman, A. Cann, W. O'Brien, I. S. Chen, and K. Wehrly. 1991. Identification of human immunodeficiency virus envelope gene sequences influencing viral entry into CD4-positive HeLa cells, T-leukemia cells, and macrophages. J Virol 65:5782-5789. 8. Cocchi, F., A. L. DeVico, A. Garzino-Demo, S. K. Arya, R. C. Gallo, and P. Lusso. 1995. Identification of RANTES, MIP-1 alpha, and MIP-1 beta as the major HIV-suppressive factors produced by CD8+ T cells [see comments]. Science 270:1811-1815. 9. D'Souza, M. P., J. S. Cairns, and S. F. Plaeger. 2000. Current evidence and future directions for targeting HIV entry: therapeutic and prophylactic strategies. JAMA 284:215-222. 10. Kim, S., K. Ikeuchi, J. Groopman, and D. Baltimore. 1990. Factors affecting cellular tropism of human immunodeficiency virus. J Virol 64:5600-5604. 11. Marechal, V., Clavel, F., Heard, J. M., and Schwartz, O. 1998. Cytosolic Gag p24 as an index of productive entry of human immunodeficiency virus type 1. J. Virol. 72(3):2208-12.

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