A ABORDAGEM PRAGMÁTICA DO COACHING E O PERIGO DA VISÃO MECANICISTA Cristina Zauhy*



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Transcrição:

Revista BSP, vol 2, no. 1, março, 2011 A ABORDAGEM PRAGMÁTICA DO COACHING E O PERIGO DA VISÃO MECANICISTA Cristina Zauhy* Sumário O artigo apresenta o tema coaching e desenvolve vária de suas dimensões fundamentais, com destaque para as origens do método, suas semelhanças e diferenças entre coaching e psicoterapia. Faz considerações sobre as abordagens mecanicistas e seus efeitos nocivos sobre as pessoas. Introduz as bases para o processo de coaching baseado na teoria da complexidade e no pensamento complexo. Palavras-chave: coaching, coaching inclusivo, pragmatismo, movimento do potencia humano, psicoterapia, pragmatismo, mecanicismo, modelos de gestão. Introdução O coaching, tal como o conhecemos hoje, tem sua principal origem no esporte, mais especificamente no trabalho desenvolvido por Timothy Gallwey e publicado em seu livro The inner game of tennis. O diferencial dessa abordagem na preparação de atletas é considerar não só o aspecto técnico, mas principalmente os bloqueios internos das pessoas. A premissa básica é que o oponente na cabeça de alguém é mais extraordinário do que aquele do outro lado da rede (Gallwey, 1996). Portanto, o principal trabalho do coach (treinador) é auxiliar o atleta (coachee) a eliminar os bloqueios internos que o impedem de realizar o seu potencial máximo. Um dos primeiros a levar a abordagem de Gallwey para o mundo corporativo foi John Whitmore, há cerca de 20 anos, nos EUA (Whitmore, 2006). A partir de então um número crescente de profissionais de coaching e estudiosos acadêmicos em todo o mundo vêm incorporando contribuições valiosas para o desenvolvimento e consolidação do coaching como abordagem eficaz e poderosa de desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional. O início da ideia de coaching seguiu e foi favorecido pelo surgimento da psicologia humanista, que se sobrepôs à abordagem até então predominante a perspectiva behaviorista. Para os principais behavioristas John B. Watson e B. F. Skinner não passamos de recipientes vazios nos quais tudo pode ser derramado. Já a visão humanista, entre cujos teóricos mais destacados se incluem Carl Rogers e Abraham Maslow, somos como a bolota do carvalho, que já contém em si o potencial para se desenvolver e transformar-se em uma árvore frondosa. Retiramos do meio ambiente os insumos necessários, mas o potencial de ser carvalho já está em nós.

Outro aspecto que favoreceu a emergência do coaching no mundo corporativo foi a necessidade das organizações de preparar e desenvolver seus talentos de maneira mais efetiva em relação às abordagens tradicionais. De fato, a exigência de fazer frente ao mercado globalizado impôs o desenvolvimento de novas competências, em especial as de liderança. De um modo geral, pode-se dizer que há dois tipos de coaching: o executivo (executive coaching) e o pessoal (life/personal coaching). Este último visa mais ao desenvolvimento pessoal fora do âmbito das organizações, mas é claro que há imbricações entre essas duas áreas. Por essa razão, com freqüência a divisão entre life coaching e executive coaching serve apenas para fins didáticos. Hoje o coaching é considerado uma poderosa abordagem desenvolvimento pessoal e profissional. Ele utiliza um conjunto de métodos e técnicas mas tem nas pessoas suas melhores ferramentas, já que o processo se dá fundamentalmente pela qualidade das relações entre coaches e coachees. Coaching e psicoterapia Costuma-se dizer até mesmo com certa insistência que coaching não é terapia, o que aliás é óbvio. Porém, por trás do óbvio muitas vezes é possível detectar aspectos não tão óbvios mas nem por isso menos importantes. Em outros termos, a insistência em afirmar que coaching não é terapia é um aspecto que inclui várias determinantes que passo a detalhar. No fundo, o principal desafio é desenvolver uma abordagem de coaching que permita que as pessoas tenham suas emoções, sentimentos e subjetividades reconhecidos e atendidos sem perda do pragmatismo, da eficácia, da objetividade e do ânimo para a busca de resultados. Será possível conciliar esses dois lados aparentemente tão incompatíveis? Será possível fazer com que eles convivam lado a lado e, mais ainda, que se reforcem mutuamente? Há pelo menos duas respostas possíveis: a) com a metodologia mecanicista hoje predominante no coaching as coisas tendem a ser vistas em termos binários, mutuamente excludentes. Nessa perspectiva a convivência acima mencionada é inviável; b) se adotarmos uma abordagem de coaching que inclua conceitos e técnicas que promovam a convivência entre opostos ao mesmo tempo antagônicos e complementares, é perfeitamente possível conciliar os lados mecânico e não mecânicos da vida e das atividades humanas. Para essa segunda abordagem proponho o nome de coaching inclusivo, isto é, orientado pelo pensamento complexo. As diferenças entre coaching e psicoterapia são sempre tema de discussões em várias áreas. Em geral tais discussões geram mais calor do que luz, de modo que pretender separar as duas áreas de maneira estanque nem sempre é um esforço produtivo. Sabemos que nas décadas de 1970 e 1980 houve uma grande expansão da psicoterapia em muitos países. Para tornar as coisas mais claras, convém falar um pouco mais sobre as origens do coaching. Em 1962 nos Estados Unidos, surgiu o livro do psicólogo Abraham Maslow Toward a psychology of being (Maslow, 1962) que se tornaria, por assim dizer, o marco inicial do coaching. Como vimos há pouco, essa obra estava inserida no Movimento do Potencial Humano, que

incluiu a psicologia humanista. A partir daí começaram a surgir as sementes daquilo que, no início da década de 1990, viriam constituir as escolas e técnicas de coaching. As teses de Maslow e de outros autores do Movimento do Potencial Humano eram simples mas significativas. Para esse autor, todos nós somos orientados por um impulso inato no sentido da autosuperação, que pode nos conduzir para além de nossas carências fundamentais. Para iniciá-lo é preciso que tenhamos satisfeito nossas necessidades primárias de sobrevivência. Uma vez satisfeitas tais exigências o impulso de prosseguir se acentua. É o que Maslow chama de necessidade de auto-realização. Em outras palavras, é a necessidade de pôr em prática nossas potencialidades. O indivíduo que consegue ativar, praticar e desenvolver seus potenciais é o que o psicólogo americano Carl Rogers chama de homem emergente. Foi para facilitar essas emergências que surgiram as práticas do coaching. Esse aspecto também permite estabelecer as principais diferenças entre a psicoterapia e o coaching. Apesar de ter se dividido em muitas linhas, a psicoterapia pós-freudiana preservou uma das principais características da modernidade: o modo de pensar que separa o observador (o sujeito) do observado (o objeto). Nessa linha de raciocínio o observador não faz parte daquilo que observa. Esse foi, durante muito tempo e para muitos ainda é o ideal da objetividade e da imparcialidade da ciência. Ele também orientou a medicina positivista, mais voltada para a doença do que para a saúde. Em termos de gestão, esse modelo deu origem ao taylorismo e ao fordismo, hoje amplamente questionados. O Movimento do Potencial Humano, por exemplo, surgiu exatamente para se contrapor a essa visão. Para seus fundadores a separação sujeito-objeto é uma postura teórica, não um fato da vida. Coaching e mecanicismo O mecanicismo e o objetivismo de muitas das atuais abordagens de coaching é uma das múltiplas manifestações da separação sujeito-objeto. Nessa linha, muitas das publicações que tratam do tema apresentam o coaching como um processo de instrução ou adestramento cuja função é, no limite, melhorar o desempenho do homem-máquina para que ele proporcione melhores resultados. O critério fundamental para determinar o que são melhores resultados é predominantemente quantitativo. Esse modo de pensar é a expressão de outro, mais abrangente, que ainda prevalece em nossa cultura. Imaginemos uma linha de produção. Na ponta de entrada está o bicho-da-seda. Na ponta de saída está o tecido pronto para ser comercializado. O mesmo vale para uma linha de montagem de automóveis ou para qualquer outro processo de produção seqüencial e em massa. O coaching mecanicista expressa muito da linha de montagem fordista. Esta, por sua vez, reproduz a concepção behaviorista: seja com animais, seja com humanos, provoca-se um estímulo e observam-se as reações, com ênfase nas que podem ser quantificadas. Dito de outra forma: em uma ponta entram os insumos, na outra saem os produtos, ou seja, seja, input e output. O que acontece no interior do sistema não interessa porque não pode ser visto de maneira direta, objetiva. O que importa são os resultados, não o processo.

É assim que o behaviorismo mecaniza e desumaniza o ser humano: ignorando a sua subjetividade. Essa atitude transforma em objetos inclusive as pessoas e seus comportamentos. O fato de a psicologia behaviorista já estar superada ao menos para a maioria dos psicólogos sociais da atualidade não parece ter diminuído a ênfase com a qual o modelo input-output é utilizado em muitas das atividades das quais participam pessoas incluindo-se aqui o coaching. O coaching e a mente Esse modo de pensar e agir produz um coaching mecânico e sem alma. Seu propósito é produzir executivos sem subjetividade e sem sentimentos, voltados exclusivamente para a produção de resultados quantitativos. Acontece, porém, que esse objetivo não é nada pragmático, pois pessoas assim não existem na realidade. Trata-se de um papel que muitas delas representam e que tem dois lados: em um deles, nós as vemos triunfantes, bem vestidas e com o semblante de quem não têm medo de desafios. O outro lado deveria ser muito raro mas infelizmente não é: nesse papel nós as vemos na televisão, algemadas e ladeadas por policiais, que têm o cuidado de proteger-lhes as cabeças quando elas entram nos veículos que as conduzirão à prisão. Não é muito difícil proteger as cabeças. Mas o que é feito para proteger as mentes? Muito pouco ou quase nada, porque não se cuida do que acontece no íntimo das pessoas quando se pensa quase unicamente em termos de instrução e adestramento. O coaching e os modismos Há alguns anos, costumava-se dizer que os executivos que decidiam não mais trabalhar em empresas se transformavam em consultores. Hoje eles ainda fazem isso, mas muitos agora se transformam em coaches. Enfim, diz-se que o coaching está na moda e, como tudo que está na moda logo passará. A experiência mostra que afirmativas como esta em podem ser válidas. No entanto, há características dos modismos gerenciais nas quais o coaching não se insere. Mencionemos algumas delas: a) os modismos são superficiais; b) prometem resultados sempre mensuráveis; c) visam ao curto prazo; d) conseguem ampla exposição na mídia; e) baseiam-se em super-simplificações da psicologia humana, em especial no mecanismo input-output; f) sua aprendizagem é apresentada como fácil e por isso distancia-se da educação e limita-se ao adestramento. Daí seu caráter rudimentar. Coaching não é terapia De fato, coaching não é terapia. Entretanto, a experiência mostra que em determinados momentos o processo pode assumir um viés terapêutico. Isso ocorre com freqüência e é natural que assim seja, porque determinadas dimensões da personalidade e necessidades dos coachees vêm à tona com certa freqüência. E se surgem devem ser trabalhadas de modo adequado até mesmo para que o processo de coaching não se transforme em terapia.

No entanto, para trabalhar de maneira correta as situações em que o coaching entra em uma área de confluência com a terapia não é indispensável que o coach seja um psicoterapeuta, pois o coaching não pode nem deve ficar restrito aos profissionais da área psi. Entretanto, é indispensável que ele esteja atento às dimensões humanas e não apenas às características mecânicas e funcionais de seus clientes. O que está por trás da insistência com que se costuma repetir que coaching não é terapia é que em geral as pessoas que falam dessa maneira têm uma visão de mundo esquemática, operacional e mecanicista. Não têm o necessário preparo para lidar com os aspectos humanos do processo com o qual trabalham, e por isso assumem uma posição defensiva em relação a ele. O coaching não tem por objetivo a não ser de modo circunstancial examinar o passado dos clientes. Sua atenção está voltada para o presente e em especial para o futuro. Nesse sentido ele busca estabelecer metas e o que fazer para alcançá-las. Também não há a preocupação de explicar e interpretar o comportamento das pessoas, nem tampouco trabalhar determinados traços de personalidade. O objetivo não é assumir uma postura curativa, mas aperfeiçoar as práticas e o desempenho dos coachees em relação a determinadas condições ou circunstâncias. O coaching estabelece ou reformula focos e metas e busca os melhores modos de atingi-los, ou seja, busca resultados. Em certos casos, o coaching pessoal (life coaching ou personal coaching) pode ir mais fundo do que o coaching executivo, o que não quer dizer que seja melhor ou mais pragmático do que este. O conjunto das diferenças entre coaching e psicoterapia costuma ser apresentado em quadros sinópticos. No entanto, quando dispostas dessa forma elas se tornam esquemáticas e por isso o que se tem no fim é uma visão simplista. Em geral esses quadros estabelecem o que o coaching não se propõe a fazer e, portanto, aquilo que deve ser feito pela psicoterapia. Se deixarmos de lado essa simplificação, verificaremos que as psicoterapias, em especial as de base não-analítica, muitas vezes tendem a entrar no âmbito do coaching, ou melhor, a própria dinâmica do coaching acaba levando o coach e o coachee para o âmbito da psicoterapia. É evidente que não se trata de algo intencional apenas ocorre com certa freqüência. Por isso o coach deve estar preparado não para atuar como psicoterapeuta, mas para perceber como e quando o âmbito terapêutico foi adentrado e, sobretudo, o que fazer para não permanecer nele. É nesse ponto que, na prática, tornam-se mais nítidas as distinções entre coaching e psicoterapia. Tais diferenças não as esquemáticas, mas as práticas são importantes. De um modo geral pode-se dizer que a psicoterapia tem uma profundidade que falta ao coaching nem este se propõe a ir tão fundo. Alguns coaches costumam dizer que o coaching começa no ponto em que a psicoterapia se retira. Trata-se de mais uma frase feita, um chavão a ser evitado. Nessa mesma linha simplificadora, o coach proporia não o que é melhor para o cliente, mas o que funciona melhor para este. Aqui o próprio termo funcionar expressa um mecanicismo que é uma das principais limitações de alguns processos de coaching. Não se deve esquecer que tanto o coach quanto o coachee são seres humanos e os seres humanos não funcionam, vivem.

O coaching e a separação sujeito-objeto O coaching é um processo do cliente. Essa afirmativa é comum entre alguns profissionais. Não poucas vezes ela tem sido repetida em cursos, seminários e eventos semelhantes. Quando a ouvimos, logo surge a questão: essa é uma afirmação adequada? A resposta é simples: é uma afirmação até certo ponto correta, mas não da forma como é sempre feita: como uma frase solta, sem contexto ou referenciais de suporte. Quando dizemos que o coaching é um processo do cliente não percebemos que com essa frase retrocedemos mais de 2500 anos. Voltamos à época de Sócrates que, entre muitas outras coisas, introduziu o conceito de separação sujeito-objeto. Em outros termos, ele afirmou que o observador não faz parte dos processos que observa. Essa posição introduziu a falsa idéia da neutralidade científica, segundo a qual o cientista pode assumir uma atitude isenta e objetiva em relação a seu objeto de estudo. Como hoje se sabe, trata-se de um equívoco. Os pensadores anteriores a Sócrates, já diziam que fazemos parte do mundo e não podemos nos colocar fora dele. A física quântica reafirmou o que já se sabe há tanto tempo: o observador influencia e é influenciado por aquilo que observa, o que equivale a dizer que ele é um participante desses processos. A neurociência moderna chegou à mesma conclusão. O mesmo acontece em relação ao coaching, como de resto a qualquer processo do qual participam seres vivos. Por isso é inadequada a super-simplificação que diz que o coaching é um processo do cliente. Ele é uma atividade em que coach e coachee se influenciam mutuamente. Ganhos e perdas, vantagens e desvantagens, tudo isso é mútuo. Em termos de processo o coaching é de ambos. Os resultados, porém, são de cada um. Cada um é responsável por sua vida e sua condução. Dessa maneira, quebra-se a concepção esquemática de que o coach se limita a dar a seus clientes uma visão de futuro (metas), um conjunto de valores (referenciais) e processos a serem postos em prática por meio de ferramentas conceituais e operacionais. O resto seria de responsabilidade do cliente. Uma postura como essa é simplista e no limite até simplória. Reduz o coach a um adestrador e o cliente a um usuário de treinamentos, técnicas e ferramentas. Convenhamos: a vida é bem mais do que isso. Considerações finais Por tudo isso os coaches devem ter uma formação específica que assegure práticas adequadas e evite transformar um processo tão rico em possibilidades em uma simples aplicação de ferramentas e técnicas. Mas a certificação é necessária mas não é suficiente para os profissionais que atuam com coaching. É também fundamental conhecer os fundamentos. Nesse particular as contribuições são interdisciplinares. Entre outras, convém mencionar: psicologia social; psicologia humanista; construtivismo; sociologia (macro e micro sociologia); antropologia; cibernética; teoria dos sistemas; teoria da informação; teoria da complexidade e pensamento complexo. Em suma, a técnica, com suas ferramentas e processos, é o resultado de um método e este por sua vez provém de uma filosofia, de um conjunto de idéias. A filosofia,

num âmbito mais amplo, é a inspiração, a orientação geral. É nesse particular que reside a importância de conhecer as bases conceituais do coaching. A visão do coaching como um processo de co-criação de novas possibilidades deve prevalecer e se consolidar. Nessa orientação o coach é visto como um facilitador que conduz o coachee à autonomia, à auto-realização e à melhoria da performance profissional. Em suma, o coach ao ajuda seu cliente a minimizar ou eliminar seus bloqueios internos e com isso a ter mais consciência do seu potencial, das suas competências e também dos seus limites. Se isso é correto, é também inegável que há também um ganho terapêutico secundário mas nem por isso menos importante. Portanto, pode-se afirmar que o coaching não é terapia, mas é terapêutico. Referências GALLWEY, T., 1996. O jogo interior de tênis. São Paulo: Textonovo.., 2000. The inner game of work. New York: Random House. GOLDSMITH, M., et al., 2003. Coaching: o exercício da liderança. Rio de Janeiro:Campus/DBM, Elsevier. MARIOTTI, Humberto, 2000. As paixões do ego: complexidade, política e solidariedade. São Paulo: Editora Palas Athenas., 2007. Pensamento complexo: suas aplicações à aprendizagem, à liderança e ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Atlas., 2010. Pensando diferente: para lidar com a complexidade, a incerteza e a ilusão. São Paulo: Atlas. MASLOW, Abraham H., 1962. Toward a psychology of being. Princeton, NJ: D. van Nostrand. KRAUSZ, Rosa R., 2006. Coaching executivo. São Paulo:Nobel. WHITMORE, John, 2006. Coaching para performance. Rio de Janeiro: Qualitymark. *CRISTINA ZAUHY. Coach executiva e pessoal, certificada pelo ICI-Integrated Coaching Institute, sob supervisão do ICF-International Coach Federation (USA). Especialista em Recursos Humanos. Graduação e pós-graduação em Serviço Social. Formação em Psicoterapia Existencial Humanista. Co-fundadora do Centro de Estudos de Gestão da Complexidade da BSP-Business School São Paulo, onde também atua como professora da disciplina Gestão da Complexidade e coach dos alunos dos programas de MBA Executivo. E-mail: zauhy@uol.com.br