DOCUMENTOS DO ACERVO. Carta de Um homem do povo [Astrojildo Pereira] a J. N. [João Neves da Fontoura]

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Transcrição:

DOCUMENTOS DO ACERVO Carta de Um homem do povo [Astrojildo Pereira] a J. N. [João Neves da Fontoura] Luiz Alberto Zimbarg Historiógrafo do CEDEM O ano de 1936 passou em meio a uma conturbada conjuntura política. Na esteira do movimento de novembro de 1935, o governo federal iniciou uma dura vaga repressiva, desarticulando a maior parte das organizações ligadas aos movimentos sociais, utilizando-se do espantalho do radicalismo, tanto de esquerda (consubstanciado pela tentativa revolucionária da ANL), como de direita (a Ação Integralista Brasileira observava então grande expansão, obtendo influência nas esferas governamentais e começando a constituir-se como alternativa viável de poder). Já em dezembro de 1935 a Lei de Segurança Nacional, promulgada em abril, é reforçada com novos dispositivos, que tornavam a sua aplicação mais fácil. O Estado de Sítio por noventa dias é aprovado no Congresso com ampla maioria (172 votos contra 52), e o governo ganha autorização para equipará-lo a Estado de Guerra. Também são retiradas as garantias aos funcionários públicos civis e militares suspeitos de comunismo. 111

Em janeiro de 1936 é criada a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo CNRC, que tem a função de investigar e solicitar punição de funcionários públicos suspeitos. No início de março, Luiz Carlos Prestes é preso, com vasta documentação da ANL, o que dá grande força à CNRP, sendo excelente munição contra seus adversários políticos. Seu diretor, o deputado gaúcho Adalberto Correia, passa a pressionar o governo pela prisão de Pedro Ernesto (que ocorre no dia 3 de abril), governador do Distrito Federal e membro, nos primeiros anos do governo, do chamado gabinete negro, círculo dos colaboradores mais íntimos de Getúlio Vargas. Adalberto Correia passa a defender enfaticamente a necessidade de decretação imediata do Estado de Guerra, a instauração de uma ditadura e reforma da Constituição e até mesmo o fuzilamento de presos. Ao final de março, o Estado de Guerra é decretado por noventa dias, suspendendo a maior parte das garantias constitucionais e permitindo o funcionamento de um tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional TSN, que será instalado no mês de setembro. A conjuntura internacional não era mais alentadora, o fascismo avançara em todo o mundo, impulsionado pela terrível recessão econômica da primeira metade da década de 1930. As instituições republicanas estavam sendo duramente questionadas em todo lugar. O movimento comunista internacional, capitaneado pelo Komintern, havia mudado sua postura sectária dos anos anteriores e iniciado a política de Frentes Populares, participando do processo eleitoral e coligando-se aos governos republicanos, especialmente na Espanha e na França. Na Espanha, o governo republicano, eleito em fevereiro com o apoio dos partidos de esquerda, sofria ameaça, consubstanciada pelo golpe de Estado que levou o país à Guerra Civil, iniciada em julho daquele ano. O governo brasileiro rumava decisivamente para o autoritarismo, mal disfarçado de luta contra a subversão. Os agrupamentos políticos ligados aos sindicatos e aos movimentos sociais se encontravam desarticulados e a oposição parlamentar era capitaneada por uma coligação envolvendo, principalmente, a Frente Única Gaúcha, formada pelo Partido Republicano Riograndense PRR, liderado pelo velho Borges de Medeiros, coligado com o Partido Libertador, de Raul Pilla e Batista Luzardo; do Partido Republicano Paulista PRP; pelo Partido Republicano Mineiro, com Arthur Bernardes à frente e a Concentração Autonomista da Bahia, de Otavio Mangabeira. Essa oposição parlamentar constitui-se como uma coligação, que adotou a denominação de Oposições Coligadas, ou Minoria Parlamentar, e teve, a partir de maio de 1935, o deputado gaúcho João Neves da Fontoura como líder da bancada. Também entre os membros desta congregação sentiu-se a repressão política, e, em março de 1936, foram presos os parlamentares filiados à ANL: Abguar Bastos, Domingos Velasco, João Magabeira, Otavio Silveira e Abel Chermont, todos membros da Minoria. A partir de janeiro de 1936, iniciou-se um movimento de parte da ban- 112

cada gaúcha das Oposições Coligadas no sentido de aproximação com os governos federal e estadual. Esse movimento, aqui denominado de pacificação, teve por objetivo costurar um acordo entre a Frente Única Gaúcha e o Partido Republicano Liberal PRL, do governador Flores da Cunha, e estabelecer um modus vivendi que selasse um acordo entre o governo estadual, a oposição e Getúlio Vargas, figura política oriunda do PRR, do qual sofria a oposição mais ferrenha. A pacificação culminou com uma reunião, em abril, entre Getúlio Vargas, Maurício Cardoso, João Neves da Fontoura, Batista Luzardo e Firmino Paim. Nesta reunião acertou-se uma trégua entre este bloco parlamentar e o governo federal. O acordo iniciou uma crise na Minoria, pois a bancada paulista era então irreconciliável com o governo federal. A crise foi resolvida com a prorrogação de Estado de Guerra, em junho, que resultou no encerramento dos acordos entre a bancada gaúcha das Oposições Coligadas com o governo. É nessa conjuntura que se encaixa o texto a seguir de Astrojildo Pereira, redigido em maio de 1936, na forma de um apelo, em defesa, não mais do PCB, mas do sistema democrático, como ele frisa: a luta atual está travada não entre a liberal-democracia de um lado e o comunismo de outro ou, mais à frente, No Brasil a revolução a se fazer (...) é ainda a revolução democrático-burguesa. O texto aqui rascunhado, vê com bastante clareza o processo de concentração de poder, iniciado por Getúlio Vargas, ocultado sob o manto da luta contra a subversão e dá um panorama da conjuntura política (no Brasil e no mundo) e também da retificação da linha política do PCB, que abandona o sectarismo de até então, para buscar um entendimento das forças políticas simpáticas à democracia. Ademais, este texto é uma amostra de como questões aparentemente regionais são encadeadas com uma conjuntura mais ampla. Há, no entanto, mais um elemento de interesse neste documento, pois se trata de um registro de intervenção política, ainda que oculta pelo anonimato, de Astrojildo Pereira, numa época obscura na biografia deste personagem, que fora oficialmente expulso do Partido Comunista em 1931, ficando afastado deste até 1945. É pois um documento que revela um gesto de intenções políticas sob uma crosta de repressão e de aparente ostracismo. Notas biográficas Astrojildo Pereira Nascido em Rio Bonito (RJ), em 8 de outubro de 1890, aos 19 anos iniciou sua militância nas organizações operárias, filiando-se ao Centro de Resistência Operária de Niterói e colaborando com a imprensa operária. Exerceu intensa atividade no movimento anarquista no Estado do Rio de Janeiro, até 1921, quando, em novembro do mesmo ano, participa da criação do Grupo Comunista do Rio de Janeiro. Em março de 1922 foi fundado, com sua participação, o Partido Comunista do Brasil. Astrojildo foi o principal dirigente deste Partido até novembro de 1930, quando foi destituído 113

do cargo de Secretário Geral. Em julho do ano seguinte se afastaria oficialmente das fileiras do Partido, sendo readmitido somente em 1945. Com a renovação da linha política do PCB, em 1958, passou a dirigir a revista de formação teórica do Partido: Estudos Sociais. Sofrendo com problemas cardíacos, foi preso em outubro de 1964, cumprindo a pena no Hospital da Polícia Militar do Rio de Janeiro até janeiro de 1965, quando foi contemplado com um habeas corpus. Faleceu em 20 de novembro de 1965. Seu acervo foi conservado a salvo da repressão, na Fundação Feltrinelli, em Milão (Itália) até 1994, quando foi remetido de volta ao Brasil e acolhido pela Universidade Julio Mesquita Filho, sob os cuidados do CEDEM. 114

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