Dinâmica Litoral no Algarve. Parte II - Litorais Rochosos. Bioerosão. Delminda Moura

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Transcrição:

Dinâmica Litoral no Algarve Parte II - Litorais Rochosos. Bioerosão Delminda Moura

O LITORAL DO CONCELHO DE ALBUFEIRA Apesar de ser morfologicamente muito diversificado, podemos defini-lo em termos gerais, como um litoral de arribas onde se ancoram praias encastradas e baías. Podem ser individualizados 3 subsistemas principais

O LITORAL DO CONCELHO DE ALBUFEIRA Arriba-Plataforma Face da arriba Plataforma litoral

O LITORAL DO CONCELHO DE ALBUFEIRA Arriba-Praia

O LITORAL DO CONCELHO DE ALBUFEIRA Arriba mergulhante

O LITORAL DO CONCELHO DE ALBUFEIRA O principal suporte físico é a Formação Carbonatada de Lagos-Portimão, do Miocénico, embora a W de Albufeira estejam expostas nas arribas, rochas mais antigas (do Jurássico e do Cretácico) Formação Carbonatada de Lagos-Portimão 19,5-5,2 Ma

O LITORAL DO CONCELHO DE ALBUFEIRA A Formação Carbonatada de Lagos-Portimão é rica em fósseis bivalve Ouriço-do-mar Molde interno de bivalve O Briozoário Celleporaria palmatae e o coral Culizia parasitica vivem em simbiose. É o briozoário quem mais contribui com CaCO 3 para o edifício carbonatado

Litorais rochosos Os litorais rochosos são ambientes geológicos mais complexos que as praias, as dunas e os sapais, os quais possuem substratos relativamente uniformes, são controlados por um conjunto de processos relativamente restrito e encontram-se em presentemente formação

Litorais rochosos os litorais rochosos desenvolvem-se em substratos muito diversos Camadas verticais de calcários margosos e margas : Cretácico Camadas sub-horizontais de calcário cristalino: Jurássico Camadas horizontais de calcarenito: Miocénico

Litorais rochosos São controlados por uma complexa rede de processos geomórficos que interagem entre eles Alteração Sub-aérea Algar preenchido algar

Litorais rochosos Alteração Sub-aérea QuickTime and a TIFF (LZW) decompressor are needed to see this picture. Estruturas tafoni resultantes da haloclastia A haloclastia é a partição mecânica das rochas devido à cristalização de sais nos poros e fissuras das rochas. Este processos de meteorização física é muito comum nas zonas costeiras.

Litorais rochosos Alteração Sub-aérea Surgência de água doce Olho de água QuickTime and a Motion JPEG OpenDML decompressor are needed to see this picture.

Litorais rochosos processos marinhos

Litorais rochosos Fracturas SW

Litorais rochosos movimentos de massa

Litorais rochosos Alguns sectores litorais são morfologicamente herdados de paleo níveis do mar diferentes do actual Plataforma litoral herdada de um nível médio do mar mais alto que o presente

Plataforma litoral Zona intermareal rochosa relativamente plana cuja evolução depende do recuo das arribas Constituem suporte físico para numerosas espécies vegetais e animais

Génese de uma plataforma litoral Recuo da arriba face da arriba litoral Formação de uma sapa na base da arriba, devido à acção das ondas, da pressão hidrostática e da meteorização bioquímica N.M.M.

Génese de uma plataforma litoral Recuo da arriba Início da formação da plataforma sapa N.M.M.

Génese de uma plataforma litoral Recuo da arriba A plataforma litoral começa a ser biocolonizada N.M.M.

Génese de uma plataforma litoral A plataforma litoral é modificada pela acção mecânica e química dos organismos - BIOMORFOLOGIA N.M.M.

BIOMORFOLOGIA organismos interacções substrato

A bioerosão é um mecanismo importante na evolução dos litorais carbonatados, pois as rochas carbonatadas são muito vulneráveis ao ataque químico. Alguns organismos são exclusivos destes substratos

Alguns organismos podem conferir protecção à rocha defendendo-a do ataque das ondas e das amplitudes térmicas - Bioprotecção

Porque causam erosão alguns organismos? Para se protegerem das ondas e dos predadores Acção mecânica Ouriços-do-mar

Porque causam erosão alguns organismos? Para se protegerem das ondas e dos predadores Toca com 3,6 cm de profundidade Meteorização química Exemplos de Bivalves perfurantes Hiatella arctica Petricola lithophaga Ungulina cuneata Irus irus

Porque causam erosão alguns organismos? Para se alimentarem Trilhos produzidos por lapas Balanidae Erosão causada por lapas Uma única lapa pode ingerir 4 g de CaCO 3 por ano (Andrews and Williams, 2000)

Estação TMEM Microerosímetro transversal (TMEM) Medição da taxa de rebaixamento da superfície da plataforma A bioerosão contribui significativamente para a erosão vertical das plataformas litorais? Medição das dimensões das tocas

Porosidade (%) A resistência mecânica das rochas (r) e a porosidade variam em sentido inverso 21 19 17 15 13 11 9 20 25 30 35 40 45 50 r

Macro zoobentos: estudo de caso na Galé e Olhos de Água Estação TMEM Área da abertura das tocas(%) Volume das tocas (%) Profundidade média das tocas (cm) Petricola lithophaga Bivalves endolíticos(%) Irus irus Ungulina cuneata Hiatella arctica Galé 1 5.60 6.642 0.70 3.66 17.43 2.29 0.45 Galé 2 24.04 26.16 1.02 7.33 23.45 6.42 0.00 Olhos de Água 3 Olhos de Água 4 17.41 19.797 0.60 10.55 0.91 0.45 0.91 34.16 50.48 0.78 3.66 16.05 4.58 1.37 As tocas contribuem para aumentar a porosidade das rochas e por isso diminuir a sua resistência mecânica

Erosão vertical (mm/ano) Energia waves das power ondas (kw/m2) (kw/m 2 ) Erosão vertical vs. Energia das ondas 0.6 0.5 Energia da onda Erosão vertical 8000 7000 6000 0.4 5000 0.3 4000 0.2 3000 2000 0.1 1000 0 G1 G2 OA3 OA4 vertical erosion TMEM stations Estações TMEM waves power 0 As taxas de rebaixamento mais elevadas correspondem ao sector costeiro menos energético

Volume dos buracos (%) Erosão Vertical vertical erosion (mm/ano) (mm/yr) Erosão vertical Vs. Volume das tocas 60 50 Volume dos buracos Taxa de erosão vertical 0.6 0.5 40 0.4 30 0.3 20 0.2 10 0.1 0 1 2 3 4 Estações TMEM stations TMEM 0 Burrows volume Vertical erosion As taxas de rebaixamento correlacionam-se positivamente com o volume das tocas

Eficácia da bioprotecção conferida pelas algas vertical erosion (mm/yr) 1 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0? G1 G2 OA3 OA4 TMEM stations with algae without algae Na estação Olhos de Água 3, a taxa de rebaixamento foi muito superior na superfície coberta por algas que na superfície descoberta

Uma possível explicação Ocorrência de condições particulares que potenciam a dissolução do substrato carbonatado 1-tapete de algas 2-as algas são cobertas por areia e morrem 3-recolonização por algas que exigem substrato arenoso 3 M. O. 2 rriba TMEM OA4 1 TMEM OA3 Maré baixa

Processos induzidos pela bioerosão algas rádula Gastrópodes raspadores 1) 2) 1 cm Figura adaptada de Schneider and Torunski, 1983 Organismos endolíticos 1) Acção erosiva vertical por remoção do substrato Rebaixamento da superfície da plataforma e por isso alteração do padrão de propagação das ondas sobre a plataforma 2) Aumenta a porosidade da rocha e em consequência, diminui a resistência mecânica Favorece a penetração da água e por isso a dissolução a maior profundidade

Dissolução do substrato 1 cm 49% de quartzo 48% de calcite pura 3% de calcite com Sr

SÍNTESE RELACIONAL Resistência mecânica e química do substrato Organismos perfurantes porosidade 1 cm VULNERABILIDADE À METEORIZAÇÃO

SÍNTESE QUANTITATIVA Estação TMEM Rebaixamento da superfície Anual medido Massa removida da superfície Massa de rocha removida por seres endolíticos (calculada de acordo com o peso volúmico da rocha) ao longo de quantos anos?? Galé 1 0,097 mm 0.56 g Galé 2 0,331 mm 1,00 g 900 g 241 g Olhos de Água 3 Olhos de Água 4 0,254 mm 2,10 g 0,495 mm 2,73 g 50 g 900 g

Conclusões 1) A bioerosão desempenha um papel importante na modificação da morfologia das plataformas litorais e contribui para o rebaixamento da sua superfície 2) O papel bioerosivo dos organismos endolíticos traduz-se no aumento da porosidade do substrato favorecendo a penetração da água até maiores profundidades e consequentemente aumentando a profundidade do manto de alteração posteriormente removido pelas ondas 3) O papel bioprotector das algas não foi demonstrado neste estudo de caso