A ampliação do discurso linguístico sob as perspectivas do letramento crítico: um breve recorte



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Transcrição:

A ampliação do discurso linguístico sob as perspectivas do letramento crítico: um breve recorte Eliana Aparecida Prado Verneque Soares (PG-UEMS) lianaverneque@uol.com.br RESUMO De uma perspectiva histórica aos tempos modernos, a língua passou de meros códigos linguísticos para uma poderosa ferramenta do discurso e de um conceito individual para social com interferência nas práticas sociais. Esse texto apresenta um breve recorte histórico sobre discurso linguístico e faz uma reflexão das concepções e evolução dos estudos da língua, linguagem e fala bem como suas perspectivas à luz do letramento crítico. Para aporte teórico buscou-se fundamentação em autores como Saussure (1916), Bakhtin (2006), e estudiosos dos letramentos como Menezes de Souza (2010), Duboc (2012), CERVETTI, PARDALES E DAMICO (2001), Monte Mór (2012) e Jordão (2005). Advinda dos estudos Saussurianos, sendo usada meramente para decifrar códigos linguísticos, a aprender a ler e a escrever, considerada individual e posteriormente social na concepção de Bakhtin, a língua obteve transformações históricas e nas perspectivas do letramento crítico é uma ferramenta poderosa na análise de discursos ideológicos, na construção do conhecimento, nas práticas sociais e na identificação dos discursos ideológicos. Palavras-chave: língua, discurso linguístico, letramento crítico 1. Introdução Para reconhecer qual é seu único e verdadeiro objeto e constituir-se como tal, a língua passou por três fases importantes. Apresento nesta sessão as características concebidas a cada uma destas fases. Primeiramente chamada de Filosófica seus estudos abrangeram a Etimologia, a Semântica, a Retórica, a Morfologia, a Fonologia, a Filologia e a Sintaxe. Estudos advindos da Linguística, ciência que estuda os fatos da língua, datam de pesquisadores gregos, continuados posteriormente pelos franceses, que os chamavam de Gramática, baseavam-se na lógica e desproviam de qualquer visão científica e desinteressada da própria língua. Era uma disciplina normativa que visava formular regras para distinguir as formas corretas das incorretas e baseava-se principalmente na arte de ler e escrever. Numa segunda fase, nos anos de 1777 havia em Alexandria uma escola chamada de Filológica que se vinculou ao movimento da Filologia criada por Friedrich August Wolf. No entanto, a língua não é o único

objeto de estudo da filologia que antes de fixar, interpretar e comentar textos se ocupa também da história literária, dos costumes, das instituições que a opera. Quando a Filologia aborda questões da Linguística o faz para comparar textos de diferentes épocas, determinar a língua peculiar de cada autor, explicar e decifrar inscrições redigidas numa língua arcaica ou obscura. Os alexandrinos queriam-nos mais filológicos e menos filosóficos. Nesse sentido a Filologia marcadamente gramatical, dedicou-se à Morfologia, à Sintaxe e à Fonética. Ao descobrir que as línguas podiam ser comparadas entre si, surge a terceira fase originada da Filologia Comparada ou Gramática Comparada quando em 1816, Franz Bopp (1791-1816), estudou as relações de parentesco genético entre o sânscrito, o germânico, o grego, o latim, as línguas eslavas e célticas. Nessa fase é que há uma preocupação em saber como as línguas evoluem e não como funcionam. Franz assim como o inglês orientalista W. Jones, admitiam que todas essas línguas pertenciam à mesma família. O mérito da descoberta de que o sânscrito é parente de outras línguas européias e asiáticas não foi de Franz, mas foi ele quem compreendeu que as relações entre línguas afins podiam tornar-se matéria de uma ciência autônoma, ou seja, esclarecer uma língua por meio de outra, explicar as formas de umas pela de outras, o que ainda não havia sido feito. Como pioneiros da Linguistica histórico-científica citam-se também os nomes do dinamarquês Rasmus Rask (1787-1832) e o alemão Jacob Grimm (1785-1863). No trabalho escrito sobre o velho nórdico (1818), Rasmus Rask mostra os pontos de contato entre as principais línguas indo-europeias e as nórdicas. O primeiro a escrever sobre a Gramática comparada das línguas germânicas foi Jacob Grimm, publicada em 1819. O autor é considerado o pai das leis fonéticas. Na fase de desenvolvimento da Filologia Comparada o objetivo era identificar-se com as ciências da natureza dando um enfoque mais naturalista de base biológica chamado de biologismo linguístico, numa visão de que as línguas nascem, crescem e morrem como os organismos biológicos, seguindo-se da fase física da aproximação das leis fonéticas. Como reação aos neogramáticos surge um segundo momento caracterizado como fase culturalista (1890-1930), quando estudiosos afirmavam não haver correspondência entre as chamadas leis fonéticas e as leis da natureza. Para esses estudiosos, as leis fonéticas eram cronológicas e circunstanciais, sofriam limitação espacial e só se manifestavam em condições particulares. Sendo atemporais, as leis naturais eram universais.

Para os pensamentos culturalistas as línguas não existiam por si e eram instrumentos culturais, condicionados por fatores sociais, históricos, geográficos, psicológicos e previsíveis em relação ao comportamento inconstante. 2. A Linguistica no conceito Saussuriano O Comparativismo indo-europeu dominava os estudos linguísticos quando Ferdinand de Saussure (1916) recebeu sua formação acadêmica. Ao aprofundar-se nos estudos da Linguistica, Saussure para poder criar e postular suas teorias com perfeição científica e achava que era preciso colocar ordem nesses estudos. Era necessário nomear coisas diferentes, que possuíam o mesmo nome, com outra terminologia. O termo língua tinha um sentido para alguns linguistas e para outros adquiria um totalmente diferente. Saussure necessitava de uma linguagem unívoca, já que naquela época a língua consistia-se como uma verdadeira colcha de retalhos. Deveria criar-se um padrão linguístico que pudesse expressar suas elucidações. O autor escreveu ainda que a Linguistica jamais havia se preocupado em determinar a natureza do seu objeto de estudo e sem essa preocupação elementar, uma ciência seria incapaz de estabelecer um método para si (CLG, 1916, p. 10). Segundo Saussure, (apud CARVALHO, 1916, p. 27), é a forma racional que deve assumir o estudo linguístico. Para tal ele criou o esquema linguagem (língua e fala) e signo (significante e significado). 1 As discussões sobre a concepção de língua perpassam a história da humanidade e nos cursos de formação de professores advém da visão de (SAUSSURE, 2006, p.17-22) que distingue linguagem, língua e fala da seguinte forma: a linguagem é de natureza heterogênea, portanto, é multiforme e heteróclita, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, além disso, pertence ao domínio individual e social sendo impossível a concepção de uma sem a outra. Devido às dificuldades em inferir sua unidade, de não classificá-la em nenhuma categoria de fatos humanos, o autor declara que a linguagem não pode ser o objeto da Linguística. O único objeto desse estudo seria a Língua (SAUSSURE, 2006, p. 28). A língua é um produto social da linguagem e de todas as suas manifestações, constitui algo adquirido e convencional, compõe-se de um sistema de signos aceitos por uma comunidade linguística. Dada sua

classificação em primeiro lugar entre os fatos da linguagem como declara (SAUSSURE, 2006, p. 17-22), ela não se presta a nenhuma outra classificação. Neste princípio de classificação, a linguagem seria nos dada pela natureza, manifestada através de nosso aparelho vocal, ao passo que a língua constitui-se algo adquirido e natural, no entanto, muitos linguístas não concordam com este ponto. A língua é uma instituição social e como pontua Whitney apud (SAUSSURE, 2006, p. 28), é por acaso e por simples comodidade que nos servimos do aparelho vocal como instrumentalização da língua, mas que na visão de Saussure, essa manifestação já havia sido imposta por nós através da natureza. Dessa forma, ao atribuir a língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, pode-se valer o argumento de que a faculdade natural ou não de articular palavras não se manifesta senão com o auxílio do instrumento criado pela coletividade, pois como argumenta Saussure é a língua que faz a unidade da linguagem, mas que não se confunde com ela. É somente uma parte determinada e essencial. Um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Esse sistema é homogêneo, estável, social, representado em termos de relações de oposição e de regras. A fala é um ato individual de vontade e inteligência do indivíduo que usa a língua, é acessória e mais ou menos acidental. É a fala que faz evoluir a língua com as impressões recebidas ao ouvir os outros que modificam nossos hábitos linguísticos. Há uma interdependência entre fala e língua, pois a língua é o produto e instrumento da fala não impedindo que sejam absolutamente distintas. Estruturalistas, também conhecidos como formalistas descritivistas, que se interessam pelo estudo da língua compartilham com a visão de Saussure e excluem os aspectos sociais, culturais, históricos, e ideológicos que interferem no seu uso. Numa visão estruturalista a língua é concebida como instrumento, cuja função é a comunicação humana por meio da qual um emissor comunica a um receptor determinadas mensagens. Sendo o objetivo de este trabalho realizar apenas um breve recorte histórico sobre o estudo da língua, caberá aos leitores interessados neste assunto uma leitura mais ampla do livro Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussure. 3. Conceito Bakhtiniano

Nos estudos sustentados por (BAKHTIN, 2006, p.15) em relação à concepção de língua, o autor valoriza a fala, a enunciação e afirma sua natureza social, não individual, ao contrário da concepção postulada por Saussure (2006). Para Bakhtin a fala está ligada às condições da comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais. O autor considera que a fala é o motor das transformações linguísticas, ela não concerne os indivíduos; com efeito, a palavra é a arena onde se confrontam valores sociais contraditórios; os conflitos da língua refletem os conflitos de classe no interior do sistema (BAKHTIN, 2006, p.15). Na definição de língua, (BAKHTIN, 2006, p. 18) declara-a como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito dessa luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material. É pelo intermédio da língua que o sujeito se manifesta. Outro aspecto levantado pelo autor é de que diante da comunicação verbal, a utilização da língua implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação à hierarquia pela classe dominante para reforçar seu poder. A despeito da definição de língua para (BAKHTIN, 2006, p. 17), ela é de natureza social, portanto ideológica. Não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um horizonte social. Há sempre um interlocutor, ao mesmo tempo potencial, pensa, e se exprime para um auditório social bem definido. A língua é então uma expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito desta luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material (BAKHTIN, 2006, p. 18). É interessante destacar ainda que a língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico. Ainda nas considerações do autor ao definir língua ela é uma abstração quando concebida isolada da situação social que a determina, vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato nem no psiquismo individual dos falantes. 4. A língua na perspectiva do letramento crítico Após um breve recorte histórico como mencionado no início deste texto, faço algumas considerações sobre língua, fundamentada à luz do letramento crítico. O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação das últimas décadas tem impulsionado novos rumos nos processos globais, marcados por um aumento expressivo entre a conectividade e a interdependência entre os povos conforme observa (DUBOC, 2012, p. 39).

Nesse sentido o cenário atual faz emergir a diversidade linguístico-cultural e com ela uma forte valorização das línguas conforme declara a autora. Ao produzir novas formas de comunicação, produz também novos sentidos para considerações de língua que passa a ter um conceito sociocultural de comunicação como produto social (DUBOC, 2012, p.39) evidenciado no final do século XX. que: Nas considerações de (MENEZES DE SOUZA, 2010, p. 06) sobre o conceito de língua, o autor declara A sociedade tem transformado línguas, modalidades de comunicação, formas de comunicação, de interação, de construção do conhecimento, ao mesmo tempo em que é dialeticamente transformada por essas novas linguagens, nova modalidade de comunicação, formas de comunicação, de interação e de construção de conhecimento. (MENEZES DE SOUZA, 2010, P. 06) A língua preserva a questão da função comunicativa assumindo uma abordagem mais dialogada e engenhosa. Não toma para si questões de conflitos, mas assume um papel mais participante nas questões de interação e construção do próprio conhecimento. O avanço da era digital afeta o conceito de língua e comunicação. Para teóricos que estudam os letramentos conforme declara (DUBOC, 2012, p. 43), essa digitalidade composta por textos midiáticos, dentre os quais imagens, sons, gráficos entre outros, passa a ser entendida como sistema de produção de sentidos, uma vez que se constitui mais ampla e complexa para além de sua representação verbal impressa, em que os sentidos são produzidos, distribuídos, negociados, refinados e contestados. Nas considerações sobre linguagem formuladas por (CERVETTI, PARDALES E DAMICO, 2001, s. p.) nas perspectivas do letramento crítico, o conhecimento não é natural nem neutro, mas sim ideológico, baseia-se nas regras discursivas de cada comunidade e, portanto, é sempre um conhecimento situado; do mesmo modo, a realidade não é passível de ser apreendida e descrita pela linguagem, com isenção de valores e intenções, ao contrário, a verdade é sempre relativa, matizada por pontos de vista, e deve ser compreendida dentro de um contexto determinado, em relação com os sujeitos envolvidos nas práticas letradas. Os significados do texto (o que se escreve e também o que se fala) ultrapassam as prováveis intenções do autor/locutor, visto que são sempre múltiplos, contestáveis, construídos social, histórica e culturalmente e perpassados por relações de poder conforme pontua (MONTE MÓR, 2012, s. p).

Nas considerações de (JORDÃO, 2005, p. 4), a linguagem é sempre ideológica, determinada sob a perspectiva de quem a constrói e a utiliza e sua existência é baseada em relações estabelecidas culturalmente, sendo sua neutralidade impossível. Dessa forma, a linguagem é um par de lentes que usamos permanentemente que faz com que nossos entendimentos do mundo sejam construídos de uma determinada maneira, dependendo de seu contexto local, social e histórico. A autora esclarece que nas concepções do letramento crítico a língua é discurso, um espaço de construção de sentidos e de representação de sujeitos no mundo. Isso quer dizer que os sentidos não são dados por uma realidade independente do sujeito. Os sentidos são construídos conforme a cultura, a sociedade e a língua. A língua por ocupar um espaço nas práticas sociais é ideológica e fomenta a construção e atribuição de sentidos num processo enunciativo, relacionado a tempo e épocas específicas, quando se desenvolve uma prática social de letramento. Ao considerar a língua como ferramenta nas práticas sociais, é relevante considerar também o contexto que o sujeito ocupa em seu entorno social, político, cultural, ideológico, suas comunidades interpretativas e seus procedimentos de leitura, suas formas privilegiadas e as não privilegiadas de como ele constrói sentidos e hierarquiza-os, ou seja, como ele está e se vê no discurso linguístico (JORDÃO, 2005, p.4). Assumindo uma posição social, a língua no letramento crítico, possibilita uma multiplicidade de sentidos pautada pelas diversas ideologias e é tida como algo produtivo. Para (JORDÃO, 2005, p. 5), ao invés de haver uma realidade por trás da ideologia, que a autora denomina de perniciosa, existem muitas verdades construídas ideologicamente e partilhadas socialmente. Para a autora, cada uma dessas verdades é considerada melhor ou pior, superior ou inferior às outras conforme se acionem determinados sistemas de valores, determinadas crenças, procedimentos interpretativos ou de como o sujeito vê o mundo. Nas considerações do letramento crítico, ninguém é dono da verdade, conhecedor de tudo, detentor absoluto do conhecimento, que deve ser partilhado, construído, negociando e atribuindo novos sentidos conforme declara (JORDÃO, 2005, p. 5). Nas palavras de (MAGNANI, 2011, p. 4, apud Jordão, 2005), o sujeito não assimila passivamente conteúdos, opiniões e conhecimentos, mas os articulam, em um trabalho ativo, em relação a sua trajetória, seus conhecimentos prévios e seus interesses.

Considerações Finais A língua evolui historicamente no tempo e espaço. Passou por diferentes definições por estudiosos da área e atualmente possui outra acepção na visão de teóricos que se ocupam do letramento crítico. Ela é heterogênea e se constitui de acordo com o tempo, o discurso ideológico e o espaço social. É através dela que nos constituímos como sujeitos sociais e históricos. É pela linguagem que se descobre e reconstrói mundo. Ao considerar as concepções de língua sob a ótica do letramento crítico, ela assume uma posição social possibilitando uma multiplicidade de construção de sentidos, é sempre ideológica e considera suas comunidades interpretativas. Assume um papel mais participante nas questões de interação e construção do próprio conhecimento, no envolvimento com as práticas sociais e na identificação de um discurso ideológico presente nas discussões de poder. Referências Bibliográficas BAKTHIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª ed. HUCITEC, 2006. CARVALHO, C. de. Para Compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. 8ª ed. Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1997. CERVETTI, G.; PARDALES, M. J.; DAMICO, J. S. A tale of differences: comparing the traditions, perspectives and educational goals of critical reading and critical literacy. Reading Online, v. 4, n. 9, 2001. Disponível em: <http://www.readingonline.org/articles/cervetti/> Acesso em fevereiro de 2012. DUBOC. A. P. M. Atitude Curricular: Letramentos Críticos nas Brechas de Formação de Professores de Inglês. Disponível em: < www.teses.usp.br/teses/.../2012> Acesso em maio de 2014. JORDÃO, C. M. O Ensino de línguas Estrangeiras: de código a discurso. Disponível em: <http://people.ufpr.br/~marizalmeida/interculturalidade/o_ensino_de_lem.pdf> acesso em outubro de 2014.

. Letramento crítico, pedagogia crítica e abordagem comunicativa: farinhas do mesmo saco? In: ROCHA, C. H.; MACIEL, R. F. (Orgs). Ensino de língua estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas: Paco Editorial, 2013. MENEZES DE SOUZA, L.M.T. Por uma redefinição de letramento crítico: conflito e produção de significado. In: ARAÚJO, V. A.; MACIEL, R. F. Formação de professores de línguas: ampliando perspectivas. Campinas: Paco Editorial, 2011. MONTE MÓR, W. Práticas de letramento crítico na formação de professores de línguas estrangeiras. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. Vol. 12, nº 4, Belo Horizonte, 2012. On-line version. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s1984-63982012000400012&script=sci_arttext> Acesso em outubro 2014.