EDUCAÇÃO E SAÚDE VISUAL Miriam Freiberger Souza Trabalho ligado ao projeto de dissertação: As Campanhas oficiais e a propaganda Promovendo (e definindo) a saúde visual/ocular no Brasil, sob a orientação da Profª Drª Maria Lúcia Castagna Wortmann, na linha de pesquisa Cultura e Educação do Programa de Pós-graducação em Educação da Ulbra, do Mestrado em Educação. RESUMO O presente trabalho é um recorte da investigação que desenvolvo em minha dissertação de mestrado que trata das Campanhas de promoção da saúde visual/ocular realizadas no Brasil. A partir das leituras desenvolvidas durante o Mestrado em Educação, comecei a prestar mais atenção nos discursos que circulam sobre a saúde visual e sobre como eles vão adquirindo visibilidade ou invisibilidade, bem como para os destaques que são postos nas informações passadas através de manuais, folders, revistas, propagandas na internet e na televisão dentre outros materiais que falam acerca dos cuidados que precisamos ter com a visão. Neste estudo, indico como os Estudos Culturais me auxiliaram a questionar a forma como estão sendo apresentadas as campanhas de saúde visual/ocular nas escolas e na mídia. Além disso, faço algumas considerações acerca do endereçamento das campanhas de promoção da saúde visual/ocular para os escolares e para a população. É apresentado, brevemente, a Campanha de Reabilitação Visual Olho no Olho e comentado alguns aspectos educativos envolvidos nessa campanha, bem como a análise da fita de vídeo da Campanha endereçada aos professores/as. Assim, inspirada por este novo olhar, com as novas lentes que esse campo me oferece, que tenho trabalhado nesta dissertação, discutindo em que instâncias (sejam essas oficiais/governamentais Governo Federal, Estado, Município ou não - ONGS ou a propaganda -) se têm falado da promoção da saúde visual/ocular. Busquei para fundamentar este trabalho autores como Kellner, Hall, Giroux, Foucault, Veiga-Neto, Wortmann dentre outros. Palavras-chave: Estudos Culturais, Educação e saúde visual, mídia, Campanha de Reabilitação Visual Olho no Olho APRESENTANDO AS DIREÇÕES DO ESTUDO Os estudos que venho desenvolvendo neste mestrado em Educação têm me permitido examinar com novas lentes algumas questões relacionados ao tema - saúde visual/ocular -, que já há algum tempo faz parte de meus interesses acadêmicos. Valendo-me dos Estudos Culturais, tenho ampliado as articulações desse campo com outros campos e saberes, atentando para aspectos que, talvez de outra forma, eu até nem cogitasse, até porque disciplinas que focalizam discussões de natureza política ou que discutem o modo como se dão as relações sociais e culturais não são usualmente oferecidas nos cursos de graduação. Meus objetos de estudo são os manuais (textos e vídeo) da Campanha de Reabilitação Visual Olho no Olho e, também, documentos que falam da saúde visual/ocular garimpados na mídia escrita, internet, rádio e televisão. Examino tais documentos, valendo-me de um tipo de análise discursiva de inspiração foucaultiana, também praticada por autores associados à vertente pós-estruturalista tais como Jorge Larrosa (1994, 2004). Entendo que os discursos presentes nesses diferentes tipos de textos instituem, mas são, ao mesmo tempo, produzidos em tais Campanhas por situações e ações processadas em meio a lutas de poder/saber. Nessas ações e situações os cuidados preventivos
foram instituídos como a forma de lidar adequadamente com a saúde visual/ocular. Entre os autores que estão inspirando minhas análises cito, especialmente, Foucault (1996, 1997, 1998, 1999), Hall (1992, 1995, 1997a, 1997b, 1998, 2000), Veiga-Neto (2000, 2002, 2003), Wortmann (2002, 2004), Fischer (1995) e, também, Santos (2002), Dazzi (2002) e Santos (2004) que desenvolveram estudos, respectivamente, sobre biopolíticas de HIV/AIDS no Brasil focalizando os anúncios televisivos das campanhas oficiais de prevenção (1986-2000), representações de HIV/AIDS nos vídeos do Ministério da Saúde e sobre as campanhas de saúde direcionadas às escolas brasileiras. Minha intenção de discutir as campanhas de promoção de saúde visual/ocular fortaleceu-se, na medida em que, ao iniciar o desenvolvimento do estudo, pude perceber o quanto esses são aspectos incipientes e pouco valorizadas nos planos direcionados à saúde pública brasileira. Comecei a me perguntar, por exemplo, como estão sendo apresentadas e representadas as campanhas institucionais de saúde visual/ocular nas escolas e na mídia. Como destacou Kellner (2001) é na mídia que encontra-se, atualmente, uma forma mercantilizada e dominante de cultura, a qual promove a socialização, ao mesmo tempo que fornece elementos em direção à homogeneização da identidade dos sujeitos. Na cultura da mídia que é, como destaca o mesmo autor (op. cit.), a cultura típica das sociedades ocidentais contemporâneas, combinam-se, com freqüência, o verbal e o visual. mesmo autor, Em seus estudos, Kellner (2001) advoga em favor da realização de estudos culturais críticos. Conforme este A teoria crítica da sociedade, portanto, gira em torno da prática social e pode ajudar na construção de sociedades melhores ao mostrar o que precisa ser transformado, que tipo de ação pode produzir a transformação e que estratégias e táticas podem ter sucesso na promoção das transformações sociais progressivas (p.39). [...] E o estudo cultural crítico procura conferir poder aos indivíduos ao lhes dar ferramentas para criticar as formas culturais, as imagens, as narrativas e os gêneros dominantes (p.83). Para Kellner (op.cit.), tal como para Giroux (1995), é preciso que apreendamos a ler a mídia críticamente, sendo essa a ação política que muitos dos trabalhos desses autores defendem. Como Kellner (1995) destacou Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas (p. 109). Fazer uma Leitura política da mídia significa, então, para Kellner (op.cit.), [...] não só ler essa cultura no seu contexto sócio-político e econômico, mas também ver de que modo os componentes internos de seus textos codificam relações de poder e dominação, servindo para promover os interesses dos grupos dominantes à custa de outros, para opor-se às ideologias, instituições e práticas hegemônicas, ou para conter uma mistura contraditória de forma que promovem dominação e resistência (p.76).
Segundo Hall (1997b), um dos mais importantes estudiosos do campo dos E.C. na atualidade, que se dedica a discutir conceitos como discurso, representação, identidade e diferença, a preocupação com a mídia e com os significados que ela tem produzido e divulgado, bem como com as formas como os diferentes grupos culturais e sociais são nela representados, corresponde a uma das mais importantes marcas dos Estudos Culturais contemporâneos. Tal como Kellner (2001), esse autor destaca que a mídia ocupa uma posição dominante no que diz respeito à maneira pela qual as relações sociais e os problemas políticos são definidos e os diferentes grupos culturais são representados e também instituídos. Desse modo, como venho colocando, quero ressaltar que neste estudo estou usando as lentes dos E. C. para ver quais são os discursos mais freqüentes nos Programas de Promoção da Saúde Visual/ocular organizados pelas Instituições oficiais de saúde brasileiras, quais as estratégias usadas na mídia para divulgar tais Programas e, ainda, que outras iniciativas são realizadas por outras instâncias sociais - ópticas, ou outras empresas que lidam com a fabricação/produção de material óptico, por exemplo, especialmente na mídia, para configurar quem são os sujeitos saudáveis relativamente à visão ou ópticamente saudáveis. A CAMPANHA DE REABILITAÇÃO VISUAL OLHO NO OLHO No Brasil, ações específicas de saúde ocular foram desenvolvidas em 1984, através do Programa Nacional de Saúde Ocular e, novamente, em 1988, quando o Ministério de Saúde criou o Programa Nacional de Saúde Ocular e Prevenção da Cegueira (Temporini, 1999). Posteriormente, em 1998, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia lançou a Campanha Nacional de Reabilitação Visual Olho no Olho com a participação dos professores das escolas de ensino fundamental (CBO, 1999). Desde 1999, o Ministério de Educação e Cultura, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e em parceria com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), vem realizando a Campanha Nacional de Reabilitação Visual Olho no Olho, que tem como objetivo explícito identificar e corrigir os problemas visuais apresentados pelos alunos da primeira série de ensino fundamental da rede pública, nas cidades com mais de 40 mil habitantes, e contribuir na melhora do processo de ensino e aprendizado, visando a preservação da saúde visual das crianças (Manual de orientação da campanha Olho no Olho, 2002). As Campanhas de Reabilitação visual Olho no Olho destinam-se a possibilitar a detecção de problemas visuais em crianças e configuram a escola como o lugar propício para o desenvolvimento de ações de prevenção e de promoção da saúde, pois, como o Programa destaca, o contato diário do professor com o aluno favoreceria a observação de seu desempenho visual. Neste Projeto, os professores aprendem a aplicar o teste de acuidade visual, com a tabela de Snellen, bem como são alertados a reconhecerem outras queixas, sinais, ou comportamentos das crianças que possam ser relacionadas a alterações do aparelho visual. Porém, como destaca Cabrera (2005) para
alcançar-se êxito nesta importante atividade de saúde ocular é imprescindível à adequada preparação dos professores. Recomendações feitas por autores como Kára-José (2002) indicam que os professores, além de participarem de iniciativas tais como a aplicação do teste de acuidade visual, devem estar atentos a algumas situações que podem estar relacionadas com alterações do aparelho visual como: o baixo rendimento escolar, a falta de atenção, a preguiça e a distração da criança na sala de aula, a timidez, o desinteresse, a fadiga visual, dores de cabeça na região dos supercílios, a testa franzida, tonturas, enjôos, olhos vermelhos, estrabismo, lacrimejamento, o piscar contínuo dos olhos, a inclinação da cabeça, o apertar os olhos para enxergar, a aproximação excessiva do livro e dos objetos para enxergar melhor, a aproximação do quadro para copiar, tropeçar freqüentemente e dificuldades na leitura e na escrita. Os materiais relativos à Campanha de Reabilitação Visual Olho no Olho constituem um Kit de material didático-pedagógico, que consta basicamente de: uma fita de audiovisual; um Manual de orientação acerca da Campanha; um Manual da Boa Visão do Escolar; um livro denominado Histórias para uma boa visão do escolar, dentre outros materiais e livros, que são enviados às escolas pelo serviço de correio brasileiro. Apresentando a análise da fita de vídeo da Campanha de Reabilitação Visual Olho no Olho Quero destacar desde já, o caráter descritivo que o vídeo tem: ao assisti-lo, não pude deixar de pensar na apresentação de uma receita de bolo, pois nele são indicadas as medidas certas que deveriam ser seguidas pelo professor, bem como os materiais e as técnicas a serem usados na testagem de seus alunos, passo a passo. Ao que parece, os promotores da campanha vêem o vídeo como um modo fácil de capacitar os professores para a realização das atividades a eles propostas, isso, porque, os professores poderiam intervir na informação, parando o vídeo, mudando o ritmo, e até alterando uma seqüência de imagens. Penso, também, que a Campanha busca com esse vídeo ditar e prescrever as fórmulas de trabalho a serem seguidas pelo professor na triagem visual; pois nele está definido o que é certo ou errado fazer quanto à ordem, à disciplina e à conduta que devem ter na sala de aula durante a realização da atividade. Ao assistir o vídeo, as instruções passadas estabelecem a seqüência certa da triagem. A prática do exame envolve procedimentos padronizados, rotinas, seqüências de ação, sistematizações. Lida-se nessa situação como destacou Foucault (1999), ao examinar outras situações de disciplinamento dos corpos com um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma física ou uma anatomia do poder, uma tecnologia (p.177).
Através da fita de vídeo endereçada aos professores, há a busca de qualificar, disciplinar, legitimar e capacitar os professores para participarem de tal campanha, tornando-os responsáveis pelo diagnóstico inicial da saúde visual/ocular dos seus alunos. A Campanha envolve, então, um conjunto de ações que promovem e instituem os sujeitos, não fazendo, apenas, a divulgação da importância da saúde visual/ocular; nela os sujeitos são posicionados, isto é, esses definidos como detentores ou não de uma boa saúde visual/ocular. Quero destacar que estou entendendo serem as Campanhas ações pedagógicas... O campo educativo na perspectiva dos Estudos Culturais Considero importante referir, também, a ampliação do que se entende ser o campo educativo na perspectiva dos E.C. Tais Estudos advogam a ampliação das noções de pedagogia e de currículo ao incorporarem a análise dos mais diferentes artefatos culturais, o que tem possibilitado também a construção de uma nova relação entre a escola e a mídia. Percebe-se, a partir disso, a necessidade de que sejam pesquisadas pedagogias externas ao processo de escolarização, as quais têm penetrado cada vez mais na vida cotidiana. Nesse sentido, uma variedade de pesquisas realizada nos E.C. analisa desenhos animados, filmes endereçados a públicos globais e específicos, programas televisivos e de rádio, livros populares, tablóides, entre outros, para evidenciar os significados que neles podem ser lidos, bem como algumas formas mais freqüentes de representar diferentes grupos sociais e, ainda, estratégias usadas para interpelar os diferentes públicos. Na perspectiva dos E.C. entende-se que a educação acontece em uma multiplicidade de lugares e situações. A pedagogia, neste sentido, não deve ser entendida como uma simples aplicação de técnicas ou domínio de habilidades, tal como as perspectivas mais tradicionais de educação postulam, mas como uma prática cultural. Além disso, como afirma Giroux (1995): [...] (a pedagogia) deve ser responsabilizada ética e politicamente pelas estórias que produz, pelas asserções que faz sobre as memórias sociais e pelas imagens do futuro que considera legítima (p. 100). Assim, existe pedagogia em qualquer lugar em que o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que exista a possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar-comum (Giroux; MacLaren, 1995, p.144). Nessa perspectiva, o conceito de pedagogia cultural localiza a educação e o ato mesmo de ensinar em um leque bastante amplo de áreas do social que incluem a escola, mas não se limitam a ela. Steinberg (1997) coloca que, ao mesmo tempo em que a cultura faz as pessoas, a própria cultura é produto de significados produzidos por pessoas e grupos nela inscritos. Nessa dinâmica, haveria um movimento interativo na cultura, em que estão em jogo poder e consciência, no qual os seres humanos seriam produzidos historicamente por mecanismos de poder.
Os espaços pedagógicos são vistos, assim, como aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido. Steinberg (1997) acredita que a educação não está limitada somente à escola e que, portanto, bibliotecas, brinquedos, televisão, videogames, anúncios constituem-se também como espaços pedagógicos. Isso significa que grandes corporações produzem o que a autora chama de currículo cultural para as crianças, o qual estaria a serviço dos interesses comerciais que agem em favor da vantagem individual e não do bem social. Hoje a cultura da mídia é vista como uma das dimensões centrais na produção dos indivíduos contemporâneos e seu correspondente para a infância é denominado «Kindercultura» (Steinberg, 1997) e vem definir um conjunto de mudanças culturais que teria produzido uma nova era da infância (p.98). usá-la É também importante observar o que Kellner (2001) nos coloca sobre a expressão cultura da mídia. Para ele também tem a vantagem de dizer que a nossa é uma cultura da mídia, que a mídia colonizou a cultura, que ela constitui o principal veículo de distribuição e disseminação da cultura, que os meios de comunicação de massa suplantaram os modos anteriores de cultura como o livro ou a palavra falada, que vivemos num mundo no qual a mídia domina o lazer e a cultura. Ela é, portanto, a forma dominante e o lugar da cultura nas sociedades contemporâneas ( p. 84). A imagem de que no mundo atual a educação se dá em outros espaços além da escola é recorrente no campo dos Estudos Culturais contemporâneos. Segundo Giroux (1995): Ao analisar toda a gama dos lugares diversificados e densamente estratificados de aprendizagem, tais como a mídia, a cultura popular, o cinema, a publicidade, as comunicações de massa e as organizações religiosas, entre outras, os Estudos Culturais ampliam nossa compreensão do pedagógico e de seu papel fora da escola como o local tradicional da aprendizagem (p.90). Os E.C. nos ajudam a ampliar nosso entendimento do pedagógico e de seu papel fora da escola, assim como o entendimento de que os sujeitos trazem para a escola uma rede de significados incorporados em outros espaços sociais. A mídia, compreendida como qualquer dispositivo (televisão, propagandas, livros, revistas, etc.) que possa estar relacionado aos processos de construção de idéias, valores e comportamentos, pode ser incluída nas práticas produtoras de efeitos de verdade no comportamento não só das crianças, como também dos adultos, de uma maneira geral. No ambiente escolar seria possível, segundo consta no discurso das Programações Oficiais para a Saúde,
desenvolverem-se ações preventivas relativas à saúde visual, de modo semelhante ao que ocorre em relação à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Nesses discursos afirma-se, por exemplo, que a detecção precoce dos defeitos refrativos em crianças e jovens em idade escolar facilita o desenvolvimento intelectual, social e psicológico como um melhor rendimento escolar (Ministério da Saúde, 2002) e que o período escolar é fundamental para que se trabalhe a saúde na perspectiva de sua promoção, o que exige a proposição de ações voltadas à prevenção de doenças e ao fortalecimento dos fatores de proteção. Assim, além da escola ter a função pedagógica de fornecer conhecimentos específicos nas diferentes áreas que integram o currículo escolar, ela teria, também, na ótica defendida em tais propostas, uma função social e política voltada para a transformação da sociedade. Toda criança deve ter o direito de estar na escola, ser saudável, assim como de ter acesso aos bens essenciais à vida para que possa se desenvolver e aprender adequadamente (Ministério da Saúde, 2002). Em recente trabalho desenvolvido por Souza e Benazzi (2005), também foi indicado que o ambiente escolar pode permitir o desenvolvimento de ações preventivas no que se refere à saúde visual/ocular. De acordo com Armond, Temporini e Alves (2001), Kára-José e Alves (1994) e Temporini (1990), alterações visuais em escolares podem colaborar com os elevados índices de evasão escolar ou repetência, e esse é um dos aspectos mais apontados para explicar o que justifica a importância da realização de triagens visuais para detectar o maior número de escolares necessitados de cuidado especializado e para que ocorra tratamento adequado, corrigindo-se e/ou minimizando os problemas visuais que poderão interferir na aprendizagem. No estudo realizado foram pré-avaliados 773 estudantes moradores de Canoas/RS, sendo que 47% deles estavam realizando pela primeira vez um exame visual. Desses, 27% foram encaminhados para atendimento visual completo em uma Clínica-escola de Optometria, sendo a principal causa detectada a baixa acuidade visual, 2% foram encaminhados a outros profissionais como clínico geral, psicólogo, dentista e 1% encaminhado ao oftalmologista. Em função da sempre indicada importância do sentido da visão no rendimento escolar é que discuto nesta investigação as campanhas de promoção da saúde visual/ocular, vendo-as como meios, ou estratégias para colocar em destaque a importância de atentar-se para a saúde visual nas políticas públicas de saúde. Destaco, ainda, que muitas são as Campanhas oficiais isto é as Campanhas promovidas e desenvolvidas por Ministérios sob a égide do Estado brasileiro como já indiquei esse é um modo bastante freqüente de lidar com a promoção da saúde no Brasil, retomado especialmente a partir da década de 1980. No entanto, tais campanhas têm se direcionado a outras problemáticas como (e também já referi tal aspecto anteriormente) a prevenção do HIV/AIDS, a prevenção da gravidez adolescente, a vacinação contra a gripe, tuberculose, sarampo, coqueluche, tétano, entre outras. Penso que uma maior atenção aos cuidados necessários à manutenção da saúde visual/ocular, deveria ser tomada pelos poderes públicos brasileiros, tendo em vista, entre outros aspectos, o aumento da
expectativa de vida da população brasileira. Como também já indiquei, examino a quem são direcionadas as campanhas a quem elas elegem como seu público, e quem essas pensam que são os sujeitos a quem são direcionadas. O endereçamento, como destacou Ellsworth (2001), é relacional. O endereçamento convida não apenas à atividade da construção do conhecimento, mas também à construção do conhecimento a partir de um ponto de vista social e político particular (p.19). O modo de endereçamento é um termo cunhado nos estudos de cinema, mas esse conceito tem sido aplicado, com freqüência, para se pensar sobre como outros artefatos culturais se dirigem, são enviados, ou seja, são endereçados a seus públicos. Como tem argumentado Ellsworth (op.cit.), esses artefatos da cultura (filmes, livros, propagandas, literatura, revistas, campanhas etc.) são feitos para alguém. Eles visam e imaginam determinados públicos. [...] O endereçamento convida não apenas à atividade da construção do conhecimento, mas também à construção do conhecimento a partir de um ponto de vista social e político particular (ibidem p. 13-19). Ellsworth (op.cit.) coloca que o modo do endereçamento não é um momento visual ou falado, mas uma estruturação - que se desenvolve ao longo do tempo - a partir das relações entre o filme e seus espectadores ou, no caso de uma Campanha, a partir das relações com o seu público alvo. A partir de uma leitura diagnóstica da cultura da mídia, pode-se compreender a situação política atual - pontos fortes e vulneráveis das forças políticas em disputa - bem como o modo como nela são representados as esperanças e os temores de uma dada população. Pode-se nela, também, detectar problemas, tendências e modos de entender conflitos sociais, e examinar o modo como se lida com a saúde visual/ocular em diferentes instâncias. CONSIDERAÇÕES FINAIS A caminhada continua... A necessidade da sociedade é dar respostas para si mesma. Vivemos em um mundo de crises e mudanças, questionando, em especial, o papel de cada um de nós dentro deste universo. Hoje me encontro, ainda, como Corazza (2002) coloca em seu texto [...] desfocando os olhos das coisas vistas e elevando-os até as visibilidades de uma época (p. 119), desequilibrando-me, caminhando em uma corda bamba, e, ainda questionando será que tudo o que eu estou vendo sobre a saúde visual/ocular é tudo que se pode ver? Constatei, também, a existência de uma prática pedagógica direcionada aos professores/as e escolares nos materiais educativos da Campanha de Reabilitação Visual Olho no Olho, e na fita de vídeo, percebi que essa institui,
posiciona e destaca alguns sujeitos (os/as professores/as) para lidarem com práticas usualmente só exercidas por especialistas a prática do encaminhamento dos que forem considerados como portadores de problemas visuais. As lentes dos Estudos Culturais foram muito úteis para analisar a fita de vídeo da campanha, pois elas nos ajudam a ampliar nosso entendimento pedagógico e de seu papel fora da escola como local tradicional da aprendizagem (Giroux, 1995, p. 90), assim como o entendimento de que os sujeitos trazem para a escola a rede de significados incorporados em outros espaços sociais. Ao finalizar este trabalho, sinto a necessidade de continuar pesquisando sobre este tema, pois encontrei poucos artigos e trabalhos direcionados às Campanhas de saúde visual/ocular realizadas no Brasil, e constatei a necessidade do muito que ainda deve ser feito para beneficiar a nossa população como um todo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARMOND, J. De E.; TEMPORINI, E. R.; ALVES, M. R. Promoção da saúde ocular na escola: percepções de professores sobre erros de refração. Arq. Bras. Oftalmol. V. 64, n. 5, p. 395-400. Set/Out., 2001. BRASIL, Ministério da Educação; Programa Nacional de Saúde do Escolar: Manual de Orientação da Campanha Olho no Olho. 9-21. Brasília: DF, 2002. CABRERA, M. D. C. S. Avaliação do conhecimento sobre a saúde ocular dos orientadores e professores das escolas municipais de Canoas/RS. Dissertação de mestrado. Canoas: ULBRA, 2005. CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA (CBO).Campanha Nacional de reabilitação visual: Manual de Orientação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,1999. CORAZZA, S. M. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. IN: COSTA, Marisa V. (Org.). Caminhos investigativos: Novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. DAZZI, M. D. B. Prevenir é sempre melhor: Representações HIV/AIDS nos vídeos do Ministério da Saúde. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2002. ELLSWORTH, E. Nunca fomos humanos: Nos rastros do sujeito. IN: SILVA, T. T. (Org.). Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. FISCHER, R. M. B. Análise do Discurso: para além das palavras e coisas. Revista Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS. v. 20, n. 02. jul./dez./1995. FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Petrópolis: Vozes, 1996., M. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Trad. Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997., M. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1998., M. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999.
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