Indicação de Revascularização Miocárdica em Pacientes Dialíticos



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Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Artigo Original Indicação de Revascularização Miocárdica em Pacientes Dialíticos Indication Myocardial Revascularization in Dialysis Patients Andréa Bezerra de Melo da Silveira Lordsleem 1, Brivaldo Markman Filho 1, Ana Paula Santana Gueiros 2, Jose Edevanilson Barros Gueiros 2, Fernando Ribeiro de Moraes Neto 3 1 Universidade Federal de Pernambuco - Hospital das Clínicas - Setor de Cardiologia - Recife, PE - Brasil 2 Universidade Federal de Pernambuco - Hospital das Clínicas - Setor de Nefrologia - Recife, PE - Brasil 3 Universidade Federal de Pernambuco - Centro de Ciências da Saúde - Departamento de Cirurgia - Recife, PE - Brasil Resumo Fundamentos: Pacientes dialíticos apresentam alto risco aterosclerótico, sendo previsto aumento nas indicações de revascularização miocárdica (RM nesse grupo. Objetivos: Avaliar características clínicas, laboratoriais, ecodopplercardiográficas e cineangiocoronariográficas de pacientes dialíticos e do subgrupo com indicação de RM. Métodos: Foram analisados 94 pacientes dialíticos submetidos à cineangiocoronariografia, estratificados em dois grupos: com e sem doença coronariana (DAC. Resultados: 94 pacientes, 57,4 % homens, média de idade 53,9±10,1 anos, 95,7 % hemodialíticos, mediana do tempo diálise 60,0 meses. Ao ecodopplercardiograma a fração de ejeção média foi 61,07±12,06 % (n=84; função diastólica normal em 16,9 %, tipo I em 63,9 %, tipo II em 12,0 % e tipo III em 7,2 %. A população estudada foi estratificada em dois grupos: com DAC (n=47 e sem DAC (n=47. No grupo com DAC, 27,7 % eram triarteriais, 12,8 % uniarteriais e 9,6 % biarteriais, sendo mais frequente: DAC prévia (17,0 % vs. 2,1 %; p=0,003, calcificação parietal à cineangiocoronariografia (76,6 % vs. 10,6 %; p<0,001 e uso prévio de betabloqueadores (55,3 % vs. 27,7 %; p=0,007. Nos pacientes não diabéticos, aqueles com disfunção diastólica tiveram quatro vezes mais chance de coronariopatia (OR 4,26 IC 1,03-23,55; p=0,048. Houve elevada indicação de RM nos coronariopatas (61,7 %, com indicação cirúrgica em 51,7 % dos revascularizáveis. Abstract Background: Dialysis patients are at high risk for atherosclerosis, with increased indications for myocardial revascularization (MR in this group. Objectives: To assess clinical, laboratory, echodoppercardiographic and coronary angiography parameters among dialysis patients and in a subgroup with MR indications. Methods: 94 dialysis patients undergoing coronary angiography were analyzed and divided into two groups: with and without coronary artery disease (CAD. Results: 94 patients; 57.4% men, mean age 53.9±10.1 years, 95.7% on hemodialysis, median dialysis time of 60.0 months. Mean ejection fraction in echocardiography: 61.07±12.06% (n=84, normal diastolic function in 16.9%, type I diastolic dysfunction in 63.9%, type II in 12.0% and type III in 7.2%. The population was divided into two groups: with CAD (n = 47 and without CAD (n = 47. In the CAD group, 27.7% had three-vessel, 12.8% one-vessel and 9.6% two-vessel disease, with prior CAD (17.0% vs. 2.1%; p=0.003, parietal calcification in coronary angiography (76.6% vs. 10.6%; p<0.001, with prior use of beta-blockers (55.3% vs. 27.7%; p=0.007 being more frequent in the CAD group. Among non-diabetic patients, those with diastolic dysfunction were four times more likely to have CAD (OR 4.26 CI 1.03 23.55; p=0.048. There was a high level (61.7% of MR indications among CAD patients, with surgery indicated for 51.7% of those suitable for revascularization. Correspondência: Andréa Bezerra de Melo da Silveira Lordsleem Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária - 50670-901 - Recife, PE - Brasil E-mail: andra.lordsleem@gmail.com Recebido em: 07/04/2014 Aceito em: 03/06/2014 147

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Lordsleem et al. Conclusões: DAC prévia, calcificação parietal na cineangiocoronariografia e uso prévio de betabloqueadores foram mais frequentes nos coronariopatas. Disfunção diastólica ao ecodopplercardiograma foi o único preditor independente para DAC em pacientes dialíticos. Indicação de RM foi elevada nos coronariopatas. Palavras-chave: Doença das coronárias; Insuficiência renal crônica; Ecocardiografia; Revascularização miocárdica Conclusions: Prior CAD, parietal calcification in coronary angiography and prior use of beta-blockers were more frequent in the CAD group. Diastolic dysfunction in the echodopplercardiograms was the only independent CAD predictor among dialysis patients, with MR indications high for coronary heart disease patients. Keywords: Coronary artery disease; Kidney failure, chronic; Echocardiography; Myocardial revascularization Introdução A doença renal crônica (DRC é atualmente considerada um fator preditivo isolado para a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos 1. Os pacientes com DRC apresentam sinergismo entre os fatores de risco tradicionais para aterosclerose e os emergentes, incluindo distúrbios do metabolismo mineral e ósseo (DMO 1,2. Na chave do processo fisiopatológico está a disfunção endotelial. A doença cardiovascular (DCV é o maior preditor de mortalidade em pacientes dialíticos, respondendo por aproximadamente 50,0 % das mortes 1. Dos óbitos por DCV, cerca de 20 % podem ser atribuídos a consequências da doença arterial coronariana (DAC 1-3. Com o desenvolvimento das terapias de substituição renal (diálise ou transplante, com o aumento da faixa etária dos pacientes associado à crescente epidemia de diabetes mellitus (DM e obesidade, aguarda-se um aumento no número de indicações de revascularização miocárdica (RM nesse grupo 4. No grupo de pacientes dialíticos indicados para cirurgia de revascularização miocárdica (CRM, a aterosclerose geralmente é difusa, com alta frequência de calcificações, lesões de tronco de coronária esquerda (TCE e DAC triarterial. Esses fatos, além de particularidades como: alto percentual de hipertrofia ventricular esquerda (HVE; disfunção diastólica com redução da complacência ventricular; imunossupressão pelo estado inflamatório crônico com maior risco infeccioso e maior risco de sangramentos estão envolvidos no aumento do risco cirúrgico 5. A relação gradual entre o grau de disfunção renal e mortalidade operatória foi observada em relatório da Society of Thoracic Surgeons National Adult dos Estados Unidos da América com quase 500 mil pacientes submetidos à CRM isolada. Após ajuste multivariável, a taxa de filtração glomerular pré-operatória foi um dos preditores mais poderosos da mortalidade operatória 6. O objetivo do presente estudo foi avaliar as características clínico-laboratoriais, ecodopplercardiográficas e cineangiocoronariográficas de um grupo de pacientes dialíticos e o subgrupo para o qual foi indicado procedimento de RM (cirúrgica ou percutânea. Métodos Estudo prospectivo, tipo série de casos. Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE sob o nº 0269.0.172.000-11. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No período de outubro 2008 a junho 2013 foram avaliados 298 pacientes, dos quais, 94 pacientes se mostraram elegíveis para o estudo, submetidos à cineangiocoronariografia. Os critérios de exclusão adotados foram: idade <18 anos, RM prévia (CRM ou procedimento percutâneo e paratiroidectomia (PTX prévia. A coleta de dados incluiu: dados pessoais; tipo e tempo de diálise; causa da DRC; interrogatório sintomatológico; motivo da consulta (avaliação de sintomas, pré-ptx ou pré-transplante renal; antecedentes pessoais: hipertensão arterial sistêmica (HAS, DM, dislipidemia, tabagismo, DAC prévia (infarto agudo do miocárdio conhecido, angina do peito, procedimento de RM prévio, antecedente familiar de DAC precoce em parentes de primeiro grau (idade <55 anos para homens e <65 anos para mulheres, acidente vascular encefálico prévio (isquêmico ou hemorrágico, acidente isquêmico cerebral transitório, doença arterial periférica (DAP, doença arterial carotídea e doença aneurismática ou estenótica da aorta e seus ramos. 148

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Exame físico geral e cardiovascular foi realizado com aferição do peso seco, altura e duas medidas consecutivas da PA em membro superior com ausência de fístula arteriovenosa (esfigmomanômetro automático, EOA Omron modelo HEM-742INT, Omron Healthcare, China e em membro inferior ipsilateral. Realizada a categorização da radiografia de tórax (normal ou anormal, análise do eletrocardiograma em repouso e anotação de parâmetros bioquímicos: proteína C-reativa ultrassensível, albumina sérica, lipidograma, glicemia em jejum, hemograma, paratormônio (PTH ultrassensível, cálcio, fósforo, sódio e potássio séricos. Seguiu-se a análise do ecodopplercardiograma bidimensional colorido em repouso com registro da massa ventricular em gramas, fração ejeção de ventrículo esquerdo (FEVE em percentual. HVE foi diagnosticada quando o índice de massa do VE (massa/área de superfície corporal apresentou valor >115 g/m 2 para homens e >95 g/m 2 para mulheres. A função diastólica do VE foi classificada em: normal, alteração do relaxamento (disfunção diastólica leve ou tipo I, pseudonormal (disfunção diastólica moderada ou tipo II e restritivo (disfunção diastólica grave ou tipo III 7. A coronariopatia obstrutiva foi classificada quanto ao grau da lesão: moderada (50-70 % e grave (>70 % e quanto à localização e ao número de coronárias acometidas em: lesão de TCE, uniarteriais, biarteriais e triarteriais 8. Na cineangiocoronariografia, também foi registrada a presença de calcificação parietal nas coronárias epicárdicas, em fase pré-injeção de contraste, sem conhecimento da existência ou não de obstrução intraluminal. Essa calcificação é visualizada como uma imagem radiopaca, de densidade óssea, ao longo das paredes das artérias. Os casos com DAC encaminhados para RM (cirúrgica ou percutânea foram discutidos em reunião clínica do Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas/ UFPE, com a presença de pelo menos três cardiologistas, conforme as diretrizes vigentes de indicação cirúrgica 9. Antes das CRM e das intervenções coronarianas percutâneas (ICP, foi calculado o EuroSCORE de todos os pacientes 10. Utilizada análise descritiva dos dados, expressa por frequências relativas e absolutas para as variáveis qualitativas; e médias ou medianas para as quantitativas. Na análise univariada, usado o teste do qui-quadrado de Pearson para as variáveis qualitativas; para as quantitativas, utilizou-se o teste de Bonferroni para testar a normalidade dos dados e, em seguida, o teste t de Student (casos de distribuição normal ou teste não paramétrico de Mann-Whitney (casos de não normalidade. Foram incluídas na regressão logística todas as variáveis que apresentaram <0,20 na análise univariada. Os cálculos estatísticos foram realizados no software SPSS for windows versão 18.0, sendo considerados estatisticamente significativos quando p<0,05. Resultados Dos 94 pacientes, 57,4 % eram do sexo masculino, com média de idade de 53,9±10,1 anos, 95,7 % hemodialíticos. Mediana do tempo diálise de 60,0 meses. As causas mais frequentes de DRC foram: HAS em 47,9 %, DM isolada e/ou em associação à HAS em 27,7 % e causa indeterminada em 11,7 %. Entre os fatores de risco para DCV: 92,6 % tinham HAS; 36,2 % eram diabéticos; 16,0 % dislipidêmicos; 18,1 % fumantes ativos, 38,3 % ex-fumantes e 43,6 % não fumantes. Em relação ao uso prévio de drogas cardioprotetoras: 46,8 % faziam uso prévio de ácido acetilsalicílico (AAS; 41,5 % de betabloqueadores; 29,8 % de vastatinas; 24,5 % de inibidores de enzima de conversão da angiotensina; 12,8 % de bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA; 12,8 % de bloqueadores de canais de cálcio. 18,1 % estavam em avaliação pré-transplante renal e 30,9 % pré-ptx. Apenas 16,0 % dos pacientes eram assintomáticos. O sintoma de precordialgia foi o mais frequente e ocorreu em 39,3 % dos pacientes, sendo 22,3 % precordialgia atípica e 17 % precordialgia típica, seguido por dispneia em 20,2 % e palpitações em 16 %. Hipotensão intradialítica ocorreu em 7,5 % dos pacientes. Ao ecodopplercardiograma de repouso (n=84 a média da FEVE foi 61,07±12,06 %. A HVE esteve presente em 80,1 % dos pacientes. A função diastólica foi normal em apenas 16,9 %, disfunção diastólica tipo I foi a mais frequente (63,9 %, tipo II em 12,0 % e tipo III em 7,2 % dos pacientes. A cineangiocoronariografia foi realizada em 32,6 % dos casos encaminhados para avaliação cardiológica no período. Dos 94 pacientes, 50 % (n=47 apresentaram coronariopatia e 50 % (n=47 não apresentaram coronariopatia obstrutiva. Do grupo de coronariopatas, 27,7 % eram triarteriais, 12,8 % uniarteriais e 9,6 % biarteriais. 149

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Lordsleem et al. Comparando-se os grupos com e sem DAC observa-se que: presença de DAC prévia (17,0 % vs. 2,1 %; p=0,003, calcificação parietal à cineangiocoronariografia (76,6 % vs. 10,6 %; p<0,001 e uso prévio de betabloqueadores (55,3 % vs. 27,7 %; p=0,007 foram significativamente mais frequentes no grupo com DAC. Ocorreu diferença estatisticamente significativa no grupo sem DAC: no número de doentes pré-ptx, na média de cálcio sérico e na mediana do tempo de diálise em meses (Tabelas 1, 2 e 3. Tabela 1 Características epidemiológicas dos grupos estudados (coronariopatas e não coronariopatas Coronariopatas (n=47 n (% Grupos Não coronariopatas (n=47 n (% Sexo masculino 28 (59,6 26 (55,3 0,677 Idade (em anos média± DP 54,3±9,5 53,5±10,8 0,687 HAS 44 (93,6 43 (91,5 > 0,999 DM 19 (40,4 15 (31,9 0,391 Dislipidemia 10 (21,3 5 (10,6 0,159 Fumo Não 20 (42,6 21 (44,7 Ex-tagabista 18 (38,3 18 (38,3 0,959 Ativo 9 (19,1 8 (17,0 DAC prévia 8 (17,0 1 (2,1 0,030* DAC familiar 7 (14,9 4 (8,5 0,336 AVE 6 (12,8 5 (10,6 0,748 DAP 4 (8,5 1 (2,1 0,361 Doença de carótida 1 (2,1 0 (0,0 > 0,999 Doença de aorta 1 (2,1 0 (0,0 > 0,999 HAS=hipertensão arterial sistêmica; DAC=doença arterial coronariana; DM=diabetes mellitus; AVE=acidente vascular encefálico; DAP=doença arterial periférica; DP=desvio-padrão; *estatisticamente significativo (p<0,05 Tabela 2 Características clínicas dos grupos estudados (coronariopatas e não coronariopatas Coronariopatas (n=47 n (% Grupos Não coronariopatas (n=47 n (% IECA 10 (21,3 13 (27,7 0,472 B.canais cálcio 7 (14,9 5 (10,6 0,536 Betabloqueador 26 (55,3 13 (27,7 0,007* AAS 26 (55,3 18 (38,3 0,098 Vastatina 17 (36,2 11 (23,4 0,176 BRA 8 (17,0 4 (8,5 0,216 Calcificação parietal 36 (76,6 5 (10,6 < 0,001* ECO função diastólica Normal Disfunção tipo I Disfunção tipo II 6 (14,3 30 (71,4 5 (11,9 8 (19,5 23 (56,1 5 (12,2 Disfunção tipo III 1 (2,4 5 (12,2 HVE ECO (n=84 34 (79,1 34 (82,9 0,653 Pré-paratiroidectomia 10 (21,3 19 (40,4 0,044* Pré-transplante 8 (17,0 9 (19,1 0,789 IECA=inibidor da enzima de conversão da angiotensina; B. canais cálcio=bloqueador de canais de cálcio; AAS=ácido acetilsalicílico; BRA=bloqueador de receptor da angiotensina; ECO=ecoDopplercardiograma; DAC=doença arterial coronariana; HVE=hipertrofia ventricular esquerda; na cineangiocoronariografia; *estatisticamente significativo (p<0,05 0,281 150

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Tabela 3 Exames complementares dos grupos estudados (coronariopatas e não coronariopatas Coronariopatas (n=47 Não coronariopatas (n=47 Tempo de diálise (em meses 4 (12-120 72 (36-120 0,045* IMC (kg/m 2 24,9±4,2 25,1±5,8 0,906 ECO FEVE (% 62,6±10,6 59,6±13,3 0,248 ECO massa (g 249 (191-289 213 (181-289 0,314 ASC/m 2 1,7±0,2 1,6±0,2 0,234 ECO IM (g/m 2 142 (118-170 137 (115-162 0,356 Albumina (g/dl 3,9±0,6 4,2±0,5 0,222 Colesterol total (mg/dl 166,6±48,9 157,1±46,4 0,351 HDL-c (mg/dl 41,6±14,5 43,3±14,9 0,584 LDL-c (mg/dl 90,1±39,9 83,6±39,9 0,451 VLDL-c (mg/dl 30,9±16,9 29,1±14,3 0,591 Triglicérides (mg/dl 134 (89-209 123 (90-175 0,209 Glicemia jejum (mg/dl 116,0±56,5 108,5±58,2 0,535 Cálcio (mg/dl 9,2±1,0 10,2±1,2 0,001* Fósforo (mg/dl 5,1±1,3 5,6±1,6 0,213 Sódio (meq/l 137,4±4,3 138,4±4,5 0,286 Potássio (meq/l 5,1±0,8 5,1±0,7 0,844 PTH (pg/ml 516 (215-1278 625 (298-1552 0,127 Hemoglobina (g/dl 11,4±2,1 11,5±1,9 0,682 Hematócrito (% 34,3±6,2 35,4±5,9 0,386 P 25 =percentil 25; P 75 =percentil 75; Med=mediana; IM=índice de massa; IMC=índice de massa corpórea; ECO=ecoDopplercardiograma; FEVE=fração de ejeção de ventrículo esquerdo; ASC=área de superfície corporal; HDL-c=high density lipoprotein cholesterol; LDL-c=low density lipoprotein cholesterol; VLDL-c=very low density lipoprotein cholesterol; PTH=paratormônio; * estatisticamente significativo (p<0,05; DP=desvio-padrão Foi realizada avaliação excluindo a variável DM, reconhecidamente de alto impacto como fator causal de DAC. Nessa análise (n=60, observou-se que a calcificação parietal na cineangiocoronariografia permaneceu significativamente mais frequente no grupo com DAC (78,6 % vs. 12,5 %; p<0,001, assim como o uso prévio de AAS, de BRA e níveis de cálcio sérico. Já a mediana do tempo de diálise permaneceu maior no grupo sem DAC (Tabelas 4, 5 e 6. Na análise univariada realizada entre o grupo com DAC em que foi indicada a RM (revascularizáveis, n=29 comparada ao grupo sem DAC, observa-se que a calcificação parietal permaneceu significativamente mais frequente no grupo de pacientes revascularizáveis, ou seja, com lesão (79,3 % vs. 10,6 %; p<0,001. Houve maior frequência, também nesse grupo, do antecedente de DAC prévia (24,1 % vs. 2,1 %; p=0,004 e o uso de betabloqueador (58,6 % vs. 27,7 %; p=0,007. As variáveis de pré-ptx (n=5, 17,2 % vs. n=19, 40,4 %; p=0,035, níveis de cálcio e fósforo foram significativamente mais frequentes no grupo sem DAC. Observa-se que o EuroSCORE calculado para os pacientes revascularizáveis não diferenciou os grupos (Tabela 7. 151

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Lordsleem et al. Tabela 4 Características epidemiológicas dos grupos estudados (coronariopatas e não coronariopatas sem diabetes mellitus Coronariopatas (n=28 n (% Grupos Não coronariopatas (n=32 n (% Sexo masculino 16 (57,1 18 (56,3 0,944 Idade em anos ( 53,9±10,0 52,6±11,2 0,653 HAS 26 (92,9 29 (90,6 > 0,999 Dislipidemia 4 (14,3 3 (9,4 0,695 Fumo Não Ex-tagabista Ativo 11 (39,3 10 (35,7 7 (25,0 14 (43,8 13 (40,6 5 (15,6 DAC prévia 3 (10,7 1 (3,1 0,331 DAC familiar 5 (17,9 4 (12,5 0,721 AVE 4 (14,3 2 (6,3 0,404 DAP 1 (3,6 0 (0,0 0,467 Doença de carótida 0 (0,0 0 (0,0 - Doença de aorta 1 (3,6 0 (0,0 0,467 HAS=hipertensão arterial sistêmica; DM=diabetes mellitus; DAC=doença arterial coronariana; AVE=acidente vascular encefálico; DAP=doença arterial periférica; DP=desvio-padrão 0,663 Tabela 5 Características clínicas dos grupos estudados (coronariopatas e não coronariopatas sem diabetes mellitus Coronariopatas (n=28 n (% Grupos Não coronariopatas (n=32 n (% IECA 2 (7,1 8 (25,0 0,088 B.canais cálcio 5 (17,9 3 (9,4 0,454 Betabloqueador 15 (53,6 10 (31,3 0,080 AAS 14 (50,0 8 (25,0 0,045* Vastatina 7 (25,0 6 (18,8 0,558 BRA 6 (21,4 1 (3,1 0,043* Calcificação parietal 22 (78,6 4 (12,5 < 0,001* ECO função diastólica Normal 3 (11,5 7 (25,9 Disfunção tipo I Disfunção tipo II 18 (69,2 4 (15,4 11 (40,7 4 (14,8 0,126 Disfunção tipo III 1 (3,8 5 (18,5 152 HVE ECO (n=55 26 (89,7 20 (76,9 0,281 Pré-paratiroidectomia 8 (28,6 15 (46,9 0,146 Pré-transplante 2 (7,1 3 (9,4 > 0,999 IECA=inibidor da enzima de conversão da angiotensina; B. canais cálcio=bloqueador de canais de cálcio; AAS=ácido acetilsalicílico; BRA=bloqueador de receptor da angiotensina; ECO=ecoDopplercardiograma; DAC=doença arterial coronariana; HVE=hipertrofia ventricular esquerda; ( na cineangiocoronariografia; *estatisticamente significativo (p<0,05

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Tabela 6 Exames complementares dos grupos estudados (coronariopatas e não coronariopatas sem diabetes mellitus Coronariopatas (n=28 Não coronariopatas (n=32 Tempo de diálise (em meses 66 (14 120 108 (66-132 0,044* IMC (kg/m 2 23,8±5,0 23,7±3,3 0,937 ECO FEVE (% 57,5±13,9 63,4±10,8 0,065 ECO massa (g 239 (189-342 228 (190-318 0,599 ASC/m 2 1,6±0,2 1,7±0,2 0,370 ECO IM (g/m 2 141 (110-197 144 (120-171 0,876 Albumina (g/dl 4,2±0,5 4,1±0,7 0,302 Colesterol total (mg/dl 158,0±41,5 156,4±50,4 0,895 HDL-c (mg/dl 44,2±14,4 43,6±16,8 0,886 LDL-c (mg/dl 86,1±33,8 80,4±40,0 0,570 VLDL-c (mg/dl 28,0±14,0 27,3 (15,8 0,863 Triglicérides (mg/dl 116 (81-224 116 (87-166 0,977 Glicemia jejum (mg/dl 86,6±13,1 91,0±21,3 0,372 Cálcio (mg/dl 10,4±1,2 9,3±1,1 0,001* Fósforo (mg/dl 5,5±1,6 5,1±1,4 0,372 Sódio (meq/l 138,6±3,9 136,8±4,6 0,145 Potássio (meq/l 5,1±0,8 5,2±0,9 0,554 PTH (pg/ml 691 (167-1519 1036 (317-1925 0,084 Hemoglobina (g/dl 11,3±2,1 11,5±2,1 0,733 Hematócrito (% 34,9±6,4 34,8±6,2 0,950 P25=percentil 25; P75=percentil 75; Med=mediana; IM=índice de massa; IMC=índice de massa corpórea; ECO=ecoDopplercardiograma; FEVE=fração de ejeção de ventrículo esquerdo; ASC=área de superfície corporal; HDL-c=high density lipoprotein cholesterol; LDL-c=low density lipoprotein cholesterol; VLDL-c=very low density lipoprotein cholesterol; PTH=paratormônio; *estatisticamente significativo (p<0,05; DP=desvio-padrão 153

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Lordsleem et al. Tabela 7 Exames complementares do grupo de revascularizáveis e não coronariopatas Grupos Revascularizáveis (n=29 Não coronariopatas (n=47 EuroSCORE 2,3 (1,7-2,4 2,3 (1,7-3,1 0,339 IMC (kg/m 2 25,5±4,7 25,1±5,8 0,770 ECO FEVE (% 61,7±10,6 59,6±13,3 0,474 ECO massa (g 249 (186-323 213 (181-289 0,573 ASC/m 2 1,7±0,2 1,6±0,2 0,333 ECO IM (g/m 2 137 (107-183 137 (115-162 0,981 Albumina (g/dl 4,0±0,7 4,2±0,5 0,280 Colesterol total (mg/dl 162,7±45,5 157,1±46,4 0,621 HDL-c (mg/dl 42,1±16,9 43,3±14,9 0,753 LDL-c (mg/dl 81,9±31,8 83,6±39,9 0,844 VLDL-c (mg/dl 29,9±19,4 29,1±14,3 0,859 Triglicérides (mg/dl - P 75 119 (81-246 123 (90-175 0,305 Glicemia jejum (mg/dl 117,5±63,8 108,5±58,2 0,542 Cálcio (mg/dl 9,1±1,0 10,2±1,2 <0,001* Fósforo (mg/dl 4,9±1,4 5,6±1,6 0,048* Sódio (meq/l 136,3±4,3 138,4±4,5 0,073 Potássio (meq/l 5,1±0,8 5,1±0,7 0,761 PTH (pg/ml 488 (157-1622 625(298-1552 0,093 Hemoglobina (g/dl 11,3±1,7 11,5±1,9 0,563 Hematócrito (% 34,4±5,3 35,4±5,9 0,443 P25=percentil 25; P75=percentil 75; Med=mediana; IM=índice massa; IMC=índice de massa corpórea; ECO=ecoDopplercardiograma; FEVE=fração de ejeção de ventrículo esquerdo; ASC=área de superfície corporal; HDL-c= high density lipoprotein cholesterol; LDL-c=low density lipoprotein cholesterol; VLDL-c=very low density lipoprotein cholesterol; PTH=paratormônio; *estatisticamente significativo (p<0,05; DP=desvio-padrão Realizada regressão logística, observa-se que nos pacientes não diabéticos, aqueles que apresentaram disfunção diastólica tiveram aproximadamente quatro vezes mais chance de ter coronariopatia. As demais variáveis levadas à análise multivariada, não apresentaram significado estatístico (Tabela 8. No período do estudo, foram realizadas 293 cirurgias cardíacas, entre as quais 12 (4,1 % cirurgias em pacientes com doença renal crônica dialítica. Do grupo com DAC (n=47, 61,7 % (n=29 foram indicados para procedimento de revascularização, dos quais 15 (51,7 % indicações cirúrgicas e 14 (48,3 % ICP. Das 15 indicações cirúrgicas, 4 pacientes foram a óbito no pré-operatório, ocorrendo efetivamente a realização cirúrgica em 73,3 % dos casos. 154

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Tabela 8 Análise multivariada nos pacientes sem diabetes mellitus independentes Odds ratio IC 95 % OR Sódio 0,92 0,75-1,11 0,375 Função diastólica alterada 4,26 1,03-23,55 0,048* FEVE- ECO 1,11 1,02-1,19 0,059 Pré-paratiroidectomia 0,52 0,05-7,52 0,681 PTH 1,02 0,79-1,12 0,927 FEVE=fração de ejeção de ventrículo esquerdo; ECO=ecoDopplercardiograma; PTH=paratormônio; * estatisticamente significativo Discussão O American College of Cardiology Foundation/American Heart Association juntamente com o The Task Force on Myocardial Revascularization of the European Society of Cardiology and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery realizaram recomendações semelhantes quanto à conduta cirúrgica nos pacientes com DRC dialítica, mencionando prazo livre de sintomas, apesar da maior mortalidade intra-hospitalar com a CRM 9,11. Na análise da sobrevida, em longo prazo, nos pacientes dialíticos submetidos à RM, a mortalidade intra-hospitalar foi maior após CRM, mas a sobrevida foi superior com enxertos mamários internos. A mortalidade hospitalar foi menor para os pacientes submetidos à ICP com dispositivos farmacológicos, porém a necessidade de nova revascularização foi maior e comparável a de pacientes que receberam stents convencionais. Assim, a vantagem inicial dos ICP, embora mais duradoura com stents farmacológicos do que com os metálicos, é ultrapassado por CRM após 18 meses de evolução 12. Fator agravante é a exclusão dos pacientes dialíticos na análise dos grandes estudos de validação terapêutica de drogas ou procedimentos, fazendo com que o tratamento dessa população se faça de modo comparativo com a população geral, o que acarreta em aumento dos riscos 13,14. A maioria encontrada neste estudo, de pacientes do sexo masculino (57,4 %, está de acordo com o censo 2011 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, que identificou maior prevalência de homens na população dialítica (57,0 %, assim como também identificou como principal causa de DRC dialítica a nefropatia hipertensiva, seguida do DM 15. Apesar de a média de idade na amostra ter sido baixa, portanto uma população jovem, com mediana do tempo diálise também pequena (5 anos, a DAC se mostrou significativa em 50,0 % dos pacientes elegíveis no estudo. Esses dados são congruentes com estudos que mostram prevalências alarmantes de DAC, entre 40-50 % nos pacientes incidentes na terapia dialítica, o que gera uma expectativa de vida significativamente menor nessa população 1,2. Independentemente da menor utilização de drogas cardioprotetoras, observa-se que o relato de uso prévio de betabloqueador esteve estatisticamente mais frequente no grupo com DAC e no grupo de revascularizáveis. Como as palpitações são queixas comuns em sessões de hemodiálise e 95,7 % dos pacientes estavam em tratamento hemodialítico, é possível que essas drogas tenham sido prescritas de forma empírica, para o tratamento desse sintoma, já que 91,0 % da amostra não relatava avaliação cardiológica prévia. Na amostra estudada, 9,6 % dos pacientes apresentavam antecedente de DAC prévia, o que também se mostrou estatisticamente significativo em frequência no grupo com DAC e no grupo de revascularizáveis. Esse fato torna claro que na triagem cardiológica do paciente renal crônico, torna-se importante a consideração de algum evento cardíaco prévio. A presença de calcificação parietal coronariana na cineangiocoronariografia, apresentou associação estatisticamente significativa com a presença de coronariopatia na população estudada, no grupo de revascularizáveis e no grupo com DAC sem DM. Esse fato leva a especular que o processo de arterioesclerose (camada medial da artéria, associada na DRC com alterações no metabolismo mineral e ósseo e de aterosclerose (camada intimal, associada à inflamação e dislipidemia estão associadas nessa população, o que poderia estimular o uso, na avaliação cardiológica, de exames de imagem não invasivos como angiotomografia coronariana 16. É possível que o valor preditivo negativo de uma angiotomografia coronariana pudesse ser válido 155

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 Lordsleem et al. para se evitar a investigação hemodinâmica. A cineangiocoronariografia, apesar de padrão-ouro no diagnóstico de DAC obstrutiva, é um procedimento invasivo e, consequentemente, não isento de riscos nessa população, que apresenta problemas clínicos adicionais como: acessos vasculares difíceis, imunossupressão com aumento do risco infeccioso, anemia, maior risco a arritmias decorrentes de frequentes distúrbios eletrolíticos, maior tendência a sangramentos e picos hipertensivos resultantes do contato entre contrastes endovenosos e ventrículos hipertróficos com disfunção diastólica. Em estudo transversal com receptores de transplante renal foi descrito que o escore de cálcio coronariano, avaliado por tomografia computadorizada de tórax multislice, poderia melhorar a avaliação do risco cardiovascular nesses pacientes. Essas calcificações, assim como na população geral, poderiam ter impacto semelhante como preditor de mortalidade, principalmente cardiovascular, na população hemodialítica, na qual a DCV ocorre de forma tão precoce 16. A ocorrência de maior tempo de diálise no grupo sem DAC (população estudada e grupo sem DM poderia ser parcialmente explicada por um viés que selecionaria os doentes mais precocemente atingidos pela DCV e, consequentemente, com menor tempo de evolução na diálise, ou seja, possivelmente com uma evolução mais agressiva e precoce da DAC. Conforme observado, a população estudada apresenta distúrbios do metabolismo mineral e ósseo, a ser ressaltado pelas altas medianas do PTH sérico na amostra geral (494,20 pg/ml, no grupo com DAC (516 pg/ml e no grupo sem DAC (625 pg/ml, apesar de apresentar calcemia muito próxima da normalidade e uma hiperfosfatemia leve. Observa-se que a calcemia apresentou diferença estatisticamente significativa, sendo mais frequente no grupo sem DAC, exceto quando se excluiu o fator DM, quando foi mais frequente no grupo com DAC. Como os níveis séricos de cálcio estavam próximos da normalidade e a hiperfosfatemia foi muito discreta, a interpretação da associação com a evolução da DAC fica prejudicada. Observa-se ainda que os níveis de PTH apresentaram grande dispersão, o que associado ao pequeno tamanho da amostra, possivelmente tenham contribuído para a não associação com DAC (erro alfa ou tipo I. Após exclusão do fator DM na análise multivariada, ocorreu uma maior chance de DAC nos pacientes com disfunção diastólica. O encontro de disfunção diastólica ao ecodopplercardiograma em pacientes sabidamente não diabéticos, nos quais a chance de DAC é menor, mesmo nos pacientes dialíticos, poderia auxiliar na estratificação não invasiva do risco nessa população. A indicação de RM nos pacientes do estudo ocorreu em alto percentual dos doentes com DAC (61,7 %, apesar de o grupo dialítico ser de reconhecida maior complexidade. A despeito do pequeno número de cirurgias cardíacas realizadas no período, a proporção em pacientes com DRC dialítica (4,1 %, é até um pouco superior a dados que indicam que do total de cirurgias cardíacas realizadas, o percentual em pacientes dialíticos é baixo, em torno de 1,8 % 17. Algumas evidências mostram que os resultados de CRM sem circulação extracorpórea são melhores. Pacientes submetidos a procedimentos combinados (CRM e troca valvar têm uma mortalidade mais elevada 18,19. Conclusões A presença de DAC prévia, calcificação parietal na cineangiocoronariografia e uso prévio de betabloqueadores foram características mais frequentes nos pacientes coronariopatas. Disfunção diastólica ao ecodopplercardiograma foi o único preditor independente para DAC em pacientes dialíticos. Indicação de RM foi elevada nos coronariopatas. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não obteve financiamento externo. Vinculação acadêmica Este artigo é parte integrante da Tese de Doutorado de Andréa Bezerra de Melo da Silveira Lordsleem, pelo Centro de Ciências da Saúde da UFPE. Referências 1. Canziani MEF. Doenças cardiovasculares na doença renal crônica. J Bras Nefrol. 2004;26(3 supl. 1:20-1. 2. Neves CL, Custódio MR, Neves KR, Moysés RM, Jorgetti V. O hiperparatireoidismo secundário e a doença cardiovascular na doença renal crônica. J Bras Nefrol. 2008;30(supl. 1:18-22. 156

Rev Bras Cardiol. 2014;27(3:147-157 3. Sarnak M, Gibson CM, Hendrich WL, Curhan GC, Gersh BJ, Forman JP. Chronic kidney disease and coronary heart disease. [cited 2013 May 19]. Available from: <http://www.uptodate.com/contents/chronickidney-disease-and-coronary-heart-disease?> 4. Liu JY, Birkmeyer NJ, Sanders JH, Morton JR, Henriques HF, Lahey SJ, et al. Risks of morbidity and mortality in dialysis patients undergoing coronary artery bypass surgery. Northern New England Cardiovascular Disease Study Group. Circulation. 2000;102(24:2973-7. 5. Berger AK, Herzog CA. CABG in CKD: untangling the letters of risk. Nephrol Dial Transplant. 2010;25(11:3477-9. 6. Cooper WA, O Brien SM, Thourani VH, Guyton RA, Bridges CR, Szczech LA, et al. Impact of renal dysfunction on outcomes of coronary artery bypass surgery: results from the Society of Thoracic Surgeons National Adult Cardiac Database. Circulation. 2006;113(8:1063-70. 7. Silva CES, Tasca R, Weitzel LH, Moisés VA, Ferreira LDC, Tavares GMP, et al. Normatização dos equipamentos e técnicas de exame para realização de exames ecocardiográficos. Arq Bras Cardiol. 2004;82 (supl. 2:1-10. 8. Moura AV, Gottschall CAM, Costa EAS, Falcão FCC, Prudente ML, Furtado RJC; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz de indicações e utilizações das intervenções percutâneas e stent intracoronariano na prática clínica. Arq Bras Cardiol. 2003;80(supl. 1:1-14. 9. Hillis LD, Smith PK, Anderson JL, Bittl JA, Bridges CR, Byrne JG, et al. American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2011 ACCF/AHA guideline for coronary artery bypass graft surgery: Executive summary. a report of the American College of Cardiology Foundation/ American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;143(1:4-34. Erratum in: J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;143(5:1235. 10. Roques F, Michel P, Goldstone AR, Nashef SA. The logistic EuroSCORE. Eur Heart J. 2003;24(9:881-2. 11. Task Force on Myocardial Revascularization of the European Society of Cardiology (ESC and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS; European Association for Percutaneous Cardiovascular Interventions (EAPCI, Wijns W, Kolh P, Danchin N, Di Mario C, Falk V, Folliguet T, et al. Guidelines on myocardial revascularization. Eur Heart J. 2010;31(20:2501-55. 12. Shroff GR, Solid CA, Herzog CA. Long-term survival and repeat coronary revascularization in dialysis patients after surgical and percutaneous coronary revascularization with drug-eluting and bare metal stents in the United States. Circulation. 2013;127(18:1861-9. 13. Lentine KL, Costa SP, Weir MR, Robb JF, Fleisher LA, Kasiske BL, et al; American Heart Association Council on the Kidney in Cardiovascular Disease and Council on Peripheral Vascular Disease. Cardiac disease evaluation and management among kidney and liver transplantation candidates: a scientific statement from the American Heart Association and the American College of Cardiology Foundation. J Am Coll Cardiol. 2012;60(5:434-80. 14. Foley RN, Herzog CA, Collins AJ. Smoking and cardiovascular outcomes in dialysis patients: The United States Renal Data Systems Wave 2 study. Kidney Int. 2003;63(4:1462-7. 15. Sesso RCC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Watanabe Y, Santos DR. Diálise Crônica no Brasil - Relatório do Censo Brasileiro de Diálise, 2011. J Bras Nefrol. 2012;34(3:272-7. 16. Nguyen PT, Henrard S, Coche E, Goffin E, Devuyst O, Jadoul M. Coronary artery calcification: a strong predictor of cardiovascular events in renal transplant recipients. Nephrol Dial Transplant. 2010;25(11:3773-8. 17. Tsai TT, Messenger JC, Brennan JM, Patel UD, Dai D, Piana RN, et al. Safety and efficacy of drug-eluting stents in older patients with chronic kidney disease: a report from the linked CathPCI Registry-CMS claims database. J Am Coll Cardiol. 2011;58(18:1859-69. 18. Vohra HA, Armstrong LA, Modi A, Barlow CW. Outcomes following cardiac surgery in patients with preoperative renal dialysis. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2014;18(1:103-11. 19. Kar S, Coats W, Aggarwal K. Percutaneous coronary intervention versus coronary artery bypass graft in chronic kidney disease: Optimal treatment options. Hemodial Int. 2011;15(Suppl 1:S30-6. 157