DAISY ASSMANN LIMA Salários, comércio internacional e padrões tecnológicos

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Economia DAISY ASSMANN LIMA Salários, comércio internacional e padrões tecnológicos Brasília 2013

DAISY ASSMANN LIMA Salários, comércio internacional e padrões tecnológicos Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Economia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Economia de Empresas. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monastério. Brasília 2013

DAISY ASSMANN LIMA Salários, comércio internacional e padrões tecnológicos Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Economia de Empresas, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monastério Orientador Prof. Dr. Tito Belchior Silva Moreira Examinador Interno Profª. Dr. Bernardo Alves Furtado - IPEA Examinador Externo Brasília, 08 de março de 2013.

12,5 cm L732s 7,5cm Lima, Daisy Assmann. Salários, comércio internacional e padrões tecnológicos. / Daisy Assmann Lima 2013. 77f. ; il.: 30 cm Dissertação (mestrado) Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Dr. Leonardo Monteiro Monastério 1. Comércio internacional. 2. Política salarial. 3. Capital humano. 4. Educação. 5. Tecnologia. I. Monastério, Leonardo Monteiro. orient,. II. Título. 7,5 cm CDU 339.5:331.2 Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB 20/08/2013

Ao meu sogro Joaquim Ferreira Lima, amante das ciências. Ao meu marido Daniel Rodrigues Lima.

A satisfação reside no esforço, não no resultado obtido. O esforço total é a plena vitória. Mahatma Gandhi

RESUMO Este estudo propõe-se a analisar as questões relativas ao mercado de trabalho e às relações do padrão tecnológico identificado no comércio internacional. Identifica como o padrão de comércio brasileiro e os diferentes níveis de escolaridade afetam os diferenciais salariais no Brasil, no período de 1996 a 2011. Os resultados encontrados apontam que tanto a exportação quanto a importação afetam negativamente os diferenciais salariais. Entretanto, dependendo do padrão tecnológico analisado, há efeitos positivos. É o caso das importações e das exportações de alta tecnologia para prêmios salariais entre alto e médio nível de escolaridade. Palavras-chave: Comércio internacional. Escolaridade. Padrão tecnológico. Prêmio salarial.

LISTA DE FIGURAS Figura 1: Fronteira de possibilidade de produção... 26 Figura 2: Curvas de oferta e demanda relativa... 29 Figura 3: Alocação de recursos em uma economia de dois fatores... 31

LISTA DE TABELAS Tabela 1: Evolução dos salários médios no mundo (base: 1999=100; 1999-2009)... Erro! Indicador não definido. Tabela 2: PIB e comércio de bens por região (mudanças percentuais anuais; 2009-2011)... 17 Tabela 3: Preço mundial de produtos primários selecionados (mudança percentual anual e US$ por barril; 2000-2011)... 20 Tabela 4: Comércio mundial de mercadorias por região e economias selecionadas (US$ bilhões e percentuais; 2005-2011)... 21 Tabela 5: Exportação brasileira dos setores industriais por intensidade tecnológica (US$ milhões FOB; 1996-2011)... 45 Tabela 6: Importação brasileira dos setores industriais por intensidade tecnológica (US$ milhões FOB; 1996-2011)... 46 Tabela 7: Prêmio salarial dos graus de escolaridade em SM no Brasil (1996-2011)... 48 Tabela 8: Exportação e importação segregadas por padrão tecnológico em bilhões de reais no Brasil (1996-2011)... 49 Tabela 9: Efeito em importação e exportação no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade alta e média no Brasil (1996-2011)... 51 Tabela 10: Efeito em importação e exportação no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade alta e baixa no Brasil (1996-2011)... 52 Tabela 11: Efeito em importação e exportação no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade média e baixa no Brasil (1996-2011)... 52 Tabela 12: Efeito nas exportações por padrão tecnológico no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade alta e média no Brasil (1996-2011)... 53 Tabela 13: Efeito nas exportações por padrão tecnológico no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade alta e baixa no Brasil (1996-2011)... 54 Tabela 14: Efeito nas exportações por padrão tecnológico no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade média e baixa no Brasil (1996-2011)... 54 Tabela 15: Efeito nas importações por padrão tecnológico no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade alta e média no Brasil (1996-2011)... 55 Tabela 16: Efeito nas importações por padrão tecnológico no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade alta e baixa no Brasil (1996-2011)... 56

Tabela 17: Efeito nas importações por padrão tecnológico no prêmio salarial em SM entre nível de escolaridade média e baixa no Brasil (1996-2011)... 56

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Alterações no PIB em % a preços constantes no mundo (1995-2010)... 14 Gráfico 2: Crescimento salarial no mundo (2006-2009)... 15 Gráfico 3: Crescimento salarial em % por regiões do mundo (2000-2009)... 15 Gráfico 4: Crescimento regional salarial países avançados (2000-2009) Erro! Indicador não definido. Gráfico 5: Crescimento regional salarial América Latina e Caribe (2000-2009)... Erro! Indicador não definido. Gráfico 6: Crescimento regional salarial Europa Central e Leste (2000-2009)... Erro! Indicador não definido. Gráfico 7: Crescimento regional salarial Europa Ocidental e Ásia Central (2000-2009)... Erro! Indicador não definido. Gráfico 8: Crescimento regional salarial Ásia (2000-2009)... Erro! Indicador não definido. Gráfico 9: Crescimento regional salarial África (2000-2009)... Erro! Indicador não definido. Gráfico 10: Crescimento regional salarial Oriente Médio* (2000-2009) Erro! Indicador não definido. Gráfico 11: Crescimento em volume do comércio mundial e do PIB (em taxas percentuais anuais; 2000-2011)... 16 Gráfico 12: Volume mundial de bens exportados (índice 1990=100; 1990-2011)... 17 Gráfico 13: Crescimento do PIB real e comércio da Zona do Euro (mudança percentual anualizada sobre o trimestre anterior; 2008-2011)... 19 Gráfico 14: Maiores exportadores de mercadorias - 2011... 22 Gráfico 15: Maiores importadores de mercadorias - 2011... 23 Gráfico 16: Alteração da oferta e demanda por trabalho... 35 Gráfico 17: Dispersão entre período e prêmio salarial em salário mínimo por nível de escolaridade no Brasil (1996-2011)... 49 Gráfico 18: Dispersão entre período e exportação e importação em bilhões de reais no Brasil (1996-2011)... 50

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 11 1 PANORAMA DOS SALÁRIOS E DO COMÉRCIO NO MUNDO... 12 1.1 Panorama dos salários no mundo... 12 1.2 Panorama do comércio internacional no mundo... 16 2 TEORIAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DO EFEITO DA TECNOLOGIA NO MERCADO DE TRABALHO... 24 2.1 Breve revisão das teorias de comércio internacional... 24 2.2 Mercado de trabalho e o comércio internacional... 33 3 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE SALÁRIOS, COMÉRCIO E ESCOLARIDADE... 36 3.1 Estudos empíricos sobre salários, comércio e escolaridade no mundo... 36 3.2 Algumas evidências empíricas dos diferenciais salariais no Brasil... 41 4 METODOLOGIA... 42 4.1 Dados... 42 4.2 Exportações e importações brasileiras dos setores industriais por intensidade tecnológica de 1996 a 2011... 44 4.3 Especificação das regressões... 47 4.4 Modelos a estimar... 47 4.5 Estatísticas descritivas... 48 5 RESULTADOS... 51 5.1 Importação e exportação... 51 5.2 Importação e exportação por padrão tecnológico... 52 5.3 Análise dos resultados... 57 CONCLUSÃO... 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 59 ANEXO: NOTAS METODOLÓGICAS... 64 CNAE 95 - Grupo... 64 CNAE 2.0 Grupo... 69 OBTENÇÃO DOS DADOS NA RAIS-MIGRA (2012)... 73

DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS SELECIONADAS SEGUNDO A RAIS... 73

11 INTRODUÇÃO Este estudo propõe-se a analisar as questões relativas ao mercado de trabalho e às relações do padrão tecnológico identificado no comércio internacional. Identifica como o padrão de comércio brasileiro e os diferentes níveis de escolaridade afetam os diferenciais salariais na indústria. E para alcançar esse objetivo, é apresentado um panorama dos salários e do comércio internacional no mundo e as teorias do comércio internacional e o efeito da tecnologia no mercado de trabalho. Deve-se ressaltar, que esse trabalho não possui paralelo na literatura acadêmica nacional. Os resultados encontrados apontam que, em termos gerais, tanto a exportação quanto a importação afetam negativamente os diferenciais salariais no Brasil, no período de 1996 a 2011. Entretanto, dependendo do padrão tecnológico analisado, há efeitos positivos. É o caso das importações e das exportações de alta tecnologia para prêmios salariais entre alto e médio nível de escolaridade. A motivação para este trabalho pautou-se na persistente dependência externa brasileira de produtos com alto padrão tecnológico. E para averiguar tal hipótese, foi analisada a conjuntura econômica mundial dos salários e do comércio internacional. Ademais, constata-se que os salários são influenciados pelo padrão tecnológico do comércio internacional. Do ponto de vista empírico, também foram encontradas evidências que corroboram os resultados encontrados. É o caso, por exemplo, do trabalho de Autor et al. (2012). Adicionalmente, as teorias de comércio internacional também apontavam no sentido de que os países teriam sua balança comercial afetada pelos salários com mão-de-obra abundante pelo fato de o comércio ser especializado em produtos em que o fator de produção seja abundante, como explicado por Heckscher-Ohlin. Os capítulos do trabalho estão organizados da seguinte maneira: o primeiro descreve o panorama recente do mercado de trabalho mundial com um recorte para o caso brasileiro. O segundo capítulo trata das teorias de comércio internacional, do fenômeno da globalização e seus efeitos no mercado de trabalho, bem como o efeito da tecnologia nas relações de demanda e de oferta de trabalho. O terceiro capítulo apresenta os estudos empíricos da literatura. O quarto trata da metodologia; já o quinto apresenta os resultados obtidos.

12 1 PANORAMA DOS SALÁRIOS E DO COMÉRCIO NO MUNDO 1.1 Panorama dos salários no mundo Qual a causa das diferenças nos salários entre indivíduos com níveis distintos de escolaridade? Por que o trabalho executado por alguns é mais bem avaliado do que por outros? Essas são algumas das questões referentes ao padrão de salários vigentes no Brasil e no mundo. Segundo consta no Relatório Global da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Salários 2010/2011 há uma preocupação quanto a esse quesito nas principais economias do mundo hoje. A maior parte das pessoas trabalha em troca de um salário e os diferenciais de salário fixam o nível de pagamento e dos ganhos individuais e, portanto, até certo grau, os padrões de vida comparativos das famílias e dos indivíduos. Segundo o Relatório Global OIT sobre Salários 2010/2011, a definição de salários é: (...) a remuneração ou os ganhos (...) que são devidos em virtude de um contrato de trabalho, escrito ou verbal, por uma entidade patronal (...) a um trabalhador por conta de outrem (...). (RELATÓRIO GLOBAL OIT SOBRE SALÁRIOS 2010/2011, p.01). A expressão diferenciais de salários significa simplesmente as diferenças relativas às escalas de pagamento. Existem diferenciais de salários de toda a natureza. Há, como citado anteriormente, diferencial quanto ao gênero, à idade, à indústria, sendo estes alguns dos que mais se destacam. Ao se remeter a uma perspectiva histórica, tem-se uma explicação clássica para a existência dos diferenciais salariais por tipo de ocupação, que foi dada há quase 300 anos por Smith (1776), o qual propôs cinco circunstâncias principais que justificam um pequeno ganho pecuniário em alguns empregos e um ganho maior em outros. Primeiro, os salários variam de acordo com a facilidade ou dificuldade, limpeza ou sujeira, dignidade ou indignidade do emprego. Assim, em muitos lugares, durante o ano inteiro, o alfaiate ganha menos do que o tecelão, porque o trabalho do primeiro é muito mais fácil. Um tecelão ganha menos do que um ferreiro, porque o trabalho do primeiro, embora nem sempre seja mais fácil, é, contudo, muito mais limpo... Segundo, os salários variam segundo a facilidade e insignificância, ou a dificuldade e as despesas necessárias para aprender o ofício. A aprendizagem das artes inventivas e das profissões liberais é... tediosa e cara. A recompensa pecuniária, portanto, do pintor, do escritor, do advogado ou do físico deve ser muito mais liberal; e assim o é em consequência. Terceiro, os salários em diferentes ocupações variam de acordo com a constância ou inconstância do emprego. Os salários inferiores nas manufaturas são comparados com os níveis mais altos pagos pela construção civil.

13 Quarto, os salários variam de acordo com a maior ou menor confiança que se deposita no trabalhador. Os salários dos ourives e joalheiros são, em toda a parte, superiores aos de muitos trabalhadores... em virtude dos preciosos materiais que lhes são confiados. Quinto, os salários em ocupações diferentes variam de acordo com a probabilidade ou improbabilidade de êxito que eles apresentem. Onde o êxito é praticamente certo, como na confecção de sapatos, a recompensa é pequena; onde é duvidoso, como na advocacia, a recompensa dos que, afinal, são bem sucedidos é proporcional às perdas de todos os que fracassaram. (SMITH, 1776, p.57). Entretanto, segundo Phelps (1961), Smith (1776) não explicou por que essas características levariam os empregadores a aumentar o salário do trabalhador ou melhorariam a posição de barganha. Mas, para Phelps (1961), segundo uma análise de oferta e de demanda, pode-se explicá-las assim: a dificuldade demasiada, a falta de higiene ou o caráter pouco digno do emprego tenderão a desestimular os candidatos e a escassez da oferta produzirá um aumento na escala salarial relativamente àquelas ocupações que absorveram a proporção excedente dos candidatos. Isso também ocorre com relação às dificuldades e às despesas de aprendizagem, à inconstância do trabalho, à probabilidade de fracasso e assim sucessivamente. Enfim, não há respostas imediatas para essas questões, daí a importância dos trabalhos empíricos, uma vez que os resultados podem variar devido a uma diversidade de variáveis e métodos utilizados. Baseado no Relatório Global OIT sobre Salários 2010/2011 verificam-se algumas relações interessantes para caracterizar o panorama global dos salários no mundo. No período de 1996 a 2010, as tendências salariais no mundo apresentaram características de moderação e crescente desigualdade, como pode ser observado no gráfico 1, sendo agravadas pela crise econômica de 2008. Assim, temeu-se por uma acentuação do quantitativo de empregados com baixos salários a curto e médio prazos, segundo o Relatório Global OIT sobre Salários 2010/2011. Os trabalhadores que estariam englobados nessa categoria seriam aqueles com remuneração inferior a dois terços do salário mediano de cada país. A preocupação em relação a esse grupo cresce devido à possibilidade de aumento das tensões sociais e políticas decorrentes da crescente massa de trabalhadores com baixos salários. Durante o período de crise econômica mundial, houve um aumento de 210 milhões nas taxas de desemprego, desconsiderando-se as pessoas que saíram da população economicamente ativa (PEA) dada a desmotivação em persistir a procurar trabalho. Os salários foram influenciados de modo que o seu crescimento global, em termos médios reais,

14 foi reduzido à metade em 2008 e em 2009 quando comparado com anos anteriores, conforme ponderado pelo Relatório Global OIT sobre os Salários 2010/2011. Segundo outros relatórios da OIT, tais como o relatório apresentado ao G20 em setembro de 2009, o World of Work Report, do Instituto Internacional de Estudos do Trabalho, ou a mensagem transmitida na Conferência conjunta do FMI/OIT em Oslo, em setembro de 2010, os desafios mais urgentes a enfrentar são a desigualdade salarial ascendente, a desconexão entre salários e produtividade, e os cerca de 330 milhões de trabalhadores que agora estão com os mais baixos salários do mercado. Pode ser observado que entre o período de 2006 a 2009 houve o efeito da crise (2008-2009) no processo de redução do crescimento salarial. Com base em estatísticas nacionais oficiais de 115 países e territórios, o Relatório Global OIT sobre os salários 2010/2011 estima que o crescimento dos salários médios mensais reais baixou de 2,8% antes da crise, em 2007, para 1,5% em 2008 e para 1,6% em 2009. Com exclusão da China (onde as estatísticas só abrangem unidades urbanas ligadas ao Estado), o relatório calcula que o crescimento salarial real baixou de 2,2% em 2007 para 0,8% em 2008 e para 0,7% em 2009. Gráfico 1: Alterações no PIB em % a preços constantes no mundo (1995-2010) As variações regionais do crescimento salarial são significativas, como pode ser observado no gráfico 2 a seguir:

15 Gráfico 2: Crescimento salarial no mundo (2006-2009) Fonte: Elaboração própria com dados do Relatório Global OIT sobre salários 2010/2011. O Relatório mostra que os salários nos países da Europa, Leste e Central, foram os mais afetados pelos efeitos da crise. Os países avançados (OCDE), Ásia, Oriente Médio, América Latina e Caribe obtiveram leve recuperação após a fase mais aguda da crise. Nos países avançados, os impactos de curto prazo que a crise provocou nos salários médios devem ser analisados em um contexto de continuada moderação salarial e de declínio prolongado do peso da massa salarial no PIB antes da crise, conforme Relatório Global OIT sobre Salários 2010/2011. Gráfico 3: Crescimento salarial em % por regiões do mundo (2000-2009) Fonte: Relatório OIT sobre Salários 2010/2011

16 1.2 Panorama do comércio internacional no mundo No período de 2000 a 2011, apenas em 2001 e em 2009 as exportações não acompanharam o crescimento do PIB. Isso mostra que é possível o PIB e as exportações não caminharem juntos: em 2001 devido à bolha da Internet e em 2009 devido à bolha imobiliária. Ademais, a média de crescimento do PIB está abaixo da média de crescimento das exportações. O crescimento do comércio mundial desacelerou fortemente em 2011, uma vez que a economia mundial sofreu influência dos desastres naturais, de incertezas financeiras e de conflitos civis. A redução no comércio já era esperada, dado o reflexo da economia em 2010, além do terremoto no Japão e das inundações na Tailândia, bem como as crises da dívida pública dos países da União Européia. Ademais, há que se considerar a guerra civil na Líbia, o que contribuiu para reduzir a oferta de petróleo. Esses fatos representaram um choque na oferta mundial (WORLD TRADE REPORT, 2012, p.16). Segundo dados do World Trade Report (2012), a taxa de crescimento do PIB mundial caiu de 3,8% em 2010 para 2,4% em 2011. Essa taxa está abaixo inclusive dos 3,2% atingidos nos anos anteriores à crise financeira de 2008, conforme pode ser visto no gráfico 11. Gráfico 11: Crescimento em volume do comércio mundial e do PIB (em taxas percentuais anuais; 2000-2011) Fonte: World Trade Report 2012.

17 No gráfico abaixo se pode identificar, em termos reais, que no período 1990 a 2011 as exportações foram crescentes, uma vez que o volume de bens exportados cresceu. Isso ocorreu conjuntamente com o comércio internacional. Nesse caso, percebe-se que o crescimento foi bem próximo e sem muitas diferenças de comportamento. As exceções podem ser vistas novamente em 2000-2001 e a partir de 2008. Gráfico 12: Volume mundial de bens exportados (índice 1990=100; 1990-2011) Fonte: World Trade Report 2012. Apesar do crescimento do PIB do Japão em 0,5%, o país sofreu influências adversas em seu produto interno devido ao terremoto de março de 2011. Por outro lado, países desenvolvidos apresentaram crescimento do PIB da ordem de 1,5% em 2011. O crescimento do PIB nos Estados Unidos estava pouco superior do que a média de todas as economias desenvolvidas que, por sua vez cresceram a 1,7%. A taxa de crescimento da União Européia estava também em conformidade com a média mundial dos países desenvolvidos (WORLD TRADE REPORT, 2012, p.20). Tabela 2: PIB e comércio de bens por região (mudanças percentuais anuais; 2009-2011)

18 Fonte: World Trade Report 2012. Ainda segundo o World Trade Report (2012), o maior crescimento regional ocorreu no Oriente Médio, com 4,9%, seguido da Comunidade dos Países Independentes (CEI), com 4,6%, e das Américas do Sul e Central, com crescimento do PIB a 4,5%. A África, com um crescimento de 2,3%, teve maior crescimento mesmo com os acontecimentos recentes na Líbia, Tunísia, Egito e outros. Novamente a China teve um crescimento muito acima da média mundial, de 9,2%, mas essa taxa não foi melhor do que aquela alcançada em 2010. O PIB da Zona do Euro contraiu 1,3% em percentuais anuais (veja o gráfico 13). Simultaneamente, a economia da China reduziu seu ritmo de crescimento e o Japão permaneceu próximo a um ambiente recessivo. Nos Estados Unidos o crescimento diminuiu e o desemprego aumentou, refletindo uma realidade das economias desenvolvidas. O volume do comércio mundial cresceu 5,0% em 2011 e na Ásia o crescimento foi de 6,6%. Um dos resultados mais significantes em 2011 foi a redução do volume das exportações da África, em 8,3%. Essa redução ocorreu devido à guerra civil na Líbia, que reduziu as remessas de petróleo em 75%, aproximadamente.

19 Gráfico 13: Crescimento do PIB real e comércio da Zona do Euro (mudança percentual anualizada sobre o trimestre anterior; 2008-2011) Fonte: World Trade Report 2012. A África alcançou 5,0% de aumento nas importações em 2011. Já as importações da CEI cresceram mais do que qualquer outra região - 16,7% -, seguidas pelas Américas do Sul e Central, com 10,4%. Entretanto, o crescimento das importações japonesas foi menor do que qualquer outra economia ou região em 2011, com 1,9%. A Índia teve o mais rápido crescimento do comércio em 2011, com as exportações crescendo a 16,1%. A China vem logo em seguida, com um crescimento das exportações em 9,3%. A combinação de baixo volume de exportações e altos níveis de importação na Comunidade dos Países Independentes, em 2011, pode ser atribuída ao crescimento de 32% dos preços da energia por ano, que impulsionaram os ganhos das exportações e permitiram que mais bens fossem importados (WORLD TRADE REPORT, 2012, p.22). O valor total das exportações em dólar aumentou em 19%, ou seja, passou para US$ 18,2 trilhões em 2011. Esse aumento estava próximo do observado em 2010, 22%, e foi devido, em boa parte, ao maior preço das commodities primárias conforme pode ser observado pela tabela 3. Em comparação com os anos anteriores, de 2005 a 2011, a mudança percentual da exportação mundial de mercadorias foi mais amena, já que incorporou os períodos de queda do comércio internacional.

20 Tabela 3: Preço mundial de produtos primários selecionados (mudança percentual anual e US$ por barril; 2000-2011) Fonte: World Trade Report 2012. As exportações dos Estados Unidos cresceram 16% em 2011, ou seja, US$ 2,28 trilhões, equivalente a 12,8% do total mundial, enquanto que as importações cresceram 15%, ou seja, US$ 3,09 trilhões, equivalente a 17,2% do total mundial, conforme tabela abaixo. Em comparação a períodos anteriores, 2005-2011, as mudanças percentuais também são crescentes e positivas, porém em magnitudes inferiores, pois já incorporaram os efeitos da crise de 2008.

21 Tabela 4: Comércio mundial de mercadorias por região e economias selecionadas (US$ bilhões e percentuais; 2005-2011) Fonte: World Trade Report 2012. As exportações das Américas do Sul e Central aumentaram em 27% em 2011, ou seja, em US$ 749 bilhões e, em termos do total mundial, representaram 4,2%. Ao mesmo tempo, as importações da região aumentaram em 24%, ou seja, US$ 727 bilhões, o que equivalente a 4,0% do total mundial. As exportações nominais mundiais da Europa cresceram 17% em 2011, ou seja, US$ 6,60 trilhões ou o equivalente a 37,1% do total mundial. As importações da região também foram impulsionadas em 17%, ou seja, US$ 6,85 trilhões ou o equivalente a 38,1% do total mundial. As exportações da Comunidade dos Países Independentes aumentaram 34% em 2011, ou seja, US$ 788 bilhões, baseadas no crescimento dos preços da energia. As importações também aumentaram em 30%, ou seja, em US$ 540 bilhões. Em termos do total mundial foram 4,4% em exportações e 3,0% em importações.

22 As exportações da África cresceram 17%, ou seja, US$ 597 bilhões ou ainda 3,4% do total mundial, enquanto que as importações cresceram 18%, ou seja, US$ 555 bilhões, ou ainda 3,1% do total mundial. As exportações do Oriente Médio aumentaram 37%, ou seja, US$ 1,23 trilhão, ou ainda 6,9% do total mundial como resultado do crescimento do preço do petróleo. Por outro lado, as importações cresceram somente 16%, ou seja, US$ 6,65 bilhões ou ainda 3,7% do total mundial. As exportações da Ásia cresceram 18% em 2011, ou seja, US$ 5,53 trilhões, ou ainda 31,1% do total mundial, enquanto que as importações aumentaram 23%, ou seja, US$ 5,57 trilhões, ou ainda 30,9% do total mundial. Os maiores exportadores de mercadorias em 2011 foram China, Estados Unidos, Alemanha, Japão e Noruega, respectivamente, conforme gráfico 14. Gráfico 14: Maiores exportadores de mercadorias - 2011 Fonte: Elaboração própria com dados do World Trade Report 2012. Os maiores importadores de mercadorias em 2011 foram União Européia, Estados Unidos, China, Japão e Coréia, respectivamente, conforme gráfico 15.

23 Gráfico 15: Maiores importadores de mercadorias - 2011 Fonte: Elaboração própria com dados do World Trade Report 2012. Enfim, o comércio internacional, no período de 2000 a 2011, foi crescente tanto em termos nominais quanto em termos reais, contribuindo para o aumento do PIB dos países. Contudo, o comércio mundial de bens e serviços foi abalado pelos fatores adversos da economia, como foi o caso das crises de 2000-2001 e de 2008-2009.

24 2 TEORIAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DO EFEITO DA TECNOLOGIA NO MERCADO DE TRABALHO 2.1 Breve revisão das teorias de comércio internacional 1 Os primeiros teóricos que falaram sobre o comércio internacional foram David Hume (1711-1776), Adam Smith (1723-1790), David Ricardo (1772-1823) e John Stuart Mill (1806-1873). O modelo proposto por Ricardo destacou-se por explicar as motivações econômicas para as trocas comerciais entre países e, ressalvadas suas limitações, por ser válido como base teórica em estudos contemporâneos. O modelo de Ricardo está baseado no conceito das vantagens comparativas, que foi resultado do aperfeiçoamento do conceito das vantagens absolutas, desenvolvido por Adam Smith. Segundo Ricardo, em seu modelo 2x2, de dois bens, dois países e um fator de produção, cada país deve especializar-se na produção do bem em que possui menor custo relativo, mensurado pela produtividade do trabalho, complementando sua necessidade de consumo por meio do comércio com o segundo país. No modelo, o fator é homogêneo e possui livre mobilidade entre os setores. Dessa forma, o padrão de comércio entre os países se estabelece com base nos custos de oportunidade de cada bem e assim a troca comercial é vantajosa para ambos os países. Por exemplo, suponha a existência de dois produtos (tecido e vinho). Cada qual emprega horas de trabalho (fator de produção) para a sua produção (a LV e a LT ). As principais lições do modelo ricardiano indicam que para que haja comércio entre dois países denominados local e estrangeiro (*) é necessário que: (1) E dessa relação tem-se as seguintes situações: se, a economia deve especializar-se na produção de vinho, uma vez que o custo de oportunidade do tecido é maior que o seu preço relativo, ou seja, nessa situação a vantagem relativa está associada ao vinho, e 1 Este capítulo está baseado em Krugman & Obstfeld (2005).

25 se, a economia deve especializar-se na produção de tecido, pois, nesse caso, o preço relativo do tecido supera o seu custo de oportunidade. Devido às limitações do modelo ricardiano, Paul Samuelson e Ronald Jones desenvolveram o modelo dos fatores específicos com o objetivo de explicar o impacto do comércio internacional na distribuição de renda dos países envolvidos. Nesse modelo, os autores estabelecem a hipótese de dois bens (manufaturas e alimentos) e três fatores de produção: capital (K), terra (T) e trabalho (L). Trabalho é o fator móvel ao passo que capital e terra são os fatores específicos e, portanto, fixos de cada um dos dois setores da economia, segundo o modelo. A produção de manufaturas combina o emprego de capital e de trabalho como fatores de produção e a produção de alimentos combina terra e trabalho, conforme representam suas funções de produção abaixo: (2) (3) O total de mão-de-obra empregada é dado por: (4) Nesse modelo, a fronteira de possibilidades de produção é uma curva, pois existe a combinação entre um fator móvel, o trabalho, e um específico e, portanto, fixo: a terra para a produção de alimentos ou o capital para a produção de manufaturas. Dessa forma, a curva reflete os rendimentos decrescentes do trabalho em cada setor e sua declividade é definida por: (5) alimentos. E, nesse caso, representa o custo de oportunidade das manufaturas em termos de

26 O diagrama abaixo (figura 1) sintetiza o funcionamento do modelo, mostrando as curvas: de fronteira de possibilidades de produção (FPP) da economia (quadrante I), das funções de produção para alimentos (quadrante II), de alocação do trabalho (quadrante III) e das manufaturas (quadrante IV). Na curva de fronteira de possibilidades de produção, observa-se que o aumento da produção de manufaturas (deslocamento do ponto 1 para o ponto 2) implica uma redução na produção de alimentos, tendo em vista o deslocamento de trabalho do setor de alimentos para o de manufaturas. É importante notar que, tendo em vista os retornos decrescentes, a cada unidade de trabalho deslocada para o setor de manufaturas a sua produção adicional é proporcionalmente menor, o que torna o seu custo de oportunidade maior, haja vista que uma parcela maior da produção de alimentos é sacrificada. Isso é explicado pela declividade da curva FPP que se torna mais acentuada ao passar do ponto 1 para o ponto 2. Figura 1: Fronteira de possibilidade de produção Fonte: Krugman &Obstfeld (2005, p.31). O fator trabalho, nesse modelo, assim como no modelo ricardiano, permanece homogêneo e o seu deslocamento é livre entre os setores, de modo que os salários sob essas hipóteses devem ser idênticos. Assim:

27 (6) (7) Igualando-se os termos, a equação pode ser expressa como: (8) A produção deve ser tangente a uma reta cuja declividade seja o preço de manufaturas dividido pelo de alimentos da curva FPP com sinal negativo. Uma movimentação ao longo da curva somente ocorre se houver mudanças que alterem essa razão, seja mediante o aumento do preço de apenas um bem ou em virtude de aumentos diferenciados nos dois bens. Portanto, uma simples mudança no nível geral de preços não provoca alterações ao longo da curva. Dessa maneira, supondo uma elevação somente no preço das manufaturas ( ), as implicações seriam: um deslocamento da mão-de-obra do setor de alimentos para o de manufaturas, consequentemente uma redução da produtividade marginal do trabalho de menor proporção nesse setor ( ) relativamente ao aumento de, tendo em vista que o fator capital é fixo. Isso faz com que o salário nominal (w) comum aos dois setores aumente também em menor proporção que a elevação de. O adicional de trabalho promove um aumento na produção de manufaturas e, em contrapartida, uma redução na produção de alimentos motivada pelo deslocamento da mão-de-obra desse setor. Vale assinalar que a diminuição da mão-de-obra no setor de alimentos implica um aumento da produtividade marginal do trabalho no referido setor ( ), configurando o mecanismo de autoajuste do modelo. Em relação aos efeitos na distribuição de renda entre os agentes envolvidos, têm-se as seguintes constatações: Quanto aos trabalhadores: nada se pode concluir sobre uma melhor ou pior situação desses agentes, pois há uma queda no salário real em termos de manufaturas ( ) e um aumento no salário real em termos de alimentos ( ). Somente a definição da cesta de consumo dos trabalhadores permitiria um posicionamento quanto a perdas e ganhos. Por

28 exemplo, se a cesta fosse composta, em sua maioria, por alimentos haveria um ganho para os trabalhadores, o que já não ocorre caso a cesta seja composta por produtos manufaturados. Quanto aos proprietários do capital: obtêm ganhos na renda, visto que os seus lucros aumentaram em contrapartida à diminuição do salário real em termos de manufaturas. Quanto aos proprietários da terra: registram a redução da renda em contrapartida ao aumento do salário real em termos de alimentos. Os modelos até aqui mostrados focaram aspectos de uma economia fechada. A ampliação da análise para uma economia aberta, tendo como foco o comércio internacional, pode tomar como referência o comércio entre dois países. Arbitrariamente, foram escolhidos os Estados Unidos como destaque na produção de alimentos e o Japão na produção de manufaturas. Como hipótese, assume-se que a demanda relativa é comum entre os países e cada um possui sua oferta relativa conforme a dotação de fatores existente. Nos Estados Unidos, com grande disponibilidade de terra, há mais terra por trabalhador e, portanto, detêm maior capacidade de oferta relativa de alimentos. Já no Japão, a maior disponibilidade de capital por trabalhador torna mais ampla a sua capacidade de oferta relativa de manufaturas. Sob um regime de autarquia, nota-se que o Japão, com maior oferta relativa de manufaturas, tem o seu preço relativo ao alimento em nível abaixo do vigente nos Estados Unidos, que detêm vantagem comparativa na produção de alimentos, e inferior ao preço mundial, evidenciando, por sua vez, a vantagem comparativa japonesa na produção de manufaturas. Ao se estabelecer uma situação de comércio entre os dois países, há uma tendência de convergir para um ponto de equilíbrio mundial, situado em um nível intermediário entre o do Japão e o dos Estados Unidos, conforme a figura 2. Ou seja, para que se estabeleça o comércio, ratifica-se a necessidade de que os preços relativos sejam distintos entre as nações. A convergência dos preços relativos, resultante da existência do comércio, faz com que o setor manufatureiro no Japão obtenha ganhos por conta do aumento do preço das manufaturas em termos de alimentos. Analogamente, nos Estados Unidos, o mesmo se daria em relação ao setor de alimentos para os proprietários de terra. Assinale-se que em ambos os países há os setores que perdem com o comércio, que nesse caso é o de alimentos no Japão e o de manufaturas nos Estados Unidos. Já para os trabalhadores em ambos os países, o resultado em termos de perdas e ganhos seria indefinido. O fato é que o comércio propiciaria

29 uma maior oferta, tanto em termos de manufaturas como de alimentos, garantindo uma elevação do bem-estar global. Figura 2: Curvas de oferta e demanda relativa Fonte: Krugman & Obstfeld (2005, p.35). O mérito do modelo de fatores específicos está em explicar os efeitos na distribuição da renda da economia local decorrentes de sua abertura ao comércio externo mesmo que os efeitos sobre a distribuição de renda não sejam específicos do comércio internacional. Ademais, o problema da distribuição de renda é tratado diretamente em vez de interferir nos fluxos de comércio. Os economistas suecos Eli Heckscher e Bertil Ohlin desenvolveram a teoria das proporções dos fatores, conhecida como teoria de Heckscher-Ohlin (H-O). O trabalho baseiase nas diferenças de recursos dos países que consistem no único motivo da troca de mercadorias entre as nações (a abundância relativa dos fatores de produção) e a tecnologia de produção (que influencia a intensidade relativa com que fatores de produção diferentes são utilizados na produção de bens). O modelo de H-O é similar ao de fatores específicos na medida em que se utilizam dois fatores de produção (terra e trabalho) e dois bens (tecidos e alimentos). Entretanto, ele apresenta como diferencial o fato de considerar a mobilidade de ambos os fatores, no caso, terra e trabalho. A proporção de uso desses fatores no processo produtivo é determinada pela relação de custo entre eles, ou seja, a razão entre salário por hora de trabalho e o custo de um

30 alqueire de terra ( ). Nesse aspecto, se há um aumento relativo do salário, o produtor opta por empregar proporcionalmente mais terra que trabalho e o inverso vale para um aumento relativo do preço da terra. Além da decisão sobre a combinação dos insumos, de acordo com mudanças na razão ( ), os autores atentam para a ordenação das intensidades de fatores, a qual não se altera, e por isso é denominada de irreversibilidade dos fatores. Ilustrativamente, pode-se dizer que a produção de tecidos tem por característica a necessidade de empregar mais trabalho que terra, trata-se, por consequência, de um bem intensivo em trabalho. Já a produção de alimentos apresenta como peculiaridade o emprego de mais terra que trabalho, configurando-se um bem intensivo em terra. Logo, um suposto aumento relativo do salário traria maiores impactos em termos de custo ao bem considerado intensivo em trabalho, no caso, os tecidos, e isso resultaria em um aumento relativo dos preços dos tecidos em termos de alimentos ( ). Nessa situação, os trabalhadores teriam ganhos por conta de um aumento no salário real e também os produtores de ambos os bens. A figura 3 ilustra a dinâmica do modelo. A reta T representa o conjunto de combinações de insumos na produção de tecidos. Como se trata de um bem intensivo em trabalho, o ângulo de inclinação definido pela razão é menor se comparado ao ângulo da reta A ( de produção de alimentos classificados como intensivos em terra. O ponto 1 mostra o encontro das retas T e A e representa, motivado pela razão entre os custos dos fatores de produção ( ), a combinação ótima desses fatores para uma economia que produz os dois bens (tecidos e alimentos), demonstrada pela coincidência dos pontos de tangência das curvas isoquantas referentes aos respectivos bens. O formato retangular do diagrama demonstra a existência de vantagem comparativa de uma economia na produção de bens. Por exemplo, uma economia representada por uma base muito extensa em comparação à altura evidencia uma baixa razão terra e trabalho. Situação inversa ocorre diante de uma alta razão terra e trabalho.

31 Figura 3: Alocação de recursos em uma economia de dois fatores Fonte: Krugman &Obstfeld (2005, p.42). O teorema elaborado por Samuelson e Stolper (1941) trata da relação entre os preços relativos dos bens e as remunerações dos fatores de produção. Como o modelo considera um mercado em concorrência perfeita, no qual o lucro é zero, os preços dos bens produzidos refletem exatamente o custo de produção, ou seja, os preços dos fatores de produção. Assim, existe uma ligação unívoca entre a razão dos preços dos bens e a razão das remunerações dos fatores. De acordo com o teorema, uma mudança nos preços relativos dos bens acarreta uma mudança nos preços relativos dos fatores de produção. Assim, caso a razão entre o preço do bem 1 e o preço do bem 2 aumente exogenamente, ocorrerá um crescimento na razão entre a remuneração do capital e salário,, sendo w a remuneração do trabalho e r a remuneração do capital. O teorema afirma, ainda, que a mudança não é somente na razão, mas que a remuneração real do capital aumenta a remuneração real do trabalho que se produz. Uma das principais conclusões dessa análise refere-se ao impacto de um choque nos preços relativos na distribuição de renda.

32 Em suma, o comércio internacional aumenta a remuneração real do fator de produção relativamente abundante em cada país e reduz a remuneração dos demais fatores. Essa é uma das mais importantes conclusões da teoria e é consequência direta do teorema de Stolper- Samuelson. Krugman (1979), em linhas gerais, desenvolve um modelo em que o padrão de comércio é determinado pelo processo contínuo de inovação e transferência tecnológica. As hipóteses do modelo são: há somente um fator de produção de trabalho em cada país; os países possuem a mesma dotação inicial de fatores; os bens são produzidos com a mesma função de produção; a produtividade do trabalho nos países é a mesma; há apenas dois tipos de bens; produtos antigos são bens que foram desenvolvidos há algum tempo. A sua tecnologia é de propriedade comum e eles podem ser produzidos tanto no Norte quanto no Sul; e uma unidade de trabalho produz uma unidade do bem antigo. Por meio de um modelo estático em que o Norte inova e o Sul não inova, chega-se aos seguintes resultados: a saída de indústrias dos países desenvolvidos para os menos desenvolvidos ocorre, pois os salários menores é fator de atratividade; a inovação tecnológica é muito mais importante do que aparenta ser, uma vez que países desenvolvidos devem inovar continuamente não só para crescer mas para manter a renda real; no caso de países menos desenvolvidos, a transferência tecnológica pressupõe a melhora dos termos de troca; e o sucesso de países menos desenvolvidos pode deixar países desenvolvidos piores uma vez que perdem a posição vantajosa monopolista devido ao processo de inovação. Ao se realizar um comparativo com o teorema de Heckscher-Ohlin, não haveria comércio entre países com as mesmas estruturas de produção. No entanto, Krugman (1980) demonstrou que esse comércio poderia existir entre países com economia de escala.

33 Como hipóteses do modelo, consideramos dois países (A e B) idênticos na produção, no consumo, nos gostos e na renda dos consumidores e uma curva de possibilidade de produção convexa. E ainda, que o comércio entre esses países é dos bens X e Y (os quais também são bens em que possuem economia de escala). Por exemplo, se o país A produzir carros de luxo (X) e carros populares (Y). Caso esse país decida produzir exclusivamente carros de luxo, produzirá 10 unidades. Mas pode produzir também 10 unidades de carros populares, sem produzir carros de luxo. Caso o país decida em não se especializar em nenhum dos dois tipos de carros, poderá produzir 4 carros de luxo e 4 carros populares. Também podem se considerar essas hipóteses para o país B. Dessa maneira, não haverá vantagens absolutas ou comparativas que poderiam levar ao comércio, pois os seus custos são absolutamente iguais. Entretanto, ainda assim será vantajoso o comércio para ambos. Caso os países decidam produzir sem recorrer ao comércio, eles produzirão, cada um, 4 unidades de cada tipo de carro e isso significa uma produção conjunta de 8 carros de cada tipo. Entretanto, os países podem decidir especializar-se. Nessa situação, cada um irá produzir um único tipo de bem. O país A, por exemplo, produzirá somente carros de luxo e o país B produzirá somente carros populares. Assim, eles terão produzido conjuntamente 10 carros de cada tipo. Isso significa uma produção superior quando comparada com a produção individual de ambos os bens em ambos os países. Portanto, ao trocar metade das produções, cada um fica com cinco unidades de carro de cada tipo. E, assim, considera-se o comércio entre esses países vantajoso. 2.2 Mercado de trabalho e o comércio internacional A interação entre os países em relação ao comércio internacional tem sugerido que a globalização intensificou-se nos últimos anos, principalmente a partir da década de 1990, tornando o mercado de trabalho mais vulnerável e imprevisível (CAHUC e ZYLBERBERG, 2004). Dessa forma, estabeleceu-se o fato de que há uma diferença entre a mão-de-obra não qualificada nos países ricos e pobres, sugerindo que os últimos possuem vantagem nas exportações de bens intensivos em mão-de-obra com baixa qualificação (CAHUC e ZYLBERBERG, 2004).

34 Assim, ao examinar a estrutura de emprego em países em desenvolvimento, verificase, segundo Cahuc & Zylberberg (2004), que esses possuem abundância de mão-de-obra não qualificada. Já a mão-de-obra qualificada é um recurso mais escasso. E é justamente dessa maneira que os países adquirem vantagem no comércio, pois ao utilizarem intensivamente mão-de-obra qualificada, possibilitam preços competitivos no comércio internacional. Borjas (2012) aponta que alguns pesquisadores atribuem parte do aumento na demanda relativa por trabalhadores qualificados à globalização da economia, particularmente a norte-americana. Afirma, ainda, que, em 1970, a proporção de exportações e de importações com relação ao PIB estava em torno de 8%, mas, por volta de 1996, era de aproximadamente 19% nos EUA. Borjas (2012) também atribui parte relevante desse aumento ao comércio com países menos desenvolvidos. Borjas (2012) verificou que os Estados Unidos, por exemplo, exportam produtos bem diferentes dos que importam. Ele conclui que os trabalhadores empregados nas indústrias de importação tendem a ser menos educados, ao passo que os da indústria de exportação tendem a ser mais bem educados. Assim sendo, as importações prejudicam os menos qualificados enquanto que as exportações ajudam os mais qualificados. Dessa forma, Borjas (2012) afirma que a globalização aumentou a demanda por trabalho qualificado ao mesmo tempo em que reduziu a demanda por trabalho não qualificado. Em termos de oferta de mão-de-obra, esse fato representa um deslocamento para fora na curva de demanda por trabalho relativo. Esse fato ocorre, pois a estrutura de oferta-demanda mostra que há uma relação entre o aumento no salário relativo de trabalhadores qualificados e fatores que aumentaram a demanda relativa por mão-de-obra qualificada. E, mais do que isso, o deslocamento deve ser grande o suficiente para compensar o impacto do aumento na oferta relativa de trabalhadores qualificados, conforme gráfico 16 a seguir. Assim, Borjas (2012) sugere que as curvas de oferta e de demanda relativas para trabalhadores qualificados estão em uma corrida nos últimos anos, uma vez que ambas estão deslocando-se para a direita, conforme gráfico 16. Entretanto, para Borjas (2012), a tendência observada nas diferenças salariais sugere que a curva de demanda prevalece e, assim, a demanda relativa para trabalhadores qualificados estaria aumentando a uma taxa maior do que a oferta para trabalhadores qualificados. Nesse ponto, vale considerar que há outro fator que influencia a demanda por mão-deobra qualificada: a mudança tecnológica. Isso ocorre, pois os avanços tecnológicos são bons substitutos para os trabalhadores não qualificados e complementam as qualificações de trabalhadores altamente educados. Há uma pequena diferenciação do tipo de mão-de-obra,

35 pois esse tipo de tecnologia tende a diminuir a demanda por mão-de-obra não qualificada e a aumentar a demanda por mão-de-obra qualificada. Assim, tem-se outro motivo que contribui para o deslocamento para fora na curva de demanda por trabalho relativa. Gráfico 16: Alteração da oferta e demanda por trabalho Fonte: Giovannetti & Filho (2006, p.07).

36 3 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE SALÁRIOS, COMÉRCIO E ESCOLARIDADE 3.1 Estudos empíricos sobre salários, comércio e escolaridade no mundo Durante as últimas duas décadas, a maioria dos países em desenvolvimento experimentou uma liberalização crescente por meio da abertura do mercado para o comércio internacional, para o fluxo de capitais e para um mercado de trabalho mais flexível. Nos meados das décadas de 1980 e 1990, há evidências empíricas da crescente desigualdade de renda dentro de alguns países em desenvolvimento, particularmente em períodos de liberalização econômica. Detectou-se que no México a desigualdade salarial aumentou entre 1987 e 1993, na Colômbia entre 1986 e 1998, na Argentina entre 1992 e 1998, na Índia entre 1987 e 1999, no Brasil entre 1988 e 1995 entre outros. Logo, observa-se que a crescente desigualdade salarial em muitos países em desenvolvimento começou após as políticas de liberalização (BAS, 2008). As teorias de comércio de Heckscher-Ohlin (H-O) e de Stolper-Samuelson (SS) preveem uma redução na desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados em países em desenvolvimento, dada a abertura comercial. Como é esperado que em países em desenvolvimento haja abundância de mão-de-obra não qualificada, eles se especializam em bens intensivos nesse tipo de mão-de-obra. Uma abertura ao comércio internacional levaria a um aumento na exportação desses produtos, assim como na demanda e consequentemente nos salários da mão-de-obra não qualificada em relação à demanda de mão-de-obra qualificada e dos respectivos salários. Esses fatos podem acarretar a redução na desigualdade salarial entre mão-de-obra qualificada e não qualificada em países em desenvolvimento. Entretanto, evidências empíricas da maioria dos países em desenvolvimento não têm logrado êxito em comprovar essas duas teorias (BAS, 2008). Para se estabelecer uma ligação entre o comércio internacional do Brasil com o resto mundo, após o período de liberalização e desigualdade salarial em países em desenvolvimento, devem-se considerar outros mecanismos como os padrões tecnológicos de comércio internacional. É esperado que esses fatores devam impactar severamente a desigualdade salarial. No caso do modelo SS, o qual explica a política de mudança relativa dos preços dos fatores, os preços dos produtos são determinados endogenamente e podem alterar-se por motivos que não necessariamente estejam relacionados com o comércio internacional. Por essas razões, uma relação direta entre bens e fatores, como sugerido pelo modelo de equilíbrio geral do comércio, não tem sido identificada empiricamente.

37 Por exemplo, nos Estados Unidos não há uma clara evidência do declínio dos preços relativos de produtos intensivos em mão-de-obra não qualificada. Mas há sim uma crescente desigualdade salarial entre mão-de-obra qualificada e não qualificada. Esse fato não é condizente com a teoria de dotação dos fatores, pois a liberalização do comércio envolveria a realocação de mão-de-obra entre os setores (SADHUKHAN, 2012). A rigidez e a existência de imperfeições no mercado de trabalho têm sido a causa dessa falta de realocação de mão-de-obra entre os setores nos países em desenvolvimento, segundo Revenga (1997), Hanson & Harrison (1999) e Topalova (2004). Outra linha da literatura que explica a crescente desigualdade salarial foca nas políticas protecionistas de comércio. Ou seja, setores intensivos em mão-de-obra não qualificada são mais protegidos e, devido à liberalização do comércio, o salário dessa mão-deobra é impactado pela queda salarial quando comparado com a mão-de-obra qualificada, pelo corte de tarifas em produtos intensivos em mão-de-obra não qualificada, conforme evidenciado por Hanson & Harrison (1999), por Currie & Harrison (1997) e por Attanasio, Goldberg & Pavcnik (2004). Além das teorias convencionais de comércio, que são altamente estilizadas em relação ao mundo real, é possível reconciliar as evidências sobre a desigualdade salarial com a teoria ao considerar extensões do modelo original. Por exemplo, um dos aspectos mais importantes do padrão recente de comércio internacional, que não mais se mantém, é a hipótese de tecnologia fixa. A orientação tecnológica de um país pode ser alterada devido à redução da adoção de políticas protecionistas assim como por meio do aumento do comércio internacional, conforme estabelecido por Wood (1997) e por Robinson (1995). Essas mudanças no comércio induzidas pelas mudanças tecnológicas são, em maioria, viesadas em favor da mão-de-obra qualificada, ou seja, esse comércio viesado para a mão-de-obra qualificada em tecnologia trade induced skill biased technological change (SBTC) demanda mais trabalho qualificado do que não qualificado. Devido ao SBTC, o salário do trabalho qualificado deve aumentar quando comparado com o salário do trabalho não qualificado. Segundo Acemoglu (2003), os países em desenvolvimento aumentam a tecnologia existente por meio da importação, que se torna disponível a custos baixos devido à liberalização do comércio e ao aumento do fluxo de capitais. Nesse sentido, há uma justificativa plausível para as mudanças na desigualdade salarial. Outra parte da literatura, que se desvia da teoria convencional de comércio internacional, considera o comércio de produtos intermediários ou o outsourcing. Feenstra &