Dicionário. Conceitos. Históricos

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Transcrição:

Dicionário de Conceitos Históricos

Kalina Vanderlei Silva Maciel Henrique Silva Dicionário de Conceitos Históricos

Copyright 2005 Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) Projeto gráfico Denis Fracalossi Ilustração de capa Delacroix, La liberté Capa e diagramação Gustavo S. Vilas Boas Revisão Lilian Aquino Dida Bessana Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Silva, Kalina Vanderlei Dicionário de conceitos históricos / Kalina Vanderlei Silva, Maciel Henrique Silva. 2.ed., 2ª reimpressão. São Paulo : Contexto, 2009. Bibliografia ISBN 978-85-7244-298-5 1. História Dicionários 2. História Estudo e ensino I. Silva, Maciel Henrique. II. Título. 05-3069 CDD-903 Índices para catálogo sistemático: 1. Conceitos históricos : Dicionários 903 2. Dicionários : Conceitos históricos 903 Editora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 Alto da Lapa 05083-030 São Paulo sp pabx: (11) 3832 5838 contexto@editoracontexto.com.br www.editoracontexto.com.br 2009 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.

h H Helenismo Ao falarmos de helenismo, estamos normalmente nos referindo à civilização desenvolvida na Antiguidade a partir da Grécia Clássica e de sua cultura. Tal período, iniciado, para alguns autores, com o Império de Alexandre Magno no século iv a.c., marcou a transição da civilização grega para a romana. Nesse sentido, o helenismo foi a expansão da cultura grega a partir do intercâmbio que o Império de Alexandre Magno promoveu entre essa cultura e diversas civilizações orientais, como os egípcios e os persas. No entanto, autores como Arnold Toynbee designam como helenismo toda a civilização grega antiga, desde o segundo milênio a.c. Tal perspectiva se baseia na etimologia da palavra helenismo, derivada de Hélade, termo que os próprios gregos utilizavam para designar sua terra. Toynbee acrescenta que a palavra helenismo é a mais correta para designar a civilização da Grécia Antiga, pois grego e Grécia são termos anacrônicos que ultrapassam o período estudado. A maioria dos historiadores, todavia, delimita o helenismo apenas a partir da expansão da cultura grega com o Império de Alexandre Magno. Esse é o caso de Rostovtzeff, que considera helenísticos os reinos criados após a dissolução do Império de Alexandre e o período entre a morte deste e a conquista do Oriente por Roma. Foi nesse contexto que, admirador da cultura das polis e discípulo de Aristóteles, Alexandre procurou levar a cultura grega para a Ásia à medida que seu Império se expandia. Com sua morte, o Império foi dividido em três unidades, cada uma governada por um general heleno, que constituiu dinastia na região: no Egito, o general Ptolomeu fundou um reino e a dinastia Lágida; Seleuco fundou a dinastia Selêucida na Síria; e Antígono dominou a Macedônia. Mas o helenismo ultrapassou essas fronteiras, chegando até a Índia. A expansão da cultura grega realizada ainda em vida de Alexandre incentivou a helenização do Império, e o processo de fusão cultural das matrizes helênicas, egípcias, persas e mesopotâmicas continuou nos grandes centros urbanos, após a fragmentação do Império. Nesse sentido, podemos considerar o helenismo um conjunto cultural de base grega, mas com influências asiáticas diversas. Uma das principais marcas desse conjunto foi seu forte caráter urbano, oriundo da interação da política de Alexandre, 178

que privilegiava as cidades como ponto estratégico defensivo, com as sociedades conquistadas, muitas das quais também eram marcadamente citadinas. Nesse contexto, um dos mais importantes centros do helenismo foi Alexandria, no Egito. Fundada por Alexandre, Alexandria se transformou na capital do Egito ptolomaico, sendo considerada pela maioria dos estudiosos a principal metrópole do helenismo com seus 500 mil habitantes. O que fez de Alexandria a cidade por excelência do helenismo foi principalmente seu caráter cosmopolita: governada por uma dinastia grega da qual Cleópatra foi a última representante e fundada na interseção entre o Egito e o Mediterrâneo, Alexandria abrigou instituições culturais cujo objetivo era reunir o conhecimento produzido no mundo conhecido, ou seja, no mundo helênico. A mais famosa de suas instituições foi a Biblioteca, paradigma para todas as bibliotecas posteriores, que chegou a ter 200 mil volumes. Mas a cidade abrigava ainda museu, zoológico, jardim botânico e observatório, além de ser o lar de uma multiplicidade de estudiosos. Outro grande centro urbano do helenismo foi Antioquia, capital do reino da Síria. E mesmo depois de incorporada ao Império Romano no século i d.c., continuou a ser um importante centro cultural, exercendo grande influência no Império, até mesmo depois da ascensão do Cristianismo. A importância do urbanismo para o helenismo pode ser vista no próprio Alexandre, um fundador de cidades por excelência: só sob a designação de Alexandria, fundou setenta cidades entre o Nilo e o Indo. A polis grega clássica foi o modelo seguido, passando a ser considerada paradigma de civilização, e mesmo a conservadora elite judaica de Jerusalém foi influenciada por essa expansão da cidade grega, sendo que uma das características mais marcantes da polis instituída por Alexandre foi a democracia. Para uma cidade ser definida como polis precisava ter organismos políticos sociais herdados dos modelos jônicos, dórios e atenienses, entre os quais estava a democracia e os costumes, as tradições e os princípios educacionais, como a Paideia. Mas as cidades helenísticas, mesmo as da Hélade, ainda que possuíssem essas instituições, estavam inseridas em reinos e impérios de tradição despótica e não eram independentes. Logo, a democracia da polis helenística foi desde seu início equilibrada com a permanência de guarnições militares nas cidades. Um dos principais veículos de transmissão do modo de vida grego nessas cidades foi a língua, o grego comum, ou koiné, imposto sobre os diversos dialetos gregos depois da conquista de Alexandre. Essa língua, que rapidamente incorporou elementos de outras culturas, foi indispensável à formação do helenismo, pois possibilitou a comunicação na diversidade étnica de cada reino. Só o reino da Síria, por exemplo, chegou a abranger todo o antigo Império persa, que ocupava a maior parte da Ásia Menor até a Índia, com uma multiplicidade de grupos étnicos. Helenismo 179

Helenismo A língua grega, koiné, difundiu-se assim por meio da assimilação dos costumes gregos por diferentes povos dentro do helenismo: com os jogos de tipo olímpico, patrocinados por diversas cidades e santuários por toda a parte, que atraíam peregrinos; com a implantação da Paideia, a tradição educacional clássica, que incluía a construção de ginásios, o culto aos esportes, a filosofia e a efebia, instituição que misturava o serviço militar obrigatório com a iniciação dos jovens nos costumes gregos, em geral patrocinada por um tutor mais velho. De Atenas, a efebia e a Paideia se espalharam pelo mundo helênico, onde as elites de diversas origens étnicas iniciavam seus filhos nas tradições gregas, helenizando-os para inseri-los no que era considerado, por aqueles que viviam nas antigas fronteiras de Alexandre, o único modo de vida civilizado. Hoje, a cultura helenística nos parece distante, apenas um tópico a mais no currículo de História do ensino Fundamental e Médio. Encarada dessa forma, realmente ela pouco tem a contribuir para nosso cotidiano. Mas cada geração relê a História a partir de suas próprias vivências e problemas. E nós também precisamos rever esse período à luz de nossa perspectiva atual: o helenismo representa um momento de intensa fusão cultural entre o clássico grego, a cultura egípcia, a mesopotâmica, a persa e mesmo a hindu. A própria Roma imperial foi um centro helenístico onde, ao lado dos deuses romanos e dos imperadores, a Isis egípcia e o Mitra persa eram amplamente cultuados. Sem esquecer que a difusão do Cristianismo em Roma religião do mundo helênico, difundida por um judeu helenizado, o apóstolo Paulo foi só o último movimento helenístico do Império. Assim, o helenismo, mais do que o triunfo da cultura grega no mundo, foi um momento de fusão de muitas matrizes culturais advindas daquelas regiões que seriam bem mais tarde identificadas como Ocidente e Oriente. A expansão de Alexandre gerou um intercâmbio cultural e comercial pela transplantação de soldados, administradores e comerciantes, mesclando culturas e gerando cosmopolitanismo. A fundação de cidades levou o modelo grego para todo o Império, junto com os homens de negócio e letrados que usavam o koiné, língua na qual, inclusive, o Novo Testamento foi escrito. Já da Ásia Menor vinham as religiões dos mistérios e o culto a Mitra, que assim como o culto egípcio a Isis e a Osíris se propagaram na Grécia e em Roma. Se considerarmos que toda experiência humana ao longo do tempo e em qualquer lugar é nossa herança comum, podemos entender melhor a relação entre nós e o helenismo. Além disso, ao observá-lo, logo percebemos a fragilidade dos conceitos de Ocidente e Oriente: pois a mais famosa das rainhas egípcias era grega, Cleópatra; e a Roma imperial, berço do Ocidente, era o palco de intensa mistura de culturas e religiões asiáticas, das quais o Cristianismo foi o exemplo vencedor. 180

Por outro lado, como quer a historiografia tradicional, temos muito a dever ao mundo grego o que não queremos contestar, o helenismo, no entanto, pode hoje se aproximar mais de nossa realidade: o cosmopolitanismo, a miscigenação, tudo isso já podia ser visto no helenismo. Além disso, temos de analisar os períodos clássicos da História com cuidado redobrado, pois toda escolha de mitos esconde um interesse ideológico: nesse caso, a Grécia Antiga foi escolhida pela historiografia tradicional como gênese da civilização, pois muitas de suas instituições foram herdadas pela Europa ocidental, região responsável pela definição de quem é ou não civilizado na História. Já o helenismo, uma vez que orientalizava os gregos, não sobressaindo os modelos civilizacionais que o Ocidente escolheu para definir uma cultura como superior, logo foi considerado um período histórico menor. Essas considerações nos levam a perceber que cabe a nós, professores de História, fazer a necessária crítica não apenas ao conteúdo de nossos programas e livros didáticos, mas também às razões que levam determinados temas a terem mais espaço que outros em nossos currículos. Pois essas escolhas não correspondem a um consenso absoluto sobre quais as sociedades mais importantes da história, mas simplesmente a uma escolha política sobre o passado que nossa sociedade acha por bem lembrar. Helenismo Ver também Antiguidade; Cidade; Civilização; Colonização; Cristianismo; Democracia; Miscigenação; Mito; Orientalismo. Sugestões de leitura Funari, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. Guarinello, Norberto Luiz. Grécia: cidades-estados na Antiguidade Clássica. In: Pinsky, Jaime; Pinsky, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. Lévêque, P. O mundo helenístico. Lisboa: Edições 70, 1987. Momigliano, Arnaldo. Os limites da helenização: a interação cultural das civilizações grega, romana, céltica, judaica e persa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. Pereira, Maria Helena R. Estudos de História da cultura clássica. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993, v. i Cultura grega. Rostovtzeff, M. História da Grécia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Toynbee, Arnold. Helenismo: história de uma civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975. 181