Protocolo de atendimento odontológico para crianças acometidas por leucemia linfocítica aguda

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Protocolo de atendimento odontológico para crianças acometidas por leucemia linfocítica aguda Protocol of dental care for children suffering from acute lymphocytic leukemia Mara Luciana Diniz Villela 1 Luis Cândido Pinto da Silva 1 Rubens de Menezes Santos 1 1- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais mara_villela@hotmail.com RESUMO A Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) é a neoplasia mais comum na infância. Atualmente, 70% a 80% das crianças recém-diagnosticadas alcançam a cura. A quimioterapia combinada é a principal modalidade terapêutica. Os agentes quimioterápicos possuem mecanismo de ação não seletivo, atuando tanto nas células neoplásicas como nas normais com alta atividade mitótica, como é o caso da mucosa bucal, resultando em uma alta incidência de efeitos tóxicos agudos. Estas complicações por sua vez têm impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes e por esse motivo se faz necessário um protocolo de atendimento odontológico aplicado antes e durante o tratamento do câncer com o objetivo de prevenir ou reduzir a gravidade dessas complicações. Estes pacientes requerem cuidados especiais para a manutenção de sua saúde bucal devido à imunossupressão apresentada por eles. Os cuidados odontológicos devem ser direcionados para promover e manter a integridade do tecido e prevenir complicações bucais da quimioterapia. Descritores: Leucemia Linfocítica Aguda. Câncer Infantil. Efeitos da Quimioterapia. Protocolo de atendimento odontológico para crianças com LLA. ABSTRACT The Acute Lymphocytic Leukemia (ALL) is the most common cancer in childhood. Currently, 70 % to 80 % of newly diagnosed children achieve cure. Combination chemotherapy is the main treatment. Chemotherapeutic agents have non- selective mechanism of action, acting both in normal and in neoplastic cells with high mitotic activity, such as oral mucosa, resulting in a high incidence of acute toxic effects. These complications in turn, has a negative impact on quality of life of patients and for this reason it is necessary a protocol for dental care applied before and during cancer treatment in order to prevent or reduce the severity of these complications. These patients require special care to maintain their oral health due to immunosuppression by them. Dental care should be directed to promote and maintain tissue integrity and preventing oral complications of chemotherapy. Key words: Acute Lymphocytic. Child Cancer. Effects of Chemotherapy. Dental care protocol for children with ALL. INTRODUÇÃO O Instituto Nacional do Câncer (INCA) define o câncer infantil como um grupo doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo. Um dos tumores mais frequentes na infância e na adolescência são as leucemias, que afetam os glóbulos brancos 1. Desde a década de 1970, observa-se um aumento das taxas de cura dos tumores na infância, que variam, atualmente, entre 70% e 80% dos casos, em crianças jovens com Leucemia Linfocítica Aguda no Brasil. Partindo de um diagnóstico precoce e tratamento adequado existe uma grande possibilidade de remissão dos sintomas. Diante dessa expectativa de cura, o câncer infantil perdeu sua qualidade de doença aguda e fatal, passando a ter características de doença crônica passível de cura 2. 28

Foi estimado pelo Ministério da Saúde/ Instituto Nacional do Câncer que em 2006 surgiram cerca de 472.000 novos casos de câncer no Brasil 3. Segundo Oliveira 4 (2004) a Leucemia Linfocítica Aguda (LLA), é o tipo mais comum de câncer infantil, constituindo cerca de um terço de todas as neoplasias malignas da criança e sua incidência maior é entre crianças de 2 a 5 anos, numa porcentagem de 70%. A LLA é uma doença maligna derivada das células linfóides indiferenciadas (linfoblastos) que estão presentes em grande número na medula óssea, no timo e nos gânglios linfáticos 5. Existem complicações orais decorrentes da terapia do câncer que acometem os pacientes, mas que podem ser reduzidas quando algumas medidas no âmbito da odontologia são estabelecidas para equilibrar a cavidade oral antes do início da quimioterapia minimizando os efeitos que ela provoca e também em possíveis intercorrências sistêmicas. Com isso, o principal objetivo do tratamento odontológico é o equilíbrio e a prevenção das complicações da quimioterapia. Medidas preventivas como instrução sobre higiene oral e detecção precoce das lesões orais, são altamente eficazes quando estabelecidas no início do tratamento. O exame oral permite ao cirurgião dentista determinar as condições bucais e estabelecer as intervenções necessárias para reduzir as complicações durante e após a terapia. Para que ocorra sucesso do tratamento, o médico responsável deve comunicar ao cirurgião dentista sobre o estado de saúde do paciente e o plano de tratamento instituído para o mesmo e ao mesmo tempo deve ser informado quais as medidas devem ser tomadas para os cuidados orais antes, durante e após a quimioterapia 6. O cirurgião dentista exerce papel fundamental tanto no auxílio do diagnóstico precoce quanto na intervenção de melhoria da saúde bucal destes pacientes durante a terapia. O acompanhamento e controle destes pacientes nos estágios do tratamento da quimioterapia são de extrema importância, visto que ocorrem manifestações bucais decorrentes de efeitos colaterais provocados por estas terapias. Na quimioterapia surgem as mucosites, a xerostomia e a imunodepressão, causando infecções dentárias e ou oportunistas7. Esta terapia possui efeito antitumoral que destrói ou retarda a divisão das células com proliferação acelerada, assim como as células tumorais. Portanto, este tratamento não diferencia as células neoplásicas das células normais com alta atividade mitótica como é o caso das células da mucosa oral, tornando esta região susceptível ao aparecimento de lesões pela dificuldade de renovação celular causada pelas drogas 8. O protocolo de atendimento pretende destacar os cuidados necessários a serem tomados, bem como as medidas que devem necessárias nas complicações causadas pela quimioterapia. O objetivo deste estudo é sugerir protocolo de atendimento odontológico para crianças acometidas pela LLA. Estes pacientes apresentam a imunidade comprometida e por esse motivo precisam de cuidados mais efetivos para a manutenção de sua saúde oral. Isso se deve principalmente ao maior risco que possuem de contraírem infecções oportunistas. PROTOCOLO DE ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO Pacientes com câncer fazem parte do universo dos pacientes com necessidades especiais e como tal necessitam de um atendimento odontológico diferenciado, não só para cuidados rotineiros com a cavidade bucal, mas por implicações causadas à mesma pelo próprio tratamento a que são submetidas. Esses pacientes necessitam de rigorosos cuidados especiais quanto ao tratamento odontológico, principalmente devido às complicações advindas dos efeitos colaterais da quimioterapia. É fundamental intervir nas complicações bucais da quimioterapia, pois quando estão presentes e dependendo da sua 29

gravidade, podem comprometer o tratamento médico 6. Sendo assim, foi elaborado um protocolo para o atendimento odontológico destes pacientes que segue as regras de manutenção da qualidade de vida e saúde geral baseado no pressuposto de que a atenção odontológica é fundamental para manter boas condições de saúde da cavidade bucal possibilitando o não agravamento de doenças. Os princípios básicos para o tratamento odontológico destes pacientes devem consistir nos seguintes tópicos: Os pacientes oncológicos pediátricos devem ser examinados pelo cirurgião-dentista tão logo tenham sua doença diagnosticada. O tratamento deve ser iniciado preferencialmente antes do tratamento oncológico. Esses pacientes necessitam de prioridade no atendimento odontológico para evitar o retardo do tratamento antineoplásico. O planejamento do tratamento odontológico deve priorizar a orientação e o treinamento em higiene bucal para que se tenha o controle das doenças cárie e periodontal. As orientações dadas previamente aos pais sobre o controle das condições bucais contribuem para reduzir o índice de complicações orais decorrentes do tratamento antineoplásico. A aplicação da quimioterapia e a da radioterapia tem sido muito efetiva, porém estão associadas a efeitos colaterais significantes, incluindo toxicidade aos tecidos hematopoéticos e não-hematopoéticos. Entre os efeitos colaterais da cavidade bucal clinicamente importante, encontra-se a interrupção das funções e integridade dos tecidos bucais, resultando mucosite, gengivite, candidíase, xerostomia, trismo, cárie, osteorradionecrose, celulite e erupções na mucosa. Presença do cirurgiãodentista na equipe multidisciplinar oncológica é de fundamental importância na prevenção das complicações. Os pacientes devem ser submetidos a uma avaliação dentária completa, incluindo radiografias, antes do início da quimioterapia. Se o estado geral de saúde do paciente permitir, os dentes sem possibilidade de tratamento devem ser extraídos e os demais restaurados, para reduzir a possibilidade de infecção. O tratamento endodôntico deve ser considerado como alternativa às extrações, nos pacientes que tenham um elevado nível de higiene oral. No entanto, a terapia endodôntica não está indicada em pacientes com granulocitopenia e trombocitopenia. As restaurações temporárias são executadas com o objetivo de restabelecer o paciente até que a contagem de leucócitos e plaquetas voltem a níveis aceitáveis. Já para os pacientes considerados graves, cujas contagens forem muito baixas e que têm cáries, devem fazer bochechos fluoretados, para reduzir a progressão das cáries. Pode haver distúrbios nutricionais devido aos efeitos sistêmicos e locais da quimioterapia. Deve-se considerar uma dieta rica em sacarose, carboidratos refinados, alimentos frios e líquidos. Por outro lado, os alimentos ásperos, que podem causar abrasão da mucosa, os muito espessos para a quantidade mínima de saliva, os alimentos muito condimentados, temperados, ou picantes, ou alimentos que irritam ou queimam a mucosa bucal, como os sucos cítricos e as bebidas alcoólicas devem ser evitados. A redução da ingestão de alimentos pode gerar danos como estomatite, dor na boca e debilitação geral. A náusea e os vômitos também prejudicam a ingestão de alimentos e aumentam a perda de proteínas e de vitaminas necessárias à estrutura das células epiteliais. O Instituto Nacional do Câncer 1 (2005) preconiza o seguinte protocolo para o atendimento a pacientes oncopediátricos: 30

Antes da quimioterapia: Conduzir uma avaliação oral prétratamento. Programar tratamento odontológico juntamente com oncologista. Programar as cirurgias orais 7 a 10 dias antes de o paciente ficar mielossuprimido. Nos pacientes com cânceres hematológicos, consultar oncologista antes de conduzir qualquer procedimento oral. Durante a quimioterapia: Consultar oncologista, antes de executar qualquer procedimento, incluindo profilaxia. Requisitar ao oncologista, um exame de sangue, 24 horas antes de qualquer cirurgia oral ou procedimentos invasivos. Esses devem ser adiados quando: - a contagem de plaquetas esteja inferior a 50.000/mm3 ou fatores de coagulação estejam anormais. - a contagem de neutrófilos seja inferior a 1.000/mm3. Pacientes que apresentam febre de origem desconhecida, verificar fontes bacterianas, virais ou fúngicas de infecções. Enfatizar sempre as medidas de higiene oral. Consultar oncologista sobre a implementação do regime de antibioticoterapia profilática, preconizado pela Associação Americana de Cardiologia, nos pacientes portadores de cateter venoso central, antes de realizar profilaxia ou procedimentos invasivos. - Amoxicilina 50 mg/kg via oral, uma hora antes de qualquer procedimento; ou clindamicina 50mg/kg via intramuscular ou endovenosa, 30 minutos antes do procedimento,ou Amicacin 150 mg/ Kg uma hora antes da cirurgia, ticarcilin 75 mg/kg endovenoso meia hora antes do procedimento; repetindo as doses 6 horas do pósoperatório. - Pacientes alérgicos a amoxicilina: clindamicina 20mg/kg via oral 01 hora antes do procedimento; ou clindamicina 25mg/kg via intramuscular ou endovenosa 30 minutos antes do procedimento. Após terapia: Incluir o paciente num programa periódico de visitas ao dentista considerando a possibilidade de realizar os seguintes procedimentos: 1- Exame bucal. 2- Radiografias de rotina. 3- Instrução de higiene bucal. 4- Eliminação dos dentes infectados. 5- Eliminação de restaurações ou próteses defeituosas ou irritantes. 6- Profilaxia dentária Além dos princípios básicos para o cuidado com a higiene oral, as complicações bucais decorrentes dos efeitos citotóxicos diretos e indiretos da quimioterapia bem como o manejo destas complicações também deverão ser considerados. As complicações bucais mais frequentes de efeito direto da quimioterapia são a mucosite e a xerostomia 8,9. Na mucosite ocorre uma ulceração da mucosa bucal ceratinizada e o principal tratamento para essa alteração é a manutenção da saúde bucal. Além disso, existem outras medidas que podem ser instituídas como tratamento que são o resfriamento com gelo na área afetada e os bochechos com clorexidina a 0,12%7, 8. Em nenhuma hipótese devem-se utilizar soluções que contenham álcool ou fenol em sua composição, pois danificam a mucosa e provocam dor. A água oxigenada também é dispensável nestes casos10. A xerostomia é a segunda complicação mais comum. Os ductos das células acinosas obliteram e a secreção salivar diminui, causando a xerostomia. O dano mais comum que a falta de salivação pode ocasionar é o aumento da atividade cariogênica, dentre outros 7. O que pode ser feito neste caso é instruir o paciente a ter uma higiene bucal adequada, conscientizá-lo quanto à redução do consumo de açúcar e instituir o uso de 31

fluoreto tópico neutro11, 12. Medidas para estimular a salivação também podem ser empregadas como, por exemplo, consumir gomas de mascar sem açúcar para estimular a salivação 11. Existem ainda algumas complicações bucais que ocorrem devido ao efeito da quimioterapia que são classificados como efeitos citotóxicos indiretos 8,9,. Estes por sua vez são as infecções bacterianas, as infecções fúngicas, as infecções viróticas e as hemorragias. As infecções bacterianas são infecções muito sérias que podem acometer dentes, gengiva e mucosa e requerem cuidados antes de se planejar um atendimento odontológico. Existe um protocolo para atender estes pacientes e sua análise baseia-se na solicitação de um exame de sangue completo 9,12. Em primeiro lugar deve-se avaliar a contagem de leucócitos e a contagem plaquetária e o paciente que apresentar uma contagem de leucócitos maior que 3.500/mm 3 e contagem plaquetária acima de 100.000/mm3 pode ser atendido segundo os padrões normais ao se realizar procedimentos invasivos 12. De acordo com as recomendações do Instituto Nacional do Câncer 1 (2005), os pacientes com contagem de neutrófilos acima de 2.000/mm3podem ser atendidos sem que haja necessidade de uso profilático de antibióticos. Em contrapartida, aqueles que apresentam contagem entre 1.000 e 2.000/ mm 3 deve ser administrado antibioticoterapia uma hora antes do procedimento na seguinte dosagem: amoxicilina 50mg/kg, dose máxima de 2 gramas via oral. E para pacientes alérgicos, deve-se administrar clindamicina ou cefalosporina de primeira geração. Já para os pacientes com neutrófilos abaixo de 1.000/mm3a antibioticoterapia deve ser realizada por via endovenosa e a transfusão de plaquetas deve ser indicada antes das exodontias para aumentar o número de plaquetas para 50.000/mm 3. Além desses cuidados deve-se ressaltar a atenção que deve ser dada à higienização bucal diária quando a contagem de granulócitos for superior a 500/mm 3 e de plaquetas for maior que 40.000/mm 3. Pacientes com contagem inferior a isto devem realizar bochechos diários com clorexidina a 0,12% para controle do biofilme dentário 13. As infecções fúngicas ocorrem com frequência durante o tratamento quimioterápico principalmente devido à imunossupressão, higiene bucal insatisfatória, uso indiscriminado de antibióticos, nutrição deficiente e falta condicionamento físico. O principal agente etiológico é a Candida albicans e o tratamento para ela é realizado com antifúngicos principalmente de uso tópico como é o caso da nistatina e do clotrimazol que são os mais utilizados. É preciso atentar-se para o uso destes dois medicamentos, pois ambos possuem açúcar em sua composição podendo desencadear uma atividade cariogênica 11,12. As infecções viróticas se tornam graves em crianças acometidas por neoplasias, pois a resposta imune fica comprometida. Grupos como o herpes zoster, citomegalovírus e herpes-vírus aparecem com frequência em razão da imunossupressão provocando principalmente lesões intrabucais que ulceram com facilidade 11,12,14. O tratamento para herpes simples em pacientes imunossuprimidos deve ser realizado com o aciclovir via oral e se a infecção for grave deve-se optar por administração venosa. O tratamento para o varicela-zoster também deve ser feito com aciclovir venoso 14. Um outro tipo de tratamento de escolha é a utilização do laser de baixa intensidade que promove a diminuição nos sintomas e involução da doença quando é utilizado nos estágios iniciais da infecção 15. Frequentemente ocorrem quadros de gengivite quando a higiene bucal é ineficiente e sangramento da gengiva, sangramento submucoso e sangramentos traumáticos quando há redução no número de plaquetas no efeito pós quimioterápico 11. O sangramento gengival pode ocorrer em pacientes com contagem 32

plaquetária em torno de 20.000/mm 3 e abaixo de 10.000/mm 3 e é pouco provável de ocorrer com contagem plaquetária acima de 20.000/mm 3. O paciente que apresentar níveis reduzidos na contagem de suas plaquetas pode utilizar solução de clorexidina para controle do seu biofilme dentário e também para o tratamento da gengivite12. Quando ocorre sangramento gengival espontâneo uma maneira eficaz de controlar o sangramento é utilizar uma gaze embebida em solução de trombina tópica. A transfusão de plaquetas deve ser considerada caso as medidas apresentadas não foram eficazes 16,17. DISCUSSÃO A presença do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar deve ser considerada, pois os pacientes que recebem a atenção odontológica no momento adequado têm sua qualidade de vida melhorada, já que a manutenção da saúde oral pode impedir o aparecimento de várias doenças na mucosa bucal. É preciso considerar e avaliar corretamente o manejo com esses pacientes, pois uma vez que a intervenção for descuidada e mal planejada, pode-se agravar a situação do paciente devido a uma condição sistêmica alterada ou imunossupressão apresentada por ele em alguns casos 8. O cirurgião-dentista deve seguir o protocolo rigorosamente baseado nos procedimentos pré-quimioterápicos, procedimentos durante a quimioterapia e procedimentos pós-quimioterápicos propostos pelo INCA. O paciente deve ser avaliado antes de se submeter à terapia e o tratamento deve ser conduzido de acordo com as condições gerais de saúde do paciente e solicitação de exame de sangue completo quando necessário. Além disso, as complicações decorrentes de efeitos citotóxicos seguem linhas de tratamento diversas baseadas no tipo de infecções adquiridas pelo paciente devido à imunossupressão apresentada por ele. Assim cada tratamento será específico para cada tipo de doença apresentado pelo paciente, assim como foi proposto nos protocolos apresentados. Dentre os vários protocolos descritos na literatura, alguns se complementam e outros se divergem das proposições destes protocolos. Dias 7 (2007) propôs que as complicações mais frequentes seriam as dores exarcebadas e as hemorragias gengivais. Simon11 (1991) instituiu um tratamento complementar para a xerostomia, baseado na estimulação da secreção endógena de saliva através de gomas de mascar sem açúcar ou utilização de saliva artificial. E Camargo 17 (2004) sugeriu que deveria ser evitado qualquer procedimento invasivo com contagem de plaquetas inferiores a 75.000 mm 3. Devese considerar portanto, que um protocolo de cuidados odontológicos aplicados antes e durante a terapia do câncer é essencial na redução da gravidade de certas complicações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Todas as medidas que foram relatadas exigem conhecimento e habilidades prévias adquiridas pelo profissional e se o mesmo não estiver apto a realizar o atendimento a pacientes portadores de necessidades especiais deve-se providenciar o encaminhamento deste paciente a um profissional capacitado. Esta conduta deve-se principalmente ao fato de que indivíduos acometidos por alguma neoplasia têm uma progressão rápida da doença e a não intervenção em curto espaço de tempo pode resultar em danos irreversíveis na qualidade de vida deles. Com o surgimento de novas técnicas e utilização de meios que propiciem a manutenção da saúde bucal nos pacientes com algum tipo de neoplasia, hoje é possível prevenir uma doença sem que ela já esteja instalada. Por esse motivo é de extrema importância considerar um protocolo de atendimento adequado e minucioso para estes pacientes com o objetivo de melhorar a condição da saúde bucal deles além de melhorar sua qualidade de vida. 33

REFERÊNCIAS 1. Instituto Nacional de Câncer. (2005). Câncer infantil. Recuperado em 30 de março de 2005, da http://www.inca.gov.br. 2. Valle ERM. Vivências da família da criança com câncer. In M. M. M J Carvalho (Org.), Introdução à Psiconcologia. São Paulo, 1994. 3. Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes Especiais, 2006. Disponível em <http:// www.abope.com.br/site/>. 4. Oliveira BM, Diniz MS, Viana MB. Leucemias aguda na infância. RevMed Minas Gerais. 2004; 14 (1Suppl 1): 33-9. 5. Lorenzi T. Manual de Hematologia. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999. 6. Cerqueira DF. Abordagem das complicações bucais decorrentes do tratamento do câncer infantil e protocolo de tratamento pelo Odontopediatra 2002. Monografia (Especialização em Odontopediatria)- Faculdade de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. 7. Dias CCA. Diferentes Manifestações que Acometem a Cavidade Bucal de Crianças Durante o Tratamento Oncológico Pediátrico. Medcenter.com. 2007 Disponível em: http://www.odontologia.com.br/artig os.asp?id=682 8. Silva LCP. Manejo de pacientes com necessidades especiais nos cuidados da saúde, cap. 26, in Manual de Referência para Procedimentos Clínicos em Odontopediatria, 2ª.ed.São Paulo, Editora Santos, 2013, p.420-432. 9. Lobão DS, Oliveira BM, Massara MLA, Viana MB, Nunes L. Condições da Cavidade Bucal e Acompanhamento Odontológico de Crianças com Leucemia Linfocítica Aguda. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25- S32. 10. Mendonça EF, Carneiro LS, Silva JB, Silva CM, Palmeira GBLS Complicações bucais da quimioterapia e radioterapia no tratamento do câncer. Rev ABO Nac 2005;13(3):151-7. 11. Simon AR, Roberts MW. Management of oral complications associated with cancer therapy in pediatric dentistry. ASDC J Dent Child 1991;58:384-9. 12. Rosenberg SW. Oral care of chemotherapy patients. Dent Clin North Am 1990;34(2):239-50. 13. Sonis ST, Fazio RC, Fang L. Princípios e Prática de Medicina Oral. 2a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. p.358-81. 14. Viana MB, Oliveira BM. Infecção e imunossupressão. In: Tonelli E, Freire LS, editores. Doenças Infecciosas na Infância e Adolescência. 2ª ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2000. v. 2. p. 1771-1788. 15. Catão MHCV. Os benefícios do laser de baixa intensidade na clínica odontológica na estomatologia. Rev Bras Patol Oral 2004; 3(4):214-218. 16. Mendonça EF, Carneiro LS, Silva JB, Silva CM, Palmeira GBLS. Complicações bucais da quimioterapia e radioterapia no tratamento do câncer. Rev ABO Nac 2005;13(3):151-7. 17. Camargo JDF, Batistella FID, Ferreira SLM. Complicações bucais imediatas do tratamento oncológico infantil.rev Iberoam Odontopediatr Odontol Bebê 2004;7(36):177-84. 34