A DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ANÁLISE DO CENÁRIO NACIONAL

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Transcrição:

A DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ANÁLISE DO CENÁRIO NACIONAL Juliana Diamente Faculdade Sumaré juliana.diamente@sumare.edu.br Lisandra Marisa Príncepe lisandra.marisa@sumare.edu.br Faculdade Sumaré

RESUMO Nos estudos relacionados à Educação Infantil, é possível destacar uma importante característica: a afirmação sobre a desvalorização do trabalho nessa etapa da educação. Diante disto, esta pesquisa procurou, por meio de pesquisa bibliográfica, indicativos da desvalorização do trabalho docente na EI. Os dados apresentados evidenciam uma conjuntura histórica e indicam que se a docência, de maneira geral, configura-se como um trabalho desvalorizado, a docência na Educação Infantil é ainda mais. PALAVRAS CHAVE: Educação Infantil; Professor de Educação Infantil; Trabalho; Desvalorização. Nos últimos anos, intensificaram-se os estudos e as pesquisas sobre o profissional que atua na Educação Infantil. Destes, é possível destacar uma importante característica: a afirmação sobre a desvalorização do trabalho nessa etapa da educação. Diante disto, esta pesquisa procurou, por meio de pesquisa bibliográfica, indicativos da desvalorização do trabalho docente na EI, isto é, explicitou as condições objetivas que caracterizam essa desvalorização no cenário nacional. Buscar a desvalorização objetiva do trabalho na EI requer a compreensão do conceito de valorização. Para tal, buscou-se referência no campo político. Os docentes têm assegurado o direito à valorização, tanto na Constituição Federal de 1988 (art. 206), quanto na LDB 9394/96 (art. 62 em diante). Basicamente, a valorização é entendida pelas políticas como direito ao acesso por concurso público; à formação; ao piso salarial e condições adequadas de trabalho. Gatti e Barreto (2009) ressaltam que os estudos na área da sociologia do trabalho indicam que os salários, condições de trabalho e as estruturas de carreira são reflexos de sua própria valorização social real. De qualquer forma, alguns dados podem nos ajudar a compreender como essas questões sobre os docentes de Educação Infantil estão configuradas na realidade nacional. A citada pesquisa de Gatti e Barreto (2009) ressalta a questão do salário pago ao docente de EI. Utilizando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a PNAD, de 2006, Gatti e Barreto (2009) apontam que as diferenças quanto à estrutura da carreira e remuneração entre estados e municípios do país são grandes, no entanto, no que se refere à média nacional, os docentes atuantes na educação infantil são os que recebem menores salários: média de R$ 661,00, enquanto as médias do Ensino Fundamental e do Ensino Médio são de R$ 873,00 e R$ 1390,00, respectivamente.

Com relação aos setores público e privado, as referidas autoras destacam que os docentes da educação infantil atuantes no setor privado têm salário médio menor do que os que atuam no setor público (R$ 559,00 e R$ 739,00, respectivamente). Já, no que se refere à formação, os docentes de EI que têm nível superior recebem em média maiores salários, enquanto os com formação em nível médio recebem um salário quase 50% menor, tanto no setor público como no privado (Gatti e Barreto, 2009). As autoras ressaltam que com a fixação do piso salarial nacional espera-se uma melhora na condição salarial dos professores, no entanto, até o momento, o salário inicial dos docentes da EI tem sido baixo quando comparado a profissões que também exigem formação superior. Coadunando com o postulado de Gatti e Barreto (2009) de que a análise sobre o salário é fundamental para refletir sobre as condições de trabalho e atratividade do trabalho para as gerações futuras, Campos (2002) afirma que o salário constitui-se como o principal fator de não atração de jovens com escolaridade maior na Educação Infantil. Nesse sentido, a desvalorização da carreira do docente da EI também está refletida na procura pelos cursos de Pedagogia, que forma o profissional para atuação nessa etapa da educação. Segundo Gatti e Barreto, pelos dados da Sinopse Estatística da Educação Superior, MEC/ Inep, houve um aumento de 97,3% na oferta de cursos de Pedagogia no país, porém, o número de matrículas aumentou apenas 37,21%. As autoras apontam que a educação infantil é a etapa da educação com maior porcentagem de atuação docente jovem: 41% com até 29 anos de idade. Além disso, há também um alto percentual de estudantes entre esses docentes: 24,3% declararam ainda frequentar a escola. Não é possível afirmar se esses docentes estão em vias de formação inicial ou já têm formação mínima, Médio Magistério, e estão buscando formação superior. No entanto, é interessante questionar se a educação infantil ainda representa uma possibilidade de trabalho de fácil acesso, na qual não é preciso estar com a formação completa para atuação, como historicamente foi constituída. Outra questão, interessante de ser destacada, refere-se à condição socioeconômica dos profissionais do magistério. Ainda de acordo com Gatti e Barreto (2009) o magistério, de maneira geral, configura-se como uma categoria profissional relativamente homogênea, proveniente dos estratos médios da população. Ainda ressaltam que pesquisas recentes têm apontado diferenças de rendas entre os docentes de acordo com o nível educacional, a região do país, a dependência pública e privada dos estabelecimentos em que atuam. Atrelando as condições socioeconômicas às relações de gênero, o trabalho de Cerisara (1996), ressalta que essa questão pode ser melhor compreendida se analisada a ideologia do que é apropriado para mulher da classe trabalhadora e da classe média ascendente e, portanto, nas

expectativas para as filhas das famílias de diferentes classes sociais. Citando os postulados de Jean Anyon, a autora destaca que para as meninas da classe trabalhadora existe a expectativa de que adiram ao comportamento feminino, na qual as expectativas para o futuro são o casamento e os filhos, aliados a, no máximo, um emprego de meio-período, na qual possam continuar fazendo o que fazem em casa. Já para as meninas de classe média ou provenientes de famílias ricas, a definição de papeis sexuais femininos é menos rígida, e as famílias esperam que suas filhas façam Ensino Médio e curso superior, seguindo carreiras que desenvolvam seus potenciais como seres humanos, mas não como extensão dos papeis domésticos, embora se espere que esses continuem sendo desempenhados por elas. A sociedade não espera que mulheres, com melhores condições socioeconômicas se tornem professoras de educação infantil. Ora, como visto, esses dados evidenciam a atual situação do profissional de EI, constituída social e historicamente. No entanto, há outra questão que também cabe ser discutida: o próprio papel social atribuído à criança na nossa sociedade. A desvalorização do profissional de educação infantil pode ser uma consequência da própria significação de infância em nossa sociedade? É possível que a compreensão do papel social da infância se configure em um importante ponto de partida para se compreender porque a educação infantil ainda é considerada o primo pobre da educação (Campos, 2007). A infância, mais do que uma condição biológica e determinada, é uma construção histórica, interpretada e construída pelos homens, assim como a adolescência e a velhice. Segundo Oliveira (2008) definição de infância é uma decisão política feita de forma própria em cada cultura, um período do desenvolvimento humano que se configura em objeto de narrativas culturais que envolvem aspectos ideológicos (p. 123). Para analisar esses aspectos é interessante refletir sobre o significado da palavra infância, originada do francês en-fant, isto é, aquele que não tem voz, que não fala. Desta forma, as significações sociais foram construídas com base na ideia de que a infância constitui-se em uma etapa natural de desenvolvimento, uma passagem que antecede a idade adulta, um vir-a-ser. É fundamental considerar que os recentes avanços legais assistidos à Educação Infantil são frutos de pesquisas que conceberam uma nova concepção de infância, contribuindo, nesse sentido, para que as crianças fossem reconhecidas legalmente como sujeitos de direito, produtores de conhecimento e culturas. De qualquer forma, embora haja essas conquistas legais, o Brasil está longe de concretizar uma política nacional para a infância 1. Além disso, a herança de mal necessário mantém-se presente no imaginário acerca da EI. É comum, por exemplo, referências a essas instituições como escolinha, prezinho, ou ainda, certas concepções acerca 1 Destacam-se problemas relacionados ao financiamento, número de vagas nas instituições, condições físicas e materiais.

do trabalho, como: só serve para brincar, reprodução de uma ideia de que para criança qualquer coisa serve. No bojo da reorganização social capitalista há uma supremacia dos adultos, em uma relação preponderantemente econômica, pois são eles os produtores, por excelência. E na atual sociedade, marcada por contradições e desigualdades, o discurso ideológico de que a educação é o único meio para superação, caminho único para subir na vida, tem ocupado cada vez mais espaço. A influência da economia na educação vai fazer com que seu objetivo constitua-se na construção de habilidades e competências, para formar cidadãos críticos e criativos, ou ainda, mão-de-obra qualificada. Consequentemente, a etapa que cuida/educa, que aposta no viver o hoje, no brincar, no socializar, perde totalmente seu valor social. Como afirma Rosemberg (1997), historicamente, o poder público e o restante da sociedade investem em educação, tanto mais quanto velho for o cidadão (p.2). Ora, se a infância e a etapa da educação destinada a ela são desvalorizadas, como o profissional que nela atua pode ser valorizado? Nesse sentido, cabe, inclusive, destacar a própria expressão utilizada para se referir ao professor de EI: frequentemente, sobretudo na escola privada, ele é a tia (o) do meu filho. Sobre isso é impossível desconsiderar a contribuição de Paulo Freire (2006 2 ). Para ele, essa identificação deve ser recusada devido a duas razões principais: De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa profissional da professora, de outro, desocultar a sombra ideológica repousando manhosamente na intimidade da falsa identificação. Identificar professora como tia (...) é quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não deve fazer greve. Quem já viu dez mil tias fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado? (2006, p. 11/12) Freire (2006) ressalta que o professor deve ter responsabilidade profissional, que envolve crítica, envolve clareza política, envolve capacidade de desmistificar os pacotes propostos por governos autoritários, eximida quando se aceita a condição de tia. E ainda completa: A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma inocente armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais (2006, p. 25). Por fim, corroborando os postulados de Faria Filho, Silva e Luz (2008) afirmando que o fortalecimento de determinada área no campo da Educação passa pela pesquisa institucionalizada, é, ainda, interessante destacar outra questão: o papel social atribuído a EI influencia o desenvolvimento de pesquisas na área. Os referidos autores publicaram uma 2 A primeira edição desse trabalho foi publicada em maio de 1993.

pesquisa destacando que a educação de crianças de 0 a 6 anos de idade configura-se uma área recente de institucionalização e, embora possa se identificar um aumento no número de pesquisas e trabalhos relativos à essa etapa, ela, ainda é, pouco representada no conjunto de produção acadêmica na pós-graduação do Brasil. Notam, por exemplo, baixa incidência de grupos identificados por meio do descritor creche ou mesmo criança pequena, isto é, as pesquisas continuam enfocando as crianças acima de 4 anos, priorizando estudos sobre crianças com idade anterior à entrada no Ensino Fundamental. Outro dado interessante, apontado pelos autores, refere-se aos grupos de pesquisas em Educação Infantil. Dos 150 grupos que afirmam se dedicar aos temas da infância, criança e/ou educação infantil, apenas 70 grupos explicitam no título ou nas palavras-chave de suas linhas, dedicação à pesquisa em Educação Infantil. Os líderes de grupos de pesquisa tiveram seus currículos Lattes analisados e os autores puderam concluir que de todos os itens considerados, dentre eles, linha de pesquisa, projeto de pesquisa, produção bibliográfica e orientações concluídas, menos de 50% apresentam a temática Educação Infantil. Para Faria Filho, Silva e Luz esses dados indicam que a área vem se constituindo por pesquisadores recém interessados pela temática e que há baixa institucionalização da pesquisa na área. (2008, p. 20). Além disso, outro elemento analisado foi a explicitação no texto de apresentação do (a) pesquisador (a) no Lattes da temática Infância e/ou Educação Infantil. Observou-se que 57,14% dos líderes não explicitavam sua atuação na área da EI. Para os autores, esse fato pode estar relacionado a certo desprestígio acadêmico à Educação Infantil. Os dados apresentados e questões levantadas indicam que, se a docência, de maneira geral, é um trabalho desvalorizado, a docência na Educação Infantil é ainda mais. Nossa análise, sem dúvida, evidenciou uma conjuntura histórica da Educação Infantil, o que não significa que estamos desconsiderando todos os movimentos e lutas de militantes e de profissionais que atuam em defesa e busca de melhoria de condições de trabalho nessa etapa, muito menos, os avanços legais proferidos a ela nos últimos anos. Aliás, é isso que alimenta a esperança de que chegará o dia em que sociedade e políticas públicas valorizarão àqueles que cuidam e educam os pequenos.

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