USO DE PSICOFÁRMACOS NA COMUNIDADE DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA: UMA ABORDAGEM COMUNITÁRIA E INTERDISCIPLINAR

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Transcrição:

USO DE PSICOFÁRMACOS NA COMUNIDADE DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA: UMA ABORDAGEM COMUNITÁRIA E INTERDISCIPLINAR Ari More, Dhiancarlo Geiser, Gabriel Oliveira, Marina Guerini, Rafael Goulart Acadêmicos do Curso de Medicina da UFSC Tadeu Lemos Professor da Coordenadoria Especial de Farmacologia da UFSC tlemos@mbox1.ufsc.br Resumo Sob o enfoque das atuais políticas públicas de prevenção e promoção da saúde, o presente trabalho propôs-se a gerar processos de discussão e reflexão abordando o uso de psicofármacos na atenção primária, junto ao Programa de Saúde da Família (PSF), na comunidade de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis (SC). Nas relações entre comunidade e equipe interdisciplinar, visitas domiciliares e reuniões, buscou-se a construção de uma prática esclarecida a respeito do uso de psicofármacos. Palavras-chave: Saúde mental, atenção primária, psicofármacos. Introdução Assistimos, hoje, no cenário da saúde, à estruturação de novos parâmetros norteadores, principalmente no que diz respeito a uma melhor escuta da comunidade, sendo o movimento da reforma sanitária a base propulsora de uma nova visão que cresceu nacionalmente. A partir dessa visão, a ênfase nas políticas públicas se direciona na implementação de programas na linha da prevenção e, principalmente, da promoção da saúde. Nesse sentido, surge a partir de 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF) centrado no trabalho com equipes interdisciplinares desenvolvidas para populações adstritas. A proposta assistencial do PSF inclui trabalho externo às unidades tradicionais de saúde; estabelecimento das equipes interdisciplinares; vínculos estreitos da relação médico-paciente-família; manejo de grupos de apoio de educação para saúde e de trabalho comunitário. 1

Então, torna-se importante que toda a equipe de saúde perceba a multicausalidade dos agravos à saúde, sejam eles de ordem física, mental ou social, tanto individual como coletivo, tendo sempre em vista os indivíduos como sujeitoscidadãos em seu meio ambiente e em seu contexto sócio-familiar. Surge a necessidade de incorporação de novos paradigmas de concepção de saúde e doença, que se organizam a partir de visões biopsicossociais, onde, neste sentido, tanto a dificuldade de aderência ao tratamento, seja de um diabético ou hipertenso, quanto às questões surgidas e/ou identificadas em consultas de puericultura são relativas à saúde mental. No Brasil, segundo ALVES et al. (1994), "...a prevalência global de transtornos mentais na população brasileira está estimada em 20%. Pesquisas epidemiológicas realizadas em cidades brasileiras de diferentes regiões encontram prevalências de demanda por cuidado psiquiátrico que variam de 34% (Brasília e Porto Alegre) e 19% (São Paulo)...", dados que são representativos nos dias de hoje. Baseado nisto, percebe-se que a saúde mental transcende o universo restrito à doença mental, mas é ainda incipiente em grande parte dos médicos generalistas. Como conseqüência disto, os médicos acabam prescrevendo psicofármacos como medida paliativa para tentar amenizar as queixas dos pacientes. Entende-se por psicofármacos, as drogas que atuam no sistema nervoso central e que afetam o humor e o comportamento, podendo levar à dependência em alguns casos. Infelizmente evidencia-se uma contradição entre o grande contingente de problemas na área da saúde mental e a baixa oferta de serviços e de recursos humanos capacitados. O Centro de Saúde de Santo Antônio de Lisboa, inserido nesse contexto, atende a grande contingente de pacientes com problemas relacionados à saúde mental e usuários de medicamentos psicofármacos; e, se de um lado, a equipe técnica não se sentia capacitada e em condições de resolver todos os problemas na esfera da atenção primária, de outro lado, não havia opções em número necessário de referência para estes pacientes. Assim, no sentido de auxiliar os profissionais da saúde e a comunidade, o presente projeto de extensão universitária, teve como proposta abordar a saúde mental na atenção primária, destacando a questão do uso de psicofármacos. Desta forma, buscou-se trabalhar as necessidades e realidades da comunidade, e da equipe de saúde, 2

com o intuito de ampliar e gerar novos conhecimentos que facilitem o manejo e a prevenção desses problemas. Como objetivo geral buscamos neste trabalho "Realizar ações de educação em saúde junto à comunidade e profissionais da unidade básica de saúde de Santo Antônio de Lisboa, com o intuito de gerar um processo de discussão e reflexão em torno de uma melhor abordagem do uso e prescrição de psicofármacos na comunidade. Material e Métodos Inicialmente, realizou-se reuniões com os profissionais dos Centros de Saúde, representantes da comunidade, alunos e professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para avaliar a situação e problematização das diferentes micro-áreas. A fim de se avaliar o perfil do uso de psicofármacos na região foram realizadas visitas domiciliares. Para esta atividade, os alunos foram treinados para realização de entrevistas domiciliares de acordo com um questionário estruturado. Nessas visitas foram abordados dados sobre condição sócio-econômica, uso de psicofármacos, verificação da prescrição, especialidade do médico prescritor, motivo da prescrição, freqüência de uso, melhora dos sintomas, conhecimento acerca de efeitos adversos, interferência no convívio familiar, investigação de uso de psicofármacos entre outras pessoas da família e investigação acerca do uso de drogas ilícitas e álcool. A partir disto, foram promovidas palestras para a comunidade, onde foram discutidas informações sobre os psicofármacos, com enfoque nas corretas indicações de uso, da necessidade de prescrição e acompanhamento médico, e dos riscos de seu uso incorreto. Também houve uma inserção em grupos de promoção à saúde já existentes, como o de diabéticos e hipertensos e o da terceira idade, buscando discutir o uso de psicofármacos e a saúde mental através de respostas às dúvidas pré-existentes sobre o tema e através da introdução do assunto nas reuniões. Professores da Universidade, juntamente com os alunos de Medicina, participaram de reuniões com os profissionais do Centro de Saúde (agentes comunitários de saúde, enfermeiros, técnicos de enfermagem e médicos), a fim de capacitá-los a lidar com o uso e prescrição e adição aos psicofármacos. 3

Resultados e Análise Os resultados alcançados através das atividades realizadas, junto ao Posto de Saúde de Santo Antônio de Lisboa, estão relacionados principalmente com a discussão e reflexão sobre saúde mental na atenção primária e o uso e prescrição de psicofármacos. É importante ressaltar que as atividades desenvolvidas foram contextualizadas de acordo com a necessidade e interesse da equipe do Posto de Saúde e da comunidade. Desta forma, algumas modificações nos propósitos iniciais foram feitas para um melhor aproveitamento dos temas abordados. Reuniões quinzenais eram realizadas pelo, inicialmente chamado, Grupo de Saúde Mental, o qual era formado por membros da equipe do posto de saúde (médica, dentista, enfermeira, agentes de saúde), por representantes da comunidade (presidente da associação de moradores, representante das igrejas católica e protestante), moradores da região, alunos da UFSC (participantes do projeto), médico psiquiatra, psicóloga, convidados de outras comunidades e associações. Mais tarde o Grupo de Saúde Mental passou a chamar-se Conselho de Saúde Mental, para não ser confundido com um grupo terapêutico, já que as ações do Conselho visavam um planejamento para melhor abordagem das questões relacionadas à saúde mental. As reuniões eram coordenadas pela médica do posto e discutiam diversos temas relacionados à saúde mental, principalmente na atenção primária e que envolviam desde dependência química, até transtornos depressivos e psicóticos. A equipe do posto explicava sua dificuldade em lidar com os problemas de saúde mental junto à comunidade e procurava formas de abordar os mesmos, com os recursos oferecidos pela rede de serviço pública. Primeiramente foi feita uma lista de problemas sobre o assunto como: dependência química, uso de drogas por crianças e adolescentes, uso e abuso de medicamentos psicotrópicos, entre outros. Depois de traçada esta lista de problemas, as reuniões tratavam cada tema de forma individual e havia discussões de quais seriam as melhores opções de abordar estes problemas da comunidade. Uma das questões que gerou maior discussão foi a do uso de psicofármacos na comunidade, tanto pela grande quantidade de usuários estimada, quanto pela dificuldade de abordar os pacientes dependentes destas drogas. Então os alunos envolvidos no projeto buscaram trazer alguns conhecimentos sobre esse assunto e trabalhar junto à equipe do posto. 4

O tema psicofármacos foi trabalhado inicialmente com os agentes de saúde, os quais demonstraram grande interesse pelo assunto e com freqüência traziam relatos de algum membro da comunidade que usava a droga ou que tinha dificuldade de parar o seu uso. Os alunos buscaram conhecer o grau de conhecimento que os agentes de saúde tinham sobre o assunto. A partir deste conhecimento e dos questionamentos dos agentes, algumas noções básicas de psicotrópicos foram abordadas. Em uma segunda etapa o tema foi discutido com a médica do posto, juntamente com um médico psiquiatra. Os principais assuntos discutidos foram a indicação precisa dos medicamentos, o grau de dependência causado e a dificuldade em abordar o paciente usuário do psicofármaco. Posteriormente, pensou-se como introduzir e trabalhar este tema com a comunidade. Sugeriu-se a criação de um grupo de usuários de psicofármacos. Porém, houve dificuldade em formar este grupo, devido ao pouco interesse inicial pelo tema por parte dos membros da comunidade e a falta de horários disponíveis da equipe de saúde local para gerenciar mais um grupo. Foi pensado, para atrair pessoas para o grupo, em só fornecer as receitas de psicofármacos para aqueles que participarem das reuniões, mas a idéia também não foi bem aceita. Após algumas semanas uma nova idéia surgiu para trabalhar o tema com a comunidade. O Posto de Saúde já trabalhava com outros grupos (diabéticos, hipertensos e idosos) há algum tempo, verificou-se que nestes grupos havia usuários de psicofármacos e que existia a possibilidade do tema ser introduzido e discutido nestes grupos. Então os alunos envolvidos no projeto passaram a participar dos grupos e a discutir a questão do uso do psicofármacos junto aos mesmos. Provavelmente esta foi uma das maiores contribuições do projeto com a comunidade, pois, os alunos interagiam diretamente com os membros dos grupos esclarecendo dúvidas, levantando questionamentos e participando de atividades recreativas (bingo, dominó). Os alunos foram capacitados pelo orientador do projeto, para estarem conversando sobre os temas de uso de psicotrópicos e saúde mental em geral. Durante as reuniões além da conversa sobre o tema proposto no projeto os alunos auxiliavam a equipe do posto em aferir a pressão arterial, medir a glicemia capilar e orientação dietética para diabéticos. Em alguns encontros o orientador do projeto era convidado a participar para auxiliar na abordagem do tema psicofármacos e saúde mental. 5

Durante esta experiência junto à comunidade alguns questionamentos já discutidos pelo Conselho de Saúde Mental foram enfatizados: O uso de psicofármacos pela população atendida pelo posto é exagerado? Como a população tem acesso aos psicofármacos? Junto à equipe do Posto de Saúde, os alunos envolvidos no projeto pensaram em uma forma obter estes dados. Decidiu-se, então, realizar um levantamento de dados, que através de entrevistas domiciliares, avaliasse o padrão de uso dos psicofármacos e das drogas de abuso na localidade de Santo Antonio de Lisboa. Seguindo um protocolo, determinado por reuniões com o coordenador do projeto e membros da equipe do posto, estes dados foram colhidos, mas ainda estão em fase de processamento e análise estatística. Em breve os dados estarão disponíveis e possivelmente ajudarão a equipe do posto de saúde a conhecer melhor a sua comunidade e planejar suas atividades de acordo com a necessidade da população. Considerações Finais É elevada a incidência dos transtornos de humor e ansiedade na população (Kaplan & Sadock, 1998). Apesar de amplas variações individuais, estas patologias em geral determinam considerável morbidade às suas vítimas. Em desproporção à extensão do problema, as enfermidades psiquiátricas são comumente negligenciadas em centros de atenção primária à saúde. O projeto de extensão universitária desenvolvido junto ao Centro de Saúde de Santo Antônio de Lisboa permitiu constatar a urgência por maiores discussões sobre o tema, com o intuito de suprir parte da carência de informações existente tanto da população, quanto dos profissionais de saúde envolvidos. Traz consigo a necessidade de levantar dados epidemiológicos objetivos que permitam o diagnóstico do quadro atual e a avaliação dos resultados de intervenções futuras naquela e em outras comunidades. Mostra-se fundamental promover a capacitação de médicos generalistas e demais profissionais de saúde para a suspeita diagnóstica e o adequado encaminhamento dos casos, visando a instituição de terapêutica efetiva e o acompanhamento de sua evolução. Porém, tal medida será ineficaz se atuais deficiências do sistema público de saúde não forem solucionadas - entraves, sejam burocráticos ou financeiros, que dificultam o encaminhamento de pacientes de um nível 6

primário de assistência à saúde a uma instância especializada (CAPS - Centro de Atenção Psicossocial). Também é essencial que médicos conheçam aspectos farmacológicos dos principais psicofármacos prescritos, tornando-os capazes de reconhecer eventuais efeitos adversos a eles relacionados. Permanece em nosso meio a livre aquisição de psicofármacos em farmácias, sem indicação médica para seu uso uma prática culturalmente arraigada na população brasileira. É evidente que a legislação que coíbe a livre comercialização destes medicamentos deve ser aplicada com rigor, mas pode ser insuficiente. O esclarecimento da população sobre os riscos do uso indiscriminado de psicofármacos deve contribuir para uma mudança de atitude. Referências ALMEIDA FILHO, N; COELHO, M.T. A; PERES. M.F.T. O conceito de saúde mental. Rev. USP, n. 43, p. 100 25, 1999. ALVES, D.S.N. et al. Reestruturação da atenção em saúde mental: situação atual: diretrizes e estratégias. In: AMARANTE, P. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Pp. 197-204. Rio de janeiro, FIOCRUZ, 1994. ARAÚJO, L.R. Incorporação da Saúde Mental no Modelo de Atenção Primária do Saúde da Família. Trabalho apresentado na I Mostra Nacional de Produção em Saúde da Família. Brasília, 1999. CARLINI, E.A. ET AL. I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país: 2001. São Paulo, CEBRID, 2002. CASÉ V. Saúde Mental e sua Interface com o Programa de Saúde da Família: Quatro Anos de Experiência em Camaragibe in: Saúde Mental e Saúde da Família Série SaúdeLoucura no7, Editora Hucitec, Campinas, 1999. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL. 2da. Etapa estadual. Florianópolis.Relatório Final, 1992 COSTA NETO, M.M. Educação Permanente - Cadernos de Atenção Básica. Programa de Saude da Família Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica, Brasília, 2000. DELGADO, P. Projeto de Lei sobre Política de Saúde Mental. Apresentado para a aprovação pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Brasília, 1991. 7

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