Promoção da saúde e doenças negligenciadas Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO), doenças negligenciadas podem ser entendidas com um conjunto de doenças associadas à situação de pobreza, as precárias condições de vida e as iniquidades em saúde. Outra característica deste grupo é que, apesar de serem responsáveis por quase metade da carga de doença nos países em desenvolvimento, os investimentos em P&D, principalmente pelo setor privado, usualmente, não priorizaram essa área. Desta forma, esses países tem procurado dar alguma visibilidade à este conjunto de doenças, elencando os seus títulos de acordo com os cenários epidemiológicos locais. No Brasil, o Ministério da Saúde tomando em conta aspectos epidemiológicos, demográficos e de impacto, inclui nesse grupo a Hanseníase, a tuberculose, a doença de Chagas, geohelmintíases, leishmaniose, tracoma, esquistossomose, dengue e malária. Nesse contexto, cada vez mais a promoção de saúde encontra respaldo para a abordagem das doenças negligenciadas. Aliás, não só o conceito de Promoção com o de Prevenção assume relevância nas discussões das doenças negligenciadas. Certamente, há que se entender com clareza as diferenças intrínsecas entre esses dois conceitos, sem a perda de visão de suas confluências ao tema central das negligenciadas. A Promoção da Saúde é conceito mais amplo, abrangente e extrapola, ou melhor, antecede o conceito de doença. Ele inclui um entendimento relevante de que os determinantes das doenças estão fora do foco nosológico. Como refere Terris (1990), a promoção tem com estratégia enfatizar modificações nas condições de vida e de trabalho que estão subjacentes aos problemas de saúde dos indivíduos, demandando um olhar intersetorial. A abrangência desse conceito pode ser vista dentro da expressão da Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde em que indica a necessidade da garantia de condições de paz, abrigo, educação, alimentação, recursos econômicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade para a efetiva melhoria 83
da saúde (BRASIL, 2002). Importa notar que a promoção da saúde pretende a equidade. Para tal, é necessário diminuir as desigualdades existentes nos níveis de saúde das populações e assegurar a igualdade de oportunidades e recursos, com vista a capacitá-las para a completa realização do seu potencial de saúde. Como se vê, a matriz filosófica do Sistema Único de Saúde está permeada por estas propostas. Da mesma forma, convém recordar que o resultado da Carta de Ottawa já podia ser antevisto na icônica Declaração de Alma Ata, na qual se acordou que a conquista do mais alto grau de saúde exige a intervenção de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde (Brasil, 2002). No que tange a prevenção, este é um conceito mais próximo da doença e do doente, mas tem limites amplos que tocam a área da promoção, por um lado, e aquela da assistência, por outro. A conhecida conceituação de Leavell e Clarck (1976) a entende como ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença. Nela, se inclui as questões incipientes da promoção da saúde. Entretanto, o conceito de promoção permite que suas ações sejam ampliadas e vistas pragmaticamente como um conjunto em separado da prevenção no sentido de sua implementação. Se analisarmos o conjunto das doenças negligenciadas verificamos que há um denominador comum à elas que encontra abrigo na promoção da saúde. A condição social das populações, em seu aspecto amplo, é este denominador. Dominar esta condição requer ações do indivíduo, da comunidade, mas, principalmente, dos governantes. Há que se definir políticas pública e, mais importante, implementá-las com prioridade política e orçamentária para que possam modificar os parâmetros da condição social. Estão aí envolvidos os três níveis de gestão pública. A tarefa é complexa e requer tempo. Resultados palpáveis requerem investimentos de grande monta em prazos longos de retorno - dois condicionantes extremamente indesejáveis para políticos imediatistas e de carreira. Aqui se encontram as grandes obras de saneamento básico, educação e estabilidade econômica, o que permite pleno emprego, renda adequada e atitude cidadã por parte da população. Entretanto, um outro contingente de ações se caracteriza por resultados mais imediatos e positivos, ainda que seu alcance e impacto possa estar relacionado ao investimento de recursos financeiros que lhe é emprestado. Trata-se da educação em saúde. Em um primeiro momento, entende educação como saúde como o aprendizado das causas das doenças, seus efeitos e como evita-las. Entretanto, sabe-se que a educação em saúde pode ter conceito mais amplo e sobrepor-se à questão da promoção da saúde (SCHALL; STRUCHINER, 1999). Neste caso, os condicionantes sociais da saú- Editorial 84
Editorial de e a forma como o grupo social pode intervir para conquistar um estado de saúde e bem estar. Não mais se fala do indivíduo que está sob o risco de adoecer, mas do conjunto social e suas relações para a vida cotidiana. Há vários exemplos desse tipo de ação. A divulgação dos sinais e sintomas da hanseníase na comunidade, aumentado sua capacidade de percepção sobre esta doença, é uma ação que pode auxiliar e muito a proteção dos indivíduos, seja do grupo familiar como da comunidade. Dentro do núcleo familiar de pessoas com hanseníase em tratamento, a educação para a saúde com vistas ao exame regular de contatos é ação de alto relevo para promover a saúde de um grupo de risco. No caso das geohelmintíases e diarreia infantil, a questão da promoção da saúde se torna evidente. A intervenção isola pretendendo o diagnóstico e tratamento das parasitoses mais comuns parece não apresentar resultados consistentes à longo prazo (BOTERO, 1981; MACEDO; MACHADO, 2004). Entretanto, o investimento em saneamento básico, particularmente a melhora das condições de qualidade de água e a educação em saúde visando promover as vantagens do aleitamento materno podem ser responsáveis por redução substancial nos índices diarreia infantil em comunidades (GROSS et al., 1989). A Dengue é outra situação lapidar da dificuldade de abordagem, ainda que as ações de promoção da saúde e prevenção de epidemias para este agravo estejam bem definidas (BRASIL, 2009). As dificuldades estruturais nos municípios são amplas e definidas (SANTOS, 2003) e as peculiaridades epidemiológicas da dengue, sua história natural fazem com que seu manejo se revista de características muito particulares. Entretanto, as medidas de promoção se apresentam como necessárias e, talvez, das menos complexas dentro dessa complicada equação. A disseminação de informações sobre a doença e a modificação do comportamento do indivíduo, com vistas à um rede crescente de aceitação de novos hábitos familiares e comunitários, devem contribuir sobremaneira para reduzir o tamanho do problema da dengue nas comunidades que essas medidas forem aplicadas consistentemente (DIAS, 1998). Entretanto, essa participação necessita estar elencada e priorizada pelos gestores em suas políticas, caso contrario, a comunidade dificilmente terá oportunidade de ser sensibilizada (FERREIRA; VERAS; SILVA, 2009). Seria possível continuar essa discussão e trazê-la para dentro de outras doenças negligenciadas. A promoção da saúde será sempre uma necessidade de relevo para a equação de qualquer delas. Cada uma apresenta suas características próprias de agente causador e de determinantes, o que faz que suas abordagens sejam diferentes através dos níveis de prevenção com que a elas se olhem. Entretanto, as 85
ações de promoção da saúde é um denominador comum a todas e devem ser vistas como medidas prioritárias. Marcos da Cunha Lopes Virmond referências BOTERO, D. Persistence of the endemic intestinal parasitosis in Latin America. Bull. Pan. Am. Health Org., Washington, v. 15, p. 21-248, 1981. BRASIL. Ministério da Saúde. As cartas da promoção da saúde. Brasília, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília, 2009. 160 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). DIAS, J. C. P. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, supl. 2, p. 19-37, 1998. FERREIRA, I. T. R. N.; VERAS, M. A. de S. M.; SILVA, R. A. Participação da população no controle da dengue: uma análise da sensibilidade dos planos de saúde de municípios do Estado de São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 2683-2694, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=s0102-311x2009001200015>. Acesso em: 25 nov. 2012. GROSS, R. et al. The impact of improvement of water supply and sanitation facilities on diarrhea and intestinal parasites: a brazilian experience with children in two low-income urban communities. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 23, n. 3, p. 214-220, 1989. LEAVEL, H.; CLARK, E. G. Medicina preventiva. São Paulo: Mc- Graw-Hill do Brasil, 1976. MACEDO, L. M. C.; MACHADO, F. H. S. Controle de geohelmintíases em creche municipal do Rio De Janeiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA BELO HORI- ZONTE, 2., 2004, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2004.
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