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Transcrição:

APÊNDICE 01 Método numérico para propagação da incerteza Neste apêndice, apresentamos um procedimento numérico alternativo que é pelo menos tão válido quanto a lei de propagação de incerteza (LIMA JUNIOR e SILVEIRA, 2011a). Como essa alternativa pode ser discutida e compreendida sem o ferramental matemático necessário à da lei de propagação, vemos nele uma enorme vantagem para cursos de Física introdutória. O modelo matemático linear Como primeiro passo para compreender esse procedimento alternativo, considere um modelo matemático linear, ou seja, considere que duas grandezas físicas mantêm uma relação do tipo. Nessa relação, é a grandeza de entrada, é a grandeza de saída e é uma constante conhecida exatamente (que não contribui para a incerteza de ). Assim, toda a incerteza de se deve à incerteza de. Por exemplo, considere que representa o diâmetro de uma circunferência e o seu comprimento. Nesse caso, podemos escrever, com. Considere também que o diâmetro da circunferência em questão foi determinado com régua, resultando ( ). Figura 5. Observe que, se a relação entre y e x é linear, a determinação da incerteza que se propaga de x para y se reduz a um problema geométrico 43

elementar. Como você já sabe, o gráfico de uma relação linear é sempre uma reta. Observando o gráfico representado na Figura 5, percebe-se que ao intervalo determinado pela incerteza ( ) em torno da melhor estimativa correponde um intervalo no eixo. Esse intervalo determina a incerteza ( ) que se propaga de para. Como é possível perceber, a determinação da incertexa ( ) é relativamente simples e pode ser feita segudo demonstrado nas Figuras de 6 a 8: Figura 6. O primeiro passo é obter substituindo o valor no modelo matemático. É importante manter uma quantidade grande de algarismos no resultado dessa operação. No exemplo em questão, fazemos. Figura 7. O segundo passo é obter ( ) a partir de ( ), ou seja, somamos o resultado da medição da grandeza de entrada à sua incerteza ( ) e 44

substituimos o valor obtido no modelo matemático. No exemplo em questão, fazemos ( ). Figura 8. O terceiro passo é calcular a diferença entre ( ) (obtido no passo 2) e (obtido no passo 1). Com isso, no nosso exemplo, obtém-se ( ). Importante! A incerteza deve ser sempre um parâmetro positivo. Por isso, se ao final desse processo você obtiver um resultado negativo, considere que a incerteza propagada é o módulo desse resultado. Embora existam critérios mais sofisticados para determinar com quantos algarismos deve ser registrada a incerteza da medição, sugerimos adotar que as incertezas sejam representas somente com um algarismo não-nulo. Ou seja, arredondamos ( ) para Recomendamos que as incertezas sejam representadas com um algarismo não-nulo somente. ( ). Com isso, o resultado da medição deverá ser escrito com apenas um algarismo após a vírgula 14. Ou seja,. Enfim, ( ) é a expressão compacta do resultado e da incerteza da medição do comprimento da circunferência cujo diâmetro é ( ). A reta tangente Considere que a função ( ) representa uma relação matemática não-linear qualquer entre duas grandezas experimentais e que o gráfico dessa função é uma curva 14 A necessidade de representar a incerteza e o resultado da medição com a mesma quantidade de algarismos após a vírgula foi discutida em texto anterior sobre incerteza e algarismos significativos. 45

suave. Essa relação pode ser um polinômio ( ), uma função exponencial ( ), uma função logaritmica ( ) ou qualquer outra função suave que represente grandezas experimentais. A melhor estimativa da grandeza de entrada, representada por, determina um ponto da curva com respeito ao qual é possível traçar uma reta tangente a essa curva conforme a Figura 9. Figura 9. Observe que, na vizinhança do ponto com respeito ao qual foi traçada a reta tangente, essa reta se aproxima relativamente bem da própria curva. Como é possível perceber, a reta que é tangente à curva no ponto de coordenada está bastante próxima de todos os outros pontos da curva na vizinhança de. Assim, dizemos que a reta tangente à curva é uma boa aproximação à curva nessa região. Entretanto, quando nos afastamos muito de, percebemos que a reta tangente e a curva se afastam. Fora da vizinhança de, a reta tangente não é uma boa aproximação à curva. Portanto, desde que estejamos trabalhando na vizinhança de, podemos substituir a curva determinada pela função ( ) por uma reta tangente à curva nesse ponto. Ou seja, na vizinhança de Por mais exótica que seja a função ( ) na vizinhança de, podemos aproximar essa função por uma reta!, por mais exótica que seja a função ( ), podemos aproximá-la por uma reta! Propagação de incerteza no caso não-linear Desde que estejamos trabalhando na vinzinhaça de, ou seja, desde que ( ) seja 46

bastante pequeno, temos garantido que o modelo matemático (por mais exótico que seja) pode ser considerado aproximadamente linear. Ou seja, vale o procedimento para obtenção de ( ) a partir de ( ) que descrevemos há pouco. A título de ilustração, considere que desejamos determinar a área da face circular de uma peça metálica a partir do seu diâmetro, que, medido com um paquímetro, resultou ( ). Nesse caso, podemos escrever: Evidentemente, estamos lidando agora com uma relação não-linear. Porém, na vizinhança do ponto podemos considerá-la linear. Com isso, procedemos assim: 1. O primeiro passo é obter substituindo o valor no modelo matemático. É importante manter uma quantidade grande de algarismos no resultado dessa operação. No exemplo em questão, fazemos. 2. O segundo passo é obter ( ) a partir de ( ), ou seja, somamos o resultado da medição da grandeza de entrada à sua incerteza ( ) e substituimos o valor obtido no modelo matemático. No exemplo em questão, fazemos ( ). 3. O terceiro passo é calcular o módulo da diferença entre ( ) (obtido no passo 2) e (obtido no passo 1). Com isso, no nosso exemplo, obtém-se ( ). Representando a incerteza com somente um algarismo não-nulo e arredondando o resultado da medição para apresentar a mesma quantidade de algarismos após a vírgula que a incerteza, obtemos ( ). 47

Propagação no caso de muitas variáveis A rigor, a maioria das situações em que vamos realizar uma medição indireta, a grandeza de saída depende de mais de uma grandeza de entrada como ocorre no exemplo da determinação da aceleração da gravidade a partir do comprimento e período de um pêndulo. Assim, é fundamental saber como realizar a propagação da incerteza em situações com Diferentes parcelas da incerteza de uma mesma grandeza sempre são somadas ao quadrado. duas ou mais grandezas de entrada. Para estimar a incerteza da medição de uma grandeza que depende de muitas variáveis de entrada, é preciso levar em consideração um fato que não podemos demonstrar agora: diferentes parcelas da incerteza da medição de uma mesma grandeza se somam aos quadrados, e o resultado dessa soma é o quadrado da incerteza propagada. A compreensão mais rigorosa dessa questão exigiria a demonstração, também rigorosa, da lei geral de propagação da incerteza, que foge ao escopo desse texto. Entretanto, ao longo das atividades experimentais, você vai se deparar com alguns motivos que, intuitivamente, justificam o procedimento que estamos propondo agora. Assim, quando nos depararmos com uma situação em que há várias grandezas de entrada e somente uma grandeza de saída, o quadrado da incerteza da grandeza de saída é determinado pela soma dos quadros das contribuições das incertezas de cada variável conforme calculado nas seções anteriores. Por exemplo, considere que o comprimento e o período de certo pêndulo resultaram ( ) e ( ) respectivamente. Acrescentando essas informações ao modelo matemático, as contribuições de ( ) e ( ) para a incerteza ( ) devem ser calculadas da seguinte maneira: Seja ( ) a contribuição do período para a incerteza ( ). Para obter essa contribuição, fixamos as outras variáveis e fazemos variar somente o período. 48

Lima Junior, P. et al. O laboratório de mecânica. Porto Alegre: IF-UFRGS, 2012. 1. Calculamos a melhor estimativa da variável de saída substituindo as melhores estimativas das variáveis de entrada no modelo matemático. Ou seja,. 2. Repetimos o mesmo cálculo acrescentando a incerteza ( ) ao valor e mantendo todo o resto inalterado. Ou seja, ( ) ( ). 3. O terceiro passo é calcular a diferença em módulo entre ( ) (obtido no passo 2) e (obtido no passo 1). Com isso, no nosso exemplo, obtém-se ( ). Seja ( ) a contribuição do comprimento para a incerteza ( ). Para obter essa contribuição, fixamos as outras variáveis e fazemos variar somente o comprimento. 1. Já foi calculada a melhor estimativa da variável de saída:. 2. Repetimos o mesmo cálculo acrescentando a incerteza ( ) ao valor e mantendo todo o resto inalterado. Ou seja, ( ) ( ). 3. O terceiro passo é calcular a diferença em módulo entre ( ) (obtido no passo 2) e (obtido no passo 1). Com isso, no nosso exemplo, obtém-se ( ). Ao final, as contribuições da incerteza de cada grandeza de entrada para a incerteza na medição da grandeza de saída é calculada por uma soma de quadrados semelhante ao que se faz para obter o comprimento da hipotenusa de um triângulo retângulo a partir do teorema de Pitágoras. Ou seja, ( ) ( ) ( ). Com isso: ( ). Enfim, fazendo os devidos arredondamentos, resulta desse procedimento que a aceleração da gravidade é aproximadamente dada por com incerteza 49

( ). Com isso, você deve ter aprendido a estimar a incerteza que se propaga das grandezas de entrada para as grandezas de saída. 50