HIDROCÉFALO COM PRESSÃO NORMAL, TIPO HAKIM-ADAMS

Documentos relacionados
HIDROCÉFALO COM PRESSÃO NORMAL E NEUROCISTICERCOSE.

. Intervalo livre de sintomatologia até 12h (perda de consciência seguindo-se período de lucidez);

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO. Prof.ª Leticia Pedroso

ESCLEROSE MÚLTIPLA. Prof. Fernando Ramos Gonçalves

Doenças do Sistema Nervoso

DEMÊNCIA? O QUE é 45 MILHOES 70% O QUE É DEMÊNCIA? A DEMÊNCIA NAO É UMA DOENÇA EM 2013, DEMÊNCIA. Memória; Raciocínio; Planejamento; Aprendizagem;

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

VALORES DO ENXOFRE, COBRE E MAGNÉSIO NO SORO SANGUÍNEO E NO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NOS TRAUMATISMOS CRÂNIO-ENCEFÁLICOS RECENTES

FORMA TUMORAL DA CISTICERCOSE CEREBRAL

REGISTRO DA PRESSÃO INTRACRANIANA

Identifique-se na parte inferior desta capa. Caso se identifique em qualquer outro local deste Caderno, você será excluído do Processo Seletivo.

HIDROCEFALIA DE PRESSÃO NORMAL: AVALIAÇÃO DE CINCO ANOS DE EXPERIÊNCIA E REVISÃO DE LITERATURA

Plano de curso da disciplina de NEUROLOGIA

O ENVELHECIMENTO CONCEITO. Expectativa de vida Natureza 30 anos. Senectude X senilidade

NEUROCIRURGIA o que é neurocirurgia?

VENTRÍCULO-AURICULOSTOMIA NOS BLOQUEIOS INFLAMATORIOS E TUMORAIS À CIRCULAÇÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO

Imagem 1 Corpos de Lafora em biópsia axilar corados com Hematoxilina e Eosina (esquerda) e PAS (direita). Fonte: Gökdemir et al, 2012.

Imagem 1 Corpos de Lafora em biópsia axilar corados com Hematoxilina e Eosina (esquerda) e PAS (direita). Fonte: Gökdemir et al, 2012.

COMO IDENTIFICAR UMA CEFALÉIA SECUNDÁRIA NA EMERGÊNCIA

RESOLUÇÃO Nº 9, DE 8 DE ABRIL DE 2019

Sobre a Esclerose Tuberosa e o Tumor Cerebral SEGA

ENFERMAGEM SAÚDE DO IDOSO. Aula 8. Profª. Tatiane da Silva Campos

TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE AZATIOPRINA, GLATIRÂMER, BETAINTERFERONAS, NATALIZUMABE E FINGOLIMODE.

ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (ISQUÊMICO) Antônio Germano Viana Medicina S8

AULAS TEÓRICAS QUINTA- FEIRA HABILIDADES E ATITUDES MÉDICAS III - 3ª FASE 2010/2

Acidente Vascular Encefálico

VALORES NORMAIS DA CONCENTRAÇÃO PROTÉICA DO LÍQÜIDO CEFALORRAQUIDIANO: VARIAÇÕES LIGADAS AO LOCAL DE COLHEITA DA AMOSTRA

17/08/2018. Disfagia Neurogênica: Acidente Vascular Encefálico

Médico Neurocirurgia Geral

Identifique-se na parte inferior desta capa. Caso se identifique em qualquer outro local deste Caderno, você será excluído do Processo Seletivo.

O QUE VOCÊ DEVE SABER SOBRE DOENÇA METABÓLICA

Pseudo-demência / défice cognitivo ligeiro

Exame Neurológico. Neurofepar Dr. Carlos Caron

PROTEINOGRAMA DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO EM AFECÇÕES DEGENERATIVAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Manifestações clínicas e resposta imune em uma coorte de indivíduos infectados pelo HTLV-1 com alta carga proviral e sem evidência de mielopatia

A PREVENÇÃO faz a diferença

CONCURSO PÚBLICO DE SELEÇÃO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE ESCOLA DE MEDICINA E CIRURGIA

LESÕES DE CRÂNIO. traumatismos

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS AVE / AVC. Profª. Tatiane da Silva Campos

GRANULOMA BLASTOMICOTICO NA MEDULA CERVICAL

Arquivos de Neuro-Psiquiatria

Semiologia neurológica básica

Hipertensão Intracraniana. Rilton M. Morais

RINOLIQUORRÉIA CONSEQUENTE A RINOPLASTIA

Metodologia do Ensino de Ciências Aula 19

CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES OCUPACIONAIS

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO TCE

radiologia do TCE

Caso RM. Letícia Frigo Canazaro Dr Ênio Tadashi Setogutti

RINOLIQUORRÉIA E HIDROCEFALIA POR GLIOSE DO AQUEDUTO CEREBRAL

EDEMA CEREBRAL LOCALIZADO COMO COMPLICAÇÃO TARDIA DE TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO

DOENÇA VASCULAR CEREBRAL HEMORRÁGICA.

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MANOEL GUEDES Escola Técnica Dr. Gualter Nunes Habilitação Profissional de Técnico em Enfermagem

Imagem da Semana: Tomografia Computadorizada

Material e Métodos Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 14 anos, internada para investigação de doença reumatológica

PROVA OBJETIVA. b) Liste os outros exames que devem ser solicitado para o esclarecimento do quadro e descreva qual seria a abordagem terapêutica.

12/08/2009. Senescência. Demência. Reunião Clínica-H9J Dra. Flávia Campora CIMI H9J Serviço Geriatria HC-FMUSP. Senescência.

XIV Curso Básico de Doenças Hereditárias do Metabolismo

PROFESSOR: JEAN NAVES EMERGÊNCIAS PRÉ-HOSPITALARES

RESIDÊNCIA MÉDICA Concurso de Admissão Prova Escrita Dissertativa (16/11/2014) NEUROFISIOLOGIA CLÍNICA COREME / FCM / COMVEST

Título do Trabalho: Autores: Instituição: Introdução

Abordagem da Criança com Cefaléia. Leticia Nabuco de O. Madeira Maio / 2013

Avaliação Neurológica. Prof. Ms.Maria da Conceição Muniz Ribeiro

VERIFICAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DE DERIVAÇÕES VENTRÍCULO-PERITONEAIS COM VÁLVULA MEDIANTE EMPREGO DE RADIOISÓTOPOS

Aula Teórica Demência

UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE ERECHIM DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE ENFERMAGEM

FISIOLOGIA CARDIORESPIRATÓRIA. AF Aveiro Formação de Treinadores

Dr Antonio Araujo. Clínica Araujo e Fazzito Neurocirurgião Hospital Sírio-Libanês

Exame Neurológico M.Sc. Prof.ª Viviane Marques

PROTEINOGRAMA DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA LEPRA LEPROMATOSA

CURSO: ENFERMAGEM NOITE - BH SEMESTRE: 2 ANO: 2012 C/H: 60 PLANO DE ENSINO

Arquivos de Neuro-Psiquiatria

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS DEMÊNCIAS

COORDENADORIA DO CURSO DE MEDICINA CAMPUS DOM BOSCO PLANO DE ENSINO. Unidade Curricular: CUIDADOS EM NEUROLOGIA. Co-requisito: Grau: Bacharelad o

ANEURISMA CEREBRAL M A R I A D A C O N C E I Ç Ã O M. R I B E I R O

I CURSO DE CONDUTAS MÉDICAS NAS INTERCORRÊNCIAS EM PACIENTES INTERNADOS

REGISTRO DE CASOS RICARDO REIXACH-GRANÉS *

SEMIOLOGIA NEUROLÓGICA Funções Corticais Parte 6

CEFALEIAS PRIMÁRIAS NA EMERGÊNCIA PAULO SÉRGIO DE FARIA COORDENADOR DO AMBULATÓRIO DE CEFALEIAS-HGG

SEMIOLOGIA NEUROLÓGICA Síndromes Motoras PARTE 4

PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA

Imagem da Semana: Ressonância Magnética (RM)

REFLEXÕES ACERCA DA AFASIA PROGRESSIVA PRIMÁRIA

ANO OPCIONAL EM NEUROLOGIA PROGRAMA: NEUROLOGIA ANO OPCIONAL (CÓD. 1547)

SISTEMA NERVOSO neurônio dendrito, corpo celular, axônio e terminações do axônio sinapses

A EPILEPSIA NA NEUROCISTICERCOSE

EFEITOS DA VINCAMINA EM PACIENTES COM TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO.

CAPÍTULO I ENTENDENDO O SISTEMA NERVOSO E SUAS DOENÇAS

MENINGES, LÍQUOR E SISTEMA VENTRICULAR MENINGES. Prof. João M. Bernardes

Neuropsicologia nas Demências. Tiago Pina Sequeira Foz do Arelho, Março 2016

TRAUMATISMO RAQUIMEDULAR

Exames Complementares Morte Encefálica. Pedro Antonio P. de Jesus

A maioria das crianças com traumatismo craniano são jovens, do sexo masculino e têm trauma leve.

Classificação. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico(AVCI) * Ataque Isquêmico Transitório(AIT)

EPILEPSIA PÓS- TRAUMÁTICA

MORTALIDADE DOS ANEURISMAS OPERADOS

SEMIOLOGIA NEUROLÓGICA PARTE 2 técnica de exame 2

Surto de Botulismo associado a tofu em conserva, RP, 2018

Transcrição:

HIDROCÉFALO COM PRESSÃO NORMAL, TIPO HAKIM-ADAMS PAULO ANDRADE DE MELLO*; AMAURI BATISTA DA SILVA** O hidrocéfalo com pressão normal do líquido cefalorraqueano, tipo Hakjim-Adams, é caracterizado pela associação de um processo demencial progressivo a distúrbios da marcha difíceis de diferenciar, semiològicamente, entre ataxia cerebelo-vestibular e apraxia da marcha ou ataxia frontal de Bruns. Outros achados neurológicos descritos são a hiperreflexia osteotendinosa com sinal de Babinski, reflexos de preensão palmar e de sucção, sinais extrapiramidais, e evolução inexorável para um estado que lembra o mutismo acinético, com incontinencia de urina e de fezes, torpor e, finalmente, coma. Achamos por bem relatar o presente caso tanto pela inexistência, ao nosso conhecimento, de publicação semelhante na literatura médica brasileira, como pelas particularidades da observação que se enquadra perfeitamente dentro das características da síndrome estudada por Hakim e Adams e seus colaboradores x - 2 < 3. O B S E R V A Ç Ã O A. S. L., com 61 anos de idade, sexo masculino, branco, admitido na Unidade de Neurologia e Neurocirurgia do 1. Hospital Distrital de Brasília em 5-4-1968 (registro B 107834) queixando-se de fraqueza nos membros inferiores e dificuldade para andar desde os últimos quatro meses. Não havia antecedentes de traumatismo crânio-raqueano, de hemorragia meníngea, de meningite, de encefalite, de diabetes nem de hipertensão arterial. O exame neurológico evidenciou apenas marcha parética e hiperreflexia osteotendinosa nos 4 membros, sobretudo nos inferiores. Exames complementares Líquido cefalorraqueano (LCR): pressão inicial 190 mm de H 20; 5 células por mm 3 ; 30 mg% de proteínas; reações de Pandy e Nonne negativas; 55 mg de glicose; 700 mg de cloretos; reações para lues negativas; cultura negativa. No sangue: uréia 35 mg%>; glicemia 94%; hemograma normal; reações do VDRL, Kahn e Kline negativas; provas de atividade reumática, negativas; ácido úrico 4,3mg%. Curva de acidez gástrica normal. Sumário de urina normal. Estudo radiológico dos campos pulmonares, coração e vasos da base sem anormalidades. Estudo radiológico da coluna cervical e lombo-sacra, discreta osteoartrite. Após estes exames o paciente teve alta hospitalar com suspeita de mielopatia cervical, passando a ser observado em ambulatório. Em 9-7-1969 o doente foi reinternado por ter aumentado a dificuldade para andar apresentando, também, distúrbios psíquicos caracterizados por perda progressiva da memória, indiferença, apatia, depressão. O exame neurológico mostrou pa- 1. Hospital Distrital de Brasília: * Neurocirurgião; **Neurologista.

ciente deprimido, pouco colaborador, bradipsiquico, bradicinético, com hipomnésia sobretudo para os fatos mais recentes. Não foram assinalados distúrbios da linguagem, da praxia ou da gnosia. A fala era baixa e lenta mas sem disartria apreciável. Nervos cranianos normais, inclusive a fundoscopia em AO. Mottilidade espontânea muito reduzida, o paciente permanecendo quase imóvel no leito e só e alimentando quando lhe punham alimentos na boca. Havia dificuldade na execução dos movimentos solicitados, talvez mais por falta de colaboração do que em virtude de déficit motor ou de ataxia. Reflexos profundos universalmente vivos; reflexos cutâneo-plantares em ílexão plantar; reflexos cutâneo-abdominais não evidenciáveis; reflexos de preensão palmar e de sucção esboçados; reflexos palmo e pólico-mentoneiros prementes. Sensibilidade superficial e profunda sem anormalidades. O exame da coordenação não foi valorizado em virtude do estado mental, porém não havia sinais grosseiros de ataxia cerebelar. Impossibilidade de caminhar, de pôr-se de pê e de sentar no leito. O paciente só permanecia sentado quando apoiado; posto de pé, com duplo apoio, alargava a base de sustentação e não esboçava a mínima tentativa de marcha. Incontinencia de urina e de fezes. Paciente normotenso sem alterações do sistema cárdio-vascular. Em vista da existência de síndrome demencial associada a síndrome piramidal, sem sinais clínicos de hipertensão intracraniana, foi feita punção lombar que mostrou pressão normal. O exame do LCR nada evidenciou de anormal. O EEG mostrou lentificação difusa do traçado, com surtos freqüentes de ondas de 2 a 3 c/s e de 4 a 6 c/s, sobretudo nas regiões fronto-temporais. Pneumencefalografia: acentuada dilatação ventricular, sem visualização do IV. ventrículo. A iodoventriculografia confirmou a dilatação do sistema ventricular, passando o contraste facilmente para o espaço sub-aracnóideo (Fig. 1). Intervenção cirúrgica e evolução Em 4-9-1968 foi feita derivação ventriculoatrial direita com interposição de válvula de Icon. Poucos dias depois o paciente passou a apresentar rápida melhora tanto do quadro mental como do quadro motor. Treze dias depois de operado já sentava no leito, levantava-se e caminhava com relativa segurança, controlava os esfincteres. Estava mais atento, a comunicação verbal era melhor, falava com mais fluencia, assim como era mais rica a motilidade espontânea. Em 22-9-1969 teve alta hospitalar. Examinado 5 meses após a alta hospitalar o doente continuava em franca recuperação, em excelente estado geral, tendo já retornado às suas atividades profissionais como porteiro de uma repartição pública. C O M E N T A R I O S Em sucessivas comunicações Hakim, Adams e col. 1-2 - 3 assinalaram as manifestações clínicas do hidroeéfalo oculto com pressão normal do LCR. Segundo estes autores, o quadro é caracterizado por síndrome demencial rapidamente progressiva hipomnésia, indiferença, lentificação psíquica e motora, falta de iniciativa, ausência de distúrbios da linguagem, da praxia e da gnosia de evolução flutuante, atingindo, nas fases finais, um estado semelhante ao do mutismo acinético, com incontinencia esfincteriana e, por fim, o coma. Associados a estes distúrbios mentais foram assinaladas dificuldades para andar, distúrbios do equilíbrio, uma espécie da astasia-abasia, além de sinais piramidais e extrapiramidais, com aparecimento de reflexos de preensão palmar e de sucção. Dos 9 casos já publicados e analisados por Hakin e col. três foram consecutivos a traumatismos crânio-encefálicos complicados com hemorragias sub-aracnóideas; um foi devido a hemorragia sub- -aracnóidea por rotura de aneurisma intracraniano; um fora provocado por um cisto do III. ventrículo: em 4 casos a etiología não foi apurada. No

paciente com tumor do III. 0 ventrículo havia bloqueio parcial; em todos os demais o hidrocéfalo era comunicante. A pressão intracraniana sempre se apresentou normal e todos os pacientes apresentaram melhoras após operações de derivação. O caso relatado nesta comunicação superpõe-se àqueles assinalados na literatura. O doente tinha dificuldades para deambular que se agravaram no decurso de dois anos, além de um quadro demencial grave. A vivacidade

dos reflexos profundos existia desde a primeira internação e persistiu durante toda a evolução da doença. Os reflexos cutâneo-plantares sempre foram normais. A rigor não havia déficit motor nem ataxia cerebelar, embora a dificuldade para andar fosse progressiva. Em nenhum momento foram assinalados sinais de hipertensão intracraniana. A pneumenencefalografia mostrou hidrocéfalo acentuado sem visualização do IV. ventrículo. A iodoventriculografia evidenciou ausência de bloqueio, passando o contraste para o espaço sub-aracnóidèo. Não havia antecedentes de traumatismo crânio-encefálico, de meningite, de hemorragia meníngea, bem como não foi evidenciada a existência de processo neoplásico. A explicação para o fato de que um hidrocéfalo possa causar danos progressivos mesmo que a pressão do LCR seja normal parece encontrar ressonância nos trabalhos de Hakim-Adams e colaboradores. Estes autores admitem que, em fase inicial da doença, qualquer que seja a causa, a pressão do LCR deve estar aumentada mas que, até certo ponto, mecanismos de acomodação atenuam ou anulam os efeitos deste aumento de pressão sobre o parênquima nervoso. Entretanto, ultrapassado determinado limite de resistência, o parênquima nervoso, apesar de sua elasticidade, cede à expansão do LCR. Após um certo período de evolução a pressão do LCR voltaria ao normal, o mesmo não acontecendo ao sistema ventricular que continua dilatado. Isso estaria de acordo com a lei de Pascal para os líquidos fechados num recipiente, segundo a qual a força exercida sobre as paredes do recipiente é igual ao produto da pressão do líquido pela superfície das paredes do continente (F = PxS). No sistema ventricular a força exercida sobre as paredes seria o produto da pressão do LCR pela área ventricular. Com base neste princípio de hidrodinámica, é lógico concluir que uma pressão de 150 mm de água, atuando sobre um sistema ventricular bastante dilatado, portanto com uma superfície muito mais ampla, vai agir com um impacto muito maior do que uma pressão idêntica agindo sobre um sistema ventricular de dimensões normais. Foi isto que Hakim engenhosamente rotulou como "hydraulic press effect". Esta teoria é corroborada, na prática, pelo fato de que uma pressão de 180 mm, por exemplo, ao ser baixada para 80 ou 100 mm por uma punção lombar ou por uma derivação ventrículo-atrial, provoca melhora às vezes espetacular. O hidrocéfalo comunicante, consecutivo a condições variadas (hemorragias meníngeas, espontâneas ou traumáticas, meningites, encefalites) já havia sido tratado anteriormente pelos meios aqui descritos. O grande mérito dos trabalhos de Hakim e Adams e colaboradores foi o de encontrar a explicação razoável para o mecanismo de agravamento progressivo dos sintomas na ausência de hipertensão do LCR. Outra questão de grande interesse resolvida por aqueles autores foi a possibilidade da melhora ou mesmo de cura para um bom número de doentes com demenciação progressiva, antes julgados sumariamente como sofredores de demência pré-senil (doenças de Alzheimer e de Pick), atrofia cerebral arteriosclerótica ou senil e que, assim, eram relegados ao grupo de doentes crônicos sem qualquer perspectiva de tratamento.

R E S U M O O hidrocéfalo com pressão normal do LCR, estudado por Hakim e Adams e colaboradores, é caracterizado por demenciação rapidamente progressiva associada a distúrbios da marcha, sinais piramidais e extrapiramidais, e evolução para um estado final semelhante ao do mutismo acinético, com incontinencia esfincteriana, torpor e coma. Os autores apresentam o caso de um paciente de 61 anos de idade no qual se desenvolveu, no período de dois anos, enfermidade inicialmente marcada por distúrbios da marcha, seguidos de deterioração mental de evolução rápida, sinais piramidais nos quatro membros, incontinência esfincteriana, astasia-abasia. Não foram assinalados antecedentes de traumatismos crânioencefálicos com ou sem hemorragia sub-aracnóidea, de meningite, de encefalite ou de neoplasia. Os exames radiológicos mostraram grande hidrocéfalo comunicante. O paciente foi submetido a intervenção cirúrgica, sendo feita derivação ventrículo-atrial direita com interposição de válvula de Icon. O pós-operatório foi marcado por melhora rápida dos sintomas mentais e motores. Reexaminado cinco meses após o ato cirúrgico, o paciente continuava em bom estado, tendo voltado às suas atividades profissionais. S U M M A R Y Hydrocephalus with normal pressure: a case report Hakim and Adams and co-workers had pointed out that hydrocephalus with normal CSF pressure may produce signs of mental deterioration, progressive gait difficulties and signs of involvement of the pyramidal and extrapyramidal systems; the mental changes at the final stages of the disease may resemble the so called akinetic mutism and patients improved with ventriculo-atrial shunt operations. A case of a 61 year old male in which these signs and symptoms developed over a period of two years is reported. The patient was first admitted to a hospital on April, 1968 reporting progressive difficulty to walk. The neurological examination at this time demonstrated only brisk generalized tendon jerks and a paretic gait; routine investigations (CSF, blood and urine) were inconclusive. The patient was discharged with a suspected diagnosis of myelopathy due to a mild cervical spondylosis demonstrated by radiologic examination. On November-1968 he was brought to the hospital due to the rapid deterioration of his gait and signs of impairment of mental functions. On examination he presented severe impairment of the mental functions, incontinence of urine and feces and bilateral pyramidal signs. There were no serious illnesses in his previous history. Air and pantopaque-ventriculo gram demonstrated a communicating hydrocephalus. A ventriculo-atrial shunt operation was performed, followed by complete recovery.

R E F E R Ê N C I A S 1. HAKIM, S. & ADAMS, R. D. The special clinical problem of symptomatic hydrocephalus with normal cerebrospinal fluid pressure. Observations on cerebrospinal fluid hydrodynamics. J. Neurol. Sci. 2:307, 1965. 2. ADAMS, R. D.; FISHER, C. M.; HAKIM, S.; OJEMANN, R. G. & SWEET, W. H. Symptomatic occult hydrocephalus with normal cerebrospinal fluid pressure. A treatable syndrome. J. Med. 273:117, 1965. 3. ADAMS, R. D. Further observations on normal pressure hydrocephalus. Proc. Royal Soc. Med. 59:1135, 1966. 4. VERON, J. P. Hydrocéphalie à pression normale et symptomatologie réversible. Prèsse Méd. 77:551, 1969. Unidade de Neurologia e Neurocirurgia 1." Hospital Distrital Brasilia, D.F. Brasil.