O ARTIGO 190 DO NOVO CPC TEM APLICABILIDADE PARA O DISSÍDIO COLETIVO? (*)

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Transcrição:

O ARTIGO 190 DO NOVO CPC TEM APLICABILIDADE PARA O DISSÍDIO COLETIVO? (*) Renato Rua de Almeida (**) A Resolução nº 203, de 15 de março de 2016, do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, editou a Instrução Normativa nº 39, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva. O artigo 2º da IN nº 39 do TST relaciona os preceitos do novo CPC que não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão da inexistência de omissão ou por incompatibilidade. Entre esses preceitos do novo CPC encontra-se, no item II do artigo 2º da citada IN nº 39 do TST, o artigo 190 e seu parágrafo único, a chamada negociação processual ou negócio jurídico processual. (*) Tema exposto no 6º Painel-Direito Coletivo do 56º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho (Congressos LTr.), realizado em São Paulo nos dias 20, 21 e 22 de junho de 2016. (**) Advogado trabalhista em São Paulo, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, doutor em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Paris I (Panthéon- Sorbonne), membro da ABDT e do IBDSCJ. A dicção do artigo 190 prescreve que, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. É de se indagar se a vedação da aplicação do artigo 190 e seu parágrafo único do novo CPC ao Processo do Trabalho refere-se tanto ao dissídio individual como ao dissídio coletivo, em especial o de natureza econômica, dada sua maior incidência, por não existir omissão no ordenamento jurídico processual trabalhista sobre a matéria ou porque há incompatibilidade entre a nova regra processual comum e as regras específicas processuais do dissídio individual e do dissídio coletivo. De fato, a regra geral é prevista pelo artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho no sentido de que, uma vez ajuizados os dissídios individuais ou coletivos, é da atribuição da Justiça do Trabalho a iniciativa da proposição da forma autocompositiva da conciliação, não dando margem às partes estabelecerem qualquer espécie de negociação processual. Para dar efetividade a essa atribuição exclusiva da Justiça do Trabalho, o parágrafo 1º do citado artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho prescreve que os juízes e tribunais do trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.

Na esteira da prescrição legal do citado parágrafo 1º do artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho e da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, em especial para a necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução dos conflitos, o atual Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, baixou o Ato Conjunto TST.CSJT.GP nº 9, de 11 de março de 2016, instituindo a Comissão Nacional de Promoção à Conciliação. É da competência dessa Comissão Nacional de Promoção à Conciliação, entre outras funções, a de propor, planejar e auxiliar a implementação de ações, projetos e medidas necessárias para conferir maior efetividade à conciliação trabalhista, e, ainda, fomentar e divulgar boas práticas em conciliação trabalhista e medidas que auxiliem os magistrados da Justiça do Trabalho no desempenho dessa atividade. Para tanto, nos dissídios individuais, a forma autocompositiva da conciliação está disciplinada pelos artigos 846 e 847 da Consolidação das Leis do Trabalho, e fica claro que sua proposição é da iniciativa do juiz, não havendo espaço para as partes estipularem as condições de negociação previstas na chamada negociação processual ou negócio jurídico processual prescrito pelo artigo 190 e seu parágrafo único do novo Código de Processo Civil. É razoável dizer que a conciliação no dissídio individual - como uma das espécies da forma autocompositiva de solução do conflito -, deva ser da iniciativa e do controle homologatório do juiz, que dirige o processo trabalhista, em razão da diferença social normalmente existente entre o empregado hipossuficiente e o empregador e também em razão do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas estabelecidos pela legislação trabalhista imperativa, na previsão do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo que o parágrafo único do artigo 190 do novo Código de Processo Civil preveja que o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo em caso de nulidade ou na hipótese em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. No entanto, desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário nos contratos individuais de trabalho deveria ele poder pactuar cláusula compromissória, que só teria eficácia se esse empregado tomasse a iniciativa de instituir a arbitragem privada ou concordasse expressamente com sua instituição, como, aliás, constava do artigo 4º, parágrafo 4º do Projeto de Lei do Senado nº 406 de 2013, que foi afinal vetado pela Presidente da República Dilma Rousseff, quando da promulgação da Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015, que alterou a Lei da Arbitragem, sob o fundamento de distinção indesejada entre empregados, quando é perfeitamente sabido que esses chamados altos empregados têm discernimento suficiente e condições para tomar tal decisão, o que ajudaria a desafogar a Justiça do Trabalho do volume crescente de reclamações trabalhistas, além de terminar com um protecionismo desnecessário em relação a esses empregados diferenciados, fatos esses

que acabam por dificultar e atrasar a homologação da sua extinção contratual, quando é sabido que tais empregados necessitam de agilidade e rapidez para se reposicionarem no concorrido mercado de trabalho. Já nas hipóteses dos dissídios coletivos de trabalho, em especial os de natureza econômica, que mais nos interessa, devido à sua importância e maior frequência, a forma autocompositiva da conciliação é prevista pelos artigos 862 a 864 da Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo que nos dissídios coletivos de trabalho as partes, em princípio, encontrem-se em situação de equilíbrio social, uma vez instaurada a instância processual, a propositura da solução autocompositiva da conciliação é da iniciativa judicial, como fica claro pela leitura do artigo 862 da Consolidação das Leis do Trabalho. Não é estranhável tal postura da legislação trabalhista brasileira, porque a nossa cultura jurídica é contrária ao espírito da Recomendação nº 92 de 1951 da Organização Internacional do Trabalho, que preconiza a utilização dos mecanismos da conciliação, mediação e arbitragem voluntários e privados para a solução dos conflitos coletivos de trabalho, na linha da autonomia privada coletiva decorrente do modelo de direito coletivo de trabalho, que compreende a organização sindical apoiada na liberdade sindical tal qual concebida pela Convenção nº 87 de 1948 da OIT, a negociação coletiva de trabalho estruturada nas Convenções nºs 98 de 1949 e 154 de 1991, ambas da OIT, e o direito de greve consagrado constitucionalmente como direito fundamental dos trabalhadores. É verdade que o atual presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, em seu discurso de posse publicado pela Revista LTr. Legislação do Trabalho (cf. Ives Gandra da Silva Martins Filho, Estímulo à conciliação e à negociação coletiva, in Revista LTr. Legislação do Trabalho, São Paulo, LTr. Editora Ltda., vol. 80 nº 03, de março de 2016, págs. 263-265), dizendo-se contrário ao que chama de excesso de intervencionismo estatal, quer legiferante, quer judicante, e reconhecendo ainda que o papel de pacificação social da Justiça do Trabalho é dificultado, entre outras razões, por causas endógenas, traduzidas pela complexidade de nosso sistema processual e recursal, e pelo desprestígio dos meios alternativos de composição dos conflitos sociais, assumiu o compromisso de contribuir com a racionalização judicial, a simplificação recursal e a valorização da negociação coletiva, o que implicaria o prestigiamento das soluções autocompositivas dos conflitos sociais. Para tanto, o atual ministro presidente do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho, baixou o Ato nº 168/TST.GP, de 4 de abril de 2016, que dispõe sobre os pedidos de mediação e conciliação pré-processual de conflitos coletivos no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Vê-se claramente que, embora tanto o discurso de posse do atual ministro presidente do TST, bem como seu Ato nº 168/TST.GP, de 4 de abril de 2016, apontem

na direção da solução autocompositiva pré-processual dos conflitos coletivos do trabalho, eles se apoiam na nossa cultura jurídica que prestigia a instância estatal administrativa ou judicial diferentemente do espírito da Recomendação nº 92 de 1951, da OIT, que, como visto acima, propõe a solução voluntária e privada, pelos mecanismos da conciliação, mediação e arbitragem. Ora, como já visto acima, a solução voluntária e privada dos conflitos coletivos de trabalho, por meio dos mecanismos da conciliação, mediação e arbitragem, tem como fundamento a autonomia privada coletiva. É de se perguntar se o nosso modelo sindical semicorparativista (cf. Renato Rua de Almeida O modelo sindical brasileiro é corporativista, pós-corporativista ou semicorporativista?, in Revista LTr.-Legislação Trabalhista, da LTr. Editora Ltda., São Paulo, volume 77, nº 1, janeiro de 2013, págs. 7-15), viciado pela ambição do poder (unicidade sindical e representação por categoria) e do dinheiro (contribuição sindical compulsória), terá a isenção necessária, para cultivar o imprescindível principio geral da boa-fé em matéria de conflitos coletivos de trabalho como condição prévia, conforme prescreve o artigo 522 do Código de Trabalho português, segundo a lição da professora portuguesa da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maria do Rosário Palma Ramalho (cf. Tratado de Direito do Trabalho, parte III-Situações Laborais Colectivas, Coimbra, Edições Almedina S.A., 2012, 544 págs.), para formular pedido de mediação e conciliação pré-processual à Justiça do Trabalho, como preconizado pelo artigo 3º do citado Ato nº 168/TST.GP, de 4 de abril de 2016, da atual presidência do TST É justamente a inexistência entre nós de um modelo de organização sindical nos moldes da Convenção nº 87 de 1948 da OIT, que impede a efetividade do princípio geral da boa-fé para a solução autocompositiva dos conflitos coletivos de trabalho, como fica demonstrado com a falta da eficácia social do correspondente dispositivo constitucional ao prever, no artigo 114, 1º, da Constituição Federal de 1988, que, frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros, resultando na prática o que dispõe a seguir o mesmo dispositivo constitucional, em seu parágrafo 2º, que, recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às partes, de comum acordo, o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Portanto, é a inexistência do princípio geral da boa-fé do nosso sindicalismo semicorporativista conflitante com o modelo de organização sindical preconizado pela Convenção nº 87 de 1948 da OIT que impede não só a negociação coletiva - embora, paradoxalmente o Brasil tenha ratificado as Convenções nºs. 98 de 1949 e 154 de 1991, ambas da OIT, sobre negociação coletiva -, mas também e principalmente a busca da solução autocompositiva para a solução do conflito coletivo de trabalho, em especial aqueles de natureza econômica, por meio dos mecanismos da conciliação, mediação e arbitragem voluntários e privados. Não teria sido, com a devida vênia, mais eficaz socialmente, ter o eminente atual presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, com sua sincera intenção de combater o excesso de intervencionismo estatal, quer

legiferante, quer judicante, e de prestigiar os meios alternativos de composição dos conflitos sociais, em vez de editar o Ato nº 168/TST.GP, de 4 de abril de 2016, sobre os pedidos de mediação e conciliação pré-processual de conflitos coletivos no âmbito do TST, regulamentado de vez a exigência do comum acordo das partes, como pressuposto processual, para o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza econômica, como prescrito pelo artigo 114, 2º, da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional de 45 de 2004?. Se assim o fizesse, acabaria com as tentativas muitas vezes utilizadas por nossos Tribunais do Trabalho para esvaziar esse mandamento constitucional, com atitudes como a concordância tácita, caso não haja contestação dos dissídios coletivos de natureza econômica, ajuizados sem o comum acordo das partes. Aliás é de se perguntar se essas tentativas muitas vezes utilizadas por nossos Tribunais do Trabalho para esvaziar esse mandamento constitucional do comum acordo para o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza econômica não pretendem camuflar a manutenção do famigerado poder normativo da Justiça do Trabalho, de origem corporativista, considerado, aliás, extinto pela melhor doutrina (cf. Pedro Carlos Sampaio Garcia, O fim do Poder Normativo, in Justiça do Trabalho: competência ampliada, São Paulo, LTr Editora Ltda.) e conflitante com o princípio constitucional da separação dos poderes, que garante ao Poder Legislativo a prerrogativa da elaboração de leis, já que cabe à Justiça do Trabalho apenas decidir o conflito e não mais criar normas, com a nova redação do artigo 114, 2º, da CF/88 dada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, sem que o preceito do comum acordo, como simples pressuposto para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, conflite com o direito de ação assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88. É preciso que fique claro que a exigência do comum acordo das partes para o ajuizamento formal dos dissídios coletivos de natureza econômica não significa que as partes estejam de acordo com o mérito em discussão, que persiste devido ao fracasso da tentativa da negociação coletiva direta, mas significa que as partes buscam a solução jurisdicional mediante uma sentença normativa com natureza jurídica de arbitragem pública, que decidirá a questão posta com a adoção de uma das propostas finais sobre o conflito coletivo de natureza econômica. Essa solução jurisdicional de arbitragem pública nos conflitos coletivos de trabalho de natureza econômica não contrariaria o espírito da Recomendação nº 92 de 1951 da OIT, uma vez que estaria na linha preconizada pela autonomia privada coletiva, porque respeitaria uma das propostas finais das partes envolvidas no dissídio coletivo (cf. Renato Rua de Almeida, A mediação e a conciliação e o seu impacto nos dissídios coletivos, in Suplemento Trabalhista LTr., São Paulo, LTr. Editora Ltda., 2014, Ano 50, 047/14, págs. 219-222). A exigência do comum acordo como prossuposto processual para as partes poderem ajuizar perante a Justiça do Trabalho o dissídio coletivo de trabalho de natureza econômica, com propostas finais, tendo em vista a obtenção de uma sentença

normativa de natureza de arbitragem pública, certamente exigirá desses mesmos sujeitos da relação coletiva de trabalho sindicatos profissionais e empresas o exercício imprescindível da boa-fé para a solução dos conflitos coletivos de trabalho de natureza econômica, quer no primeiro momento da negociação coletiva direta, quer, uma vez fracassada essa tentativa direta de solução do conflito coletivo, na busca alternativa da sua solução voluntária e privada, por meio dos mecanismos da conciliação, mediação e arbitragem, dando eficácia social ao artigo 114, 1º, da CF/88, e em atendimento ao espírito da Recomendação nº 92 de 1951 da OIT, evitando, desta forma, o imponderável da sentença normativa de natureza de arbitragem pública, que decidirá optando por uma das duas propostas finais apresentadas pelas partes. Em conclusão, o artigo 190 e seu parágrafo único do novo Código de Processo Civil não se aplicam ao dissídio individual nem ao dissídio coletivo, em razão da inexistência de omissão a esse respeito no processo do trabalho ou por incompatibilidade. Por outro lado, a maneira mais eficaz socialmente para a promoção da solução autocompositiva dos conflitos coletivos de natureza econômica é regulamentar o comum acordo como pressuposto para a instauração judicial do dissídio coletivo de natureza econômica, porque sua regulamentação levará as partes a se valerem da boa-fé nas tratativas na fase pré-processual, isto é, durante a negociação direta, e, se esta fracassar, a seguir nas tentativas de solução autocompositiva voluntária e privada, pelos instrumentos da conciliação, mediação e arbitragem, evitando, desta forma, com a instauração judicial do dissídio coletivo de natureza econômica, pelo comum acordo, o imponderável da sentença normativa de natureza de arbitragem pública, que decidirá por uma das propostas finais apresentadas pelas partes que seja a mais justa e adequada à realidade sócioeconômica, levando em consideração os interesses das partes envolvidas, isto é, não só as necessidades dos trabalhadores, mas também as possibilidades dos empregadores e as exigências do bem comum.