UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Anderson Andrey da Silva A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA

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Transcrição:

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Anderson Andrey da Silva A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA CURITIBA 2010

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA CURITIBA 2010

Anderson Andrey da Silva A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar. CURITIBA 2010

TERMO DE APROVAÇÃO Anderson Andrey da Silva A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, de de 2010. Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar Universidade Tuiuti do Paraná Professor Universidade Tuiuti do Paraná Professor Universidade Tuiuti do Paraná

DEDICATÓRIA À minha amada e fiel esposa, Josi.

AGRADECIMENTOS À Deus, pela oportunidade de enfrentar mais um grande desafio em minha vida. Ao Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, pela confiança em aceitar nobre missão de orientar o presente trabalho de conclusão de curso. Doutor Daniel Avelar, meus sinceros agradecimentos.

EPÍGRAFE Apenas o direito da força pode, portanto, dar autoridade a um juiz para infligir uma pena a um cidadão quando ainda se está em dúvida se ele é inocente ou culpado. Cesare Beccaria

RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar a impronúncia e seus efeitos diante da Constituição Federal de 1988. Tal decisão ocorre ao término da primeira fase do procedimento escalonado ou bifásico do Tribunal do Júri, denominada formação da culpa, onde o magistrado, não convencido da materialidade do fato ou da existência de indício suficiente de autoria ou participação, opta por impronunciar o réu. No entanto, a impronúncia não analisa o mérito, sendo assim, o réu não está condenado e nem absolvido, ficando numa incerteza jurídica, pois poderá o Ministério Público oferecer nova denúncia em face do impronunciado, se nova prova advir, enquanto não ocorrer à preclusão punitiva em abstrato do Estado. Por conta disso, examina-se a impronúncia diante dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da igualdade processual, bem como seus efeitos negativos. Enfim, busca-se concluir sobre a inconstitucionalidade da impronúncia perante o princípio fundamental da Constituição da República de 1988, ou seja, o Estado Democrático de Direito. Palavras-chaves: Tribunal do Júri, Impronúncia, Inconstitucionalidade, Princípios Constitucionais.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 8 2 DO TRIBUNAL DO JÚRI... 9 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO... 9 2.2 O JÚRI NO BRASIL... 11 2.3 O JÚRI E O DIREITO COMPARADO... 15 2.4 O JÚRI E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988... 17 3 DO PROCEDIMENTO DO JÚRI... 21 3.1 PRONÚNCIA... 25 3.2 DESCLASSIFICAÇÃO... 27 3.3 ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA... 29 3.4 IMPRONÚNCIA... 30 4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA... 33 4.1 A IMPRONÚNCIA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO... 34 4.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana... 36 4.2 A IMPRONÚNCIA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA... 37 4.2.1 Princípio do In Dúbio Pro Reo... 41 4.3 A IMPRONÚNCIA E SEUS EFEITOS... 43 4.4 A IMPRONÚNCIA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL... 46 4.5 A IMPRONÚNCIA NA JURISPRUDÊNCIA... 51 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 55 REFERÊNCIAS... 58

8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso tem por finalidade analisar a impronúncia e seus efeitos diante da Constituição da República de 1988. A impronúncia ocorre ao final da primeira fase do procedimento bifásico ou escalonado do Tribunal do Júri, denominada formação da culpa ou judicium accusationis, onde o magistrado observando a carga probatória que se funda a ação penal, em face do acusado, deverá optar por uma das opções apresentada pela legislação processual penal, isto é, pronúncia, desclassificação, absolvição sumária ou impronúncia. Neste sentido, estando o magistrado convencido da não existência da materialidade ou de indícios suficiente de autoria ou participação, decidirá por impronunciar o acusado. No entanto, tal decisão não julga o mérito, deixando o impronunciado numa incerteza jurídica em relação a sua situação perante o Poder Judiciário e a sociedade, pois não estará condenado e nem absolvido. Aliás, o Órgão Acusador, responsável pela carga probatória da acusação, terá oportunidade de oferecer nova denúncia do mesmo delito se, por ventura, nova prova advir, enquanto não consumar a preclusão punitiva em abstrato do Estado. É neste momento que o trabalho aprofunda sua pesquisa e reflexão sobre o instituto da impronúncia, desde a sua natureza jurídica, passando pelos seus efeitos jurídicos até sua lesão constitucional em face do princípio do Estado Democrático de Direito, do princípio da Presunção da Inocência, do Princípio In Dubio Pro Reo e do Princípio da Igualdade Processual.

9 2 DO TRIBUNAL DO JÚRI 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO Sobre a origem do Tribunal do Júri, segundo o doutrinador Rogério Lauria Tucci, há quem afirme, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal do Júri se encontram a lei mosaica, nos dikastas, na Heliéia (Tribunal dito popular) ou no Areópago gregos (1999, p. 12). No entanto, o processualista Guilherme de Sousa Nucci relata em sua obra Tribunal do Júri que na palestina, havia o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias [...] julgavam processos criminais [...] puníveis com pena de morte. (2008, p. 41). Ainda na mesma lição do autor supracitado, na Grécia, desde o Século IV a.c., tinha-se conhecimento do Júri. O denominado Tribunal de Heliastas era a jurisdição comum, [...] composto por cidadãos representantes do povo (ibid., p. 41-42). Em Roma, durante a República, o Júri atuou, sob a forma de juizes em comissão, conhecidos por quoestiones. Quando se tornaram definitivos, passaram a chamar-se de quoestiones perpetuoe, por volta do ano de 155 a.c. (NUCCI, op. cit,, p. 42). Tucci, mais uma vez, ensina em sua obra já mencionada que: A corte judicante (quaestio), formada por um magistrado, que a presidia (quaesitor), incumbido de dirigir seus trabalhos e orientar a votação, mas despido da função de votar, e jurados (iudices iurati), aos quais se atribuía o poder de julgar, num processo de natureza pública, contraditório e oral. (op. cit., p. 23-24, sem grifo no original). Roma. Entretanto, com o fim da República, o júri foi aos poucos desaparecendo em

10 No entanto, o júri ressurgiu na Inglaterra durante o governo do Rei Henrique II (1154 1189) onde encarregava-se o sheriff de reunir doze homens da vizinhança para dizerem se o detentor de uma terra desapossou, efetivamente, o queixoso, eliminando, assim, um possível duelo judiciário. (RANGEL, 2010, p. 586, grifo do autor). Os jurados eram pessoas do povo da comunidade local e eram conhecidos como Petty jury, ou seja, Pequeno Júri. Sua competência limitava em decidir se o réu era culpado ou inocente das acusações. Quando o julgamento versava sobre crimes graves, homicídio, por exemplo, a acusação era conduzida pela comunidade local, composta por vinte três jurados, conhecida como Grand Jury, ou melhor, Grande Júri. Antes o papel de acusador era de responsabilidade de um funcionário público, que se assemelhava ao papel do Ministério Público. O Professor Paulo Rangel (ibid., p. 586) assevera em seu livro Direito Processual Penal que os jurados simbolizando a verdade emanada por Deus (por isso doze homens em alusão aos doze Apóstolos que seguiram Cristo), decidiam, independentemente de provas, com base no vere dictum. Entretanto, com a edição da Magna Carta do Rei João Sem Terra, no ano de 1215, o Tribunal do Júri surge com a missão de retirar das mãos do déspota o poder de decidir contrário aos interesses da sociedade da época, nascendo, [...], princípio do devido processo legal (due processo f law) (RANGEL, op. cit., p. 586). Na França, o júri recebeu a influência dos pensadores iluministas, fruto da Revolução Francesa de 1789. Assim, o júri foi consagrado como instituição judiciária, adotando-se a publicidade dos debates orais ou escritos e notoriedade,

11 bem como a competência exclusiva de julgar as causas criminais, admitindo o resultado da condenação por maioria dos votos dos jurados (TUCCI, 1999). A partir desse momento, o Tribunal do Júri espalhou-se pelo resto da Europa, com o ideal de liberdade e democracia a ser perseguido, como se somente o povo soubesse preferir julgamento justo (NUCCI, 2008, p. 42, grifo nosso). Neste sentido, ensina Paulo Rangel que: O júri nasce e se desenvolve sempre como escopo de frear o impulso ditatorial do déspota, ou seja, retirar das mãos do juiz, que materializava a vontade do soberano, o poder de julgar, deixado que o ato de fazer justiça fosse feito pelo próprio povo. (op. cit., p. 587, sem grifo no original). Por fim, ainda na lição do autor o júri não nasceu na Inglaterra, mas o júri que hoje conhecemos e temos, no Brasil, é de origem inglesa em decorrência da própria aliança que Portugal sempre teve com a Inglaterra (RANGEL, 2010 p. 585). 2.2 O JÚRI NO BRASIL Com a vinda da corte Portuguesa para o Brasil, nos meados do século XIX, por força da iminente invasão do Império Napoleônico à Península Ibérica, surge no Brasil à instituição do júri com forte influência do direito europeu, por meio da estreita relação econômica e cultural entre Portugal e Inglaterra (RANGEL, 2010). Por conseqüência, o júri foi instituído 1 no Brasil pela Lei de 18 de julho de 1822, com competência de julgar os crimes de imprensa. Era composto por vinte e quatro cidadãos selecionados entre homens bons, honrados, inteligentes e patriotas, 1 O professor Paulo Rangel ensina em seu livro Direito Processual Penal (2010, p. 589) que o júri nasceu no Brasil antes mesmo da independência (em 7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (em 25 de março de 1824), ainda sob domínio português, mas com forte influência inglesa.

12 sendo que da sua decisão, ao acusado, cabia apenas o recurso de apelação ao Príncipe. (TUCCI, 1999). Na lição de Paulo Rangel (2009) com a promulgação da primeira Constituição do Brasil, em 1824, os jurados foram considerados como integrantes do Poder Judiciário, muito embora, receberam a competência de julgar tanto na área cível, quanto na área criminal. Aliás, competia aos jurados decidirem sobre o fato, enquanto ao juiz apenas realizar devida aplicabilidade da lei. Porém, somente após a promulgação do Código de Processo Penal do Império que o Tribunal do Júri foi disciplinado. Assim, sobre o tema assevera Álvaro Antônio Sagulo Borges de Aquino, na obra A Função Garantidora da Pronúncia que: O Código de Processo Criminal do Império, de 29 11 1832, disciplinou o Tribunal do Júri atribuindo-lhe competência para o julgamento de quase todas as infrações penais, normatizando a função dos jurados e o procedimento a ser adotado no júri (dividindo em 1 e 2 Conselho de Jurados) (2004, p. 4, sem grifo no original). Nota-se que, segundo Paulo Rangel (2010), o júri existente no período do Império era uma cópia aproximada do júri Inglês, pois havia a figura do grande júri, isto é, o júri de acusação, que debatiam entre si no intuito de decidir se o acusado iria ou não a plenário ser julgado pelo pequeno júri ou júri de sentença. No entanto, com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o Brasil passa a se aproximar mais dos Estados Unidos e se afastar da Inglaterra, que não via com bons olhos a República (RANGEL, 2009, p. 79). O professor Guilherme de Souza Nucci (2008) explica que com o advento da Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891, sob forte influência da Constituição norte-americana, o júri foi mantido no Brasil, sendo, aliás, transferido para a seção dos direitos e garantias individuais. Rui Barbosa, admirador inconteste do Tribunal Popular, contribuiu sensivelmente para tal feito.

13 Para Rangel o júri nesse período tinha a formação originária da Inglaterra e, posteriormente, norte-americana, com doze jurados, com aquela alusão, pensamos, aos Doze apóstolos de Cristo, e discutiam a causa entre si, a portas fechadas (2010, p. 598). Na década de 30, o Brasil caminhou para a ditadura depois de atravessar a Primeira Guerra Mundial, o colapso da Bolsa de Valores de Nova Iorque dentre outros episódios históricos que autorizaram a derrubada de Washington Luis (RANGEL, 2009, p. 82). Nesse sentido, em 16 de julho de 1934, é outorgada a Carta Política de 1934, inspirada no modelo alemão de Weimar (cidade onde a Constituição foi elaborada), ou seja, na República que existiu na Alemanha entre o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão do nazismo (RANGEL, 2010, p. 600). Aliás, a referida Constituição voltou a inserir o júri no capitulo referente ao Poder Judiciário (NUCCI, 2008, p. 43). Nesta época, instaurou-se no Brasil o Estado Novo, por conta da acessão ao poder por Getúlio Vargas. Luís Roberto Barroso comenta sobre o Estado Novo: Com apoio dos comandantes militares e sob influencia das forças ditatoriais que se alçavam ao poder no Velho Continente, Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, dissolve o Congresso com tropa de choque, faz uma proclamação a Nação e outorga a Carta de 1937. Inicia-se o Estado Novo. (2000, p. 22, sem grifo no original). Por conta disso, a Constituição de 1937 não tratou sobre o Tribunal do Júri, sendo, portanto, necessário disciplinar a matéria por meio do Decreto-lei n 167, de 5 de janeiro de 1938, que segundo Aquino (2004, p. 7) [...] disciplinou o respectivo procedimento, dando-lhe sua organização atual, com um Juiz presidente e vinte três jurados, sendo o Conselho de sentença formado por sete jurados.

14 Assim, sofrendo forte influência do regime ditatorial de Vargas é editado o Código de Processo Penal de 1941, nosso Código atual. Houve, portanto, a restauração da soberania dos veredictos, bem como a manutenção do procedimento escalonado do Tribunal do Júri. Com o fim dos regimes autoritaristas europeu, a democracia renasceu com Constituição de 1946, assim, no capítulo dos direitos e garantias individuais o Tribunal Popular retornou soberano. Entretanto, sob tal prisma Democrático, o período iniciado em 1946 enfrentou diversas turbulências de cunho políticos, financeiros e ideológicos. Com efeito, em 31 de março de 1964, chega ao fim o período efêmero de democracia, instalando-se o regime militar que perdurou no comando do País até meados da década de 80. Sem mencionar, expressamente, sobre a soberania dos veredictos, nem do sigilo das votações, bem como da plenitude de defesa, foi outorgada a Constituição de 1967 que, manteve em seu texto a instituição do júri no capítulo do direito e garantias individuais (NUCCI, 2008). Contudo, com a eminente redemocratização do Brasil prometida pelo então Presidente General Baptista de Oliveira Figueiredo, após o Movimento Diretas Já, passando pela eleição de Tancredo Neves a Presidente da República, foi então promulgada através do Poder Constituinte a Constituição Federal de 1988. Assim, na atual Carta Política de 1988, é reconhecida a instituição do júri com competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, disciplinado no artigo 5, inciso XXXVIII, inserido no Capítulo referente aos Direitos e Garantias Individuais, sendo, assegurados como princípios básicos: a plenitude do direito a defesa, o

15 sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (CAPEZ, 2006, p. 636). 2.3 O JÚRI E O DIREITO COMPARADO Na Inglaterra o júri nasceu com sua característica moderna, com a missão de retirar das mãos do déspota o poder de decidir contrário aos interesses da sociedade (RANGEL, 2009, p. 45). Sua competência limita-se aos delitos de homicídio, na sua forma dolosa ou culposa, e o estupro. Cabendo ao juiz togado decidir sobre outros crimes que serão ou não processados em plenário do júri. As questões de fato são submetidas à apreciação dos jurados, não sendo necessário para condenação do réu à unanimidade dos votos, e sim, a maioria qualificada, isto é, dez versus dois, ou onze versus um. Neste sentido bem assevera Paulo Rangel: Os jurados, no júri Inglês, em número de 12 pessoas com idade entre 18 e 70 anos, decidem se o réu é culpado ou inocente com um vere dictum que deve expressar a vontade, se for condenatória, de, pelo menos, 10 votos contra 2, pois, do contrário, se não houver essa maioria que se será chamada de qualificada, o réu será submetido a novo júri, perante novos jurados. Se o novo júri não alcançar essa maioria, para condenar, o réu será considerado inocente e, consequentemente, absolvido. [itálicos originais] (op. cit., p. 46, sem grifo no original). Na Inglaterra, portanto, tradicionalmente os direitos e as garantias individuais do cidadão sempre foram protegidos pelo processo penal. Assim, o júri ainda é a figura central da justiça, porque sempre foi o sustentáculo da liberdade e dos direitos individuais (NUCCI, 1999, p. 64).

16 Nos Estados Unidos da América, outro berço de proteção dos direitos e garantias individuais, o júri é uma garantia fundamental prevista na Constituição Federal, sendo sua maior característica o processamento de causas cíveis e criminais perante o Tribunal Popular. No entanto, o júri norte-americano apresenta peculiaridades no que tange a constituição dos jurados que, diferente do Brasil onde o Conselho de Sentença é composto por sete jurados, nos Estados Unidos cada Estado Membro da Federação possuem quantidade de jurados que varia de seis a doze. Sobre o tema esclarece o Professor Paulo Rangel: A dificuldade de estudar o júri americano é que cada Estado tem um sistema de jurado próprio, pois somente sete Estados exigem um júri de doze membros submetido ao critério de decisão por unanimidade, tanto em casos cíveis como criminais. O tamanho do corpo varia entre seis e doze membros, e quanto à decisão esta pode ser por unanimidade até a maioria de dois terços de votos, dependendo do Estado. (op. cit., p. 48, sem grifo no original). Outro tema que difere no júri norte-americano diz respeito à comunicabilidade dos jurados, que no Brasil não ocorre por conta do princípio da incomunicabilidade entre os jurados. No entanto, o Conselho de Sentença norteamericano se reúne numa sala reservada para discutirem entre seus integrantes sobre a decisão de condenar ou absolver o acusado. Segundo Rangel (op. cit., p. 49) a decisão no júri norte-americano, além de ser unânime, em regra, deve ser discutida 2 entre os integrantes do corpo de jurados, pois é fruto do exercício da cidadania que simboliza e encarna a participação popular nas decisões judiciais. 2 O PLS n 156 2009, anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal Brasileiro, prevê a possibilidade dos jurados deliberarem sobre a votação. Dessa forma, o texto original, dispõe o Art. 387 do referido projeto que: Não havendo dúvida a ser esclarecida, os jurados deverão se reunir em sala especial, por até uma hora, a fim de deliberarem sobre a votação.

17 Tal posicionamento descreve o viés democrático e popular que o júri representa no Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o modelo norteamericano encontra-se presente por meio de várias características existentes no modelo brasileiro, como por exemplo, o nosso órgão acusador, representado pelo Ministério Público. De qualquer modo, revela-se de grande importância conhecer como se apresentam, atualmente, os dois principais modelos do júri que influenciaram o nosso Tribunal Popular. Não obstante, após um período de supressão da democracia, por conta do regime militar, o Brasil assentou o instituto do júri no capítulo de direito e garantias fundamentais do cidadão, tornando assim, o instituto em comento, base na proteção do cidadão em face do Estado, fixado na Carta da República de 1988. Infelizmente, mesmo sendo o Júri um instrumento peculiar de proteção do cidadão em face do Estado, vários países, principalmente da Europa, não mais contemplam a instituição em seus ordenamentos judiciários, bem como há outros com pretensões de abolir o júri por motivos diversos. 2.4 O JÚRI E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 As alíneas do inciso XXXVIII, do artigo 5, da Carta da República de 1988, trazem os princípios que regem a instituição do júri no Brasil, são eles: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida. Tais princípios estão inseridos no capítulo dos Direitos e Garantias individuais.

18 Portanto, reconhece a Constituição Federal que ao acusado submetido ao julgamento do júri tenha a seu favor a garantia da Plenitude da Defesa, e não somente o exercício da ampla defesa que, em regra, é reconhecida ao acusado em geral. Logo, a plenitude da defesa 3 é a atuação do defensor por meio da forma técnica, bem como a devida apresentação de suas teses perante os jurados com fundamentos na esfera jurídica, psicológica, social, moral e religioso, com o intuito de aumentar a eficácia da ampla defesa. Sobre o tema bem discorre Fernando Capez: Defesa plena, sem dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla. Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-se a uma atuação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal etc. Esta defesa deve ser fiscalizada pelo juiz-presidente, o qual poderá até dissolver o conselho de sentença e declarar o réu indefeso (art. 497, V) quando entender ineficiente a atuação do defensor. (2006, p. 637, sem grifo no original). Busca assim, dar suporte aos juizes leigos que decidiram sobre o futuro do acusado, absolvendo ou condenando, muito embora, sem a devida obrigação de fundamentar suas decisões. Ao contrário, no processo penal comum, onde se garante ao réu a ampla defesa, além do contraditório, o Magistrado ao condenar o réu, por força de lei, deverá fundamentar sua decisão, que poderá ser alvo de recurso específico. Outro princípio Constitucional pertinente ao júri é o sigilo das votações. Dispõe o Código de Processo Penal que após a leitura e explicação dos quesitos em plenário pelo Juiz-Presidente, e, não havendo dúvida, os jurados serão conduzidos à 3 Há divergência quanto à possibilidade de inovação da tese defensiva durante a tréplica. Para Nucci, é perfeitamente admissível a inovação da tese de defesa por ocasião da tréplica, respeitando assim, a plenitude da defesa (2008, p. 206). No entanto, entende Mirabete que na tréplica não pode ser apresentada tese defensiva nova, pois a tal inovação fere o princípio do contraditório (2008, p. 540).

19 sala especial, denominada sala secreta, a fim de procederem à votação dos quesitos. No que pese sobre o sigilo da votação, o Constitucionalista José Afonso da Silva (2009, p. 137) explica que a resposta se faz por cédulas sim ou não, de modo que nem os demais jurados, nem o juiz, nem os órgãos de acusação e defesa ficam sabendo a resposta de cada jurado. É nisso que consiste a votação sigilosa. Embora seja exceção ao princípio da publicidade dos atos processuais, tal procedimento previsto na Carta da República tem por objetivo preservar a liberdade de convicção dos jurados no que tange a imparcialidade do voto. Assim, as decisões tomadas pelos jurados dentro da sala secreta, referente às questões de fato, resultam na condenação ou absolvição do réu. Tais decisões são legitimadas, constitucionalmente, através do Princípio da Soberania dos Veredictos. Logo, não poderão ser alvo de modificações pelos órgãos superiores, pois são destinatárias de soberania perante o Poder Judiciário. Se o objetivo inicial de submeter o réu ao julgamento popular por seus pares era afastar a tirania do déspota e com isso revestir o julgamento de características democráticas, por meio da decisão do povo, não faz sentindo se tal decisão fosse, a critério subjetivo do juiz togado, reformulada. No entanto, há previsão no Código de Processo Penal, artigo 593, inciso III, alínea d, a possibilidade do recurso de apelação ao Tribunal ad quem sobre a decisão dos jurados manifestadamente contrária à prova dos autos, com o intuito de submeter o réu a novo Conselho de Sentença, mantendo assim, a soberania do veredicto.

20 Sobre o Princípio da Soberania dos Veredictos ensina Edilson Mougenot Bonfim, em sua obra Curso de Processo Penal: A soberania dos veredictos importa na manutenção da decisão dos jurados acerca dos elementos que integram o crime (materialidade, autoria, majorantes etc.), que, em princípio, não poderá ser substituída em grau de recurso. Não impede, porém, que o tribunal, julgando a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, determine seja o réu submetido a novo Júri. Tampouco obsta a possibilidade de revisão criminal. (2009, p. 497, sem grifo no original). Neste contexto, está à soberania dos veredictos garantida pela Constituição, cabendo apenas recurso das decisões dos jurados que se apresentem contrárias às provas dos autos que, sendo esse o entendimento do Tribunal ad quem, submeterá o réu ao novo Conselho de Sentença, preservado, portanto, a decisão original. Porém, cumpre destacar que, há possibilidade do pedido de revisão criminal de sentença condenatória do Tribunal do Júri transitada em julgado, desse modo, existindo defeitos na prestação jurisdicional do tribunal popular, sobrepõe-se à soberania dos veredictos as garantias constitucionais da liberdade e dignidade do indivíduo, aliadas ao princípio da amplitude de defesa [...] (id., ibid., p. 775), poderá o acusado ser absolvido em prejuízo do veredicto dos jurados. Por derradeiro, a Carta da República define a competência mínima do Tribunal Popular ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida 4. Muito embora, não se trata de competência exclusiva, cabendo ao Tribunal do Júri julgar outros crimes, desde que haja conexão 5 ou continência 6 com algum crime doloso contra vida (BONFIM, op. cit., p. 497). 4 Tanto os delitos consumados quanto os tentados, vide, art. 74, 1, CPP. 5 Na obra Tribunal do Júri, Guilherme de Souza Nucci (2008, p.72) ensina que a conexão é a ligação existente entre infrações penais, cometidas em situações de tempo e lugar que as tornem indissociáveis, além de significar a união entre delitos, uns cometidos para que outros sejam viabilizados, ou então quando vários atos criminosos são acometidos por agentes em reciprocidade. 6 Ainda no raciocínio do autor, a continência significa a possibilidade de um fato criminoso abranger outros, tornando-se uma unidade indivisível (2008, p.72).

21 São crimes dolosos contra a vida os delitos previstos no Capítulo I (dos crimes contra a vida), do Título I (dos crimes contra a pessoa), da Parte Especial do Código Penal, como o homicídio, o induzimento, a instigação e auxílio ao suicídio, infanticídio, e o aborto. Vale ressaltar que, o Texto Maior reservou, excepcionalmente, foro privilegiado a determinadas autoridades, assim, Segundo Alexandre de Moraes (2009, p. 91) todas as autoridade com foro de processo e julgamento previsto diretamente pela Constituição Federal, mesmo que cometam crimes dolosos contra a vida [...] estarão isentos de julgamento pelo Conselho de Sentença. Nota-se que a competência do Júri não é absoluta, por exemplo, os delitos conexos, resultantes da conexão e da continência, são responsáveis por submeterem aos jurados crimes que, originalmente, não são de competência do júri, mas, entretanto, ocorrem por força de lei. 3 DO PROCEDIMENTO DO JÚRI Nucci (2008) relata que ao tomar ciência de uma infração penal, nos casos de delitos dolosos contra a vida, a autoridade policial inicia uma investigação por meio do inquérito policial. Tal procedimento, pré-processual, busca reunir provas suficientes da materialidade e autoria do delito que, servirá de base ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Segundo a lição de Nilo Batista (2005, p. 24) tratando-se de um crime perseqüível por ação penal pública, o Promotor de Justiça oferecerá denúncia, e um procedimento previsto no CPP se seguirá. Assim, ao receber a denúncia o Juízo competente citará o acusado para apresentar resposta à acusação no prazo de 10

22 (dez) dias, nos termos do Art. 406 do CPP. A referida conduta inaugura a primeira fase do procedimento bifásico ou escalonado do Tribunal do Júri, a judicium accusationis 7. Na resposta à acusação, poderá o acusado alegar tudo que seja pertinente a sua defesa, como a argüição de preliminares, o oferecimento de documentos e justificativas, especificação de provas e arrolar no máximo de 08 (oito) testemunhas, sendo todas qualificadas e requeridas as suas devidas intimações, conforme dispõe o Art. 406, 3 do CPP. Neste momento processual, vale ressaltar que, no procedimento comum, (BONFIM, 2009, p. 484) após o oferecimento da resposta escrita, duas são as opções do magistrado: absolver sumariamente o réu, se presente algumas situações do art. 397, ou designar dia e hora para audiência [...]. Nesse sentido, portanto, dispõe o art. 394, 4, CPP, que as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. Assim sendo, se o magistrado entender que o art. 394, 4, do CPP, se aplica a todos os procedimentos do Código de Processo Penal, inclusive no procedimento bifásico do júri, deverá absolver sumariamente o acusado, logo que, verificar alguma das hipóteses do art. 397 8, CPP. 7 Judicium accusationis tem como marco inicial o recebimento da denúncia e termina com a decisão de pronúncia. (BONFIM, 2009, p. 501). 8 Art. 397, CPP: Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV extinta a punibilidade do agente.

23 Vencidas as primeiras etapas da fase de formação da culpa o Magistrado designará audiência única de instrução e julgamento onde serão ouvidas, se possível, à vítima, as testemunhas de acusação, as testemunhas de defesa, se for o caso, peritos. Ainda, serão realizadas possíveis acareações e reconhecimento de pessoas e coisas, o interrogatório do réu, e por fim, serão procedidos os debates. A Lei 11.689 de 2008, responsável pela reforma de considerável parcela do procedimento do Júri, criou a audiência única para serem ouvidas às testemunhas de acusação e defesa, bem como o interrogatório do réu. Comenta sobre a reforma do procedimento do júri Guilherme de Souza Nucci: Institui-se, com o advento da Lei 11.689 2008, a audiência única. Quer-se produzir toda a prova, ao menos a oral, em uma só data. Por isso, nessa audiência, serão ouvidos o ofendido, quando possível, as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, e os esclarecimentos eventualmente existentes dos peritos. Serão realizadas acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, bem como será interrogado o réu. Na seqüência, dar-se-ão os debates e o juiz pode proferir a sua decisão (art. 411). (2008, p. 738, sem grifo no original). Dessa forma, encerrada a instrução probatória, nos termos do art. 384 do CPP, poderá o Ministério Público, se for o caso, aditar a denúncia ou queixa no prazo de 05 (cinco) dias. Não sendo o caso, ocorrerá às alegações finais, de forma oral. Com isso, segundo o princípio da igualdade processual, a acusação e a defesa têm vinte minutos, cada uma, prorrogáveis por mais dez. Se houver mais de um réu, cada um tem seu tempo individualmente considerado. (NUCCI, op. cit., p. 51). Findo os debates, o Juiz, decidirá na própria audiência ou no prazo de 10 (dez) dias, conforme a redação do art. 411, 9 do CPP, se o réu será pronunciado, desclassificado, absolvido sumariamente ou impronunciado.

24 Contudo, ao decidir o Magistrado por uma das possibilidades presentes no Código de Processo Penal, estará dando por encerrada a primeira fase do rito bifásico ou escalonado do Tribunal do Júri, e, por derradeiro, inaugurando a próxima fase, denominada de Juízo da Causa ou judicium causae 9. Cumpre ressaltar, portanto, que o procedimento existente no Júri é bifásico ou escalonado, conforme o entendimento da doutrina majoritária. No entanto, há quem discorda de tal posicionamento. Neste caso, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci entende que o procedimento do júri é trifásico e especial (op. cit, p. 46). Dessa forma, argumenta Nucci em sua obra Tribunal do Júri a seguinte opinião: Por outro lado, há quem denomine tal procedimento de bifásico, considerando apenas a parcela referente à formação da culpa (da denúncia à pronúncia) e, posteriormente, do recebimento de libelo à decisão em plenário do Júri. Parece-nos equivocado não considerar como autônoma a denominada fase de preparação do plenário, tão importante quanto visível. Após a edição da Lei 11.689 2008, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao júri), como fase específica (Da Preparação do Processo para o Julgamento em Plenário), confirmando-se, pois, a existência de três estágios para atingir o julgamento do mérito. (op. cit., p. 46, sem grifo no original). Assim, por considerar a fase de preparação do plenário como autônoma, entende o doutrinador que o procedimento do júri é trifásico. Por fim, analisaremos no próximo item cada opção que o magistrado poderá optar ao término da fase de formação da culpa. 9 Judicium causae, ou Juízo da Causa, inicia-se com a preclusão da decisão da pronúncia e termina, após as alegações orais, com a votação do questionário e a prolação da sentença. (BONFIM, 2009, p. 501).

25 3.1 PRONÚNCIA Nos termos do Art. 413 do Diploma Processual Penal, o Juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação do réu no crime doloso contra a vida. Logo, convencido o Magistrado da materialidade do fato, bem como da existência indícios suficientes que o acusado é o autor ou partícipe do delito, através do instituto da pronúncia, de forma fundamentada, declarará incompetente de julgar o caso e submeterá o acusado ao julgamento do Conselho de Sentença, este Constitucionalmente competente a julgar se o réu é culpado ou inocente da acusação. A pronúncia tem natureza jurídica de uma decisão interlocutória, pois não põe fim ao processo, e sim, termina a fase de formação da culpa, dando início a fase de julgamento do mérito em plenário do júri. Trata de uma decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra a primeira fase do procedimento escalonado. A decisão é meramente processual, e não se admite que o juiz faça um exame aprofundado do mérito (CAPEZ, 2006, p. 641). Muito embora, o Código de Processo Penal utilize o termo sentença, estamos diante de uma questão incidente dentro do processo, que, por sua vez, é resolvida por meio de uma decisão interlocutória mista não terminativa, sem que, portanto, seja extinto o processo com o julgamento do mérito, mas apenas ocorre a declaração de procedência da acusação contra o réu.

26 Sobre a pronúncia e sua natureza jurídica ensina Paulo Rangel: A pronúncia é prolatada no curso do processo, no final da primeira fase do rito que, como já vimos, é bifásico, obrigando o juiz a resolver uma questão incidente, qual seja: é admissível ou não a acusação? A decisão pela qual o magistrado resolve, no curso do processo, uma questão incidente é chamada de interlocutória. Esta é a natureza jurídica da decisão de pronúncia: decisão interlocutória mista não terminativa, pois o que se encerra não é o processo, mas sim uma fase do procedimento. Todas as vezes que uma questão judicial apreciar questão incidente, não julgar o meritum causae pondo fim a relação processual, chamaremos de interlocutória mista terminativa. No caso da pronúncia, como ela não encerra o processo, mas sim a primeira fase procedimental, trata-se de decisão interlocutória mista não terminativa. (2009, p. 166, grifo do autor). Com isso, a pronúncia apenas julga a admissibilidade da acusação, declarando apenas a procedência da persecução penal. Aliás, tal decisão deve ser fundamentada, contudo a fundamentação deverá ficar adstrita tão só aos seus requisitos: indicar as provas que demonstram materialidade, eventual qualificadora e os indícios capazes de convencer o Magistrado de ter sido o autor do crime (TOURINHO FILHO, 2010, p. 741). Ainda, sobre o tema assevera Guilherme de Souza Nucci que: [...] o jurado confia no juiz presidente, pois ele é, efetivamente, ao menos em tese, a parte imparcial; o jurado que ouve a leitura de uma decisão de pronúncia, excessivamente fundamentada, apontando o réu como culpado pelo delito tende a constituir, em sua convicção íntima, uma predisposição à condenação. Portanto, a pronúncia não pode conter termos exagerados, nem frases contundentes (ex.: é obvio ser o réu o autor da morte da vítima, quando aquela nega a autoria). (2008, p. 66, sem grifo no original). Contudo, a pronúncia é o caminho que levará o acusado ao julgamento em plenário do Júri, no entanto, para reverter tal decisão somente por meio de recurso em sentido estrito (art. 581, IV, CPP) para o Tribunal de Justiça.

27 3.2 DESCLASSIFICAÇÃO Cumpre ressaltar, no entanto, que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é de competência do Tribunal do Júri (Art. 5, inc. XXXVIII, alínea d, CF). Aliás, a legislação processual penal complementa tal dispositivo definindo que, tanto na forma consumada, quanto na forma tentada, será competência do Júri a decisão de absolver ou condenar o réu (Art. 74, 1 CPP). Desta forma, se convencido o magistrado ao término da judicium accusationis da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria ou participação, e tendo o agente praticado o fato com vontade e consciência da ilicitude, demonstrando assim, a presença do animus necandi, deverá o réu ser pronunciado ao plenário do júri. Neste sentido, durante o curso da instrução criminal, devidamente amparado e passível de impugnação do Ministério Público e da Defesa, o magistrado convencido da não existência do animus necandi por parte do acusado, porém presente os indícios suficiente de autoria ou participação e da materialidade do fato, deverá optar pela desclassificação do delito, por se tratar de crime culposo, assim sendo, de competência do Juízo Singular e não, neste caso, do Tribunal do Júri. A decisão desclassificatória tem natureza jurídica de interlocutória simples, que modifica apenas a competência do juízo, não adentrando no mérito da causa e nem encerrando o processo. Essa decisão ocorre quando se declara incompetente para o julgamento do processo pelo Tribunal do Júri, por se tratar de crime culposo que fora recebido, inicialmente, como crime doloso contra vida, mas durante o curso da instrução criminal demonstrou-se ausente a intenção do agente.

28 Sobre a desclassificação protesta Guilherme de Souza Nucci: O juiz somente desclassificará a infração penal, cuja denúncia ou queixa foi recebida como delito doloso contra vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, 1, do Código de Processo Penal (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto). Outra solução não pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida. (2008, p. 88, sem grifo no original). Assim, declarada a incompetência absoluta os autos do processo deverão ser encaminhados ao juízo monocrático tido como competente, perante o qual, se for o caso, será complementada a instrução probatória (TUCCI, 1999, p. 46). Neste momento, se faz pertinente uma breve reflexão sobre a intenção do agente em praticar o crime doloso contra vida, ademais, além do convencimento do fato e indícios suficientes de autoria ou participação, deve conter na peça inaugural do processo crime e, ainda, ser comprovada durante o curso da instrução criminal a intenção de realizar o crime contra a vida, isto é, o dolo. Afinal, o que significa dolo? Para respondermos a referida questão, buscamos na doutrina penal o professor e advogado Juarez Cirino dos Santos: Dolo, conforme um conceito generalizado, é a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa. (2007, p. 132, grifo do autor). Diante do exposto, oferecida a denúncia de crime doloso contra vida pelo Órgão Acusador, e, durante o desenrolar da instrução criminal, o magistrado constatar que não há indício suficiente que o agente agiu com dolo, mas, estando o Juízo convencido da existência do fato, bem como da autoria ou participação, desclassificará a acusação para crime culposo.

29 Vale ressaltar que, a referida ausência do dolo dever estar presente nos autos do processo de maneira satisfatória. Por fim, contra a decisão desclassificatória caberá o recurso em sentido estrito, conforme o art. 581, inciso II, do Código de Processo Penal. 3.3 ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA Dispõe o art. 415 e seus incisos, da legislação processual penal, que o magistrado ao término da fase de juízo da acusação, fundamentadamente, absolverá desde logo o réu quando: a) estiver provada a inexistência do fato; b) demonstrado não ser o acusado autor ou partícipe do crime; c) não constituir o fato infração penal; e d) provada causa de isenção de pena ou exclusão do crime. (BONFIM, 2009, p. 516). Deste modo, a absolvição sumária, segundo Nucci (2008, p. 94) é a decisão de mérito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado Tal decisão, decretada pelo juiz singular, consiste numa sentença definitiva que, se não for impugnada no prazo legal, produzirá coisa julgada material. Da absolvição sumária cabe o recurso de apelação com fulcro no art. 416 do Código de Processo Penal. Assim sendo, durante o curso do processo criminal, havendo certeza da inexistência do fato, deverá o juiz absolver o réu. Um bom exemplo explicativo de absolvição sumária é quando a vítima do aventado homicídio, que havia sido empurrada pelo réu em caudaloso rio, surge, ao longo da instrução criminal, demonstrando não ter ocorrido morte (NUCCI, 2008, p. 94).

30 Ainda, durante o curso da instrução criminal, ocorrendo a comprovação que o réu não é autor ou partícipe do crime, nada mais justo e correto que absolver o acusado. O terceiro inciso do artigo em comento traz a hipótese do fato não constituir uma infração penal. Demonstrado a existência de qualquer excludente de tipicidade, deve ser o acusado absolvido sumariamente, pois desse fato decorre a atipicidade, isto é, não há crime. Por derradeiro, poderá ser absolvido o réu que demonstrar causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. A primeira hipótese, sendo o réu autor da conduta ilícita, porém não é punível por força de lei. Os casos de isenção de pena estão claros no CP: erro de proibição (art. 21); coação moral irresistível (art. 22); obediência hierárquica (art. 22); embriaguez acidental (art. 28, 1 ). (RANGEL, 2009, p. 191). Contudo, com a absolvição sumária tem o magistrado à opção de não remeter ao plenário do júri casos que não preenchem o requisito constitucional de crime doloso contra a vida. Assim, comprovada durante a formação da culpa a não existência do fato, ou o autor do crime ser diverso ao acusado, deverá o magistrado absolver o réu. Ainda, o fato não constitui infração penal, ou, há clara e inegável isenção da pena, bem como exclusão do crime, também deverá ser absolvido. 3.4 IMPRONÚNCIA Neste momento, vale ressaltar que, estando o magistrado convencido da materialidade do fato e dos indícios de autoria ou participação, deverá pronunciar o réu a julgamento do Conselho de Sentença durante o plenário do júri, pois sendo

31 estes competentes a julgarem os acusados de praticarem crimes dolosos contra a vida, conforme a Constituição Federal. No entanto, ao invés de pronunciar o réu, poderá o magistrado decidir pela impronúncia, quando o juiz, após a instrução, não vê ali demonstrada sequer à existência do fato alegado na denúncia, ou, ainda, não demonstrada à existência de elementos indicativos da autoria do aludido fato. (OLIVEIRA, 2009, p. 644). Neste particular, o Órgão Acusador falhou na produção probatória, pois não demonstrou o mínimo de indícios de autoria do delito e da materialidade do fato. Por conseqüência, não tem o magistrado o convencimento necessário ou os indícios suficientes para apresentar o réu ao julgamento em plenário. Segundo o Art. 416, do CPP, da decisão de impronúncia, caberá o recurso de apelação, tanto da parte do Ministério Público, quanto da Defesa. O referido recurso será submetido à apreciação do Juízo ad quem, na qual poderá, dentre outras opções, considerar o recurso procedente, reformando, assim, a decisão do Juízo Singular. A decisão que reforma a impronúncia pelo Tribunal é denominada pela doutrina de despronúncia, muito embora, também ocorrerá quando, por meio de recurso em sentido estrito, o Tribunal reformar a decisão que pronunciou o acusado a julgamento pelo Conselho de Sentença. Aliás, é pertinente observar que, aos moldes da pronúncia, A fundamentação da decisão de impronúncia também deve ser comedida, embora clara e detalhada. Não deve o magistrado valer-se de termos contundentes (NUCCI, 2008, p. 86), sob pena de ser reformada pelo Juízo ad quem.

32 Resta reforçar, ainda, que a impronúncia é a decisão interlocutória mista de conteúdo terminativo, que encerra a primeira fase do processo (formação da culpa ou judicium accusationis), sem haver juízo de mérito (NUCCI, op. cit., p. 85). Logo, sendo a impronúncia uma decisão interlocutória, não há de se falar em coisa julgada material, pois sim, coisa julgada formal. Desta maneira, o posicionamento do doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira, sobre a via recursal pertinente em face da decisão de impronúncia, é que só ocorre por meio da apelação decorrente da simples opção legislativa, senão vejamos: A rigor, ao menos para a desclassificação de atos judiciais que adotamos não se pode incluir a decisão de impronúncia entre as sentenças propriamente ditas. Tratar-se-ia, ao contrário, de decisão interlocutória mista, porque encerra o processo, sem, porém, julgar a pretensão punitiva, ou seja, sem implicar a condenação ou a absolvição do acusado. No entanto, como nossa classificação dos atos processuais tem em mira a teoria dos recursos, isto é, da identificação dos recursos cabíveis, devemos incluir a decisão de impronúncia entre as sentenças, unicamente em atenção à opção legislativa (art. 416, CPP), cujos termos indicam que contra a sentença de impronuncia e de absolvição sumária caberá apelação. E, como se sabe, não há apelação contra decisões interlocutórias. [grifo no original]. (op. cit., p. 645, sem grifo no original). Sendo assim, por força de lei, caberá da decisão interlocutória mista não terminativa de impronúncia que, por sua vez, não faz coisa julgada material, apenas põe termo a uma fase processual sem julgamento do mérito, o recurso de apelação. Por fim, considerando que a impronúncia não faz coisa julgada material, não julgando o mérito, ficará o impronunciado, enquanto durar a extinção da punibilidade do fato a ele imputado, passível de novo processo criminal pelo mesmo delito, bastando, apenas, ao Ministério Público apresentar nova prova contra o impronunciado (art. 414, único, do CPP). Frisa-se que, o processo onde o réu foi impronunciado não será reaberto, e sim, como dito, será oferecida nova denúncia-queixa, tendo como conseqüência a abertura de novo processo crime, porém, sobre o mesmo delito.

33 4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA A Constituição Federal é o corpo de normas fundamentais, de eficácia máxima dentro do ordenamento jurídico, que estabelece a estrutura do Estado, fixa direitos e deveres e é constituído por um órgão com poderes especiais. (NUCCI, 1999, p. 7). Assim sendo, qualquer ato normativo que esteja em desconformidade com o Texto Maior poderá ser declarada sua inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade que segundo a professora Cibele Fernandes Dias (2007, p. 63) é uma situação ou um estado onde há uma desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito (regra) ou princípio constitucional. A despeito da impronúncia, como já mencionada, sabe-se que é uma decisão interlocutória não terminativa mista onde o juiz singular declara improcedente a acusação penal oferecida pelo Órgão Acusador e não a pretensão punitiva, sem o julgamento do mérito. Para tanto, ocorre se o magistrado não se convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja o réu o seu autor, julgará a peça acusatória improcedente (TOURINHO FILHO, 2010, p. 735). Neste contexto, ao impronunciar o réu, ao final da primeira fase do procedimento especial bifásico do júri, exclusivamente por falta de provas, tanto da existência de materialidade quanto da autoria do crime, estará o magistrado, declarando a insuficiência de prova durante a formação da culpa, além do mais, concederá ao Ministério Público à oportunidade de oferecer nova denúncia do crime se, por ventura, nova prova advir, enquanto não ocorrer à prescrição da pretensão