UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA PARA ANÁLISE DA FEMINILIDADE ATRAVÉS DO VESTUÁRIO DAS CAPAS DA REVISTA MANEQUIM DA DÉCADA DE 1970

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Transcrição:

Gramado RS De 30 de setembro a 2 de outubro de 2014 UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA PARA ANÁLISE DA FEMINILIDADE ATRAVÉS DO VESTUÁRIO DAS CAPAS DA REVISTA MANEQUIM DA DÉCADA DE 1970 A proposed methodology for analysis of femininity through clothing of covers of Manequim Magazine 1970s Iracema Tatiana Ribeiro Leite UFPE/CAA tatrleite@gmail.com Hans da Nóbrega Waechter UFPE hnwaechter@terra.com.br Resumo: O presente artigo é um recorte da dissertação de mestrado, cujo objetivo é observar as características de feminilidade através da análise das linguagens visuais percebidas no vestuário contido nas capas da Revista Manequim na década de 1970. O foco deste artigo é apresentar as capas das revistas de moda feminina como um objeto de análise para identificar propostas de feminilidades através de suas constituições do vestir. Foi criada uma ficha de análise para fonte de observação dos elementos da linguagem visual, para posteriormente gerar dados sobre que peças do vestuário são enfatizadas em suas capas e a relação da mensagem de feminilidade em determinado tempo e espaço. Para a criação desta ficha apropriou-se do modelo do diferencial semântico utilizado por Júlio Van der Linden (2007) e as teorias de Joly (2002) e Castilho (2004). Palavras-chave: Feminilidade, revista, modelo de análise Abstract: This article is an excerpt of the dissertation, which aims to observe the characteristics of femininity through the analysis of visual languages perceived the clothing contained in the Manequim magazine covers in the 1970s the focus of this article is to present the covers of magazines women's fashion as an object of analysis to identify proposals femininity through their constitutions wear. A form of analysis for source observation of the elements of visual language, was designed to generate further data on which pieces of clothing are emphasized on their covers and the relationship of femininity message given time and space. For the creation

2 of this record appropriated the model of the semantic differential used by Julio Van der Linden (2007) and the theories of Joly (2002) and Castilho (2004) Keywords: Femininity, magazine, model analysis 1.INTRODUÇÃO As revistas de moda feminina constituem um artefato bastante difundido no design de moda, em teorias relacionadas as áreas da sociologia, comunicação, antropologia, entre outras. Para desenvolvimento do conteúdo de moda da revista existem profissionais envolvidos para dar identidade à revista de acordo com sua filosofia e estilo, entre os quais estão os designers gráficos, moda, etc. Ao configurar os artefatos, seja em qualquer especialidade do design, são pensadas as linguagens visuais que serão utilizadas de acordo com a proposta do projeto. Especificamente nas revistas de moda qualquer informação visual ou textual são desenvolvidas de acordo a parâmetros relacionados ao cotidiano das mulheres, as tendências de moda vigente, os aspectos sociais, culturais e econômicos. Portanto, ao se projetar as revistas de moda, cada elemento da capa, texto, tipografia, cor, ilustração, fotografia, enviam mensagens para os leitores. A moda pode ser conceituada como uma forma de expressão e comunicação (Gardin, 2011) onde os indivíduos se presentificam na sociedade e mostram sua individualidade através de seu estilo de vida, suas preferências pessoais, escolhas em seu vestuário e sua corporeidade. Portanto, segundo as autoras (ibidem) quando um individuo seleciona entre as mais variadas cores, os mais diversos tecidos e adereços e executa sua combinatória, ele constrói seu discurso. (GARDIN, 2011, p. 76). Logo os profissionais envolvidos na configuração das revistas femininas de moda precisam compreender quem é o seu público consumidor, seu estilo de vida, para traduzir nos textos, diagramação e imagens um conceito gerador para apresentar a identidade da revista em consonância com o perfil do público consumidor para a mesma. As revistas de moda, sendo um meio de comunicação de massa apresenta seu discurso, que possibilita infinitas interpretações por parte do receptor da mensagem. Gardin (2011, p.78) discerne sobre a influência que esta mídia exerce nos indivíduos, e cita: O olhar e os demais sentidos do público são educados pelas mensagens transmitidas pelos veículos de comunicação e, dessa forma, a massa pretende vestir-se como seus ídolos de novela, ter o corpo tal como o de seus artistas preferidos, só cantam as canções veiculadas e selecionadas pela mídia. A revista Manequim, constitui-se uma mídia impressa de grande representação entre as mulheres, com 905.776 leitores (publiabril, 2013) sendo a primeira revista de moda do Brasil criada em 1959. Apresenta conteúdo de moda baseado nas tendências voltadas para a mulher brasileira, além de apresentar personagens femininos das novelas e o estilo de vida proposto pelos mesmos, e consequentemente pode-se gerar uma identificação do público consumidor à identidade proposta pelos personagens, em relação à forma de vestir e comportamental. Esta identificação do público com a revista

3 é notada em blogs relacionados à revista, onde o público pede modelagens referentes a determinado personagem. O principal objetivo deste estudo é refletir sobre as revistas de moda, enquanto objeto de pesquisa científica, que traz informações sobre a história da moda e da identidade feminina em determinado tempo/espaço. A proposta é analisar as capas da revista de Manequim e compreender o seu discurso através do vestuário, na relação corpo/roupa. 2.VESTUÁRIO E IDENTIDADE FEMININA Os conceitos e atribuições aos papeis sociais da mulher e homem são uma construção cultural. Para tanto, as investigações sobre o gênero/sexo são pertinentes, a fim de se identificar as modificações advindas da sociedade e em qual dinâmica social, cultural e econômica os indivíduos estão inseridos. Ou seja, cada sociedade ou grupo social apresenta comportamentos e condutas dos papéis de gênero, havendo assim aceitação ou negação desses papéis pelos indivíduos da mesma. Carvalho (2008) teoriza que a categoria sexo foi substituída por gênero, em 1970 nos Estados Unidos, junto à efervescência dos movimentos reivindicatórios que abordavam as desigualdades sociais, cuja intenção era desnaturalizar as formas sexuadas de subordinação e ampliar os estudos para incluir todos os aspectos da vida feminina (para além da maternidade, sexualidade e domesticidade). No entanto, houve a marginalização dos aspectos biológicos referentes às diferenças de gênero. A autora afirma que este posicionamento agiu como um empecilho para o avanço do conhecimento das relações de gênero (CARVALHO, 2008, p.19). Outro conceito que perpassa a relação sexo e gênero é proposto por Stoller (1993): Sexo (qualidade de ser homem e mulher) refere-se ao estado biológico com estas dimensões- cromossoma, genitais externos gônodas, aparatos sexuais internos (útero, próstata, etc), estado hormonal, características sexuais secundárias e cérebro; gênero (identidade de gênero) é um estado psicológico masculinidade e feminilidade. (STOLLER, 1993, p. 21) A identidade feminina está relacionada aos comportamentos construídos culturalmente, que invadem os aspectos psicológicos, refletindo na intimidade da mulher e na vida social. E, para se compreender a identidade feminina em sua transformação, é notória a interação com a identidade masculina, já que ao longo da história esta dicotomia estava carregada de preceitos e sob a perspectiva masculina. A beleza, juventude e maternidade passaram a ser os pontos centrais da identidade feminina nos dias atuais, em diversos meios de discussão. As mulheres que em séculos anteriores lutavam contra a visão priorizante associada exclusivamente à beleza e à maternidade, hoje se vê como objeto de desejo submissa não mais às múltiplas gestações, mas a tríade da perfeição física "(DEL PRIORE, 2000 p. 15). A tríade está no modelo ocidental, juventude, saúde e beleza, aliada às práticas relacionadas ao corpo que comporta o uso de cosméticos às modificações corporais, cujos ideais de beleza são lançados na mídia dia a dia. Observa-se considerável destaque às mídias na propagação de atributos e comportamentos femininos de acordo com as mudanças no cenário mundial e consequente reflexo nas identidades.

4 No vestuário, a identidade feminina está representada pelas diversas transformações do corpo pela roupa e pela moda, com o intuito de provocar o desejo sexual. A associação do corpo feminino está culturalmente relacionada à sedução, enquanto a do corpo do homem mais relacionado à virilidade e ao poder. (CASTILHO, 2004) Castilho (2004) ainda complementa sobre as diferenças de gênero: O caráter sensual/erótico estabelece uma distinção primordial na espécie humana; o masculino e o feminino apresentam-se com distinções fundamentais estabelecidas pela cultura, além de revelar uma certa hierarquia entre os sujeitos, pelas possibilidades de distinção e de valorização da forma plástica, do corpo e da moda (CASTILHO, 2004:186). O vestuário feminino apresenta uma linguagem própria, e está de acordo com as transformações da identidade feminina, como afirma Wilson (1986, p.159) a moda tem a obsessão dos gêneros, ela define e volta a definir as fronteiras entre os gêneros. Através do vestuário, podem-se observar as diferentes culturas e sociedades e as relações que se estabelecem entre os indivíduos. Segundo Castilho (2004, p.09), a roupa desenha o corpo assim como o corpo é desenhado pela roupa. As identidades sociais a partir da corporeidade são estabelecidas com uma variedade de discursos dependendo do contexto ao qual a cultura está inserida e os aspectos relacionados à subjetividade. Castilho (2004) conceitua como plástica da moda, a fim de compreender o significado das roupas a partir da plástica do corpo, ou seja, seguindo princípios culturais relacionado à sexualidade. A moda é uma linguagem que plasma ou modela o corpo humano por intermédio da apropriação do corpo biológico do sujeito, promovendo nele as consequentes transformações (CASTILHO, 2004, p. 89). Na plástica da moda, há uma linguagem não verbal que é estabelecida a partir dos seguintes elementos: linhas, formas, cores, proporções e volumes, os gestos, atitudes etc., que em conjunto expressam e significam de acordo com determinado contexto. O vestuário através de sua linguagem não verbal, quando a moda surgiu na esfera social (LIPOVETSKY, 1989), assinala a diferença entre os sexos, que segundo Hollander (1996) o vestuário masculino e feminino considerado em conjunto ilustra como transformações no vestuário feminino tiveram influência do guarda roupa masculino e vice-versa. Diante desta perspectiva, a aceitação da plástica da moda pelo corpo em suas diversas formas geram significados associados à sexualidade, e, por conseguinte, a subjetividade associada aos conceitos de feminilidade ou masculinidade. Para Hollander (1996), a sexualidade tornou-se o motor expressivo fundamental do capricho e das transformações no vestuário. E sendo uma das primeiras formas de significar, a sexualidade ganhou notoriedade de acordo com a fantasia individual e coletiva passando a governar a vida de cada pessoa. Ela não apenas define as diferenças entre corpos vestidos do homem e da mulher, mas também descreve uma relação sexual que tem uma vida temporal em mutação (HOLLANDER,1996, p. 241). Averiguar as mudanças do vestuário é uma das maneiras de se observar a mutabilidade da moda em se tratando das relações de gênero, nas quais as feminilidades e masculinidades propostas, embora lentamente, estão se modificando.

5 Portanto, a partir da perspectiva de Castilho (2004) sobre o corpo e seus efeitos de sentido, procura-se imprimir e focar o objetivo da pesquisa, em encontrar as características de feminilidade a partir das capas da revista Manequim, sendo um dos caminhos possíveis para compreender o sistema simbólico que envolve as sociedades em dado tempo e espaço. 3. AS REVISTAS FEMININAS DE MODA As revistas femininas disseminam através de seus textos e imagens, propostas de representações sociais, comportamentais e de papeis de gênero e acima de tudo, incita o consumo destas informações de moda. Segundo Monneyron (2007, p.106) as revistas de moda ao cobrir desfiles de moda e apresentar a publicidade de algum estilista ou determinada marca tem uma função social. As capas de revistas de moda, objeto de estudo desta pesquisa detém a primeira atenção dos leitores e teóricos, sobretudo, porque na capa existem as informações do conteúdo da revista, e é o primeiro contato visual. As imagens e o texto criam atração ou repulsão pela mensagem da revista. Através das capas das revistas de moda, os consumidores são atraídos para o consumo da mesma, e as imagens contidas nela, é à primeira vista o que seduz o leitor, utilizando-se dos mais variados recursos, desde fotografias a desenhos entre outros; apresentando uma aparência e características que compõem uma identidade proposta. O diretor de arte, o editor, o repórter, o fotógrafo, o designer, entre outros profissionais são responsáveis pela identidade da revista tornando-a coerente e atrativa conforme a proposta de cada revista através dos mais diversos recursos e tecnologias. O uso da tipografia, do cromatismo, das fotos, a diagramação deste artefato são um dos elementos chave para seduzir o leitor. Revistas mudam e fazem sentido quando se tornam uma fala poética, transcendem o óbvio (EDITORA ABRIL, 2000). As abordagens a seguir apresentam aspectos relacionados à história das revistas femininas no Brasil, o que inclui as mudanças no contexto socioeconômico e político. As revistas passaram a adquirir uma abrangência maior no mercado interno principalmente no decorrer do século XX, segundo a Editora Abril (2000) muitas revistas se feminizaram. Assuntos referentes à vida pública da mulher tornou-se alvo da temática de algumas revistas femininas. A editora Abril (2000, p. 161) expõe a diferença de leitores, em que na década de 1916 a leitora preocupava-se com o que servir ao senhor do lar e se guiava junto ao fogão, passo a passo sem risco de erro (2000, p. 161). A Revista Feminina (figura 1) fundada por Virgilina de Sousa Salles, vendia 20 mil exemplares por mês, onde trazia assuntos variados, desde culinária, moda, saúde, beleza a poemas e crônicas. Na seção Vida feminina informava-se sobre os movimentos das mulheres no mundo, porém era conservadora e sob a ótica masculina, condenava a agressividade das sufragettes inglesas e evitava idéias escandalosas (EDITORA ABRIL, 2000). Havia outras revistas com este mesmo argumento: A Cigarra (figura 2), Jornal das moças, ambas apresentando estereótipos da mulher indo contra a emancipação.

6 Figura 1 -A Revista Feminina-1914 a 1936 Fonte: http://byvanessajohnsondesign.blogspot.com Figura 2- Revista A Cigarra, 1915 http://www.arquivoestado.sp.gov.br As capas apresentadas acima (figura 1 e 2) constituem-se representações estereotipadas relacionadas à maternidade ou posição de passividade. Portanto, com as mudanças advindas das conquistas femininas e a modernização do país houve necessidade de maior visibilidade dos mercados, e a mulher foi vista como consumidora em potencial. Surgiu então, a revista Manequim, em 1959, que ensinava às mulheres a produzir seus próprios modelos ou costurá-lo sob encomenda. Em seguida, em 1961, foi criada a revista Claudia, firmando-se na época como a revista mais importante da mulher brasileira; abordando assuntos polêmicos, como a pílula anticoncepcional, luta pela liberação sexual. Posteriormente, tantas outras revistas ganharam espaço no cotidiano das mulheres, cada qual com sua linguagem própria ganhando leitores de vários estilos. Em 1973 foi criada a Nova, surgiu a versão brasileira da Vogue e da Elle. A revista para os jovens fez-se presentes como a Atrevida, Capricho, entre outras. A Editora Abril (2000) argumenta que as revistas femininas contribuíram para fazer com que os jornalistas buscasse ouvir o leitor, com pesquisas de mercado e direcionamento da mesma. Esta necessidade de conhecer o público-alvo e suas preferências pode desempenhar caminhos variados, desde mostrar às mulheres o que elas necessitam ver e ouvir, como também influenciar os contextos e comportamentos culturalmente aceitos, estereotipados. O designer, ao elaborar um conceito e configurar as revistas de moda, deve refletir sobre conhecimento da cultura vigente, e especificamente, das relações entre sexo e gênero, e estar atento a não reproduzir valores hegemônicos, sem a preocupação social. A partir do breve histórico, pode-se perceber a relevância de se compreender as representações identitárias a partir das revistas de moda em diversos contextos. A metodologia proposta no tópico a seguir, foi proposta e estudada para analisar esta construção imagética a partir do vestuário apresentado nas capas da revista Manequim.

7 4.FICHA DE ANÁLISE PARA INVESTIGAÇÃO DO ÍNDICE DE FEMINILIDADE PROPOSTO NAS CAPAS DA REVISTA MANEQUIM A metodologia de pesquisa foi estruturada a partir do objeto de estudo, o vestuário das capas de revistas, e que se pretende observar quais possíveis resultados podem ser alcançados ao associar a feminilidade proposta pela Revista Manequim. A ficha de análise proposta (figura 4), foi o modelo final, onde foram feitos cinco análises para validação do mesmo, deixando claro que a análise foi avaliada pelo pesquisador aparado em conteúdos de moda, dicionários e as comunidades relacionadas às revista Manequim. No quadro de análise proposto, o painel semântico (campo 4 da figura 4) foi elaborado a partir do modelo de Júlio Van der Linden (2007) conforme figura 3, onde o autor aplica o painel de diferencial semântico para a avaliação de personalidades de produtos, especificamente calçados, cujo método é proposto por Patrick Jordan e traduzido por Itiro Iida. Segundo aponta Iida apud Van der Linden o diferencial semântico é uma técnica criada por Charles Osgood e utilizada com o objetivo de avaliar diferenças semânticas entre produtos. Essa técnica procura estabelecer o valor real de um objeto em relação a um valor ideal, com base na avaliação de significados, por meio de pares de descritores opostos (VAN DER LINDEN, 2007, p. 120). Figura 3- Aplicação dos perfis semânticos proposto Fonte: Van der Linden,2007 Na primeira parte da ficha de análise aparecem os dados da catalogação. Em seguida, os looks e os estilos agrupados de acordo com definições estabelecidas e em ordem alfabética. E posteriormente apresentamos a identificação das peças do vestuário agrupadas (peças superiores, inferiores e inteiras). Em seguida, informações sobre a linguagem visual das roupas (forma, cor, texturas/estampas e detalhes) foram verificadas nas capas. Os campos 1, 2 e 3 foram elaborados conforme informações essenciais para seguir com o campo 4, com dados sobre a peça do vestuário e linguagem visual daquele vestuário. Os resultados da análise foram feitos utilizando-se o índice de feminilidade e masculinidade de cada capa, conforme as observações das linguagens visuais

8 identificadas nas mesmas. A partir desta análise, a interpretação da mensagem do vestuário foi indispensável, uma vez que cada elemento da linguagem visual (forma, cor, textura e volume) apresenta uma leitura e, juntos, um contexto geral da mensagem. Nos resultados, alguns autores tiveram grande contribuição para a organização das ideias e interpretação: Lurie (1997), Castilho (2004), Wilson (1985) e Hollander (1996). Castilho (2004) identifica através dos trajes as narrativas e os discursos do vestuário na relação da plástica da roupa e plástica do corpo. O corpo como suporte do sujeito para o discurso. Castilho afirma que: A plástica das roupas arquiteta-se por intermédio dos elementos mínimos combinados que presentificam, na composição visual, o arranjo de pontos, formas, linhas, direções, cores, volumes e texturas, que nos permitem estabelecer uma leitura do produto pronto (CASTILHO, 2004, p.144). A autora conclui que os recursos de manipulação do corpo pela plástica da moda criam variáveis de efeitos de sentido, de sensualidade, erotismo, realçando as qualidades ou regiões de determinadas partes do corpo cuja atenção incide um interesse erótico do outro, como zonas de atração do olhar. o próprio traje torna-se um elemento erótico, que aponta, parcializa, evidencia, oculta, enfim, seleciona e exibe diferentes partes do corpo ( CASTILHO, 2004, p. 187). A atenção do olhar para determinada parte do corpo e os elementos da linguagem visual permitiu interpretar as capas da revista. 4.1 Ficha de análise- década de 1970 A ficha de análise (figura 4 e 5) proposta foi desenvolvida para analisar o vestuário de acordo com os elementos da linguagem visual, que através da plasticidade da roupa, comunicam características na qual emite uma mensagem para o receptor. Figura 4 - Ficha de análise página 01 nfonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada

9 Figura 5 - Ficha de análise página 02 Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada Figura 6 Zoom da análise da mensagem Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada As capas analisadas conforme a ficha de análise da década de 1970 foram: Figura 7 - Revista Manequim setembro/1972 Fonte: UFRPE Figura 8 - Revista Manequim agosto/1974 Fonte: UFRPE Figura 9 - Revista Manequim setembro/1975 Fonte: UFRPE

10 Figura 10 - Revista Manequim agosto/1978 Fonte: UFRPE Figura 11 - Revista Manequim agosto/1979 Fonte: UFRPE 4.2 Resultados observados através da análise das capas conforme proposta de ficha de análise- década de 1970 Os vestuários analisados direcionam a atenção do olhar para determinada parte do corpo a partir dos elementos da linguagem visual (cor, textura, volume, forma) que juntos apresentam uma feminilidade proposta. O termo feminilidade está seguindo o conceito de que a feminilidade está relacionada à sexualidade, ou seja, a feminilidade considerada é a que propõe uma aproximação com o corpo feminino biológico, embora este corpo esteja se modificando ao longo da história da moda, portanto, os atributos corporais naturais femininos está na acentuação da cintura, quadris e busto. Logo, das capas analisadas foram identificados as seguintes características: 1. As imagens que apresentam um alto índice de feminilidade possuem as seguintes características: a. Forma próxima ao corpo; b. Uso de saias e vestidos; c. Ocultação e evidência de partes do corpo; d. Uso de babados; e. Decote em V; f. Tecidos com textura brilhosa. 2. As imagens que apresentam um médio índice de feminilidade possuem: a. Apropriação do vestuário masculino (calças, gravatas,etc), porém, modificadas ao corpo feminino com o uso de detalhes, por exemplo, com faixas que evidenciam a cintura; b. Volume nos membros superiores; c. Sobreposições de roupas, ocultando o que poderia ser revelado com os decotes profundos; d. A textura, cores e detalhes deixam o look mais feminino, mesmo que a forma original da peça do vestuário seja masculina.

11 3. Nas peças que apresentam de baixo indice de feminilidade à unissex, em geral houve uma negação do corpo feminino, por peças de origem masculina e volume nas mangas, com cores e tecidos neutros. A predominância de médio índice de feminilidade a uma moda unissex apresenta a atenção do olhar para os ombros e sobreposições de peças que ocultam ou mesmo anularam a sinuosidade do corpo feminino. Já no final desta década o uso de vestidos ou detalhes como bordados, faixas, cinto, decotes mais profundos deram uma maior feminilidade ao look. A concisa análise apresentada, mostra que existem feminilidades propostas a partir do vestuário vestido e que o uso de determinada roupa está de acordo com os ideais femininos hegemônicos da época. Na década de 1970, as capas das revistas apresentavam uma variedade de estilos, desde calças, saias e vestidos. A moda recebeu influência do movimento hippie, a silhueta/forma e volumes mostrados nas capas foram desde a cintura marcada à forma solta ao corpo. As imagens do vestuário mostravam uma moda mais democrática, para todos os gostos e estilo. Embora nesta época o estilo unissex estivesse em voga, nas capas da revista predominava uma feminilidade diferenciada das épocas anteriores; uma feminilidade que brincava com as características do vestuário masculino. Uma certa adequação do guarda-roupa masculino ao feminino, por exemplo, vestidos com grandes golas e mangas compridas, mas com a atenção voltada para a cintura. No final da década de 1970 já foi verificado o uso das ombreiras, iniciando o que se destacou na década de 1980, sendo um período em que as mulheres estavam mais inseridas no mercado de trabalho e as lutas feministas com efervescência. Hollander (1996) afirma que o uso das ombreiras parecia mostrar que as mulheres queriam imitar a impressão de força causada nos homens. 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS As informações obtidas a partir da ficha de análise serviram como base para que se verifiquem as características de feminilidade abordadas nas capas da revista Manequim. Neste caso, sobretudo, as fichas apresentadas foi uma amostra inclusa nas trinta e oito análises realizadas durante a dissertação. Na história da moda, a feminilidade vem apresentando características diferenciadas baseadas nas transformações sociais e culturais. Strey (2000, p.150) afirma que a feminilidade que a roupa pode expressar tem um significado concreto em cada período da história humana. Logo, a partir da complexidade das teorias sexo / gênero nesta presente análise, algumas características relacionadas à feminilidade foram identificadas. O intuito da análise foi verificar a aproximação da plástica da moda ao corpo, neste caso, o corpo feminino, onde as linguagens visuais possibilitam averiguar as feminilidades propostas nas capas das revistas Manequim. A atenção do olhar de acordo com os elementos da linguagem visual caracteriza esta análise, na qual em conjunto, os detalhes, as formas, os volumes, as texturas, comunicam características relacionadas a um corpo vestido. A anulação, realce e acentuamento do corpo foram observados através desta pesquisa, levando-se em conta o corpo natural. O velar o corpo e o não velar através da roupa parte-se do preceito da feminilidade relacionada à sexualidade, e foi verificado

12 nas análises que o índice de feminilidade está nesta aproximação com o corpo real da mulher, exaltando a região do busto, cintura e quadril, sendo o fator que ainda hoje distingue os sexos. Esse resultado corrobora a visão de Castilho (2004) quando afirma que nos corpos femininos, mesmo com o uso de roupas masculinas, essas constituições são naturalizadas, as mulheres apresentam o quadril mais largo do que os homens e os homens apresentam o tórax mais largo. Por fim, as revistas de moda pode contribuir para identificar valores relacionados as constituições corporais e comportamentais, e compreender a época em que a revista está inserida, uma vez que as revistas femininas propõe feminilidades através de suas imagens. REFERÊNCIAS CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e artefato. O sistema doméstico na perspectiva da cultura material. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, Fapesp, 2008. CASTILHO, Kathia. Moda e linguagem. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004. DEL PRIORE, Mary. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Ed. Senac, 2000.. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2004. GARDIN, Carlos. Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo. Ana Claudia de Oliveira e Castilho organizadoras. Barueri, São Paulo:Estação das letras, 2011. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. Mariana Appenzeller. São Paulo: Papirus, 1996. HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro :Rocco, 1996. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Companhia das letras, 1989. LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro : Rocco, 1997. CASTILHO E OLIVEIRA ORGANIZAÇÃO MONNEYRON, Frédéric. A moda e seus desafios:50 questões fundamentais. São Paulo: Editora Senac, 2007. PUBLIABRIL. Disponível em: http://veja.abril.com.br/idade/publiabril/midiakit/veja/.acesso em: 10 de janeiro de 2011 STREY, Marlene Neves. Mulheres e moda: a feminilidade comunicada através das roupas. Revista Famecos: Mídia, Cultura e Tecnologia, Porto Alegre: Edipucrs, n. 13, p. 148-154, 2000 VAN DER LINDEN, Júlio. Ergonomia e design: prazer,conforto e risco no uso de produtos. Porto Alegre: UnRitter Ed, 2007. WILSON, Elisabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1985.