Descentralização orçamental: questões de autonomia e responsabilização. Linda Gonçalves Veiga Universidade do Minho EEG / NIPE

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Transcrição:

Descentralização orçamental: questões de autonomia e responsabilização Linda Gonçalves Veiga Universidade do Minho EEG / NIPE 1

Estrutura da apresentação Motivação Racionalidade económica da descentralização e modelos organizativos Portugal no contexto internacional A despesa e a receita pública Endividamento dos municípios e gestão eleitoralista da política orçamental Considerações finais 2

Motivação O peso do Estado na atividade económica cresceu significativamente nas últimas décadas. Despesa pública em percentagem do PIB 3

Motivação Durante as últimas décadas, vários países empreenderam reformas no sentido de descentralizar as atividades do Estado. A crise das dívidas soberanas e a necessidade de adotar medidas de austeridade levou a um retrocesso na descentralização. Portugal não foi exceção. O PAEF definiu um conjunto de metas com implicações significativas na administração local. 4

Argumentos para a descentralização Aproxima os decisores públicos dos cidadãos Maior adequação da oferta de bens públicos às necessidades dos cidadãos Mais vantajosa quanto há diferenças significativas nas preferências Maior responsabilização dos governantes Ganhos de experiência em gestão pública pelos políticos locais Aumenta a competição entre governos locais Maior eficiência Em excesso, pode resultar na fixação de níveis de impostos e de despesa abaixo do ótimo social 5

Argumentos contra a descentralização Perda de economias de escala Excesso de fragmentação da produção de bens públicos resulta num aumento dos custos e em perdas de eficiência Dificuldades em internalizar spillovers Quando os bens ou serviços locais afetam o bem-estar de indivíduos que residem em comunidades vizinhas torna-se necessária uma maior coordenação na oferta e financiamento dos mesmos 6

Enquadramento institucional A descentralização deve ser acompanhada de medidas que reforcem a responsabilização da administração local do ponto de vista político, administrativo e financeiro. Do ponto de vista financeiro: Perceção do custo integral da despesa realizada Importância das regras orçamentais Entidades externas independentes fiscalizadoras 7

Modelos organizativos Grande diversidade de modelos População e a área dos países + Níveis na administração pública Níveis de administração População e área Preferências por responsabilização política + Governos locais Heterogeneidade das preferências 8

Crise económica e financeira Reformas tendo em vista a redução do número de entidades consolidação das contas públicas. e a Em Portugal, o PAEF deu origem a uma reorganização da administração local e a uma redução do número de freguesias, embora o número de municípios se tenha mantido inalterado. A dimensão média dos municípios é superior à da maioria dos países europeus. Vários municípios têm dimensão reduzida. Maior cooperação nas 23 comunidades intermunicipais e nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto deverá promover a eficiência. 9

Impacto da descentralização Na dimensão do Estado Crescimento da despesa e do emprego público Pode não sinalizar maior ineficiência mas sim uma maior e melhor oferta de bens e serviços públicos prestados à comunidade. Na composição da despesa pública Aumenta o peso das despesas em educação e em saúde Efeitos positivos nos níveis educacionais Resultados menos conclusivos quanto à saúde 10

Portugal no contexto internacional O conceito de descentralização envolve múltiplos aspetos, nomeadamente financeiros, políticos e administrativos. Diversas propostas de índices de descentralização. 11

Índice de descentralização de Ivanyna e Shah (2014) As cores correspondem aos percentis 0-25%, 25%-50%, 50%-75%, 75%-100% da distribuição mundial 12

Dinamarca Suiça Suécia Alemanha Espanha Bégica Noruega Holanda Polónia Itália Islância RU Estónia Rep. Checa França Eslovénia Hungria Rep. Eslovaca Portugal Irlanda Luxemburgo Grécia Despesa da administração pública local e estadual (% total da despesa pública - 2012) 70 60 50 40 30 20 10 0 Administração estadual Administração local 13

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Despesa da administração local Portuguesa (% do total da despesa pública) 16 15 14 13 12 11 10 14

Despesa da administração local portuguesa (% da despesa pública total) Serviços gerais da adm. pública Defesa e segurança e ordem pública Assuntos económicos Proteção do ambiente Serviços de habitação e desenvolvimento coletivo Saúde Serviços recreativos, culturais e religiosos Educação Proteção social 1995 14,6 5,2 27,0 65,6 82,3 3,4 40,7 7,8 2,1 2000 21,1 5,6 29,4 80,8 94,0 4,2 49,8 8,1 1,8 2005 28,2 3,2 29,7 74,8 98,6 5,2 59,1 8,3 1,4 2010 24,7 3,3 35,7 86,6 85,7 5,3 60,9 10,7 2,5 2011 23,5 3,2 36,2 85,1 85,7 9,4 60,5 10,9 2,5 2012 20,3 3,5 36,2 86,8 85,9 5,8 63,4 12,3 2,2 OCDE 27,3 26,3 37,8 72,9 75,3 28,8 60,5 57,3 15,2 15

Estrutura da despesa da administração pública local (classificação funcional) 12% 7% 32% 2012 8% 9% 5% 26% 1995 10% 6% 4% 11% 2% 8% 7% 17% 1% 7% 28% Serviços gerais da administração pública Assuntos económicos Serviços de habitação e desenvolvimento coletivo Serviços recriativos, culturais e religiosos Proteção social Defesa e segurança e ordem pública Proteção do ambiente Saúde Educação 16

Receitas da administração local e estadual (% do total da receita pública em 2013) 17

Composição da receita da administração local (2012) 18

Composição das receitas das autarquias locais (% da receita total) 19

1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Saldo médio de execução orçamental dos municípios em % da média móvel de 3 anos das receitas efetivas 12 10 8 6 4 2 0-2 -4-6 -8-10 -12-14 -16-18 20

Percentagem de municípios com défice (1979-2012) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 21

Dívidas a terceiros (2003 a 2013) Redução muito significativa da dívida não financeira (efeito da LCPA e do PAEL). 22

Endividamento Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (2014) endividamento excessivo quando a dívida total de operações orçamentais excede 1,5 vezes a média das receitas correntes dos três anos anteriores. Atualmente, cerca de um terço dos municípios excede o limite legal. Desafio difícil de ultrapassar num contexto de redução das transferências do Estado e de diminuição das receitas fiscais. É importante estudar as determinantes do endividamento. 23

Determinantes do endividamento Dados para todos os municípios (308) de 1979 a 2012. Variáveis a explicar: Saldo real primário (% da média móvel a 3 anos das receitas efetivas) Dívida bruta real (% da média móvel a 3 anos das receitas efetivas) 2003/11 Variáveis explicativas: Financeiras, políticas, demográficas e económicas. 24

Determinantes do endividamento Eleitoralismo na definição da política orçamental, mas não se comprova uma gestão estratégica da mesma. Governos fracos estão associados a maiores défices e dívida. Semelhança partidária entre o autarca e o primeiro-ministro está associada a saldos orçamentais mais elevados. 25

Determinantes do endividamento Maior peso do investimento na despesa está associado a maiores défices, enquanto um maior peso de juros tem o efeito contrário. Desemprego mais elevado gera piores desempenhos orçamentais. Uma maior percentagem da população com mais de 65 anos está associada a saldos mais elevados. 26

Considerações finais Portugal é um pais fortemente centralizado. Maior descentralização, sobretudo na área da educação, poderá gerar resultados positivos. Acumulação de dívida ao longo dos anos levou a problemas de insustentabilidade em cerca de 30 municípios, que deverão recorrer ao Fundo de Apoio Municipal. Gestão eleitoralista da política orçamental. 27

Considerações finais Nos últimos anos a administração local deu um contributo assinalável para a consolidação das contas públicas do SPA. Reformas para diminuir o endividamento Aumento a obrigatoriedade de prestação de contas Maior a transparência Aumentou a informação da população em geral quanto à política orçamental. 28

Considerações finais Continua a ser necessário manter a vigilância e adotar medidas que promovam: O reforço da transparência na gestão da política orçamental. A interiorização da noção de interesse público por parte dos decisores públicos. A obrigatoriedade dos dirigentes locais acatarem as recomendações de entidades externas fiscalizadoras, nomeadamente do Tribunal de Contas A capacidade da administração local para obter receitas próprias. Maior envolvimento dos cidadãos nas decisões das autarquias locais. 29