Renato Chaves de Macedo Rego

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Transcrição:

O tamanho das folhas de Talipariti pernambucense (Malvaceae) prediz seu investimento em defesa biótica contra herbivoria? Renato Chaves de Macedo Rego RESUMO: Plantas protegem-se da herbivoria com defesas bióticas, físicas e químicas. Entre as defesas bióticas, há a produção de nectários extraflorais que atraem insetos que conferem proteção à folha. Espera-se que folhas jovens invistam proporcionalmente mais em defesas bióticas por estarem mais suscetíveis à herbivoria. Para investigar se o amadurecimento da folha em Talipariti pernambucense promove uma queda no investimento em nectários, dado que as defesas físicas tornam-se mais eficientes, amostraram-se 30 folhas em uma faixa de restinga. Quantificaram-se as relações entre comprimento de nervura central, comprimentos dos dois maiores nectários extraflorais e rigidez da folha. O crescimento no comprimento da nervura central foi acompanhado por incrementos nos comprimentos dos dois nectários e na rigidez foliar. Contudo, não houve uma relação negativa clara entre rigidez foliar e investimento em nectários. Concluiu-se que, conforme folhas de T. pernambucense amadurecem, há uma diminuição do investimento em nectários e um incremento nas defesas físicas. PALAVRAS-CHAVE: defesa física, esclerificação, mutualismo, nectário extrafloral, rigidez foliar INTRODUÇÃO A herbivoria pode afetar o crescimento, a reprodução e a sobrevivência das plantas (Raven et al., 2007; Begon et al., 2007). Para se proteger da herbivoria, as plantas utilizam defesas físicas, químicas e bióticas (Melo & Silva-Filho, 2002). As defesas físicas consistem em mecanismos que dificultam a mastigação ou a digestão da estrutura vegetal (Howe & Wesley, 1998). O investimento em estruturas ricas em carbono, por exemplo, diminui a herbivoria porque torna a estrutura vegetal mais resistente ou menos nutritiva (Westoby et al., 2002). Por sua vez, as defesas químicas consistem em produção de substâncias tóxicas aos herbívoros (Herrera & Pellmyr, 2002), repelindo-os ou, eventualmente, matando-os (Melo & Silva-Filho, 2002). Por fim, as defesas bióticas consistem em associações com outros organismos. Essas associações podem ocorrer pelo provimento de recompensas alimentares (Heil & McKey, 2003), tendo-se como exemplo o alimento fornecido por nectários extraflorais. Artrópodes são atraídos aos nectários extraflorais pela substância nutritiva que estes liberam, firmando-se uma relação mutualística entre a planta e os artrópodes (Baker et al., 1978). Formigas que se alimentam do composto nutritivo liberado pelo nectário protegem a planta, expulsando artrópodes herbívoros (Cortinóz, 2008). Assim, a planta adquire uma proteção à herbivoria, com o custo de produzir o alimento que é fornecido às formigas. O êxito na utilização de defesas bióticas, físicas ou químicas pode variar entre as espécies e de acordo com o ambiente no qual elas se encontram. A importância desses diferentes tipos de defesa pode, inclusive, modificar-se ao longo da vida de um indivíduo. A esclerificação foliar, por exemplo, por conferir uma maior dureza à folha (Coley & Barone, 1996), pode representar um fator limitante ao crescimento de folhas jovens. Se folhas em processo de amadurecimento deixam de se esclerificar e, portanto, apresentam menos defesa mecânica, haverá um aumento em sua suscetibilidade à herbivoria, resultando em uma pressão seletiva pelo desenvolvimento de defesas bióticas ou químicas. Em Talipariti pernambucense (Malvaceae), um arbusto comumente encontrado no mangue e na restinga (Joly, 1976), a esclerificação foliar (Nishimura et al., 2009) e a produção de compostos nutritivos por nectários extraflorais (NEFs) (Santos et al., 2009) reduzem os índices de herbivoria. Dado que os NEFs parecem ser mais importantes em folhas jovens (em desenvolvimento) e que folhas mais velhas são mais esclerificadas, deve haver uma troca de mecanismos defensivos desenvolvidos pela planta. Logo, a importância relativa dos dois mecanismos de defesa deve mudar com a idade da folha de T. pernambucense, criando uma relação negativa entre a preponderância de nectários e da esclerificação. O presente trabalho testou se existe uma correlação negativa entre esclerificação foliar e investimento em NEFs em T. pernambucense. Por serem menos resistentes e apresentarem menos defesas físicas, espera-se que folhas jovens apresentem 1

um maior investimento nos nectários extraflorais (defesa biótica). Com o passar do tempo e o consequente amadurecimento da folha, espera-se que haja um incremento em defesas físicas através do aumento da rigidez foliar. Também se espera que ocorra, concomitantemente, um decréscimo no investimento em nectários extraflorais, com seus respectivos comprimentos decrescendo proporcionalmente conforme o comprimento da nervura central da folha aumenta. MATERIAL & MÉTODOS Coleta de dados O estudo foi realizado na praia do Guarauzinho, pertencente ao Núcleo Arpoador da Estação Ecológica de Juréia-Itatins (24º17-24º35 S; 47º00-47º30 O), no município de Peruíbe, estado de São Paulo. Foram coletadas 50 folhas de T. pernambucense com três NEFs, amostrando-se indivíduos diferentes e dispostos ao longo de aproximadamente 50 m de uma faixa de restinga. Coletaram-se folhas com nervuras centrais de diferentes comprimentos, de modo a amostrar adequadamente a variação no tamanho das folhas presentes na região estudada. A amostragem foi feita sistematicamente, coletando-se cinco folhas de diferentes tamanhos e pertencentes a um mesmo indivíduo a cada metro percorrido ao longo da vegetação. Todas as folhas coletadas apresentavam baixos índices de herbivoria. As folhas coletadas foram categorizadas em cinco estratos de acordo com seu tamanho, aqui expresso pelo comprimento da nervura central: (1) folhas muito pequenas (até 50 mm de comprimento da nervura central); (2) folhas pequenas (50 80 mm); (3) folhas de tamanho médio (80 100 mm); (4) folhas grandes (100 125 mm); (5) folhas muito grandes (acima de 125 mm). De cada um dos cinco estratos, sortearam-se seis folhas, totalizando 30 folhas a serem utilizadas no estudo. O comprimento da nervura central das 30 folhas da amostra foi medido com um paquímetro digital, registrando-se a distância da ponta da folha ao início do pecíolo. Para expressar o investimento de T. pernambucense em defesa biótica, mediu-se a distância entre as duas extremidades ao longo do eixo vertical das aberturas dos três NEFs de cada folha. Para medir o tamanho dos NEFs, as folhas foram fotografadas. Ampliaram-se as fotografias em computador e utilizou-se o programa ImageTool para determinação do comprimento de cada NEF. Para acessar o investimento da planta em resistência foliar, as folhas foram submetidas a um teste de resistência. Cortou-se de cada folha uma tira de 2 cm de comprimento por 0,5 cm de largura. A tira deveria estar localizada o mais próximo possível da nervura central, sem, contudo, ser interceptada por ela ou por nervuras secundárias. As extremidades dessas tiras foram fixadas em dois pontos de suporte em um dinamômetro. Uma das extremidades da tira foi fixada à parte fixa do dinamômetro e a outra extremidade foi fixada à parte móvel. Na extremidade móvel do dinamômetro foi fixado um recipiente (pêndulo) ao qual se acrescentava água gradativamente. Conforme a quantidade de água no recipiente aumentava, crescia a tensão aplicada à tira da folha. Quando a folha se rompia, deixavase de acrescentar água ao sistema e media-se o volume de água armazenada no recipiente. Quanto maior o volume necessário para o rompimento da tira da folha, maior era a rigidez foliar. O volume da água foi convertido para gramas-força, considerando-se a densidade da água como 1g/ml. Análises estatísticas A existência de relação hipoalométrica indicaria que o crescimento dos NEFs centrais é proporcionalmente menor que o crescimento da nervura central. Para testar a previsão de que há relação hipoalométrica entre o tamanho da folha e o investimento em NEFs, ajustou-se uma regressão linear entre os comprimentos dos NEFs centrais e os comprimentos das respectivas nervuras centrais em escala logarítmica. Ainda para a hipótese de existência de relação hipoalométrica, ajustou-se uma regressão linear entre os comprimentos do segundo maior NEF de cada folha e os comprimentos das respectivas nervuras centrais, também em escala logarítmica. Para testar se há relação positiva entre o tamanho da folha e o aumento de defesas físicas, ajustou-se uma regressão linear entre os comprimentos dos NEFs centrais e a rigidez da folha, em escala logarítmica. Contudo, mesmo que as regressões lineares ajustadas confirmassem as expectativas mencionadas, eventualmente, não se confirmaria a existência de uma relação causal entre o decréscimo de investimento em NEFs e o aumento da rigidez foliar. É possível que esses dois atributos da folha não estejam diretamente correlacionados, embora ambos se correlacionem com o tamanho da folha. Para excluir o efeito do tamanho da folha, calcularam-se os resíduos das três regressões lineares produzidas e mencionadas no parágrafo anterior, obtendo-se os valores residuais do comprimento do nectário 2

central, do comprimento do segundo maior NEF e da rigidez foliar. Esses resíduos são a variação nas medidas obtidas que não são explicadas pelo tamanho da folha. Com esses valores, ajustaramse: (1) regressão linear entre os valores residuais da rigidez foliar e os valores residuais de comprimento do NEF central; (2) regressão linear entre os valores residuais da rigidez foliar e os valores residuais de comprimento do segundo maior NEF. Cenários nulos em que não há relação entre o comprimento da nervura central e o comprimento do NEF central foram simulados a partir de 10.000 permutações dos valores de comprimento da nervura central. Caso o valor da inclinação da reta calculado estivesse entre 500 maiores valores gerados pelo cenário nulo, a hipótese nula seria refutada. O mesmo procedimento foi adotado para os outros casos, com os respectivos resultados das randomizações representando a distribuição da estatística de interesse sob a hipótese nula. Isso foi feito para investigar se há correlação entre: (A) o comprimento da nervura do segundo maior NEF e o comprimento do nectário central; (B) a rigidez foliar e o comprimento do nectário central; (C) os valores residuais da rigidez foliar e os valores residuais do comprimento do NEF central; (D) os valores residuais da rigidez foliar e os valores residuais do comprimento do segundo maior NEF. Sob a hipótese de que a rigidez foliar aumenta e que o investimento em NEFs decresce com a idade, esperava-se que as regressões lineares em escala log entre os comprimentos da nervura central e os comprimentos dos NEFs (tanto para os centrais como para os segundos maiores NEFs) gerassem inclinações de reta menores que 1, indicando a ocorrência de hipoalometria. Esses resultados mostrariam que os NEFs de folhas menores (mais jovens) são proporcionalmente maiores que os NEFs de folhas maiores (mais velhas). Para a regressão linear entre os comprimentos da nervura central e os valores de rigidez foliar, esperava-se uma inclinação de reta positiva, o que mostraria que o incremento em rigidez foliar acompanha o crescimento da folha. Para ambos os casos de regressão linear envolvendo valores residuais, esperava-se obter inclinações de reta negativas, o que indicaria, independente do tamanho da folha, que o aumento da rigidez foliar é acompanhado de uma diminuição do investimento em NEFs. Para investigar se a inclinação de reta gerada pela regressão linear ajustada entre os comprimentos dos NEFs centrais e os comprimentos das nervuras centrais corresponde ao respectivo valor teórico, calcularam-se os intervalos de confiança Bootstrap das inclinações para cada uma das análises supracitadas. Considerou-se um intervalo de confiança que compreendesse 95% das aleatorizações com reposição produzidas entre os pares de valores amostrados para cada folha (um valor referente ao comprimento foliar e outro referente ao comprimento do NEF central). Com a mesma finalidade, esse mesmo procedimento foi adotado para a relação entre comprimento dos segundos maiores NEFs e o comprimento das nervuras centrais e para a relação entre rigidez foliar e o comprimento das nervuras centrais. RESULTADOS Os nectários extraflorais centrais foram proporcionalmente maiores nas folhas com nervura central de menor comprimento (Figura 1). Já que a relação entre o comprimento do nectário central e o comprimento da nervura central não apresentou um padrão linear em escala log, não se realizou o procedimento pré-estabelecido de ajuste da regressão. A pouca variação do comprimento do NEF central em folhas com comprimento da nervura central superior a 1,7 (em log) e a impossibilidade de se ajustar linearmente os valores obtidos já são indicativos suficientes de que o comprimento do NEF central se estabiliza ao longo do crescimento da folha. Figura 1. Relação do comprimento do nectário extrafloral central de Talipariti pernambucense pelo comprimento da nervura central da folha. Todas as medidas foram log transformadas. Com a regressão linear entre os comprimentos dos segundos maiores NEFs e os comprimentos das nervuras centrais obteve-se uma inclinação de reta igual a 0,8350 (p < 0,0001; IC95% = 0,6128 1,0966; Figura 2). Dado que o intervalo de confiança inclui o valor 1, não se pode descartar a possibilidade de existir uma relação isométrica entre os dois atributos analisados. 3

Figura 2. Relação entre o comprimento do segundo maior nectário extrafloral de Talipariti pernambucense pelo comprimento da nervura central da folha. Todas as medidas foram log transformadas. A reta representa o previsto por regressão linear. A rigidez foi maior nas folhas com nervura central de maior comprimento, com a regressão linear entre as duas variáveis apresentando inclinação de reta igual a 0,9657 (p < 0,0001; Figura 3). O intervalo de confiança apresentado (IC95% = 0,7067 1,2060), contudo, impede que se descarte a possibilidade de ocorrência de isometria entre o comprimento da nervura central e a rigidez foliar. Figura 3. Relação da rigidez foliar de Talipariti pernambucense com o comprimento da nervura central da folha. Todas as medidas foram log transformadas. A reta representa o previsto por regressão linear. A regressão linear entre os valores residuais da rigidez foliar e os valores residuais de comprimento do segundo maior nectário não resultou em uma inclinação significativa (p = 0,0954; Figura 4). Figura 4. Relação entre os valores residuais da rigidez foliar de Talipariti pernambucense e os valores residuais de comprimento do segundo maior nectário. Esses resíduos são a variação nas medidas obtidas que não são explicadas pelo tamanho da folha (comprimento da nervura central). DISCUSSÃO Conforme o previsto, folhas com nervura central de menor comprimento apresentaram, proporcionalmente, NEFs centrais maiores. Como não se conseguiu ajustar linearmente os valores das duas variáveis devido à estabilização dos valores dos comprimentos dos NEFs centrais (Figura 1), deduz-se que, muito cedo no desenvolvimento da folha, o tamanho do NEF central estaciona. No caso dos NEFs secundários, como o intervalo de confiança obtido para a inclinação da reta ultrapassa o valor 1, não se pode afirmar que conforme o comprimento da nervura central aumenta, não há um incremento proporcional no comprimento do NEF. Dessa forma, conclui-se que, conforme a folha amadurece, seu investimento na produção de NEFs centrais (ou seja, em defesa biótica) decresce conforme há investimento em crescimento foliar, representado pelo alongamento da nervura central. Contudo, no caso dos segundos maiores NEFs, pode haver isometria com o comprimento da nervura central. É possível que, em determinado estágio de seu desenvolvimento, a planta deixe de investir no NEF central, passando a investir um pouco no desenvolvimento do segundo maior NEF. As expectativas relativas à rigidez das folhas também foram confirmadas. Dado que a inclinação da reta é positiva, o incremento no investimento em rigidez foliar aumenta com o crescimento foliar. Dessa forma, conclui-se que, conforme a folha amadurece e investe em crescimento foliar, seu investimento em defesa física aumenta. Contudo, uma vez que o intervalo de confiança da incli- 4

nação de reta obtida vai de 0,7067 a 1,2060, não se pode descartar a hipótese de isometria entre a rigidez da folha e o comprimento de sua nervura central. Como os resultados obtidos mostram que o amadurecimento da folha é acompanhado de um incremento em rigidez foliar e de um decréscimo no investimento em NEFs, ao menos no que se refere ao NEF central, sugere-se que há uma troca das estratégias defensivas em T. pernambucense. Embora o comprimento dos NEFs e a rigidez da folha estejam correlacionados com o comprimento da nervura central, não se pode afirmar que há uma correlação entre rigidez foliar e comprimento de NEF. Esperava-se que o ajuste de regressões lineares entre os valores residuais da rigidez foliar e do comprimento dos NEFs gerasse inclinações negativas, indicando que conforme a folha se torna mais rígida, menor é o crescimento em comprimento dos NEFs, independente do efeito do tamanho. Essa análise não foi feita em relação aos NEFs centrais, enquanto que, com a regressão entre os valores residuais do comprimento da nervura central e do segundo maior NEF, não se obteve uma relação significativa. É possível que para folhas mais maduras, com área foliar maior e, portanto, com maior superfície de captação de energia solar, investir tanto em defesas físicas como em defesas bióticas não represente um grande custo. Assim, embora folhas maduras de T. pernambucense já apresentem maior rigidez foliar, ainda há investimento na produção de NEFs. Por sua vez, o baixo índice de rigidez apresentado por folhas novas, mais suscetíveis à herbivoria (Lemos, 2011), pode resultar de restrições ontogenéticas que impedem o aumento da rigidez foliar. Assim, folhas jovens se restringiriam especialmente às defesas bióticas, que no caso de T. pernambucense são representadas pelo NEF. Dado que conforme a folha cresce, mais rígida ela se torna, é possível que os NEFs deixem de ser funcionais em determinado estágio de seu desenvolvimento foliar, sendo possível que o aumento de seu comprimento seja simplesmente um efeito indireto do crescimento da folha. Assim, trabalhos futuros podem quantificar o volume de néctar produzido por folhas novas e maduras, acessando-se, de uma forma mais precisa, o investimento das plantas de T. pernambucense na produção do composto nutritivo liberado pelos NEFs. Uma possibilidade complementar à anterior seria induzir ou simular herbivoria em folhas novas e maduras de T. pernambucense, investigando-se se há alterações no padrão de investimento da planta na secreção de compostos nutritivos pelos NEFs. REFERÊNCIA Baker, H.G., P.A. Opler & I. Baker. 1978. A comparison of the amino acid complements of floral and extrafloral nectars. Botanical Gazette, 139:322-332. Begon, M.; C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology from individuals to ecosystems. Blackwell Publishing, Estados Unidos. Coley, P.D. & J.A. Barone. 1996. Herbivory and plant defenses. Annual Review of Ecology and Systematics, 27:305-335. Cortinóz, J.R. 2008. Associação entre Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) e formigas: o afeta a proteção proporcionada por formigas contra herbivoria? Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I. Prado & A.A. Oliveira, eds.). São Paulo: USP. Heil, M. & D. McKey. 2003. Protective ant-plant interactions as model systems in ecological and evolutionary research. Annual Review of Ecology and Systematics, 34:425-453. Herrera, C.M. & O. Pellmyr. 2002. Plant-animal interactions Evolutionary approach. Blackwell Science, Cornwall. Howe, H.F. & L.C. Westley. 1988. Ecological relationships of plants and animals. University Press, New York. Joly, A.B. 1976. Botânica - introdução à taxonomia vegetal.editora Nacional, São Paulo. Lemos, P. 2011. Distribuição espacial e co-ocorrência de formigas mutualísticas em arbustos de Hibiscus pernambucensis (Malvaceae). Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I. Prado & A.M.L. Martini, eds.). Universidade de São Paulo, São Paulo. Melo, M.O. & M.C. Silva-Filho. 2002. Plant-insect interaction: an evolutionary arms race between two distinct defense mechanisms. Brazilian Journal of Plant Physiology, 14:71 81. Nishimura, P.Y.; S. Boff; A. Fujikawa & R.S. Bovendorp. 2009. Alocação de recursos e herbivoria em Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) em uma área de restinga. Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.A. Oliveira, eds.). de São Paulo, São Paulo. Raven, P.H.; R.F. Evert & S.E. Eichhorn. 2007. Biologia vegetal. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. Santos, C.F.; P.Y. Nishimura; F.M. Barros & 5

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