Programa de Luta contra a Tuberculose na região de saúde do Norte Caracterização da Utilização dos Testes IGRA 2010 Abril 2011
ÍNDICE Página 1. Introdução 1 2. Metodologia 3 3. Resultados 4 4. Discussão 9 1
Caracterização da utilização dos testes IGRA em 2010 1. Introdução Com a descida da taxa de incidência da tuberculose em Portugal e a sua aproximação a valores classificados como de baixa incidência (inferior a 20 novos casos por 100 mil habitantes), torna-se muito importante centrar a intervenção numa estratégia de eliminação da tuberculose. Para o efeito, a detecção e o tratamento dos casos de infecção tuberculosa latente, os quais constituem o reservatório de potenciais casos futuros de doença, são fundamentais. O teste de Mantoux, utilizado desde há muitas décadas, foi, até há poucos anos, o único teste disponível para diagnóstico da infecção tuberculosa latente. O desenvolvimento recente dos testes IGRA (Interferon Gamma Release Assays), os quais detectam a libertação de interferão gama (produzido pelos linfócitos estimulados por determinados peptídeos que mimetizam proteínas presentes nas estirpes patogénicas do Mycobacterium tuberculosis), permitiu evoluir, de forma mais segura, no diagnóstico da infecção tuberculosa latente. Quando comparado com o teste de Mantoux, o IGRA apresenta algumas vantagens, nomeadamente: tem uma interpretação que não depende do observador, sendo, por isso, mais reprodutível, o seu resultado não é afectado pela vacinação com BCG nem pela infecção com micobactérias ambientais e apresenta maior especificidade, principalmente em indivíduos imunocompetentes e em populações vacinadas com BCG. Em 2009, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) desenvolveu um projecto de expansão do acesso aos testes IGRA, envolvendo sete laboratórios a nível nacional e a realização de sete mil testes gratuitos, quer para os utentes quer para as entidades requisitantes. Os termos em que o projecto foi desenvolvido estão expressos na Circular Informativa n.º 04/PNT de 11/02/2010 da DGS. Na região de saúde do Norte, a iniciativa abrangeu o laboratório do Centro de Diagnóstico Pneumológico (CDP) do Porto, o qual já vinha fazendo testes IGRA desde 2007, e foi alargado ao Laboratório de Saúde Pública (LSP) de Braga. Até à data de expansão do acesso aos testes, as colheitas de sangue eram feitas no CDP do Porto e o teste era executado apenas no laboratório do CDP do Porto. Para facilitar o acesso aos testes IGRA e considerando as particularidades a que obriga a colheita de sangue para a execução do teste, foi organizada uma acção de formação para as enfermeiras dos CDP da região. Para a organização da acção de formação, foi perguntado aos interlocutores do Programa de Luta contra a Tuberculose (PNT) nos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) se pretendiam e tinham condições nos 2
CDP para proceder à colheita das amostras necessárias à realização dos testes. Responderam afirmativamente 15 dos 26 interlocutores do PNT e a acção de formação decorreu no início do mês de Março de 2010. Foi ainda definida a área de abrangência de cada um dos laboratórios: o laboratório do CDP do Porto ficou responsável pela execução dos testes pedidos pelos serviços de saúde localizados nos ACeS do distrito do Porto e nos ACeS de Aveiro Norte e Feira/Arouca, o LSP de Braga ficou responsável pela execução dos testes solicitados pelos serviços de saúde da restante região de saúde do Norte. A expansão do acesso aos testes IGRA aos dois laboratórios foi oficialmente implementada na região de saúde do Norte a partir do dia 24 de Março de 2010, Dia Mundial da Tuberculose. Neste relatório apresentam-se alguns resultados da utilização dos testes IGRA na região de saúde do Norte durante o ano de 2010. 3
2. Metodologia Foram analisados os dados que constavam no Formulário para a requisição do teste IGRA no âmbito do Projecto de Expansão dos Testes IGRA (Anexo 3 da Circular Informativa n.º 4/PNT de 11/02/2010 da DGS), relativos a testes IGRA executados no Laboratório do CDP do Porto e no LSP de Braga entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2010. Os formulários foram enviados pelos laboratórios executantes para o Departamento de Saúde Pública (DSP) da ARS Norte, I.P., com a identificação dos utentes previamente anonimada. Os dados recebidos foram informatizados num ficheiro Microsoft Excel e posteriormente analisados utilizando o mesmo programa informático. 4
3. Resultados Com a expansão dos testes IGRA, realizada no âmbito do projecto da DGS, passaram a existir na região Norte dois laboratórios que executam o teste e 15 locais de colheita de amostras (Figura 1). Laboratório Local colheita Figura 1 Locais de realização dos testes IGRA e locais de colheita de amostras. Região de saúde do Norte, 2010 Entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2010 realizaram-se 1 607 testes IGRA nos laboratórios que na região Norte integram o projecto da DGS. O laboratório do CDP do Porto realizou 1 268 testes (79%) e o LSP de Braga realizou 339 testes (21%). O número médio de testes realizados por mês foi de 134, sendo de notar que a evolução mensal mostra uma tendência no sentido do aumento (Figura 2). Evolução do número de testes IGRA realizados mensalmente nos laboratórios da região Norte em 2010 N.º 250 200 150 100 50 0 Janeiro Março Maio Julho Setembro Novembro Mês Figura 2 Evolução do número de testes IGRA realizados mensalmente nos laboratórios da região de saúde do Norte, em 2010 5
Em 23 dos testes não foi possível identificar o sexo dos utentes, sendo que nos restantes (n=1 584) 819 eram do sexo feminino (52%) e 765 do sexo masculino (48%). Não foi possível calcular a idade em 10 dos utentes, nos restantes a idade variou entre menos de 1 ano e 93 anos, com um valor médio de 39,5 anos. No Quadro 1 observa-se a distribuição dos utentes por grupo etário. Dos 42 casos com menos de 10 anos, 27 eram crianças com menos de cinco anos. QUADRO 1 Distribuição dos testes IGRA segundo a idade dos utentes. Região de saúde do Norte, 2010 Grupo etário Número 0-9 42 10-19 95 20-29 294 30-39 416 40-49 336 50-59 259 60-69 101 70+ 54 Total 1597 A informação sobre a nacionalidade dos utentes estava disponível em 1 259 dos testes: 3,9% (49) eram cidadãos estrangeiros, dos quais 17 oriundos de outros países da Europa, 17 de países da América do Sul, 14 de países Africanos e 1 da Ásia. Em 226 testes não foi possível identificar o concelho de residência do utente. Nos restantes 1 381, 21 eram utentes residentes em concelhos da região de saúde do Centro e 1 360 residiam na região Norte. Dos testes realizados em utentes residentes na região Norte, mais de metade foram realizados em indivíduos residentes na área dos ACeS de Gaia, Espinho/Gaia, Porto Oriental, Porto Ocidental, Nordeste e Matosinhos (Quadro 2). 6
QUADRO 2 Distribuição dos testes IGRA por ACeS de residência dos utentes. Região de saúde do Norte, 2010 ACeS Número de testes Braga 14 Gerês/Cabreira 15 Guimarães/Vizela 15 Marão e Douro Norte 17 Famalicão 17 Alto Tâmega e Barroso 18 Douro Sul 20 Valongo 22 Maia 24 Aveiro Norte 25 Terras de Basto 27 Santo Tirso/Trofa 29 Vale do Sousa Norte 30 Vale do Sousa Sul 31 Alto Minho 37 Póvoa de Varzim/Vila do Conde 44 Barcelos/Esposende 48 Feira/Arouca 54 Baixo Tâmega 55 Gondomar 88 Matosinhos 114 Nordeste 123 Porto Oriental+Porto Ocidental 151 Gaia+Espinho/Gaia 342 Total 1360 A informação sobre o estado vacinal com BCG estava disponível em relação a 1 069 indivíduos: em 431 o estado vacinal era desconhecido, 934 tinham vacinação BCG e 135 não tinham sido vacinados, o que resulta numa cobertura vacinal de 87,4%. Não havia qualquer informação sobre o teste VIH em 259 utentes, nos restantes 1 348 o resultado do teste foi classificado como desconhecido em 600. Nos restantes 748 utentes, 90 tinham VIH positivo (12%) e 658 tinham resultado negativo. Em 87 dos testes não havia qualquer informação sobre a realização do teste de Mantoux nos seis meses anteriores ao IGRA. Nos 1 520 restantes indivíduos, 1 298 tinham realizado o teste recentemente. Os valores do teste de Mantoux encontram-se na Figura 3, sendo de realçar que, na maioria dos casos, o resultado se situava entre 10-14 mm. 7
700 600 500 400 300 200 100 0 0-4 mm 5-9 mm 10-14 mm 15-19 mm 20+ mm Figura 2 Distribuição do resultado do teste de Mantoux realizado nos seis meses que antecederam o pedido do teste IGRA. Região de saúde do Norte, 2010 Na grande maioria dos testes havia anotação sobre o motivo do pedido do IGRA. Os dados do quadro 3 indicam que a maioria dos testes foi pedida a indivíduos contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa, seguindo-se a vigilância de populações de risco e os candidatos a tratamento imunossupressor. Dentro do grupo classificado como vigilância de populações de risco, 150 eram profissionais de saúde, 67 doentes com SIDA, 53 toxicodependentes, 14 reclusos e 32 sem especificação. Em 60 casos o teste IGRA foi solicitado para apoiar o diagnóstico de tuberculose. QUADRO 3 Caracterização dos motivos para o pedido do teste IGRA. Região de saúde do Norte, 2010 Motivo Número Rastreio de contactos próximos 694 Rastreio de contactos casuais 78 Candidatos a tratamento imunossupressor 304 Controlo de surto 2 Vigilância de populações de risco 316 Outros 180 Mais do que um motivo 4 Total 1578 Em 22 dos testes não foi possível identificar o serviço requisitante. Dos restantes 1585, 26 testes foram pedidos por serviços de saúde privados. A grande maioria dos testes restantes foi requisitada por médicos dos CDP, seguida pelos dos hospitais e por médicos de outras unidades funcionais dos ACeS (Quadro 4). 8
QUADRO 4 Caracterização dos serviços do Serviço Nacional de Saúde que requisitaram testes IGRA. Região de saúde do Norte, 2010 Serviço requisitante Número CDP 1238 Outras unidades funcionais dos ACeS 157 Hospitais 164 Total 1559 Dos 1 607 testes IGRA realizados, 705 foram positivos (44%), 883 foram negativos (55%) e 19 indeterminados (1%). Considerando apenas os casos em que o teste IGRA foi pedido em contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa e aqueles em que era conhecido o resultado do teste de Mantoux, a comparação entre os resultados de ambos os testes pode observar-se no Quadro 5. A concordância global dos testes foi de 60,6%. Observa-se ainda que a concordância dos testes positivos aumenta na razão directa do valor do teste de Mantoux. Com a realização do teste IGRA nos contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa evitaram-se 233 tratamentos de infecção tuberculosa latente, tendo sido necessário realizar 2,4 testes por cada tratamento evitado. QUADRO 5 Resultados do teste IGRA e do teste de Mantoux em contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa. Região de saúde do Norte, 2010 Mantoux 0-9 mm (negativo)* 10-14 mm (positivo) 15-19 mm (positivo) > 20 mm (positivo) IGRA Positivo Negativo Total 13 41 54 202 (52%) 87 (69%) 48 (87%) 187 389 39 126 7 55 Total 350 274 624 * Classificação de negativo sem considerar a idade dos indivíduos ou o estado de imunodepressão 9
4. Conclusões Face aos resultados apresentados neste relatório, podemos considerar que a utilização dos testes IGRA na região de saúde do Norte, em 2010, foi adequada: a grande maioria dos testes foi pedida para apoio ao diagnóstico de infecção tuberculosa latente em situações de contacto próximo com casos de tuberculose infecciosa, após a realização do teste de Mantoux e em candidatos a tratamento imunosupressor. No grupo dos contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa, com a utilização dos testes IGRA foi possível evitar o tratamento de 233 casos de infecção tuberculosa latente, sendo de assinalar que cerca de 20% desses casos apresentavam valores de teste de Mantoux superiores a 14 mm, para os quais o grau de elegibilidade para o tratamento é muito elevado. Em Março de 2011, o European Centre for Disease Prevention and Control publicou orientações sobre a utilização dos testes IGRA nos programas de luta contra a tuberculose 1, traduzindo a opinião de um conjunto de peritos sobre a sua utilização, tanto no diagnóstico da tuberculose activa, como no diagnóstico da infecção tuberculosa latente. De acordo com o referido documento, a evidência científica disponível no momento não permite afirmar que os testes IGRA, na maioria das situações clínicas, acrescentem valor aos métodos de diagnóstico de tuberculose activa já disponíveis. Contudo, em situações de suspeita de tuberculose extrapulmonar, de tuberculose com exame directo e cultural negativo, na tuberculose infantil ou no diagnóstico diferencial de infecção por micobactérias não tuberculosas, os testes IGRA podem contribuir com informação suplementar para o diagnóstico. Ainda de acordo com o mesmo documento, considera-se que os testes IGRA podem ser utilizados como parte integrante de um processo de avaliação de risco global para identificar indivíduos elegíveis para tratamento de infecção tuberculosa latente, nomeadamente, imunodeprimidos, crianças, contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa e pessoas recentemente expostas, após a realização do teste de Mantoux e nos indivíduos com teste de Mantoux positivo. Em populações vacinadas com BCG, como é o caso da grande maioria da população de Portugal, os testes IGRA têm uma nítida vantagem no diagnóstico da infecção tuberculosa latente, uma vez que o seu resultado não é influenciado pela vacinação com BCG. Considera-se, assim, que no contexto epidemiológico actual, com valores de incidência de tuberculose intermédios e com uma elevada proporção da população vacinada com BCG, a utilização dos testes IGRA no algoritmo de decisão para tratamento da infecção tuberculosa latente em rastreio de contactos próximos de casos de tuberculose infecciosa deve ser 1 European Centre for Disease Prevention and Control. Use of interferon-gamma release assays in support of TB diagnosis. Stockholm: ECDC; 2011. 10
incentivada, sempre após a realização do teste de Mantoux e nas situações em que o resultado seja positivo, desde que haja intenção de tratar. Porto, 15 de Abril de 2011 A Equipa Gestora do Programa de Luta contra a Tuberculose na ARS Norte, I.P. 11