AMORES QUE (NÃO) ENVELHECEM: PSICANÁLISE, TEMPO E EXPERIÊNCIA Angeli Raquel Raposo Lucena de Farias (UFPB) Hermano de França Rodrigues (UFPB)

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Transcrição:

AMORES QUE (NÃO) ENVELHECEM: PSICANÁLISE, TEMPO E EXPERIÊNCIA Angeli Raquel Raposo Lucena de Farias (UFPB) Hermano de França Rodrigues (UFPB) Um dia, ou talvez uma noite, muitas dezenas de milênios antes da nossa era, um gesto foi feito, uma palavra foi dita, um sentimento nasceu... Talvez seja preciso ir procurar bem longe em nosso passado o despertar daquilo que mais tarde terá o nome de amor... Dominique Simonnet Desde períodos mais remotos da humanidade, o amor se fazia presente nas relações humanas. No amor permite-se vários contexto e formas. Do luto, retirar-se o amor, como comprova Lins trazendo que nossos ancestrais enterravam solenemente outros viventes como forma de amor. Assumem-se diversas formas de amar. Ama-se pela dor, com a dor. Ama-se na presença, na solidão. Ama-se na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Na pobreza e na riqueza. Ama-se pela internet, ama-se rapidamente, ama-se pelo sexo e na falta dele. Ama-se pela ausência do outro, ou como coloca Lacan, do Outro. O amor é patológico, ou melhor, é um páthos amor. Enlouquece, enraivece, enobrece, machuca, mortifica. Amor também pacifica, amortece, acolhe. É o colisão perfeita entre magnifico e colérico. O encontro perfeito do amor colérico e sublime consegue ser narrado por Gabriel García Marques quando descreve o amor padecedor cólérico e sofrimento no tempo da cólera medicinal. Na obra literária Amor nos tempos do cólera, de 1985, o escritor literário Colombiano Gabriel Garcia Marques nos defronta com o amor que colocou em pausa seu personagem principal (Florentino Ariza), mas que também não 4474

condoesse com esse amor, apenas vive distante da amada (Fermina Daza), a espera dela. Esse amor em espera lembra a situação masoquista do gozo entre amar e sofrer. Enquanto ama, espera, ama e goza. Entrega-se, de corpo, a outros corpos femininos, computando mais uma relação sexual, mas gozando verdadeiramente com a ausência e a espera de seu grande amor. A obra literária supracitada sofreu adaptação fílmica estadunidense e colombiana no ano de 2002, sob a direção do cineasta americano Mike Newell. O filme foi rodado na cidade histórica de Cartagena, na Colombia. Gabriel García Marques demorou três anos para aceitar a adaptação fílmica, sendo este o primeiro livro adaptado do autor a ser adaptado por uma grande produção hollywoodiana. O escritor participou ativamente da produção. Após esse contexto introdutório, este trabalho vem realizar estudo sobre o filme Amor no tempo do Cólera, analisando o amor em páthos do seu personagem principal, Florentino Daza, na espera de viver esse amor, numa instancia que remonta uma gozo em instancia masoquista. Trabalhar com a temática do amor, da dor de amar, do sofrimento que o amor abarca, nos transfere a necessidade de uma ciência que compreenda as vicissitudes do ser humano em todas suas imbricações. A literatura em seu âmago nos levar a (re)conhecer as tessituras humanas. Para tanto, corroborando com esse demasiado humano, reconhecemos na psicanalise uma ciência que comporta também uma vasta leitura humana. Assim, utilizaremos a psicanalise, a partir de seu fundador Sigmund Freud, para realizarmos uma analise da adaptação fílmica citada, mas especialmente desse páthos amor do personagem principal. Além do fundador da psicanalise, iremos também utilizar conhecimentos psicanalíticos dos pós-freudianos como o francês Jacques Lacan. Como cita Bellemin-Noel (1978, p. 13) a respeito do matrimonio entre psicanalise e literatura Em suma, já que a literatura carrega nos seus flancos o nãoconsciente e já que a psicanálise traz uma teoria daquilo que escapa ao consciente, somos tentados a aproximá-las até confundi-las. Amor: literatura e psicanálise Dentre diversas ciências que buscam compreender o amor, a psicanalise atribuise também de campo de pesquisa sobre o assunto. Para o pai da psicanalise, Sigmund Freud, o amor fala de ausência, o amor é um sintoma do que um dia se perdeu na 4475

castração edipiana, que desejamos reencontrar. Instaurando o desejo, falamos da instauração da sexualidade, fala-se do ser enquanto linguagem, como supõe Lacan, capaz de simbolizar, desejar, e dar o que não se tem. É pelo reencontro com o faltante, outrora perdido, que se vai à busca do amor. O amor de Florentino colocou em pausa, paralisia de amar eternamente sua Fermina. Esse amor coloca um sujeito que goza com a ausência da amada que goza com a espera dela. Através de Florentino e da psicanalise percebemos que é possível falar de amor e dor, amor e sofrimento, amor e páthos. Como também do amor que supera o tempo, tempos coléricos, tempos que distanciam, e atualmente, tempo que tudo é necessário e rápido, até o amor. Em sua teoria metapsicológica Sigmund Freud coloca o amor de diversas formas, de acordo com o momento em que estava sua construção teórica. Como ponto fundador do amor na sua teoria tem-se a transferência entre analisando e analista. O caso mais famoso, a paciente Anna O. coloca essa teoria a prova quando, após ser liberada da terapia hipnótica realizada por Breuer, esta demonstra fantasias de amor e sexuais com o mesmo. Freud assume a análise então, e consegue refletir sobre essa instância de amor entre paciente e analista, definindo isso como amor transferencial, ponto fulcral para uma boa analise. Brito e Besset (2008) falam que o amor na clínica psicanalítica, chamado de transferência, é o processo primordial para que a analise possa ocorrer. Esse amor unifica o laço entre os dois, que por meio da potencia desse amor, se torna possível explorar o inconsciente do analisando. Assim, Freud dita sobre o amor, segundo Paz (2009) a partir de suas pacientes histéricas, em que o fundador da psicanalise vê amor como sinônimo de sexualidade. Dos estudos com suas pacientes histéricas, ele entende o lugar do amor na neurose histérica, observando que um ponto em comum nos discursos delas estava à busca pelo amor, que na infância era despendido a elas demasiadamente pelos seus pais, sendo traço insaciável nelas, a busca por esse amor infindável. Para o mestre vienense, o amor é o que faz suplência ao encontro sempre faltoso do sujeito com a sexualidade. Ao instaurar-se o Édipo e a devida castração edípica, o sujeito passa a ser faltante, e esmera-se na busca por essa falta. Lacan coloca a entrada do Em Nome do Pai na instancia do simbólico, assim o sujeito após irrupção do em nome do Pai, permeia-se na busca desejoso do Outro. 4476

Assim, para esses dois psicanalistas a frente de seu tempo, citam o amor, conforme traz Winter (2012, p. 02) Tanto em Freud quanto em Lacan o amor é o que faz suplência ao encontro sempre faltoso do sujeito com a sexualidade. A falta de harmonia fundamental entre sujeito e objeto indicada por Freud em Mal Estar na Civilização coloca o amor e a linguagem na condição de suplência frente ao real da falta. (WINTER, 2012, p. 02) Lacan também traz o amor como transferência. Para ele transferência é amor. O amor de transferência ou, ousaríamos dizer apenas, o amor ensina àquele que ama que há uma falta inscrita em seu desejo. (BRANCO, 2014, p. 87). Para Lacan, o amor fala de falta do objeto a, objeto tanto desejado. Para ele, amar é mais do que querer, o amante é aquele que oferece ao amado sua própria falta, acreditando ser o amado o detentor desse objeto faltante, nomeado objeto a. O amante crendo que o amado pode oferecer algum saber sobre si (como num estado de transferência), o amante se oferece em amor, pois é com essa falta que ele ama (LACAN, 2005). Em suma, temos o que Leite (2005) nos coloca Freud situa a busca amorosa (ou escolha de objeto) em uma perspectiva distinta, mas não independente da sexualidade, uma vez que apoiada nos laços com os primeiros objetos. Tomando o conceito de objeto pulsional em sua radicalidade, Lacan define-o como faltoso. Ou seja, a falta de objeto seria uma condição primordial, marca da entrada do sujeito no mundo simbólico, da linguagem. O amor seria, então, uma tentativa de fazer desaparecer a falta original do desejo. A situação paradoxal do amor, no entanto, também é reconhecida por Freud e por Lacan: se o encontro amoroso proporciona, por um lado, um certo apaziguamento ao alimentar a ilusão da completude perdida, por outro lado, implica sempre um efeito de logro, pois basta amar para que o sujeito se reencontre com essa hiância estrutural, como diz Lacan, na medida em que o que falta ao sujeito (amante), o objeto (amado) também não tem. Na literatura ocidental o discurso do amor, a partir do século XII, versa sobre dor, sofrimento e promessa de felicidade A plenitude é inatingível porque o amor é proibido. Eis a estratégia do mito de amor: a conversão do impossível em interdição a fim de que seja mantida a promessa de felicidade (FERREIRA, 2004, p. 08). Na adaptação fílmica de O amor nos tempos do cólera, vemos o protagonista, o jovem Florentino Ariza coloca sua felicidade no amor pela jovem Fermina Daza, felicidade esta que deve ser alcançada por estar amando. O romance acontece na cidade de Cartagena, Colômbia, no final do século XIX e conta a história do amor avassalador do jovem Florentino por Fermina Daza durante a juventude quando se conheceram e comunicavam-se por cartas. No inicio o amor dos 4477

dois é sentido mutuamente, porém ao descobrir esse enlace, o pai da jovem a promete para o jovem médico e bem dotado, Juvenal Urbino. O casamento acontece, mesmo que contra vontade da jovem. Porém, após os anos passam, Florentina reconhece no seu belo marido a capacidade de cuidar, ser cuidada, e até amar, repudiando a ideia de ouvir o nome de Florentino Daza (mesmo que seja isso uma defesa neurótica). Porém este se prostra a esperar pela bela jovem, mesmo envolvendo-se (sexualmente) com dezenas de mulheres (ressalta-se que Florentino fazia conta de todos seus enlaces sexuais contribuindo mais para seu gozo de espera masoquista mas esperava amar apenas sua eterna Fermina). Essa espera dura cinquenta e dois anos, quando finalmente o protagonista detêm o amor de sua amada, após essa conhecer a viuvez. No contexto desvelado, vemos a relação de Florentino com Fermina, numa busca incessante pelo objeto a. Florentino ficou como objeto desse Outro, desse que nem se quer lembrava-se dele, ou melhor, tentava repudiá-lo. Násio (1997) versa que a expressão perda do objeto amado foi utilizado por Freud em dois textos sendo este Inibição, sintoma e angústia e Mal estar da civilização. Nesse último, Freud diz: o sofrimento nos ameaça de três lados: no nosso próprio corpo, destinado a decadência; do lado do mundo exterior que dispõe de forças invencíveis; e das nossas relações com os seres humanos, cujo sofrimento oriundo dessa fonte é mais duro do que qualquer outro. O remédio para tal sofrimento seria o do amor ao próximo. Na intenção de preservarmo-nos da infelicidade, assim, nada mais natural do que amar para evitar conflitos. Vamos amar, sejamos amados e afastaremos o mal, diz Násio (1997). Porém, o mestre vienense constata que: nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor. Esse é o maior paradoxo da vida humana: quanto mais se ama, mais se sofre. Para Florentino, quanto mais se sofre, mais se ama, mais se espera. Ainda para ele, a dor não está em apenas perder sua amada, mas em continuar a amá-la mais do que nunca, como cita Násio (1997). Parafraseando esse autor, o eu ama o objeto que continua a viver no psiquismo. A falha entre a presença viva do outro em mim e sua ausência real é uma clivagem tão insuportável que muitas vezes tendemos a reduzi-la, não moderando o amor, mas negando a ausência, rebelando-nos contra a realidade da 4478

falta e recusando-nos a aceitar o desaparecimento definitivo do amado (Násio, 1997, p. 30). Florentino deposita na moça toda sua libido, desejo, fantasia, e ausência. Prostrase a espera da mesma. Nesse sentido podemos inferir uma posição do páthos amor na instancia de uma resolução masoquista (a espera desse amor que nunca vem, a espera e passividade em forma de gozo desse Outro). Piza e Alberti (2013) fala sobre situação masoquista colocada por Freud, dizendo que o pai da psicanalise descreveu o masoquismo como o posicionamento passivo do sujeito no campo da sexualidade [...] a designação masoquismo abarca todas as atitudes passivas para com a vida e o objeto sexuais, Freud ainda acrescenta: o masoquismo apenas se configura quando o sujeito não somente se posiciona em lugar de objeto, mas ocupa esse lugar em relação a outra pessoa, que assume, então, o lugar ativo atribuído pelo sujeito (PIZA E ALBERTI, 2013, p. 06). Florentino coloca-se em situação de passividade diante dos eventos que ocorrem em sua vida. Seu esforço libidinal é colocado diante da relação com esse Outro do qual ele deseja. O lugar desse objeto desejante, a ideia de que esse amante poderá nutri-lo, como Lacan coloca em sua teoria, faz com que Florentino coloque-se nessa situação de instancia masoquista, numa postura e configuração de passividade e eterna espera do Outro. A ideia de Fermina estar bem casada com o Juvenal é insuportável para Florentino, porém o mesmo sempre recusa a ideia, num estado de negação, mas, também, num estado de gozo pleno diante de sua espera de cinquenta e dois anos. Ele se coloca nessa posição. É aqui onde ocorre o amor páthos do protagonista. Amor que mortifica, paralisa, cria passividade, enlouquece, psicotiza. Florentino está libidinalmente ligado a este Outro desejante, é nessa relação com o Outro de espera que a satisfação masoquista está relacionada. Ferreira cita que amase para desejar ou para gozar com o sofrimento. Justamente por isso, os estudos psicanalíticos se referem ao masoquismo do amor-paixão, tão em voga nas literaturas romântica. Florentino, finalmente, após falecimento de Daza, consegue viver o amor. 4479

Referência BELLEMIN-NOEL, Jean. Psicanálise e Literatura. São Paulo: Editora Cultrix, 1978. BRITO, Bruna Pinto Martins; BESSET, Vera Lopes. Amor e saber na experiência analítica. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza, v. 8, n. 3, p. 681-703, set. 2008. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1518-61482008000300006&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 28 ago. 2016. FERREIRA, Nadiá Paulo. A teoria do amor na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. FREUD, Sigmund. (1907). O esclarecimento sexual das crianças. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (ESB, 9). FREUD, Sigmund. (1910b). Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens (contribuições para psicologia do amor I). Rio de Janeiro: Imago, 1996. (ESB, 11). LACAN, Jacques. O seminário, livro 10 A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005 LEITE, Julia Cristina Tosto. Dimensões do amor. Ágora (Rio de Janeiro) v. VIII n. 1 jan/jun 2005 123-133. NASIO, J. D. O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. PIZA, Luciana; ALBERTI, Sônia. O masoquismo erógeno como posição subjetiva original e suas implicações na vida sexual infantil. Revista Affectio Societatis, Vol. 10, Nº 18, junio de 2013. Art. 2. WINTER, Célia Ferreira Carta. O amor: esse encontro faltoso. Psicopatologia Fundamental, 2014. Disponível em: http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/posteres_iv_congresso/mesas_ iv_congresso/mr56-celia-ferreira-carta-winter.pdf 4480