GÁS HILARIANTE: UM RECURSO PARA O CONTROLE DO SOFRIMENTO NA CADEIRA DO DENTISTA * MOURA, Larissa da Silva 1 ; CASTRO, Anelise Daher Vaz 2 ; GOULART, Cairenne Silveira Bessa 3 ; BRASILEIRO, Sarah Vieira 4 ; COSTA, Luciane Ribeiro de Rezende Sucasas da 5 Palavras-chave: Sedação. Óxido nitroso. Comportamento infantil. Introdução A ansiedade e o medo, associados a dor, são os principais fatores responsáveis pelo comportamento inadequado do paciente frente ao tratamento odontológico ou até mesmo a recusa em procurar atendimento odontológico. Os principais fatores geradores de ansiedade e fobia são o medo da aplicação de anestesia local e o uso de instrumentos rotatórios (BARE; DUNDES, 2004). Os estresses físico e psicológico relacionados à anestesia local podem complicar o tratamento odontológico (NICHOLSON et al, 2001). O óxido nitroso foi utilizado pela primeira vez como uma droga de abuso para descontração dos usuários e ficou conhecido como gás do riso ou gás hilariante. Somente em 1844, o óxido nitroso foi utilizado em pacientes (MALAMED; CLARCK, 2003). Atualmente é amplamente utilizado nos Estados Unidos e Europa como técnica de manejo comportamental em Odontologia, sobretudo em pacientes pediátricos (WILSON; ALCAINO, 2011). A sedação inalatória com a mistura de óxido nitroso/oxigênio (N 2 O/O 2 ) é considerada uma técnica segura e eficaz para reduzir ansiedade e melhorar a comunicação entre paciente e profissional (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRIC DENTISTRY, 2011-2012; KLATCHOIAN et al, 2010). A inalação da mistura gasosa em concentrações clínicas (até 70% de N 2 O/O 2 ) produz um estado de relaxamento, sonolência e sensação de bem-estar (COSTA et al., 2007). * Resumo revisado por Luciane Ribeiro de Rezende Sucasas da Costa. Coordenadora da Ação de Extensão NESO Núcleo de Estudos em Sedação Odontológica, código FO-47. 1 Clínica privada larissa.pediatria@gmail.com 2 Universidade Federal de Goiás anelisedaher@gmail.com 3 Clínica privada cairenne@gmail.com 4 Clínica privada sarah.brasileiro@gmail.com 5 Universidade Federal de Goiás lsucasas@odonto.ufg.br
Segundo recomendações nacionais (KLATCHOIAN et al, 2010) e diretrizes internacionais (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRIC DENSTISTRY, 2011-2012; HALLONSTEN et al, 2012) os objetivos da sedação inalatória N 2 O/O 2 incluem a redução ou eliminação da ansiedade. Para o Conselho Federal de Odontologia (Conselho Federal de Odontologia, 2004), Resolução 51/2004, de 30 de abril de 2004, o cirurgião-dentista está apto a realizar a sedação inalatória quando habilitado após realização de curso específico com carga horaria mínima de 96 horas. O objetivo deste trabalho é apresentar a técnica de sedação inalatória com N 2 O/O 2 como um método seguro e viável no controle da ansiedade no tratamento odontológico ambulatorial, através da descrição de sessões clínicas de atendimento odontológico de criança submetida à sedação inalatória. Metodologia Para descrição da técnica, foi selecionado um caso clínico realizado no Núcleo de Estudos de Sedação em Odontologia (NESO) do Programa de Extensão de Atenção Humanizada de Pacientes com Necessidades Especiais (PAHPE) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Para seleção do caso clínico, buscou-se um caso de um indivíduo que apresentasse ansiedade e medo odontológico e que tivesse sido submetido a mais de uma sessão clínica de sedação inalatória com N 2 O/O 2, sob constante monitorização do comportamento e desconforto. Foi selecionado o caso clínico de uma criança de 9 anos e 11 meses de idade, sexo feminino, com história de não aceitação de tratamento odontológico anterior, seguido de desmaio, por transtorno de ansiedade grave e medo de agulha, que foi submetida a 3 sessões de sedação inalatória com N 2 O/O 2 para procedimento cirúrgico e restaurador (descrição detalhada do caso na sessão Resultados e Discussão). A avaliação do comportamento e desconforto foi realizada através da monitorização da criança durante a sedação inalatória em três momentos: durante o briefing (momento para fornecer informações sobre o procedimento com demonstração e experimentação do paciente), na 1ª sessão e na 2ª sessão. Em cada um desses momentos, anotava-se os seguintes dados em cada fase do atendimento: a concentração de óxido nitroso fornecida, a saturação de oxigênio, a frequência cardíaca da criança e o escore de comportamento.
A concentração de óxido nitroso foi checada no próprio equipamento misturador utilizado (Matrix Parker, MDM); a saturação de oxigênio (SpO2) e a frequência cardíaca (batimentos por minuto bpm) foram mensuradas através de oxímetro de pulso digital (NewTech Fingertip Oximeter) instalado na criança; e o escore de comportamento baseou-se na classificação da escala Ohio State University Behavioral Rating Scale (OSUBRS), que envolve quatro categorias através da observação dos movimentos da cabeça e extremidades, do choro e da resistência física: escore 1 comportamento sem choro e sem movimentos, escore 2 comportamento apresentando choro e sem apresentar movimento, escore 3 comportamento apresentando movimentos, sem apresentar choro, escore 4 comportamento apresentando choro e movimentos (TORRES-PÉREZ et al., 2007). Os escores da escala OSURBS e a frequência cardíaca foram os parâmetros considerados para avaliação do comportamento e desconforto da criança. Os atendimentos odontológicos foram realizados por dois cirurgiões-dentistas especialistas em Odontopediatria e os registros foram anotados por um observador independente. Os atendimentos sob sedação inalatória foram realizados após concordância do responsável legal para realização da técnica e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados e Discussão A criança selecionada para descrição da técnica de sedação inalatória, compareceu ao NESO - UFG acompanhada pela mãe, através de encaminhamento do neuropediatra. A queixa principal relatada pela mãe foi um desmaio sofrido na última vez que a criança havia ido ao dentista, não deixando completar o tratamento. A história médica revelou que a criança teve crises convulsivas, e fazia uso de medicamento anticonvulsivante (Gardenal 35 mg por dia) desde 1 ano de idade, justificadas como consequência de transtorno de ansiedade. Episódios de desmaio frente a procedimentos envolvendo agulhas, como exames laboratoriais, foram relatados como frequentes. Na primeira sessão realizou-se o briefing e realização de exame odontológico completo (profilaxia e exame clínico). As outras duas sessões de tratamento odontológico foram realizadas com intervalo de uma semana entre cada sessão.
PROCEDIMENTO A criança apresentou-se com comportamento tranquilo (escore 1) em quase todas as fases dos atendimentos, incluindo a anestesia local (Tabela 1), o que é esperado no controle da ansiedade de crianças submetidas a sedação inalatória (McCANN et al., 1996; TORRES-PÉREZ et al., 2007). O uso da frequência cardíaca pode ser um parâmetro fisiológico para mensuração de dor/estresse e ansiedade (HOWARD et al., 2008; LOUW et al, 2011). A frequência cardíaca da criança atendida apresentou-se quase sempre em níveis basais (62 a 108 bpm) (COSTA et al., 2007) durante as duas sessões de tratamento. Na fase de exame clínico, a frequência cardíaca apresentou reduzida nas sessões de tratamento comparadas ao briefing, sugerindo um relativo conforto da paciente com o uso da técnica ao longo dos atendimentos (Tabela 1). Tabela 1 Monitorização da criança durante as sessões clínicas de atendimento sob sedação inalatória N2O 2/O 2 (%) FC (bpm) SpO 2 Comportamento (OSURBS) SESSÃO 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª Baseline 0 0 0 86 98 80 99 99 99 1 1 1 Adaptação da máscara 0 - - 110 - - 99 - - 1 - - Início sedação 0 0-111 93-99 99-1 1 - Monitorização 40 - - 82 - - 99 - - 1 - - Exame clínico 40 60 20 120 86 75 99 99 99 3 1 1 Profilaxia 50 - - 77 - - 99 - - 1 - - Anestesia - 60 60-77 82-99 99-1 1 Inicio alta rotação - 60 60-71 83-99 99-1 1 Restauração - 50 60-57 67-99 99-1 1 Exodontia - 60 60-71 56-99 99-3 3 Conclusão As sessões clínicas do caso descrito mostraram significante benefício para criança que apresentava transtorno de ansiedade e medo de agulha, possibilitando um tratamento odontológico satisfatório, sem desconforto e comportamento tranquilo, inclusive para procedimentos invasivos (restauração e extração dentária). A sedação inalatória N2O/O2 para controle de medo e ansiedade para tratamento odontológico pode ser um método seguro e viável.
Referências bibliográficas AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRIC DENTISTRY. Guideline on use of nitrous oxide for pediatric dental patient. Pediatr Dent, v.33, n.6, p.181-184, 2011-2012. BARE, L.C; DUNDES, L. Strategies for combating dental anxiety. J Dent Educ, v.68, n.11, p.1172-7, Nov. 2004 CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Resolução 51/2004. Normas para habilitação do cirurgião-dentista na aplicação da analgesia relativa ou sedação consciente com óxido nitroso. 54p. Disponível em: http://cfo.tempsite.ws/2009/09/serviços-e-consultas/atonormativo/?id=902. Acesso em: 07/01/2012 COSTA, P.P.S.; COSTA, L.R.R.S. Farmacologia clínica aplicada à sedação. In: COSTA, L.R.R.S. et al. Sedação em odontologia: desmistificando a sua prática. São Paulo: Artes médicas, 2007. p. 53-71. HALLONSTEN, A.L.; et al. EAPD Guidelines on Sedation in Paediatric Dentistry. Disponível em: <http://www.eapd.gr/dat/5cf03741/file.pdf>. Acesso em 08 jan 2012. HOWARD, R; CARTER, B.; CURRY,J. et al. Pain assessment. Paediatr Anaesth, v.18, n.1, p.14-18, may, 2008. KLATCHOIAN, D.A.; NORONHA, J.C.; TOLEDO, O.A. Adaptação comportamental do paciente odontopediátrico. In: MASSARA, M.L.A.; RÉDUA, P.C.B. Manual de referência para procedimentos clínicos em odontopediatria. São Paulo: Santos, 2010. p. 49-71. LOUW, Q.; GRIMMER-SOMERS, K.; SCHRIKK, A. Measuring children's distress during burns dressing changes: literature search for measures appropriate for indigenous children in South Africa. J Pain Res, v.4, p.263-277, 2011. NICHOLSON, J. W. Pain perception and utility: a comparison of the syringe and computerized local injection techniques. General Dentistry, v. 49, n. 2, p. 167-73, Mar-Abr. 2001. MALAMED,S.F.; CLARK, M.S. Nitrous oxide-oxygen: a new look at a very old technique. J Calif Dent Assoc, v.31, n.5, p.397-403, 2003. McCANN, W.; WILSON, S.; LARSEN, P.; et al. The effects of nitrous oxide on behavior and physiological parameters during conscious sedation with a moderate dose of chloral hydrate and hydroxyzine. Pediatr Dent, v.18, n.1, p.35-41, jan,-fev., 1996. TORRES-PÉREZ, J. et al. Comparison of three consious sedation regimens for pediatric dental patients. J Clin Pediatr Dent v.31, p.183-186, 2007 WILSON, S.; ALCAINO, E. Survey on sedation in paediatric dentistry: a global perspective. Int J Paediatr Dent, oxford, v. 21, n. 5, p. 321-332, 2011.