Artigo Número 60 SILAGEM DE PESCADO: UMA FORMA INTERESSANTE DE APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS DO PROCESSAMENTO DE PEIXES

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Transcrição:

Artigo Número 60 SILAGEM DE PESCADO: UMA FORMA INTERESSANTE DE APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS DO PROCESSAMENTO DE PEIXES Artigo publicado na Revista V&Z em Minas (Revista Veterinária Out/Nov/Dez/2007, pag. 24-27. e Zootecnia em Minas) Pimenta, M. E. S. G 1.; Freato. T. A. 2 ; de Oliveira, G. R 3.* RESUMO No Brasil e ao redor do mundo, a indústria relacionada com peixes produz uma grande quantidade de resíduos de alto valor biológico. Um dos usos alternativos promissores desses resíduos em nutrição animal é a silagem de pescado, que tem várias aplicações industriais. É urna tecnologia amigável ao ambiente, segura, simples e mais econômica que a fabricação da farinha de peixe. O uso experimental da silagem de pescado como um ingrediente protéico alternativo tem sido amplamente relatado. Estudos de alimentação, digestibilidade e crescimento têm mostrado a silagem de pescado como altamente digestível e um efetivo substituto da farinha de peixe. Unitermos: silagem de pescado, resíduos de peixes. INTRODUÇÃO A produção brasileira de pescado do ano de 2004 de acordo com IBAMA/MMA (2005) alcançou um volume de 1.015.914 toneladas. Deste total, os peixes representaram 855.725,5 toneladas. De maneira geral, pode-se relacionar que cerca de 50% deste valor (427.862,75 toneladas) constitui os resíduos do processamento, que, uma vez presentes, junto aos postos de beneficiamento e comercialização, acarretam sérios problemas de poluição ambiental, pois possuem alta carga de matéria orgânica e geralmente são indevidamente descartados no ambiente. Muitas são as opções de uso para os resíduos de pescado, mas a grande maioria delas não se mostra economicamente viável, em vista do elevado investimento inicial. Os aterros sanitários e lagoas de tratamento de efluentes não são alternativas recomendáveis, devido ao odor desagradável e ao risco de contaminação que provocam nas áreas costeiras ou de água doce, quase sempre, exploradas como pólos de lazer (Arruda. 2004). Medidas simples, como a produção de silagem ácida de resíduos do processamento de peixes poderiam contribuir não só para preservar o ambiente, como também para recuperação de materiais e energia dentro da própria cadeia produtiva, e gerar renda. A silagem de resíduos do processamento de peixes é uma fonte potencial de proteína para a alimentação de animais de diferentes espécies e hábitos alimentares, principalmente como um alimento alternativo à farinha de peixe. Pretende-se, portanto, através deste artigo, caracterizar os resíduos utilizados para elaboração da silagem de pescado, discutir sobre as formas de obtenção, comentar sobre sua origem, bem como sobre a elaboração prática da silagem ácida e utilização por diferentes espécies, visando contribuir para que a atividade piscicultura seja praticada de maneira sustentável e com responsabilidade sócio-ambiental. 1 Zootecnista, Pós-Doutora, Pesquisadora da EPAMIG, Fazenda Experimental de Leopoldina, Caixa Postal 47, CEP 36.700-000 Leopoldina MG Correio Eletrônico: me.pimenta@epamig.br 2 Zootecnista, Mestre, Pesquisador da EPAMIG, Fazenda Experimental de Leopoldina. 3 Zootecnista, Mestre, Pesquisador da EPAMIG, Fazenda Experimental de Felixlândia, Zona Rural -Felixlândia MG - CEP 35.794-000 Revista Eletrônica Nutritime 592

RESÍDUOS UTIIZADOS PARA ELABORAÇÃO DA SILAGEM DE PESCADO Resíduos são sobras e subprodutos do processamento de alimentos, de valor relativamente baixo (Arruda, 2004). Nesse contexto, pode-se afirmar que, nas diferentes etapas da cadeia produtiva da piscicultura são geradas quantidades significativas de resíduos orgânicos, os quais podem ser utilizados na elaboração da silagem de pescado. Uma das fontes de resíduo é o descarte de peixes durante as classificações e despescas, quando eles não atingem o tamanho comercial - chamado de resíduo da produção. Outro tipo de resíduo é o resíduo da industrialização. Neste caso, os tipos e as quantidades geradas, dependerão da espécie de processamento empregado: peixe inteiro eviscerado, eviscerado e descabeçado, filé, dentre outras. As quantidades relacionam-se ao rendimento de carcaça dos peixes, que varia, dentre outras coisas, cm função do tipo de processamento, da espécie de peixe c do tamanho do peixe. Atualmente, a espécie de peixe de água doce mais industrializada no Brasil é a tilápia (Figura 1), processada para a obtenção de filés frescos ou congelada. O rendimento médio em filé é de 30% aproximadamente, e os 70% de resíduos incluem: cabeça, carcaça, vísceras, pele e escamas (Vidotti e Gonçalves, 2006). Figura 1 - Resíduos da filetagem de tilápias Existe ainda o resíduo produzido através da comercialização de peixes. De acordo com Vidotti e Gonçalves (2006), os peixes são comercializados em entrepostos (no atacado) e em peixarias (no varejo). No atacado, os resíduos originam-se de peixes descartados pelo Serviço de Inspeção Federal, em razão de não estarem adequados para o consumo humano, e, por não estarem deteriorados, podem ser constituídos por peixes inteiros ou cortes. No comércio varejista, os resíduos são constituídos de partes da "toalete", sendo destinados à comercialização, conforme a exigência do mercado local. FORMAS DE OBTENÇÃO DA SILAGEM DE PESCADO Revista Eletrônica Nutritime 593

A silagem de pescado é definida como produto líquido produzido a partir do pescado inteiro ou de parte dele, ao qual se adicionam ácidos, enzimas ou bactérias produtoras de ácido láctico, resultando na liquefação da massa. Vidotti e Gonçalves (2006) citam que a tecnologia de obtenção da silagem de peixe é simples e não implica a utilização de maquinários específicos, sendo necessário apenas triturador, agitador e recipientes de plástico (silos) e não exige mão-de-obra especializada. Destacam ainda o fato de não exalar odores degradáveis, não atrair insetos e não apresentar problemas em relação a alguns patógenos, como as salmonelas. Ainda segundo esses autores, a silagem de pescado é um processo conhecido há muito tempo e consiste em acidificar o ph da massa triturada, deixando livre a ação das enzimas próprias dos tecidos, que terminam liquefazendo o produto. Basicamente, duas metodologias podem ser utilizadas na obtenção desse produto: a adição de ácidos minerais ou orgânicos (por exemplo: ácidos fórmico, sulfúrico, clorídrico, propiônico, fosfórico, dentre outros), que produz a silagem ácida ou química; o emprego de microrganismos produtores de ácido lático juntamente com uma fonte de carboidratos, que origina a silagem microbiológica ou fermentada. De acordo com Kompiang (1981) a liquefação é conduzida pela atividade de enzimas proteolíticas naturalmente presentes nos peixes ou, a fim de acelerar o processo, adicionadas ao pescado (silagem enzimática). As silagens fermentadas são produzidas pelo processo de fermentação anaeróbica, através da adição de microrganismos (Lactobacillus) ou fontes de microrganismos (soro de queijo, resíduos de laticínios) e de uma fonte de carboidrato (por exemplo: melaço), para que o processo se inicie. A produção de ácido lático é importante por causar diminuição do ph (em torno de 4,0), inibindo, assim, o crescimento de alguns gêneros de bactérias (Staphylococcus, Escherichia, dentre outros). ORIGEM DA SILAGEM DE PESCADO A ensilagem de resíduos de pescado é uma técnica antiga de preservação de matéria orgânica (Hammoumi et al., 1998). Surgiu nos países escandinavos, sendo a Suécia o primeiro país a produzi-la, em 1936, para experimentos. Em seu processamento, foram utilizadas misturas de ácidos sulfúrico, clorídrico, fórmico e adicionados outros ingredientes, como o melaço (Disney e James, 1980). Desde a década de 40, a silagem tem sido produzida em muitos países, incluindo o Canadá (Freeman e Hoogland, 1956), Reino Unido (Tatterson e Windsor, 1974), Austrália (Batterhan e Gorman, 1980), Noruega e Alemanha (Strom e Eggum, 1981), mas o processamento da silagem em escala comercial é feito somente na Dinamarca, Polônia e Noruega. ELABORAÇÃO PRÁTICA DA SILAGEM ÁCIDA DE PESCADO Devido à simplicidade do processo será descrita, a seguir, uma das metodologias utilizadas para elaboração da silagem ácida de pescado. Ressalta-se que vários estudos têm sido realizados nesta área a fim de definir o melhor ácido (ou mistura de ácidos), que proporcione um ingrediente alternativo de qualidade comprovada e cuja produção seja menos onerosa. Neste processo, deve-se aproveitar o resíduo disponível imediatamente após o descarte. A matéria-prima deve ser moída (Figuras 2 e 3) e homogeneizada à temperatura ambiente. Em seguida, a massa homogeneizada e pesada (Figura 4) é distribuída cm quantidades conhecidas, nos recipientes apropriados (os quais podem ser silos de plástico - Figura 5), onde será adicionado o ácido ou a combinação de ácidos, Revista Eletrônica Nutritime 594

Revista Eletrônica Nutritime, v.5, n 4, p.592-598 Julho/Agosto 2008. para promover autólise e abaixamento de ph. O procedimento mais comum é a adição de 3% de ácido fórmico (peso/volume) (Figura 6). É importante revolver a mistura para que o material entre em contato com o ácido, pois, caso isso não ocorra, poderá haver putrefação. Figura 2 Preparo para moagem dos resíduos da filetagem de tilápias. Figura 3 - Moagem dos resíduos da filetagem das tilápias. Após a mistura inicial, o processo de ensilagem começa naturalmente, mas o revolvimento diário proporciona uma maior uniformidade do produto. Os recipientes devem ser mantidos à temperatura ambiente e o ph deve ser monitorado diariamente e mantido próximo de 4,0 (valores muito diferentes resultarão em putrefação da massa). Revista Eletrônica Nutritime 595

Revista Eletrônica Nutritime, v.5, n 4, p.592-598 Julho/Agosto 2008. Resumindo, o processo de ensilagem ácida do resíduo de pescado consiste em acidificar o ph da massa triturada, deixando livre a ação das enzimas próprias dos tecidos, que terminam liquefazendo o produto. A silagem de pescado é acidificada a um ph entre 3,9 e 4.2 e, em três dias, a uma temperatura ambiente de 27 C a 30ºC, liquefaz-se suficientemente, restabelecendo a camada de lipídios e conservando a atividade enzimática por muitos meses (Vidotti e Gonçalves, 2006). Figura 4 - Pesagem dos resíduos moídos. Figura 5 Silos de plásticos silagens elaboradas para um experimento, com adição de diferentes ácidos. Figura 6 - Medição do ácido para ser adicionado à massa de resíduos. Revista Eletrônica Nutritime 596

UTILZAÇAO DA SILAGEM DE PESCADO PARA DIFERENTES ESPÉCIES A farinha de peixe é a fonte protéica de origem animal mais abundante na fabricação de rações para animais domésticos. Um substituto para a mesma, adequado quanto aos aspectos nutricionais e de menor custo, vem sendo esperado mediante a escassez desse insumo no mercado mundial (Nogueira Júnior et al., 1997). Neste contexto surge a silagem de pescado, que fornece uma proteína nobre, de alto valor biológico. De acordo com Ouellet et al., (1997), é uma fonte similar à farinha de peixe com relação à composição química. Além disso, apresenta composição semelhante à da matéria-prima, alta digestibilidade e presença integral dos aminoácidos constituintes do pescado (Oetterer, 2002). Segundo Vidotti e Gonçalves (2006), as características organolépticas (cor, cheiro e aparência) variam tanto em função do resíduo como do tipo de processamento utilizado (digestão ácida ou fermentação). A digestibilidade protéica elevada deve ser preservada, evitando-se estocagem prolongada e, portanto, hidrólise excessiva do ensilado (Oetterer, 1999). De acordo com Kompiang (1981), as vantagens da produção da silagem de pescado, quando comparada à farinha de peixe são: o processo é virtualmente independente de escala; a tecnologia é simples: o capital necessário é pequeno, mesmo para produção em larga escala; os efluentes e problema de odor são reduzidos; o processo de ensilagem é rápido em climas tropicais e o produto pode ser utilizado no local. Este mesmo autor cita como desvantagens o fato de o produto ser volumoso, se na forma pastosa, a não ser que seja desidratado, o que implica no custo adicional da secagem. As silagens de resíduos de tilápia são utilizadas rotineiramente por algumas fábricas de rações, na elaboração de dietas para suínos, aves, cães, gatos, animais aquáticos e ruminantes. Sales (1995), com o objetivo de determinar o melhor nível de inclusão de silagem na ração de suínos nas fases de crescimento e terminação, utilizou dietas com 0% (ração controle a base de farelo de soja e milho), 5%, 10% e 15% de silagem. Os resultados demonstraram que o nível ideal de complementação com a silagem para a obtenção de maior valor nutricional foi aquele proporcionado por dietas contendo 5% de silagem de pescado. Hammoumi et al., (1998) formularam rações a base de ensilado de pescado incorporado com farelo de trigo e cevada e compararam com uma ração comercial para frangos de corte. Os autores concluíram que todas as rações testadas propiciaram similar ganho de peso das aves, indicando que a silagem de pescado tem um grande potencial para ser utilizada em dietas para frangos de corte. Nesta mesma linha, Santana-Delgado, Ávila e Sotelo (2007) realizaram um estudo com frangos de corte e concluíram que uma mistura silagem de pescado-sorgo é uma alternativa interessante na alimentação dessas aves, sobretudo porque o desempenho não foi prejudicado e devido ao processo não requerer equipamentos sofisticados e proteger o ambiente. Geron et al., (2007) avaliaram em um estudo recente, o resíduo da filetagem de tilápias e as silagens ácida e fermentada produzidas com a sua utilização, sob os seguintes aspectos: características químicas, perfis de aminoácidos, degradabilidade ruminal da matéria seca e da proteína bruta e proteína não degradada no rúmen. Neste ensaio, a silagem ácida foi obtida por um processo de acidificação com a adição de 0.02 litros de ácido sulfúrico/kg de resíduo e, a silagem fermentada pela fermentação, com a adição de 0,05 kg de iogurte natural/kg de resíduo, 0,15 kg de melaço/kg de resíduo e 0,003 kg de ácido sórbico/kg de resíduo. Ambas as silagens apresentaram alteração na composição química e perfil de aminoácidos sem alterar o valor nutritivo do resíduo da filetagem de tilápias. Portanto, de acordo com esses autores, o processo pode ser usado como procedimento de conservação do resíduo em questão. Revista Eletrônica Nutritime 597

Com relação à utilização da silagem de pescado na própria cadeia produtiva, alguns autores, trabalhando com várias espécies de peixe, dentre elas tilápia nilótica Oreochromis niloticus (Fagbenro e Jauncey, 1993) e pacu Piaractus mesopotamicus (Vidotti et al., 2002), concluíram que este alimento alternativo pode substituir a farinha de peixe em ate 75%. Já Goddard e AI-Yahyai (2001), testando a digestibilidade da silagem ácida de sardinha e da farinha de peixe na alimentação de tilápias do nilo (Oreochromis niloticus) não encontraram diferenças significativas entre os ingredientes testados, mostrando o potencial do uso da silagem de pescado como substituto parcial da farinha de peixe. Vidotti (2001) estudou a utilização de silagens de peixe parcialmente desidratadas, como fontes alternativas de proteína na alimentação do pacu (Piaractus mesopotamicus) e encontrou valores de digestibilidade protéica e retenção protéica maiores que os obtidos por uma dieta controle, que continha farinha de peixe como principal fonte protéica, indicando o potencial da silagem como substituto parcial da farinha de peixe para essa espécie. Oliveira et al., (2006a, b) avaliaram o desempenho de alevinos de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus) recebendo níveis crescentes (O, 10, 20. 30. 40 %) da silagem ácida em substituição à farinha de peixe na ração e concluíram que não houve diferença significativa para ganho de peso final, consumo de ração total, conversão e acréscimo em altura e que ocorreu um aumento linear para o comprimento, indicando que este alimento pode ser eficientemente utilizado pela tilápia nilótica. CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização da silagem ácida de pescado é uma realidade na indústria nacional de rações. Desta forma, novos estudos tornam-se indispensáveis, visando não só a economicidade na produção deste ingrediente alternativo (através da utilização de ácidos ou da mistura de ácidos menos onerosos), como também seu emprego para espécies variadas, sobretudo nativas e com hábito alimentar carnívoro. Esta linha de pesquisa tem sido trabalhada por várias equipes de pesquisadores brasileiros e. mais recentemente, pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, juntamente com pesquisadores da Universidade Federal de Lavras têm contado com o apoio financeiro de órgãos de fomento, para desenvolvimento de projetos ligados à viabilidade de uso deste alimento. * As referências bibliográficas encontram-se à disposição com os autores ou no CRMV- MG. Revista Eletrônica Nutritime 598