Cistos de íris em um canino: relato de caso

Documentos relacionados
pupila Íris ESCLERA CORPO CILIAR COROIDE ÍRIS HUMOR VÍTREO LENTE RETINA CÓRNEA NERVO ÓPTICO

ESTUDO COMPARATIVO SOBRE AS PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS DE CERATOPLASTIA COM ENXERTO CONJUNTIVAL LIVRE E PEDICULADO EM CÃES

PRODUÇÃO LACRIMAL E PRESSÃO INTRAOCULAR EM GATOS DO PERÍODO NEONATAL À FASE DE SOCIALIZAÇÃO

Introdução. Graduandos do Curso de Medicina Veterinária FACISA/UNIVIÇOSA.

Boas Práticas em Oftalmologia 2008 Elementos Clínicos de Avaliação e Referenciação

COMPARAÇÃO CLÍNICA DA PRODUÇÃO LACRIMAL, EM CÃES COM CERATOCONJUNTIVITE SECA, UTILIZADO TRATAMENTO COM CÉLULAS-TRONCO PELA VIA TÓPICA E PERIGLANDULAR

RELATO DO CASO HMPA, feminino, 49 anos, feminino, leucoderma, profissão do lar, natural e procedente de Uberlândia. Paciente submetida a EECC em olho

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE NEOPLASMAS CUTÂNEOS EM CÃES E GATOS ATENDIDOS NA ROTINA CLÍNICA DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA 1

MELANOCITOMA DE CORÓIDE EM CÃO - RELATO DE CASO

Discente de Pós Graduação em Oftalmologia Veterinária Anclivepa SP

Atlas de Oftalmologia. 9. Íris. António Ramalho

Trata-se de consulta encaminhada pelo Ministério Público Federal questionando o uso de tropicamida nos testes do olhinho realizado em recémnascidos.

Glaucoma Cirurgias Convencionais e Minimamente Invasivas

Campus Universitário s/n Caixa Postal 354 CEP Universidade Federal de Pelotas.

FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSSARCOMA E LIPOMA EM CADELA RELATO DE CASO FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSARCOMA AND LIPOMA IN BITCH - CASE REPORT

DESCEMETOCELE EM UM CANINO - RELATO DE CASO 1 DESCEMETOCELE IN A CANINE

PROTOCOLO PARA REQUISIÇÃO DE EXAMES COMPLEMENTARES EM OFTALMOLOGIA:

Conselho Internacional de Oftalmologia. Instruções Clínicas Internacionais. Fechamento Angular Primário (Avaliação Inicial e Tratamento)

Sumário RESUMO INTRODUÇÃO MATERIAIS E MÉTODOS RESULTADOS CONCLUSÃO E DISCUSSÃO... 17

Palavras-Chave: hemangiossarcoma ocular; neoplasia conjuntival; conjuntiva bulbar; córnea; oftalmologia veterinária.

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Anais do 38º CBA, p.0882

Estudo de segurança do Trissulfin SID (400 mg) administrado em gatos jovens e adultos pela via oral durante 21 dias consecutivos.

Palavras-chave: túnica conjuntiva, revestimentos, úlcera da córnea, cães Keywords: conjunctiva, linings, corneal ulcer, dogs

Dr. Marcelo Palis Ventura. Coleção Glaucoma Coordenador: Dr. Carlos Akira Omi. Volume 1. Conceito e Diagnóstico. Volume 2. Exames complementares

Caracterização clínica e histopatológica de bulbos oculares de cães e gatos ( ) 1

Médica Veterinária Residente do Programa de Residência Multiprofissional, UFCG 6

Segunda-feira, 20 de março de 2017

EXOFTALMIA ASSOCIADA À SIALOCELE DA GLÂNDULA ZIGOMÁTICA DE CÃO- RELATO DE CASO

RELATO DE CASO OFTALMOLÓGICO CIRÚRGICO DE UM PORQUINHO DA ÍNDIA Cavia porcellus. Introdução

Comissão de Ensino Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Currículo Mínimo de Catarata e Implantes Intraoculares

CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: MEDICINA VETERINÁRIA INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

FRATURA DE MANDÍBULA SECUNDÁRIA À DOENÇA PERIODONTAL EM CÃO: RELATO DE CASO

ABORDAGEM CLÍNICA DE BLUE EYE, ASSOCIADO À REAÇÃO PÓS- VACINAL EM CÃO RELATO DE CASO

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

RELATO DE CASO. Resumo: O segmento anterior do bulbo ocular é compreendido pela córnea, câmara

Apontamentos de Oftalmologia Veterinária

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA

MAGNETISMO e ESPIRITISMO

Órgão da visão (olho e acessórios)

TÍTULO: COLESTEATOMA DE CONDUTO AUDITIVO EXTERNO COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE PATOLOGIAS DA ORELHA EXTERNA

MIOSITE EXTRAOCULAR EXTRAOCULAR MYOSITIS Luciana Zanata SILVA 1 ; Maura BITTENCOURT 2 e Rodolfo MALAGÓ 3

DIA 28/3/ QUINTA-FEIRA AUDITÓRIO CATALUNYA 08:30-10:15 RETINA 1 - CURSO OCT. 08:30-08:40 Correlações anatômicas e interpretação

RBCA ANORMALIDADE DE DESENVOLVIMENTO NO TAMANHO DO BULBO OCULAR EM UM CÃO MICROFTALMIA DEVELOPMENT PROBLEMS IN SIZE BULB EYE ON A DOG MICROPHTHALMOS

ESTUDO DE NEOPLASMAS MAMÁRIOS EM CÃES 1

PRESSÃO INTRA-OCULAR EM CÃES COM CATARATA

PRINCIPAIS NEOPLASIAS OFTÁLMICAS EM CÃES

Avaliação clínica da ablação uveal intravítrea com gentamicina em cães portadores de glaucoma crônico

MANEJO E DIAGNÓSTICO DO GLAUCOMA AGUDO DE ÂNGULO FECHADO NA EMERGÊNCIA

Exame de Refração: Lâmpada de Fenda: Topografia: Paquimetria: Aberrometria:

De forma geral, a visão é o sentido mais valorizado pelas pessoas. Em uma sociedade

GLAUCOMA PRIMÁRIO DE ÂNGULO ABERTO (GPAA)

COMO O ULTRASSOM OCULAR PODE AUXILIAR ANTES DA CIRURGIA DE CATARATA? M.V. PhD. Renata Squarzoni

de cistos primários do epitélio pigmentar da íris e do corpo ciliar: aspectos de biomicroscopia ultra-sônica

Archives of Veterinary Science v.7, n.2, p.69-74, 2002 Printed in Brazil ISSN: X

REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE MEDICINA VETERINÁRIA ISSN: Ano X Número 19 Julho de 2012 Periódicos Semestral

MELANOMA DA COROIDEIA: DIFERENTES APRESENTAÇOES

OS ÓRGÃOS DOS SENTIDOS

OLHO PRÁTICA 01: CÓRNEA

LASER EM CIRURGIAS OFTALMOLÓGICAS

ESTUDO RETROSPECTIVO DE NEOPLASMAS FELINOS DIAGNOSTICADOS DURANTE O PERÍODO DE 1980 A INTRODUÇÃO

AÇÃO DO SULFATO DE CONDROITINA A ASSOCIADO A CIPROFLOXACINA EM ÚLCERAS DE CÓRNEA EM CAVALOS

Palavras-chave: Stades, Hotz-Celsus, Blefaroplastia, Entrópio, Cão. INTRODUÇÃO

1) Conhecimentos: Abordagem das afecções oftalmológicas na atenção secundária e na urgência.

Atrabeculoplastia laser é uma forma terapêutica. A Repetição da Trabeculoplastia Laser Selectiva 1 ano de follow-up. Introdução

SERVIÇOS EM ORTOPEDIA VETERINÁRIA

ELETRORETINOGRAFIA. A realização do exame de ERG

ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA

COLANGIOCARCINOMA EM UM CANINO COM MÚLTIPLAS METÁSTASES1 1 CHOLANGIOCARCINOMA IN A CANINE WITH MULTIPLE METASTASES

Estudo de segurança do Trissulfin SID (400 mg e 1600 mg) administrado em cães adultos e filhotes pela via oral durante 21 dias consecutivos.

PROPTOSE EM CÃES E GATOS: ANÁLISE RETROSPECTIVA DE 64 CASOS. (Proptose in dogs and cats: retrospective analyses of 64 medical records)

PRINCIPAIS NEOPLASIAS INTRAOCULARES EM CÃES E GATOS

ESTUDO DE NEOPLASMAS MAMÁRIOS EM CÃES 1 STUDY OF MAMMARY NEOPLASMS IN DOGS

AVALIAÇÃO ULTRASSONOGRÁFICA DE NEOPLASIAS MAMÁRIAS EM CADELAS (Ultrasonographic evaluation of mammary gland tumour in dogs)

SERVIÇO DE CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS DO INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE - CÂMPUS CONCÓRDIA

CICLOPLÉGICO ALLERGAN PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA. solução oftálmica estéril cloridrato de ciclopentolato 1%

ANEXO II CONTEÚDO PROGRAMÁTICO EDITAL Nº. 17 DE 24 DE AGOSTO DE 2017

Palavras-chave: canino, mastocitoma, neoplasma, pele Keywords: canine, mastocitoma, neoplasm, skin

PAPILOMATOSE BUCAL CANINA

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE ANIMAL

ECF5726 Óptica Física: Teoria, Experimentos e Aplicações Atividade A10 opcional Entrega: 02/11/2016 Aluno: José Guilherme Licio Número USP:

Mini ebook DOENÇAS OFTALMOLÓGICAS NA TERCEIRA IDADE ALERTAS E RECOMENDAÇÕES

Gomes et al., Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal (v.11, n.4) p , out - dez (2017)

Medição da Pressão Intra-Ocular

Nomes: Guilherme José, Gustavo Nishimura, Jonas, Nicholas e Vinícius Carvalho

BIOMICROSCOPIA ÓPTICA

UNICAM ENSINO PROFISSIONAL CURSO DE AUXILIAR VETERINÁRIO PEQUENO PORTE NOME COMPLETO ALUNO

Ceratoconjuntivite seca em cães revisão de literatura

RESULTADOS Apresentamos as pesquisas bibliográficas realizadas para compreender as partes e funcionamento do olho humano.

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Aspectos cirúrgicos no tratamento de tumores hepatobiliares caninos: uma revisão

EM FELINO: RELATO DE CASO PECTUS EXCAVATUM

Prostatic Stromal Neoplasms: Differential Diagnosis of Cystic and Solid Prostatic and Periprostatic Masses

ÓRGÃOS DOS SENTIDOS. Prof. MSc. Cristiano Rosa de Moura Médico Veterinário

ESTUDO DE NEOPLASMAS MAMÁRIOS EM CÃES 1 STUDY OF MAMMARY NEOPLASMS IN DOGS

EXAME DE URETROGRAFIA CONTRASTADA PARA DIAGNÓSTICO DE RUPTURA URETRAL EM CANINO RELATO DE CASO

O PREDNIOCIL pomada oftálmica, possui na sua composição como única substância activa o Acetato de Prednisolona na concentração de 5 mg/g.

Facoemulsificação em cães, com e sem implante de lente intra-ocular em piggyback: estudo clínico da inflamação pós-operatória 1

CARLA RODRIGUEZ PAES

Transcrição:

Cistos de íris em um canino: relato de caso Luciana Vicente Rosa Pacicco de Freitas Luciane de Albuquerque Paula Stieven Hünning Bernardo Stefano Bercht João Antonio Tadeu Pigatto RESUMO Os cistos de íris são estruturas em forma de vesícula, preenchidas por fluido e circundadas por epitélio pigmentado. Normalmente possuem formato oval, podem ser únicos ou múltiplos e localizam-se na câmara anterior ou posterior do olho. São descritos em humanos, cães, gatos e cavalos. Os cistos geralmente crescem lentamente em tamanho e se rompem, depositando pigmento no endotélio da córnea ou na íris. Devem ser diferenciados de neoplasias da íris ou do corpo ciliar. O diagnóstico é confirmado, na maioria dos casos, utilizando a transiluminação. Quando os cistos não causam alteração ocular, como opacidade da córnea ou aumento da pressão intraocular, não há necessidade de serem removidos. Porém, recomenda-se ao proprietário, o retorno do animal a cada seis meses para reavaliação oftálmica. Palavras-chave: Cistos de íris. Úvea. Caninos. Iris cysts in a canine: Case report ABSTRACT Iris cysts are vesicle-shaped structures filled with fluid and surrounded by pigmented epithelium. Typically they have oval shape, may be single or multiple and are located in the anterior or posterior chamber of the eye. They are described in humans, dogs, cats and horses. The cysts usually grow slowly in size and then rupture, depositing pigment on the endothelium of the cornea or iris. It should be differentiated from neoplasms growing from the iris or ciliary body. Transillumination is usually sufficient to perform the differential diagnosis. If the cysts Luciana Vicente Rosa Pacicco de Freitas é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Luciane de Albuquerque é acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Paula Stieven Hünning é Médica Veterinária, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bernardo Stefano Bercht é Médico Veterinário, Mestrando do Programa de Pós-Graduação Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). João Antonio Tadeu Pigatto é Médico Veterinário, Doutor, Professor Adjunto, Departamento de Medicina Animal, Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço para correspondência: Prof. João A. T. Pigatto Av. Bento Gonçalves, 9090. Bairro Agronomia. Porto Alegre, RS. 91540-000. E-mail: pigatto@ufrgs.br 158Veterinária em Foco Veterinária Canoas em Foco, v.8 v.8, n.2, jan./jun. p.158-164 2011 jan./jun. 2011

aren t causing ocular problems such as corneal opacity or increased intraocular pressure, they don t need to be removed. It is recommended the return of the animal every six months for ophthalmic review. Keywords: Iris cysts. Uvea. Canines. INTRODUÇÃO A úvea, também denominada de trato uveal, é composta por íris, corpo ciliar e coroide. A íris é responsável por controlar a quantidade de luz que penetra no olho e o corpo ciliar altera a distância de focalização, produz o humor aquoso e é importante na regulação da pressão intraocular. Distúrbios da íris podem, assim, estar associados com alterações visuais e na pressão intraocular. Doenças inflamatórias da úvea, tanto locais como decorrentes de uma alteração sistêmica, podem causar dor grave e alterar a função pupilar (GELATT, 2003; SLATTER, 2005). Cistos de íris são estruturas em forma de vesícula, preenchidas por fluido e circundadas por epitélio pigmentado, sendo formadas no epitélio pigmentado posterior da íris. Normalmente possuem formato oval, sendo localizados na câmara anterior ou posterior do olho. São mais comuns em caninos e ocorrem ocasionalmente em felinos e equinos (GEMENSKY-METZLER; WILKIE; COOK, 2004; SAROGLU; ALTUNATMAZ; DEVICIOGLU, 2004). Os cães das raças Golden e Labrador Retrievers, Boston Terrier e Dogue Alemão são mais predispostos a desenvolverem essa afecção (RIIS, 2002; SLATTER, 2005). Os cistos uveais podem ser congênitos ou adquiridos, no entanto, a etiologia das formações císticas adquiridas ainda é desconhecida. São reportados como sendo desenvolvidos após trauma ocular ou inflamação intraocular (COLLINS; MOORE, 1999; MASSA et al., 2002; RIIS, 2002). O principal diagnóstico diferencial deve ser feito em relação ao melanoma intraocular ou a tumores epiteliais do corpo ciliar (RIIS, 2002; GELATT, 2003; SLATTER, 2005; TEIXEIRA; BARROS; BARROS, 2009). Durante o exame oftálmico, os cistos uveais podem ser usualmente diferenciados de tumores, uma vez que a membrana dos cistos é geralmente transparente devido ao fato de ser formada por uma única camada de células. Os tumores são geralmente sólidos e não transparentes e também podem causar inflamação, hifema e aumento da pressão intraocular. Os cistos de íris podem ser distinguidos de neoplasias pigmentadas por transiluminação (GELATT, 2003; SLATTER, 2005). Os cistos de íris geralmente não causam problemas clínicos e não necessitam tratamento. Caso o cisto uveal esteja limitando a visão, este pode ser aspirado através de centese da câmara anterior, ser rompido através de laser de diodo ou então ser removido por criocirurgia (RIIS, 2002; GELATT, 2003; HALLER et al., 2003; GEMENSKY-METZLER; WILKIE; COOK, 2004; BREAUX; GRAHN; CULLEN, 2005; SLATTER, 2005). 159

Embora a ocorrência não seja considerada rara, poucos são os relatos encontrados na literatura sobre cistos de íris. Neste sentido, objetiva-se relatar um caso de múltiplos cistos de íris em um canino. RELATO DO CASO Um canino de oito anos de idade, da raça Boxer, macho, foi encaminhado ao Serviço de Oftalmologia Veterinária do Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentando histórico de estruturas ovoides intraoculares há seis meses. Ao exame oftálmico, observaram-se inúmeros cistos de íris pigmentados no olho direito, flutuando na parte ventral da câmara anterior (Figura 1). O exame oftálmico incluiu avaliação dos reflexos pupilares, teste da lágrima de Schirmer, oftalmoscopia binocular indireta com lâmpada de fenda, tonometria digital de aplanação, e prova da fluoresceína. Os valores do teste lacrimal de Schirmer I foram de 18 e 20 mm/min, nos olhos direito e esquerdo, respectivamente. Já os valores da tonometria digital de aplanação foram de 20 e 21 mmhg, nos olhos direito e esquerdo, respectivamente. O teste da fluoresceína apresentou-se negativo em ambos os olhos. FIGURA 1 Cistos de íris em um cão. Observam-se inúmeros cistos de íris pigmentados flutuando na parte ventral da câmara anterior. DISCUSSÃO Os cistos de íris podem acometer cães de todas as raças, porém a literatura ressalta como as mais predispostas o Golden e Labrador Retrievers, Boston Terrier e Dogue Alemão, de idade adulta a idosos (RIIS, 2002; SLATTER, 2005). No caso apresentado, constatou-se a presença de inúmeros cistos de íris flutuando na parte ventral da câmara anterior em um cão da raça Boxer, com oito anos de idade. Em cães das raças Dogue Alemão e Golden Retriever, os cistos são herdados de 160

forma recessiva e um grande número de cistos pode se formar e empurrar a base da íris para frente, causando glaucoma secundário por estreitamento do ângulo iridocorneano (SLATTER, 2005). De acordo com o estudo histopatológico retrospectivo de Deehr e Dubielzig (1998), 13 do total de 25 casos de cães da raça Golden Retriever que apresentavam glaucoma, possuíam concomitantemente, cistos iridociliares. No cão do presente relato, os cistos não estavam deslocando a íris para frente, o que não ocasionou a presença de glaucoma. Os cistos de íris podem se desenvolver em decorrência de traumas ou inflamação ocular crônica, podendo também ter origem congênita, tendo seu início de desenvolvimento já no estágio embrionário (COLLINS; MOORE, 1999; SAPIENZA; DOMENECH; PRADES-SAPIENZA, 2000; MASSA et al., 2002; RIIS, 2002). De acordo com Breaux, Grahn e Cullen (2005), não há relatos de cistos uveais decorrentes de trauma cirúrgico em cães. O animal do presente caso não apresentava histórico de trauma nem de inflamação ocular crônica, suspeitando-se que nesse paciente os cistos possuíssem origem congênita. Os cistos uveais podem ser únicos ou múltiplos. Estes emergem do epitélio posterior da íris e do epitélio do corpo ciliar, sendo geralmente esféricos e podem encontrar-se aderidos ou soltos. Na câmara anterior, eles podem se aderir à íris ou ao endotélio corneano, ocasionalmente bloqueando o eixo visual e a pupila. Cistos vazios aparecem como áreas pigmentadas aderidas ao endotélio corneano (RIIS, 2002; GELATT, 2003; SLATTER, 2005; TEIXEIRA; BARROS; BARROS, 2009). No presente relato, o cão apresentava cistos múltiplos, esféricos e soltos na câmara anterior, não havendo a interferência destes no eixo visual. A dilatação da íris facilita o diagnóstico de cistos de íris localizados na câmara posterior (DEEHR; DUBIELZIG, 1998). A coloração varia de quase transparente à escuramente pigmentado. Os cistos localizados na câmara anterior são geralmente mais pigmentados e usualmente caem ou flutuam na parte ventral da câmara anterior. Na maioria dos casos, os cistos encontram-se presentes na câmara anterior ou na posterior, porém, eles também podem se localizar na câmara vítrea (RIIS, 2002; GELATT, 2003; SLATTER, 2005). No entanto, no presente relato, observou-se a presença de cistos somente na câmara anterior, e estes apresentavam pigmento de coloração marrom. Os cistos uveais, geralmente, crescem lentamente em tamanho e se rompem, depositando pigmento no endotélio da córnea ou na íris, o que demonstra a evidência de sua existência (BREAUX; GRAHN; CULLEN, 2005; SLATTER, 2005). No caso clínico relatado os cistos apresentavam uma evolução lenta, tendo iniciado seu aparecimento havia seis meses e não se encontravam rompidos. 161

Os cistos de íris devem ser diferenciados de neoplasias crescendo a partir da íris ou do corpo ciliar. Normalmente, a transiluminação é suficiente para realizar o diagnóstico diferencial. As neoplasias uveais consistem de tecido sólido localizado na íris ou no corpo ciliar. O diagnóstico diferencial primário a ser considerado é o melanoma de úvea. Melanomas intraoculares geralmente induzem alterações como uveíte, glaucoma e hifema, são sólidos e não podem ser transiluminados. Em cães, os melanomas intraoculares raramente causam metástase, porém seu grande crescimento pode gerar inflamação e perda da visão (RIIS, 2002; GELATT, 2003; SLATTER, 2005; TEIXEIRA; BARROS; BARROS, 2009). No presente relato, a biomicroscopia indireta com lâmpada de fenda permitiu a transiluminação das estruturas císticas e verificou-se que se tratava de cistos de íris, os quais eram translúcidos e não apresentavam consistência sólida. A remoção dos cistos de íris é indicada nos seguintes casos: quando há um grande número de cistos presente com potencial para formação de glaucoma ou interferência na visão; quando há presença de edema corneano formado pelo contato dos cistos com o endotélio; quando há obstrução pupilar prejudicando a visão; quando ocorre pressão intraocular elevada ou grande número de cistos presente, deslocando a íris para frente e quando múltiplos cistos colapsam e os debris obstruem a trama trabecular ou então causam uveíte (DEEHR; DUBIELZIG, 1998; MASSA et al., 2002; RIIS, 2002; SLATTER, 2005). No caso clínico apresentado, os cistos de íris não estavam causando nenhuma alteração ocular, não tendo sido necessária a remoção destes. Se os cistos uveais não estão causando danos através do contato com o endotélio da córnea ou não estão obstruindo a visão ou o ângulo iridocorneano, não há a necessidade de tratamento. No entanto, quando o tratamento é requerido, os cistos podem ser removidos através de uma pequena cânula, a qual é inserida através do limbo e o conteúdo do cisto é então aspirado, sob controle microcirúrgico (SLATTER, 2005). Outras opções de tratamento para a remoção dos cistos são a criocirurgia e a fotocoagulação a laser (HALLER et al., 2003; SLATTER, 2005). Animais que possuem cistos de úvea que não estejam causando doenças oculares concomitantes devem ser monitorados a cada seis meses. É aconselhável fotografar as formações císticas para comparar com futuros exames oftálmicos. Há relatos de cistos uveais associados a glaucoma em Golden Retrievers e em Dogues Alemães (SAPIENZA; DOMENECH; PRADES-SAPIENZA, 2000). No presente caso, as formações císticas foram fotografadas para posterior acompanhamento do paciente em reavaliações. Conforme o estudo de Gemensky-Metzler, Wilkie e Cook (2004) foi utilizado um laser semicondutor de diodo para esvaziar e coagular cistos uveais anteriores, em quatro cães, nove cavalos e sete gatos. Todos os cistos eram de tamanho e número suficientes para prejudicar a visão, causar danos ao endotélio ou aumentar 162

a pressão intraocular. Este estudo concluiu que esta é uma técnica segura, efetiva, simples e não invasiva, com mínimas complicações e cuidados pós-operatórios. No caso clínico relatado, não houve necessidade de remoção dos cistos de íris, pois estes não estavam causando nenhuma alteração ocular, como opacidade da córnea ou aumento da pressão intraocular. Recomendou-se ao proprietário, o retorno do animal a cada seis meses para reavaliação oftálmica. Após este período de seis meses, o paciente foi avaliado novamente e os cistos de íris continuavam sem causar alteração ocular. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que os cistos de íris, apesar de raros, ocorrem em cães, devendo ser incluídos no diagnóstico diferencial de outras afecções intraoculares. Além disso, geralmente não alteram a visão, não necessitando de tratamento nestes casos. REFERÊNCIAS BREAUX, C.; GRAHN, B. H.; CULLEN, C. L. Diagnostic Ophthalmlogy. Canadian Veterinary Journal, v.46, p.845-846, 2005. COLLINS, K. C.; MOORE, C. P. Diseases and surgery of the canine anterior uvea. In: DEEHR, A, J.; DUBIELZIG, R. R. A histopatological study of iridociliary cysts and glaucoma in Golden Retrievers. Veterinary Ophthalmology, v.1, p.153-158, 1998. GELATT, K. N. (ed.). Veterinary Ophthalmology. 3.ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, p.776, 1999. GELATT, K.N. Doenças e Cirurgia da Úvea Anterior do Cão. In:. Manual de Oftalmologia Veterinária. Manole, Cap. 9, p.197-225, 2003. GEMENSKY-METZLER, A. J.; WILKIE, D. A.; COOK, C. S. The use of semiconductor diode laser for deflation and coagulation of anterior uveal cysts in dogs, cats and horses: a report of 20 cases. Veterinary Ophthalmology, v.7, n.5, p.360-368, 2004. HALLER, J. A. et al. Surgical management of anterior chamber epithelial cysts. American Journal of Ophthalmology, v.135, p.309-313, 2003. MASSA, K. L. et al. Causes of uveitis in dogs: 102 cases (1989-2000). Veterinary Ophthalmology, v.5, p.93-98, 2002. RIIS, R. C. Iris and Ciliary Cysts. In: (ed.). Small Animal Ophthalmology Secrets. Hanley & Belfus, p.297-300, 2002. SAPIENZA, J. S.; DOMENECH, F. J. S.; PRADES-SAPIENZA, A. Golden retriever uveitis: 75 cases (1994-1999). Veterinary Ophthalmology, v.3, p.241-246, 2000. SAROGLU, M.; ALTUNATMAZ, K.; DEVICIOGLU, Y. A case of anterior iris cyst in an Akbash dog. Veterinary Medicine Czech, v.49, n.9, p.339-341, 2004. 163

SLATTER, D. Úvea. In:. Fundamentos de Oftalmologia Veterinária. Roca, Cap. 12, p.339-376, 2005. TEIXEIRA, A. D.; BARROS, L. F. M.; BARROS, P. S. M. Afecções da Túnica Vascular. In: LAUS, J. L. Oftalmologia Clínica e Cirúrgica em Cães e Gatos. São Paulo, Roca, p.107, 2009. Recebido em: out. 2010 Aceito em: fev. 2011 164