Um programa de treino de formulação de objectivos no futebol: Desenvolvimento, implementação e avaliação

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Análise Psicológica (2001), 1 (XIX): 27-36 Um programa de treino de formulação de objectivos no futebol: Desenvolvimento, implementação e avaliação RICARDO ALEXANDRE PORÉM (*) PEDRO LOPES DE ALMEIDA (**) JOSÉ F. CRUZ (***) 1. INTRODUÇÃO Toda a vida humana é direccionada em função de objectivos. Estes não só variam de indivíduo para indivíduo como evoluem ao longo da vida, abrangendo variadíssimas áreas e contextos de vida (pessoal, académico, profissional, etc.). O desporto, como parte integrante da experiência humana, é um ambiente em que tais princípios também são aplicáveis. Em todos os desportos, sejam eles colectivos ou individuais, a formulação de objectivos como «ganhar um jogo», «ser apurado para a fase seguinte», «ganhar um campeonato» ou «marcar um número X de golos», é prática corrente. Por isso, surgiu a adaptação da Teoria de Formulação de Objectivos ao desporto. Esta teoria motivacional, essencialmente cognitiva, tem (*) Psicólogo. (**) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa. (***) Universidade do MInho. sido bastante estudada e experimentada em contextos organizacionais e industriais com resultados bastante válidos. Existem mesmo autores que a consideram como a mais potente e verificável empiricamente e com maior capacidade de aplicação transcultural (Locke & Latham, 1990). O objectivo principal desta teoria é o de pretender aumentar a motivação e, consequentemente, o rendimento dos sujeitos através da formulação de objectivos. Daí advém a importância desta técnica psicológica para o Desporto, dado que vários treinadores defendem que o sucesso no contexto desportivo depende da capacidade técnica/física e da motivação inerentes aos atletas (Locke & Latham, 1985). Mas não se fique com a ideia de que esta técnica é um instrumento «divino». A sua utilização deverá ser realizada de modo criterioso e, assim sendo, têm de ser formulados objectivos específicos, difíceis, a curto/longo prazo, individuais/colectivos, para que no final do Programa de Treino de Formulação de Objectivos se possa obter um aumento do rendimento e das competências psicológicas dos atletas. 27

A grande lacuna neste campo do conhecimento reside no facto de ainda não se possuir um corpo experimental suficientemente sólido para que esta técnica psicológica seja utilizada da melhor forma possível. A investigação na área do desporto tem evoluído segundo duas vertentes principais. Por um lado, grande parte da literatura existente sobre este tema aborda toda a problemática inerente às características que os objectivos formulados terão de possuir de forma a que sejam eficazes. Nesse sentido, foram realizados trabalhos experimentais que incidem na relação entre a dificuldade, especificidade, duração (curtolongo prazo), multiplicidade e natureza individual/colectiva dos objectivos no rendimento e nas competências psicológicas dos atletas. Por outro lado, pouca ou quase nenhuma investigação foi realizada acerca dos efeitos que a implementação de um Programa de Treino de Formulação de Objectivos (PTFO) tem sobre o rendimento e sobre as competências psicológicas dos sujeitos. Até ao momento, na literatura da especialidade, foram publicados apenas dois estudos que abordam esta temática. O primeiro foi desenvolvido por Burton (1989) e teve como objectivos: a) avaliar se um Programa de Treino de Formulação de Objectivos poderá ensinar os atletas a formular, de uma maneira adequada, objectivos de rendimento; b) avaliar o impacto do mesmo programa, na capacidade percebida, nas cognições competitivas e no rendimento em nadadores universitários dos Estados Unidos da América. Para tal, o autor utilizou um grupo experimental (composto por 30 nadadores), no qual os atletas eram sujeitos a um Programa de Treino de Formulação de Objectivos e um grupo de controlo (35 nadadores) em que não haveria PTFO. Como instrumentos psicológicos foram utilizados o «Sport Competition Anxiety Test» (SCAT), o «Sport Confidence Inventory» (SCI), o «Achievement Orientation Questionnaire» (AOQ), o «Competitive State Anxiety Inventory- 2» (CSAI-2), um Questionário com o objectivo de avaliar as expectativas de rendimento que os sujeitos tinham antes da competição, um Questionário aplicado após a competição com o intuito de medir as atribuições de sucesso ou insucesso, satisfação, concentração, esforço, etc., e finalmente, um Diário de Treino onde os atletas registavam os objectivos de rendimento e a satisfação face à «performance» demonstrada. O PTFO teve a duração de uma época desportiva e foi dividido numa fase de Educação (onde foram debatidos o valor dos Objectivos de Rendimento e a forma adequada de os formular); numa fase de Aquisição (aprendizagem de como preencher o Diário de Treino, registar os Objectivos de Rendimento, e por fim, de quais os princípios básicos de Visualização mental) e numa fase de Avaliação (os atletas sujeitos ao PTFO avaliavam o seu rendimento comparando a discrepância entre os Objectivos de Rendimento, formulados antes da competição, e a «performance» que obtinham. A avaliação do rendimento dos sujeitos pertencentes ao grupo de controlo era feita através da subtração, aos seus recordes pessoais, dos resultados obtidos em competição). Relativamente aos resultados da avaliação da eficácia deste Programa de Treino de Formulação de Objectivos, e comparando o grupo experimental com o de controlo, concluiu-se que o primeiro demonstrou expectativas mais realistas, menor ansiedade somática e uma melhoria superior no rendimento. Dentro do próprio grupo experimental, verificou-se que os sujeitos com maior capacidade individual demonstravam melhores cognições (pensamentos mais positivos e adequados) e maiores níveis de rendimento (em comparação com os atletas menos dotados). Na sua globalidade, os resultados deste estudo apontaram no sentido de que a capacidade de Formulação de Objectivos é um importante mediador da eficácia do Programa de Treino de Formulação de Objectivos. Swain e Jones (1995) são os autores do segundo estudo. O objectivo deste trabalho experimental foi o de avaliar os efeitos de um Programa de Treino de Formulação de Objectivos no rendimento de quatro atletas universitários da modalidade de basquetebol, no decorrer de uma época desportiva. Com esse intuito, os autores utilizaram medidas de rendimento (percentagens de ressaltos ofensivos e defensivos, de roubos de bola e de «turnovers») e medidas psicológicas («Goal Attainment Scale» GAI, e um questionário que avaliava a validação social). O procedimento deste estudo dividiu-se em quatro fases distintas: Fase 1- Pré-Intervenção 28

(observação e registo do rendimento dos atletas nos primeiros 8 jogos da época, e, em paralelo, administração do GAI a cada sujeito; Fase 2- Implementação da técnica de formulação de objectivos (reuniões entre os investigadores e cada um dos atletas, onde eram debatidas as percentagens das quatro competências técnicas registadas. De seguida, procedeu-se à escolha da «skill» que cada atleta queria melhorar e, por fim, os atletas eram instruídos para formularem objectivos de rendimento antes de cada um dos oito jogos seguintes); Fase 3- «Feedback» (a seguir a cada jogo era facultado aos atletas «feedback» acerca do seu rendimento); Fase 4- Recolha dos dados do questionário de validação social (quarenta e oito horas antes de cada jogo era pedido aos atletas que respondessem a esse questionário). A partir dos dados anteriores, estes autores concluíram que dos quatro sujeitos incluídos neste estudo, três obtiveram um aumento significativo do rendimento na competência técnica-alvo da formulação de objectivos. Como dado suplementar, esta melhoria no rendimento não aconteceu em detrimento das outras medidas, dado que os valores destas mantiveram-se praticamente iguais (antes e depois da intervenção). O estudo que seguidamente se descreve procurou contribuir para o alargamento do conhecimento acerca dos potenciais benefícios do desenvolvimento de um Programa de Treino de Formulação de Objectivos no Desporto. De um modo mais específico, o presente estudo teve como objectivos desenvolver, implementar e avaliar a eficácia de um Programa de Treino de Formulação de Objectivos no aumento do rendimento e na melhoria das competências psicológicas de jovens atletas de futebol. 2. METODOLOGIA 2.1. População-alvo/Sujeitos A população deste estudo foi constituída por praticantes de futebol 11 do sexo masculino (N=17), do Clube Atlético e Cultural da Pontinha, que competiam na Primeira Divisão Distrital de Juvenis da Associação de Futebol de Lisboa. Os atletas tinham idades compreendidas entre os 15 e os 16 anos, com uma idade média de 15,4 (DP=0,5). A média de tempo de prática da modalidade era de 4,5 (DP=2,2), variando entre um máximo de 8 e um mínimo de 1. No que diz respeito à distribuição da amostra por postos específicos, foram formulados objectivos a: seis atacantes, cinco defesas, três defesas, um guarda-redes e dois polivalentes. Este último tipo de posição diz respeito a dois jogadores que alinharam em diversas posições no campo (e para os quais foram formulados objectivos específicos que dependiam da posição em que jogassem nos jogos do campeonato). Para o presente estudo foram escolhidos os sujeitos que tinham frequentado com maior assiduidade o escalão de Juvenis A do clube citado anteriormente. 2.2. Medidas 2.2.1. Psicológicas Neste trabalho experimental foram utilizados cinco instrumentos de avaliação psicológica que se descrevem seguidamente. PSIS «Psychological Skills Inventory for Sports» (PSIS-Form R-5) O Inventário de Competências Psicológicas no Desporto (ICPD) é uma versão traduzida e adaptada do «Psychological Skills Inventory for Sport PSIS (Form R-5)» (Mahoney, 1987; Mahoney, Gabriel & Perkins, 1987, citado por Cruz, 1993). Os 45 itens iniciais («PSIS-Form R-5») estão distribuídos por seis escalas, destinadas a avaliar outras tantas dimensões importantes para o rendimento desportivo: a) Controlo da ansiedade (10 itens; Exemplo: «Fico mais tenso antes de competir do que durante a competição»); b) Motivação (7 itens; Exemplo: «Vencer é muito importante para mim»); c) Auto-confiança (9 itens; Exemplo: «Tenho muita confiança nas minhas capacidades atléticas»); d) Concentração (6 itens; Exemplo: «Muitas vezes tenho problemas de concentração durante a competição»); 29

e) Ênfase na equipa (7 itens; Exemplo: «Doume muito bem com os outros elementos da equipa»); e, por fim, f) Preparação mental (6 itens; Exemplo: «Muitas vezes, momentos antes da competição, treino mentalmente o que vou fazer»). Os resultados desta escala não foram incluídos neste estudo. A cada resposta dada é atribuída um valor numérico, sendo os extremos «Discordo totalmente» e «Concordo totalmente» transformados nos valores 0 e 4, respectivamente. Os itens parafraseados de forma negativa (geralmente indicadores de um problema ou preocupação) são transformados invertendo o formato 0-4, para 4-0. Neste trabalho experimental foi apenas utilizada a escala Motivação. SAS «Sport Anxiety Scale» A Escala de Ansiedade no Desporto (E.A.D.) é uma versão traduzida e adaptada da «Sport Ansiety Scale S.A.S.», um instrumento de avaliação multidimensional do traço de ansiedade competitiva desenvolvido por Smith, Smoll e Schultz (1990). Mais concretamente, a E.A.D. pretende medir diferenças individuais no traço da Ansiedade Somática e em duas dimensões do traço de Ansiedade Cognitiva: Preocupação e Perturbação da Concentração. Assim, este instrumento engloba um total de 21 itens, distribuídos por 3 sub-escalas: a) Ansiedade Somática (9 itens; Exemplo: «Sinto-me nervoso»); b) Preocupação (7 itens; Exemplo: «Tenho dúvidas acerca de mim próprio»); e, c) Perturbação da Concentração (5 itens; Exemplo: «Muitas vezes, enquanto estou a competir, não presto atenção ao que se está a passar»). Aos sujeitos é pedido que respondam a cada item optando por uma alternativa, numa escala tipo Likert de 4 pontos (1=Nunca; 4=Quase sempre). Os «scores» de cada escala são obtidos somando os valores atribuídos em cada um dos respectivos itens. Paralelamente, pode obter-se também um «score» total do traço de Ansiedade Competitiva, resultante do somatório dos «scores» das 3 sub-escalas. SMS «Sport Motivation Scale» Aplicou-se também uma versão traduzida para a língua portuguesa (e ainda em fase de validação) da «The Sport Motivation Scale» (S.M.S.), desenvolvida por Brière e colaboradores (1993, citado por Cruz, 1996). O instrumento em questão é composto por 28 itens. Os indivíduos respondem a cada um optando por uma alternativa, numa escala tipo Likert de 7 pontos, variando de «discordo totalmente» até «concordo totalmente». A «S.M.S.» pretende medir, especificamente para o desporto, os 7 tipos de motivação que se inserem no Modelo Motivacional de Deci e Ryan (1991, citado por Cruz, 1996), através de outras tantas sub-escalas, com 4 itens cada: a) «Motivação Intrínseca do Saber» (MI-S); b) «Motivação Intrínseca para Realizar» (MI-R); c) «Motivação Intrínseca para Experienciar Estimulação» (MI-EE); d) «Motivação Extrínseca de Regulação Externa» (ME-RE); e) «Motivação Extrínseca de Introjecção» (ME-I); f) «Motivação Extrínseca de Identificação» (ME-Id); e, finalmente g) «Amotivação» (A). TEOSQ «Task and Ego Orientation Questionnaire» O Questionário de Orientação Motivacional para o Desporto (QOMD) é uma versão traduzida e adaptada para a língua portuguesa do «Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire» (TEOSQ), desenvolvido por Duda e colaboradores (1989, 1992, citado por Cruz, 1996). Este novo instrumento de avaliação pretende avaliar a orientação para a tarefa e/ou para o «ego» em contextos desportivos, tendo por base o modelo teórico motivacional de Nicholls (1984). No TEOSQ solicita-se a cada indivíduo para indicar o seu grau de acordo ou desacordo com diversas afirmações, em resposta à seguinte questão: «Quando te sentes bem sucedido e com êxito no desporto?» Mais concretamente, este instrumento é constituído por 13 itens, que reflectem uma orientação motivacional para a tarefa ou uma orientação para o «ego», relativamente à percepção de sucesso e êxito no desporto (Exemplo de item: «Sinto-me com maior sucesso no desporto... quando dou o meu melhor»). Assim, os itens do TEOSQ encontram-se distribuídos por 2 sub-escalas: a) Orientação para a Tarefa (7 itens; Exemplo: «...quando faço o melhor que posso»); e, b) Orientação para o «Ego» (6 itens; Exemplo: «...quando sou o melhor de 30

todos»). Os atletas respondem a cada item optando por uma alternativa, numa escala tipo Likert, de 5 pontos (Discordo Totalmente=1; Concordo Totalmente=5). O TEOSQ é cotado calculando um «score» médio para cada sub-escala. SOQ «Sport Orientation Questionnaire» O Questionário de Orientação para o Desporto é uma versão traduzida e adaptada para a língua portuguesa do S.O.Q., desenvolvido por Gill e Deeter (1988) e tem subjacente a teoria motivacional da orientação dos objectivos de Nicholls (1984). O Questionário de Orientação para o Desporto (QOD) é um instrumento de avaliação com 25 itens, desenvolvido para constituir uma medida multidimensional das diferenças individuais, na orientação para a realização desportiva. O QOD avalia 3 factores de orientação desportiva: a) Competitividade (13 itens; Exemplo: «Sou um atleta determinado e decidido»); b) Orientação para a vitória (6 itens; Exemplo: «Vencer é importante»); e, c) Orientação para objectivos (6 itens; Exemplo: «Tento dar o meu melhor, quando tenho um objectivo concreto»). O QOD permite obter 3 «scores» que resultam do somatório dos itens de cada uma das escalas mencionadas. Cada item é cotado de 1 a 5 (A=5; B=4; C=3; D=2; E=1). Os «scores» mais elevados, em cada sub-escala, reflectem assim níveis mais elevados de orientação para a competitividade, para a vitória ou para objectivos. 2.2.2. Rendimento Neste estudo, recorreu-se também à medida dos rendimentos individuais dos atletas. Para este efeito, foi utilizada uma câmara de vídeo para executar a gravação dos sujeitos nos jogos do campeonato em que disputavam. Posteriormente, procedeu-se à observação e registo de 23 índices ou critérios de rendimento no futebol, que, segundo Castelo (1994), são operacionalizados da seguinte forma: a) Passe (P.): A acção técnico-táctica de relação de comunicação material estabelecida entre dois jogadores da mesma equipa. Neste factor não se contabilizam os lançamentos pela linha lateral, os livres directos ou indirectos, nem os cantos. Tem sinal positivo quando obtém êxito. b) Intercepção Correcta com os pés (Ipé.): Gesto técnico-táctico, executado com o(s) pé(s), que consiste em o jogador se apoderar da bola, ou em repeli-la na direcção de um membro da própria equipa: quando esta é tocada em direcção à sua própria baliza (trata-se da intercepção de um remate), ou entre dois adversários (trata-se da intercepção de um passe). Tem o sinal positivo, quando devido à intercepção a bola fica na posse de um jogador da mesma equipa. c) Intercepção Correcta com a Cabeça (Icab.): Gesto técnico-táctico, executado com a cabeça, que consiste em o jogador se apoderar da bola, ou em repeli-la na direcção de um membro da própria equipa: quando esta é tocada em direcção à sua própria baliza (trata-se da intercepção de um remate), ou entre dois adversários (trata-se da intercepção de um passe). Tem o sinal positivo, quando devido à intercepção a bola fica na posse de um jogador da mesma equipa. d) Remate Correcto à baliza (R.): Toda a acção técnico-táctica exercida pelo jogador sobre a bola, com o objectivo de a introduzir na baliza contrária. Esta acção é positiva quando o sujeito insere a bola na baliza contrária, ou quando o remate vai em direcção à baliza contrária mesmo que não entre. e) Passe Longo Correcto (P.L.): A acção técnico-táctica de relação de comunicação material estabelecida entre o guarda-redes e um jogador da mesma equipa. Neste factor contabilizam-se todas as reposições de bola realizadas com o pé pelo guarda-redes. O carácter correcto desta competência é sustentado pelo facto da bola percorrer uma distância superior a 20 metros e ficar na posse de um jogador da mesma equipa. f) Cruzamento Interceptado Correctamente (C.I.): Acção técnico-táctica executada quando o guarda-redes fica na posse da bola depois desta ser enviada para a grande área por um jogador da equipa contrária. Só se cota esta acção positivamente quando a bola é centrada para o campo de acção do guarda-redes. g) Saídas Correctas da Baliza (S.B.+): Acção 31

técnica, na qual o guarda-redes sai da sua grande área em direcção ao portador da bola por ser o seu último obstáculo. Tem o sinal positivo quando depois de executada esta acção a bola fica na posse de um sujeito da mesma equipa. h) Desarme (D.) «Gesto técnico-táctico efectuado pelo defesa que procura intervir sobre a bola, na luta directa com o atacante que a detém, respeitando as leis do jogo.» 2.3. Procedimento e «Design» do Estudo Este estudo teve subjacente o Programa de Treino de Formulação de Objectivos formulado por Martens (1987) e incluiu três fases distintas: Planeamento, Intervenção, e Avaliação da Eficácia do Programa. 1) Fase de Planeamento O início da implementação da primeira fase ocorreu a meio da época desportiva (mês de Março), com uma reunião que teve a presença do treinador do escalão de Juvenis e onde foi analisado: a) quais os sujeitos que participariam no estudo; e, b) quais as competências técnicas consideradas necessárias para um melhor desempenho e rendimento desportivo de cada atleta. Nesse sentido, o treinador da equipa especificou as competências, segundo as posições que cada jogador ocupava em campo: guarda-redes, defesas, atacantes e médios. Posteriormente, para efeitos do cálculo de uma «baseline», anterior à implementação do programa, procedeu-se à observação e codificação dos índices de rendimento dos atletas durante 5 jogos do Campeonato da Primeira Divisão Distrital de Juvenis da Associação de Futebol de Lisboa. Na última etapa desta primeira fase procedeuse à administração dos Questionários de avaliação psicológica aos sujeitos do estudo, seguida de uma sessão conjunta (Treinadores, Atletas e Psicólogo) com o objectivo de fornecer, aos atletas, algumas informações acerca dos benefícios da formulação de objectivos, assim como uma calendarização do programa que se iria implementar. 2) Fase de Intervenção No início da fase de intervenção realizaram-se reuniões conjuntas com atletas, treinadores e psicólogo, onde foram analisadas as competências técnicas que estavam menos desenvolvidas ou necessitavam de melhorias por cada um dos atletas. Com base nestas competências foram formulados os primeiros objectivos individuais. À medida que os objectivos eram definidos, procedia-se ao seu registo em fichas de formulação de objectivos. Nessa altura, foi estabelecido que os objectivos teriam um prazo de dois jogos/ /jornadas (os atletas teriam esse período de tempo para a obtenção dos objectivos propostos). Nesta fase, o critério da especificidade e dificuldade dos objectivos foi garantido recorrendo à Técnica de Formulação de Objectivos Intervalares (F.O.I.) desenvolvida por O`Block e Evans (1984, citado por Gould, 1986). O emprego desta técnica também foi útil para o desenvolvimento de uma «progressão por pequenos passos/subir escada a escada» («staircase») aconselhada por Martens (1987), para cada um dos atletas. Esta dependeu do nível de auto-confiança e de motivação dos atletas (avaliados através dos questionários psicológicos referidos anteriormente). Paralelamente, nesta fase, procedeu-se à observação e registo do rendimento dos atletas em cada jogo, através da utilização de grelhas de observação das medidas de rendimento. Após cada jornada/jogo era fornecido «feedback» aos atletas através da ficha de avaliação do rendimento. Quando o prazo previamente definido para a concretização dos objectivos expirava (2 jogos ou jornadas) podiam acontecer duas situações distintas: a) Os atletas que atingissem os seus objectivos, deveriam formular objectivos mais difíceis (mediante os valores incluídos na «staircase»); ou, b) Os atletas não tivessem conseguido atingir os objectivos propostos, deveriam reformular os objectivos (baixando o seu grau de dificuldade). De modo a formular objectivos coerentes e realistas para cada jogo, antes da competição, foi pedido aos atletas que avaliassem individualmente (numa escala de 10 pontos) o grau de dificuldade e de importância de tal jogo/competição. Sempre que a média destes dois índices (avaliações/percepções) fosse superior a 6 ou inferior a 4 procedia-se à formulação de objectivos fora da «staircase» previamente estabelecida. Quando tal 32

não sucedesse o atleta continuaria a sua progressão determinada anteriormente. Esta fase de intervenção (e respectivos procedimentos) decorreram até ao final do Campeonato (mês de Maio). 3) Fase de Avaliação da Eficácia do Programa No fim do Campeonato procedeu-se novamente à avaliação das competências psicológicas dos atletas tendo em vista a avaliação da eficácia do Programa de Treino de Formulação de Objectivos, implementado com estes atletas. Nesse sentido, foram novamente administrados a todos os atletas-sujeitos do estudo, os mesmos instrumentos de avaliação psicológica já aplicados na primeira fase do estudo, antes da implementação do referido programa de intervenção psicológica. 3. RESULTADOS Os resultados da avaliação da eficácia do Programa de Treino de Formulação de Objectivos são apresentados recorrendo à análise interindividual da potencial eficácia do programa nas competências psicológicas e nos índices de rendimento. Nesse sentido, tanto nos casos das medidas psicológicas como nas medidas de rendimento, procedeu-se ao cálculo das médias e «scores» diferenciais da mudança ocorrida nas variáveis. Paralelamente, e apenas no caso das medidas psicológicas, efectuou-se o procedimento estatístico «teste-t» para amostras emparelhadas (disponível no SPSS), tendo em vista a análise das diferenças entre o início e o fim do Programa. Apresentam-se no Quadro 1, as médias, desvios-padrão e «scores» diferenciais das medidas psicológicas de todo o grupo de atletas que participou neste trabalho. Através da análise dos «scores» diferenciais podem-se identificar alguns indicadores pertinentes: a) Diminuição do Traço de Ansiedade Competitiva (-2,00); b) Decréscimo da Amotivação (-1,70); c) Diminuição da Motivação Extrínseca de Regulação Externa (-1,65); d) Decréscimo da Ansiedade Somática (-1,59); e) Aumento da Orientação para a Tarefa (+1,47); e, final- QUADRO 1 Diferenças nas variáveis psicológicas (antes e depois do programa de intervenção) Variável Psicológica Antes Depois t (*) M DP M DP Motivação 20.4 4.4 20.6 4.9 -.20 Concentração 13.8 2.8 14.2 3.3 -.89 Auto-Confiança 26.3 6.2 26.6 5.2 -.24 Controlo da Ansiedade 20.3 4.8 21.7 3.6 1.19 Ansiedade Somática 14.6 3.5 13.0 3.5 2.17 (*) Preocupação 14.2 3.4 13.6 4.3.59 Perturbação da Concentração 8.0 2.7 8.2 2.9 -.34 Traço de Ansiedade Competitiva 37.0 8.4 35.0 9.5.86 Orientação para o Ego 14.7 3.7 15.0 4.6 -.38 Orientação para a Tarefa 27.5 4.3 29.0 3.6-2.21 (*) Competitividade 53.7 3.1 56.9 3.2.93 Orientação para Ganhar 24.2 3.7 24.8 3.4 -.71 Orientação para os Objectivos 24.3 4.4 25.2 4.2-1.08 Motivação Intrínseca para Realizar 24.8 2.5 25.0 2.6 -.27 Motivação Intrínseca para Experienciar Estimulação 25.1 2.5 25.5 2.0 -.98 Motivação Extrínseca de Regulação Externa 16.2 6.4 14.5 5.0 1.0 Motivação Extrínseca de Introjecção 23.1 3.4 22.9 3.7.30 Motivação Extrínseca de Identificação 21.5 5.0 21.1 3.8.41 Amotivação 9.9 4.3 8.2 4.0 1.61 (*) - p<.05 33

QUADRO 2 Média da «baseline», média total dos objectivos e «scores» diferenciais das medidas de rendimento Medidas de Rendimento Média da Média Total «Score» «Base-Line» dos Objectivos Diferencial Passe Longo 38% 48% 10% Cruzamento Interceptado 33% 50% 17% Saídas da Baliza 35% 27% -8% Intercepções / pé 55% 62% 7% Intercepções / cabeça 53% 65% 12% Remates 27% 38% 11% Passes 57% 64% 7% Assistências 20% 32% 12% Desarmes 1,82 2,22 0,40 mente; f) um maior Controlo da Ansiedade (+1,41). No entanto, como se poderá verificar pelos resultados do «t-teste» efectuado, só se registaram duas diferenças estatisticamente significativas nas variáveis psicológicas, entre o início e o fim do programa (ver Quadro 1). A primeira evidencia a eficácia do programa na redução dos níveis de ansiedade somática dos jovens atletas. A segunda diferença significativa, do ponto de vista estatístico, demonstra a eficácia do programa no aumento da orientação motivacional para a tarefa, por parte dos atletas. Em todas as outras medidas psicológicas não se registaram diferenças significativas entre o primeiro e o segundo momentos de avaliação (pré-teste e pós-teste). No Quadro 2 são apresentados os resultados totais que o grupo obteve em cada uma das competências técnicas que foram alvo do Programa de Treino de Formulação de Objectivos. No mesmo quadro estão apresentadas a média da «base-line», a média total dos objectivos e os consequentes «scores» diferenciais. A partir da análise dos resultados que constituem o Quadro 2 pode concluir-se que se registou um aumento em cerca de 8 das 9 medidas de rendimento avaliadas. A competência técnica que obteve um resultado mais elevado foi a dos Cruzamentos Interceptados com 17%, logo seguida pelas Intercepções com a Cabeça e pelas Assistências com um valor de 12%, também seguidas por perto pelos Remates e Passes Longos (respectivamente, 11 e 12%). Os Passes (7%) e os Desarmes (aumento de 0,48), foram aquelas competências que obtiveram um aumento mais discreto. Por fim, a única medida de rendimento cujo «score» diferencial se apresenta negativo são as Saídas da Baliza (-8%), específicas do guarda-redes. 4. DISCUSSÃO A análise dos efeitos do Programa de Treino de Formulação de Objectivos sobre o rendimento e as competências psicológicas dos atletas, revelou os seguintes dados: Relativamente às variáveis psicológicas avaliadas, os resultados obtidos comprovam a existência de efeitos estatisticamente significativos no decréscimo dos níveis de ansiedade somática (avaliada por meio da «Sport Anxiety Scale») e no aumento da orientação motivacional para a tarefa (inserido no «Task and Ego Orientation Questionnaire»). O incremento nesta última 34

competência psicológica vem, de certa forma, confirmar as predições do Modelo de Formulação de Objectivos Competitivos, desenvolvido por Burton (1992, 1993). Nas restantes medidas psicológicas, os resultados obtidos entre o pré e o pós-teste, não foram significativos. No que diz respeito às medidas de rendimento, a melhoria dos seus valores também foi uma realidade. Em síntese, e tendo em conta as evidências atrás citadas, o presente estudo parece sugerir que a implementação do Programa de Treino de Formulação de Objectivos conduziu à obtenção de benefícios tanto nas competências psicológicas como no rendimento, na grande maioria dos atletas. No entanto, e embora os resultados tenham sido prometedores, este trabalho experimental peca por ter algumas limitações metodológicas. Em primeiro lugar, há que destacar o facto da amostra ser pequena, o que impede a generalização dos resultados obtidos. Em segundo lugar, devido ao Programa ter sido implementado durante relativamente pouco tempo (2 meses), poderá ter acontecido o «Hawthorne Effect»; ou seja, as mudanças do rendimento dos sujeitos podem ter ocorrido não devido à técnica em si, mas ao facto de se encontrarem inseridos num estudo cientifico. Nesse sentido, futuras investigações deverão tentar implementar o Programa durante um período de tempo mais alargado, idealmente, tendo a duração de uma época desportiva. Outra das limitações diz respeito à inexistência de um grupo de controlo, o que não permitiu ter em linha de conta eventuais variáveis estranhas. Por último, a heterogeneidade inicial da amostra, no que respeita aos valores das competências psicológicas, poderá ter sido um factor limitativo na obtenção de resultados mais significativos nas variáveis psicológicas. Além disso, o facto das medidas psicológicas aplicadas serem de traço, em detrimento das de estado, pode também ter contribuído para esse facto. Assim, este aspecto deve ser evitado em futuras investigações, dado que é pouco provável que existam diferenças significativas nas medidas de traço uma vez que, por definição, estas têm um carácter estável ao longo da vida dos sujeitos. Para além das recomendações acima citadas, referentes à realização de um novo estudo científico, acrescentam-se em seguida três sugestões para futuros estudos no campo da formulação de objectivos. A primeira diz respeito à realização de um estudo comparativo entre jovens atletas de alta competição e jovens atletas indiferenciados, no que diz respeito à influência de um Programa de Treino de Formulação de Objectivos, nas medidas psicológicas e de rendimento. O segundo tipo de investigação centra-se nos benefícios psicológicos e de rendimento inerentes à interacção entre a técnica de formulação de objectivos e outras técnicas psicológicas (exemplos: treino de imaginação e visualização mental; treino de relaxamento; e, treino de competências atencionais). Por último, será necessário realizar investigações que clarifiquem os efeitos de algumas competências psicológicas (exemplo: auto- -eficácia) nos Programas de Treino de Formulação de Objectivos. Para finalizar, tudo o que foi abordado ao longo deste estudo sobre os efeitos desta técnica em contextos desportivos e, consequentemente, a utilização eficaz de Programas de Formulação de Objectivos, pode ser mais uma «ferramenta» válida para cimentar o lugar do Psicólogo no contexto particular do desporto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Burton, D. (1989). Winning isn t everything: examing the impact of performance goals on collegiate swimmer s cognitions and performance. The Sport Psychologist, 3, 105-132. Burton, D. (1992). The Jekyll/Hyde nature of goals: Reconceptualizing goal-setting in sport. Champaign, IL: Human Kinetics. Burton, D. (1993). Goal setting in sport. In R. Singer, M. Murphy, & L. Tennant (Eds), Handbook of research on sport psychology. New York: MacMilian. Castelo, J. (1994). Futebol: modelo técnico-táctico do jogo. Lisboa: Edições FMH. Cruz, J. (1996). Treino de formulação de objectivos como estratégia motivacional. In J. Cruz (Ed.), Manual de psicologia do desporto (pp. 601-627). Braga: Sistemas Humanos e Organizacionais. 35

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