Resumo O Presente trabalho é derivado da dissertação de mestrado: Pré-Vestibular Público e gratuito: o acesso de trabalhadores a Universidade

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Transcrição:

Resumo O Presente trabalho é derivado da dissertação de mestrado: Pré-Vestibular Público e gratuito: o acesso de trabalhadores a Universidade Pública. Pesquisa esta que focalizou a experiência do Desafio Pré-Vestibular ocorrido em Pelotas/RS nos anos de 93-96, donde procede a análise dos dados coletados na pesquisa de campo. A partir desta caracterização geral, apresento análises de outras experiências similares no Brasil que compõem um conjunto de experiências as quais denomino Pré-Vestibulares Populares. Estas experiências surgidas ao longo da década de 90 representam uma nova face dos movimentos populares e visam a ampliação do acesso a educação: para todos e em todos os níveis. Experiências como estas, são tranças que se amarram e se desprendem no tempo e no espaço das lutas populares por acesso a universidade pública. Os resultados desta pesquisa inserem-se numa metodologia de estudo de caso qualitativa visando partir da descrição da complexidade das relações vivenciadas, mas procurando sempre, a partir dessas referências, desvendar e explicitar relações imediatas e mais amplas, constitutivas do DESAFIO Pré-Vestibular, perceptíveis através de uma análise mais profunda, orientada por estudos de experiências similares realizadas em outros locais e por categorias que orientam a análise para a percepção da complexidade das relações que constituem os processos educativos, principalmente aqueles referentes ao caráter educativo dos Pré-Vestibulares Populares. Dada a complexificação das relações sociais brasileiras, principalmente a partir da década de 50, quando do crescimento acelerado do processo de urbanização e industrialização do Brasil, fez crescer a preocupação com o direito a educação. Vários movimentos buscavam a democratização do acesso a educação, a garantia de sua gratuidade e publicidade. Por volta dos anos 80, grandes e longas greves foram vivenciadas na defesa dos princípios antes apresentados. Vivia-se a época da retomada da democracia, a luta pelo voto direto, a Carta Magna de 88. Esta constituição veio com intenção de garantir o desejos democráticos, a ampliação dos espaços públicos, as garantias sociais dos direitos do cidadão, do direito a educação pública e gratuita. Porém não foi essa a dinâmica tomada na aplicação efetiva dos dispositivos legais. Já os anos 90, se traduzem e se mostram de forma diferente. Os Movimentos Sociais perdem visibilidade. Começa a ser forjada uma nova face dos Movimentos Sociais populares. Estes agora se expressam em ações localizadas, de menor visibilidade, o que não 1

que dizer de menor importância, haja visto que vários autores estão a dizer que por esta época os movimentos começam a relacionar-se na forma de rede de relações, onde os ativistas transitam por diferentes experiências e neste transitar estão desenhando um novo mapa de organização e configuração dos Movimentos Sociais Populares. Palavras-chaves: Educação, Movimentos Sociais, Pré-Vestibulares Populares Eixo Temático: 4. Educação, Cultura, Sociedade 2

PRÉ-VESTIBULAR PÚBLICO E GRATUITO: O ACESSO DE TRABALHADORES A UNIVERSIDADE PÚBLICA Prof. Ms. Carmo Thum / UFSC O Presente trabalho é derivado da dissertação de mestrado: Pré-Vestibular Público e gratuito: o acesso de trabalhadores a Universidade Pública. Pesquisa esta que focalizou a experiência do Desafio Pré-Vestibular ocorrido em Pelotas/RS nos anos de 93-96 1, donde procede a análise dos dados coletados na pesquisa de campo, descrevendo as motivações primeiras que levaram a criação do projeto. A partir desta caracterização geral, a pesquisa apresenta dados de outras experiências similares no Brasil 2 que compõem um conjunto de experiências as quais denomino Pré-Vestibulares Populares. Estas experiências surgidas ao longo da década de 90 representam uma nova face dos movimentos populares e visam a ampliação do acesso a educação: para todos e em todos os níveis. Experiências como estas, são tranças que se amarram e se desprendem no tempo e no espaço das lutas populares por acesso a universidade pública. Esta pesquisa insere-se numa metodologia de estudo de caso qualitativa visando partir da descrição da complexidade do projeto dada pelos participantes do mesmo, mas procurando sempre, a partir dessas referências, desvendar e explicitar relações imediatas e mais amplas, constitutivas do DESAFIO Pré-Vestibular, perceptíveis através de uma análise mais profunda, orientada por estudos de experiências similares realizadas em outros locais e por categorias que orientam a análise para a percepção da complexidade das relações que constituem os processos educativos, mesmo os de natureza semelhante ao DESAFIO. 1 Esta experiência continua atuante, a pesquisa analisou os anos de 93, 94, 95 e 96. 2 Existem muitas experiências embrionárias em todo o país. No caso a pesquisa analisou as seguintes: Desafio Pré-Vestibular Pelotas/RS; Cursinho da Poli- São Paulo/SP; Cursinho da Moradia Campinas/SP; PVNC(Pré Vestibular para Negros e Carentes) Rio de Janeiro/RJ; Zumbi dos Palmares Niterói /RJ; Cursinho da Cidadania Florianópolis/SC. Outras experiências não pesquisadas desenvolvem seus trabalhos em diversos estados brasileiro, a saber: AM, BH, MG, PR, ES, CE, DF. 3

A Experiência Desafio Pré-Vestibular De uma estratégia política de um grupo do movimento estudantil de Pelotas, surgiu em 93 a idéia de colocar em prática a indissociabilidade do Ensino-Pesquisa-Extensão através de um curso gratuito preparatório ao vestibular. Duas grandes bandeiras fundamentam a ação: a) a tentativa se superar os muros da universidade e torná-la interativa com a sociedade; b) a defesa da universidade pública e gratuita com a efetiva participação da classe trabalhadora. Esta experiência é desenvolvida por estudantes da Universidade Federal de Pelotas, das mais diferentes áreas do conhecimento. De uma maneira autêntica, apresenta um esforço de fazer-se diferenciado do ensino dos cursinhos tradicionais e diferenciado também do ensino escolar tradicional. Sua prática enseja a defesa da educação pública e gratuita. Um elemento decisivo na construção do pensamento político do grupo é o trabalho coletivo que, ao aprofundar discussões, relaciona temáticas específicas com problemáticas mais amplas, promove um crescimento prático-teórico de todos os envolvidos. A coerência prática-teórica do grupo fortalece seu fazer e indica os caminhos da inclusão de pessoas que, vítimas do sistema capitalista, encontram-se espoliadas das condições objetivas/culturais para lograr aprovação e ingresso à universidade pública. Neste sentido a idéia do Desafio é um projeto que foge a regra do mercado em educação pois se apresenta como uma demonstração de que educação pública é um direito dos trabalhadores, e para além disso, dissemos que ele foge a regra porque neste contexto o projeto oferece mais do que o domínio do conhecimento para a prova do vestibular, ele também procura embasar o senso crítico, procura formar o cidadão, sua intervenção educativa situa-se no fomento a cidadania, sua prática política se efetiva na defesa da gratuidade no ensino. Inclui-se nos destaques necessários a idéia que também estava presente nas preocupações desta experiência a questão do espaço público como algo inapropriável individualmente: usufruir da universidade é participar do que deveria ser não-partilhável em nossa sociedade. O grupo Desafio propõe uma ação que rompa com a apropriação indébita do conhecimento produzido e ensinado na Universidade Pública. Os princípios por onde o projeto atua assim se definem: A efetiva gratuidade; o debate do conhecimento; o processo político-pedagógico centrado no conhecimento concreto; aluno de escola pública, da classe trabalhadora. 4

O Ideal Político-Educativo do Desafio A idéia do DESAFIO, partiu do princípio da solidariedade e o dever moral que os estudantes da UFPel detinham em relação a uma sociedade que sustenta o ensino superior sem dele fazer parte, para tanto organizam uma prática educativa que proporcionasse a classe trabalhadora o acesso a Universidade Pública. O público alvo desta proposta situa-se explicitamente em sujeitos provindos da classe trabalhadora. Este projeto que no início teve sua articulação junto ao movimento sindical e estudantil, aos poucos vai se aproximando do espaço universitário como forma de sobrevivência. É a partir da Segunda experiência que o processo de institucionalização começa a se delinear. Na Terceira Experiência algumas pessoas que foram alunos do Desafio começaram a assumir funções docentes. Isto concretizava um dos objetivos do grupo que era a da sua auto-sustentação, desta maneira os alunos que tiveram o privilégio de usufruir do Desafio Pré-Vestibular e agora já na universidade retribuíam duplamente: pelo retorno à sociedade que financia a educação pública e pelo retorno aquela experiência que o auxiliou a ingressar na universidade pública. É também da Terceira Experiência para a Quarta experiência, que se completa um ciclo do Desafio. A partir desta experiência poucos eram os que duvidavam da continuidade do projeto. Embora muitos dos problemas da Primeira e da Segunda Experiência repetiam-se numa Terceira e também numa Quarta, o grupo buscava encontrar soluções possíveis diante do quadro real em que estavam inseridos. O diálogo instaurava-se como mediador dos diferentes saberes. Era uma prática nova que se iniciava. Neste caminhar o Desafio foi descobrindo que Na realidade o conhecimento é construído coletivamente. A excelência da crítica começou a se concretizar. Muitos professores se articulavam com disciplinas de diferentes áreas do conhecimento, e isto disseminou uma prática de convivência no fazer e avaliar do processo político pedagógico. A Postura de superar a mesmice do ensino tradicional era efetivada na medida em que se vivia sinceramente a vontade do novo. O grande dilema era: como fazer diferente. Mas a semente da ousadia estava plantada. Algumas posturas foram fundamentais para que isto acontecesse: aprender a trabalhar coletivamente; não ser o detentor único do saber. Estas eram atitudes vivenciadas 5

e levaram o grupo a definir o caráter educativo do projeto: ir para além da instrumentalização necessária para a aprovação no exame Vestibular. Ao discutir qual a importância do aluno; o como se aprende e como se ensina, o grupo ia definindo os conceitos balizadores da prática educativa. Era nestes espaços que essas discussões brotavam com maior intensidade, era nestes momentos que o vínculo entre as pessoas auxiliava na compreensão do erro, era neste âmbito que criticar o trabalho do outro era um ato de superação coletiva das dificuldades. A dinâmica desta prática nos remete a discussão da dimensão do ato educativo, que muitas vezes tem sido reduzido ao ato de ensinar quando na verdade esta experiência está a nos dizer que esta é apenas uma parte do processo. Ensinar e aprender é fato tanto na situação discente quanto na docente. Outro elemento importante é o retorno do ex-aluno: As alterações que ocorrem no enfrentamento das dificuldades podem acarretar em mudanças de rumo, interrupções ou até mesmo no fim de uma experiência. Contudo, ao ter o cuidado de estimular o retorno daqueles alunos que foram aprovados no Concurso Vestibular, o Projeto Desafio garante sua permanência no tempo e no espaço. Neste caso os professores mais antigos são mediadores do processo de formação pedagógica daqueles que estão iniciando, ou seja era vivida uma prática de ancorar-se na experiência acumulada. O retorno do ex-aluno é um dos elementos que garante a continuidade da experiência. Os ideais políticos pedagógicos do Desafio Pré-Vestibular e a proposta gramsciana para educação eram muito próximos. Buscava este projeto um sujeito capaz de possuir o conhecimento técnico, ser um artífice da ciência e ao mesmo tempo participar das forças sociais, de ser fomentador de ações culturais, de agir como mestre e aprendiz na construção da hegemonia. Esta prática educativa se deu alicerçada no compromisso ético e moral da publicização da universidade, do acesso ao conhecimento nela produzido articulado em três eixos norteadores: o de formação, de fomento a cidadania e o da aprovação. No entendimento que obtive deste processo de análise entendo que passar no vestibular é a condição da continuidade da idéia tanto em termos de qualificação de trabalhadores quanto em termos de retorno ao Movimento Social. Estar dentro da universidade é uma necessidade para que as intenções futuras se efetivem. 6

A importância desta experiência não está relacionada somente com o espaço universitário. Ela se alonga para a idéia de sociedade quando o grupo Desafio se propõe a percorrer os caminhos da formação de sujeitos capazes de ações culturais. No que se refere a socialização do Conhecimento, a universidade deve ser instrumento para que o conhecimento acumulado/produzido pela humanidade seja acessado por todos. Muito mais do que uma indissociabilidade, é preciso que as ações da universidade tenham como fundamento a extensão do acesso ao conhecimento em todos os níveis: tanto da garantia de acesso na condição de estudantes, como na socialização do conhecimento produzido. Isto nos remete a uma identidade de universidade diferente da que aí está. Um alargamento da concepção de indissociabilidade passa pela prática permanente do acesso ao conhecimento produzido por parte da sociedade que mantém esta instituição. Neste mesmo tom a idéia de retorno do público que é o conhecimento, para o público que é a sociedade, harmoniza a partitura em defesa da universidade pública, gratuita e democrática. Para tanto a Institucionalização do projeto Desafio foi um ato de afirmação da importância desta instituição universidade em nossa sociedade. A Institucionalização garantiu as condições estruturais para a permanência da idéia no tempo e no espaço. E, mesmo que o momento atual seja de incertezas quanto ao rumo da Universidade Pública, dada a política de corte de verbas públicas para o financiamento da educação, a ação desenvolvida pelo Desafio proporcionou o ingresso dos trabalhadores e junto deles os saberes populares. E é por isto que Os tentos traçados pelo Desafio desenham uma trajetória no espaço universitário e também na sociedade. O aprendizado advindo da prática e das reflexões feitas demonstram que esta ação ultrapassou os limites exclusivos do aprendizado da docência ela proporcionou uma aprendizagem em vários campos do saber e do contexto sócio-político. O significado da ação educativa do DESAFIO está no ir apreendendo o fazer, no ir adquirindo capacidades de docência e no trabalho coletivo. Nesta perspectiva esta experiência apresenta um jeito diferente de fazer. E o diferente está na postura do professor frente ao conhecimento e na relação com aluno, ambos aprendizes do processo pedagógico e em sentido mais geral da prática de movimento social no qual se inseriam. Ao ser uma experiência que aponta para a possibilidade efetiva da Educação Pública, do ensino superior gratuito a todos os cidadãos ela serve como exemplo 7

demonstrativo da viabilidade e vital necessidade da Educação Pública como parte do processo de construção do cidadão. Desta forma passo agora a contextualizar esta experiência situando-a a nível de Brasil e as lutas populares por acesso a educação superior. Os Prés-Vestibulares Populares As Experiências de Pré-Vestibulares Populares são ações forjadas no seio dos movimentos sociais que, tendo percebido a importância do processo educacional, como um dos elementos capazes de contribuir com o rompimento do ciclo marginalizador imposto as classes populares, tem buscado a ampliação dos espaços educativos com finalidade de possibilitar uma maior formação política/cultural e instrumental para o exame Vestibular bem como contribuir no desenvolvimento da auto-estima, da autonomia, da solidariedade, do sistema coletivo de organização e participação de pessoas que, descapitalizadas econômica e culturalmente não estão em pé de igualdade na disputa pela vaga na universidade. Estas experiências possuem uma dinâmica de organização diferenciada da empresarial, isto é, se organiza através de agentes sociais, que propõe ações educativas visando uma formação integral. O conteúdo sistematizado nestas experiências vai muito além do instrumental necessário para a aprovação no vestibular, ele percorre os campos da formação política, da cultura, da análise crítica. Várias experiências vinculam a participação a uma atividade comunitária em algum tipo de organização, grupo ou movimento. Em todas há um processo seletivo que busca saber as condições econômicas, a visão de mundo do aluno, e o conhecimento que possui. As formas avaliativas podem se diferenciar, contudo, é com dado nestas informações e em entrevistas feitas individualmente que é feita a seleção. Muitas apresentam uma forma de organização coletiva, tanto na docência como na coordenação administrativa; são experiências que lutam por educação para todos e em todos os níveis; fazem parte da luta em defesa da escola pública, do ensino gratuito e de qualidade. Outra característica importante é a da gratuidade. Algumas cobram pequenas taxas para auxiliar na compra e/ou xerox do material necessário, porém isto não as retira do campo popular pois a iniciativa é a da gratuidade, mas dado a falta de recursos, é a forma de sobrevivência. Contudo, são muitas as experiências onde se instala a idéia de gratuidade plena. 8

Estas experiências emergiram e estão vinculadas aos Movimentos Sociais através: - do Movimento Estudantil; dos Sindicatos; das Universidades públicas; dos Movimentos Religiosos (principalmente Pastoral do Negro, Pastoral da Juventude, e Pastoral Universitária). A denominação Pré-Vestibulares Populares foi por mim cunhada tendo como referência a pesquisa de Mestrado que realizei, focalizando experiências do RS, SC, RJ e SP. A minha atitude, enquanto pesquisador, foi a de, através das características encontradas nas experiências que visitei, denominá-las dentro de uma terminologia que abarcasse as diferentes formas de expressão. Neste caso, Experiências de Pré-Vestibulares Populares expressam e conceituam aquelas experiências de cursos Pré-Vestibulares que possuem características de: - gratuidade, ainda que parcial; - proposta de trabalho coletivo; - proposta de educação crítica e/ ou para a mudança; - aquelas que são organizadas por pessoas: voluntárias, sindicalizadas, agentes sociais, militantes de movimentos; que apresentam em sua dinâmica as idéias de defesa da educação para todos, da universidade pública. No espaço da sociedade, o significado da ação dos Prés-Vestibulares Populares é político e educativo, ou seja, por um lado força as instituições e os responsáveis pela sua administração a repensarem sua atuação dado que há uma demanda social muito forte por acesso ao ensino superior e que estes precisam efetivamente implantar políticas públicas que permitam o acesso da classe trabalhadora a universidade, e no âmbito educativo estas experiências se apresentam como um dos espaços de aprendizagem da luta: no forçar a universidade a se comprometer com esta demanda e ao reivindicar direitos, ensinam um modo de organização dos movimentos sociais e populares. Neste sentido, olhando também as outras experiências existentes no Brasil, podemos dizer que a ação criada pelos Pré-Vestibulares Populares interfere no meio universitário reivindicando educação pública e gratuita em todos os níveis como direito de todos, e mais, que os trabalhadores, descapitalizados economicamente, não são obrigatoriamente pobres em conhecimento, ou no que é ainda mais preconceituoso são incapazes de aprender. Os dados revelados pela pesquisa apontam para o entendimento de que o não saber da classe trabalhadora é uma questão dos conteúdos exigidos, e não uma incapacidade de inteligir. 9

As experiências de Pré-Vestibulares Populares e em especifico, a do Desafio Pré-Vestibular, estão a demonstrar que há um movimento contrário a lógica dominante. Estas experiências estão garantindo o espaço público como algo usufruível por todos. Como vemos, esta ação não se restringe a garantir o estabelecido em lei, luta sim por educação para todos em todos os níveis. Para além disso, a prática do retorno do público para o público, redefine o espaço universitário, e apresenta uma forma possível da extensão do acesso ao conhecimento dentro de um espaço universitário que abriga nele mesmo um conjunto de contradições e que é palco de disputa de projetos políticos para a sociedade brasileira. E a pergunta que surge é como pode então, a universidade aliar-se ao movimento popular no sentido de tentar garantir o ingresso de parte dos trabalhadores que mantém esta instituição? A resposta a esta questão está sendo dada ao longo da trajetória dos Pré Vestibulares Populares e é possível que limitado sejamos nós na compreensão deste movimento, na sua ação de colocar a estrutura universitária a serviço, de tal maneira que, esta sirva aos interesses das classes populares. Emaranhado às tranças da história estão os avanços e os retrocessos. Desta forma, as aprendizagens acumuladas ao longo do tempo dão conta de transformar estas experiências e um Movimento chamado de Fórum Nacional dos Pré-Vestibulares Populares. Movimento este que conta com duas grandes metas: reivindicar direitos de educação para todos e em todos os níveis e aprofundar-se em sua ação educativa, de caráter popular e gratuita. Dada a complexificação das relações sociais brasileiras, principalmente a partir da década de 50, quando do crescimento acelerado do processo de urbanização e industrialização do Brasil, fez crescer a preocupação com o direito a educação. Vários movimentos buscavam a democratização do acesso a educação, a garantia de sua gratuidade e publicidade. Por volta dos anos 80, grandes e longas greves foram vivenciadas na defesa dos princípios antes apresentados. Vivia-se a época da retomada da democracia, a luta pelo voto direto, a Carta Magna de 88. Esta constituição veio com intenção de garantir o desejos democráticos, a ampliação dos espaços públicos, as garantias sociais dos direitos do cidadão, do direito a educação pública e gratuita. Porém não foi essa a dinâmica tomada na aplicação efetiva dos dispositivos legais. Já os anos 90, se traduzem e se mostram de forma diferente. Os Movimentos Sociais perdem visibilidade. Começa a ser forjada uma nova face dos Movimentos Sociais 10

populares. Estes agora se expressam em ações localizadas, de menor visibilidade, o que não que dizer de menor importância, haja visto que vários autores estão a dizer que por esta época os movimentos começam a relacionar-se na forma de rede de relações, onde os ativistas transitam por diferentes experiências e neste transitar estão desenhando um novo mapa de organização e configuração dos Movimentos Sociais Populares. Bibiliografia DO WALLE, Líliam Privatização da escola Pública; duas falácias e um contra-senso. p. 08 10 TEMPO E PRESENÇA, revista bimestral de KOINONIA. Maio/junho de 1997. Ano 19 No. 292 FANTIN, Maristela. Construindo Cidadania e Dignidade. Florianópolis: Insular, 1997. RIBEIRO, Marlene. Dilema da Universidade Brasileira pós-moderna : entre a democratização e a competência. Anped, Caxambu, 1996 SADER, E. e PAOLI, M.C. Sobre Classes Populares no Pensamento Sociológico Brasileiro. In CARDOSO, Ruth. A Aventura Antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986 THUM, Carmo. Pré-Vestibular Público e Gratuito: o acesso de trabalhadores a universidade pública (dissertação de mestrado). CED/UFSC, maio de 2000. 11