Mendonça, J. J. L., Almeida, C. e M. A. M. Silva (1999)

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Transcrição:

Mendonça, J. J. L., Almeida, C. e M. A. M. Silva (1999) Produtividade de Captações e Características Hidrogeológicas dos Sistemas Aquíferos Descontínuos do Maciço Hespérico na Área da Bacia Hidrográfica do Rio Mondego Seminário sobre Águas Subterrâneas, A. P. R. H., Lisboa.

Produtividade de Captações e Características Hidrogeologicas dos Sistemas Aquíferos Descontínuos do Maciço Hespérico, na Área da Bacia Hidrográfica do Rio Mondego J. J. Lopo Mendonça Professor Auxiliar Instituto de Investigação da Água, Dep. Ciências da Terra, Univ. Coimbra 3000 Coimbra C. Almeida Professor Associado c/ agregação Dep. Geologia, Fac. Ciências, Univ. Lisboa R. Ernesto Vasconcelos, Bloco C-2 1700 Lisboa M. Marques da Silva Professor Associado Dep. Geociências, Univ. Aveiro 3810 Aveiro Resumo A montante do meridiano de Coimbra, a Bacia Hidrográfica do Mondego desenvolve- -se em terrenos do Maciço Hespérico. Neste domínio morfo-estrutural, os tipos litológicos dominantes são os granitos, os xistos, e os grauvaques. Em pequenos sub- -domínios encontram-se estreitas faixas aluvionares e depósitos arcósicos. Com excepção das aluviões, aquelas rochas são o suporte de sistemas aquíferos descontínuos, de produtividade muito baixa e em geral livres. Nas rochas duras há algumas diferenças de aptidão aquífera associadas à litologia e ao zonamento da alteração e da fracturação. 1

1- Introdução A Bacia Hidrográfica do Mondego compreende dois grandes domínios com características hidrogeológicas diversas, pertencentes a duas grandes unidades morfoestruturais de Portugal Continental: o Maciço Hespérico e a Orla Mesocenozóica. No Maciço Hespérico, domina a hidrogeologia característica das "rochas duras"; na Orla, há importantes sistemas aquíferos, muitos deles multicamada ou cársicos. Neste trabalho, apresenta-se uma contribuição para o conhecimento da hidrogeologia da Bacia Hidrográfica do Rio Mondego, na área do Maciço Hespérico. O estudo fundamenta-se em dados sobre nascentes, galerias, poços, poços com drenos e galerias e furos. A qualidade desta informação é muito diversificada. Por exemplo, no que respeita aos furos, nalguns casos, houve possibilidade de consulta do relatório do construtor e do relatório do ensaio de produtividade; noutras situações, a informação é bastante mais escassa, com ausência de elementos sobre a produtividade e/ou características construtivas e/ou descrição das litologias atravessadas pela perfuração. No que diz respeito à exactidão dos valores da produtividade dos furos de captação também há situações bem diferentes; por exemplo, valores obtidos através de ensaios de bombagem de longa duração, com bomba submersível e, outros, com fundamento em ensaios de curta duração (muitas das vezes de poucos minutos), com injecção de ar comprimido. Na avaliação das características hidráulicas das captações, quando determinadas a partir de resultados de ensaios escalonados de caudal, considerou-se o valor mais próximo do caudal de exploração recomendado. Os furos abandonados ou entulhados logo após a construção consideraram-se com caudal nulo. O número de furos improdutivos considerados no estudo estima-se muito aquém do que se verifica na realidade; nomeadamente dos que interessam rochas duras, onde os insucessos são relativamente frequentes. 2

2 - Características Hidrogeológicas Gerais do Maciço Hespérico No Maciço Hespérico, os tipos litológicos dominantes são os granitos, os xistos, os grauvaques e alguns quartzitos. Os granitos e os xistos e grauvaques ocupam áreas muito extensas, com condições geomorfológicas, de alteração e de fracturação bastante diversificadas, que condicionam o modo de ocorrência e de escoamento da água subterrânea. Os quartzitos formam cristas de relevo vigoroso que drenam para os vales que as intersectam. Em sub-domínios localizados, ocorrem depósitos de cobertura cujo comportamento hidrogeológico é característico dos meios porosos: depósitos arcósicos e faixas aluvionares de pequena extensão. 2.1 - Rochas Duras Os granitos, os xistos, os grauvaques e os quartzitos têm em comum muitas características hidrogeológicas, nomeadamente o modo de ocorrência e de circulação da água subterrânea. O escoamento e o armazenamento faz-se predominantemente nas fracturas; quando a alteração é significativa, essas funções podem ter lugar nos poros intergranulares. Quando os dois tipos de interstícios coexistem, há trocas de água entre as fracturas e os poros intergranulares. A condutividade hidráulica ou permeabilidade por fracturas depende, entre outros factores, da abertura e do tipo de enchimento. Em meio saturado e em fracturas com paredes lisas, a velocidade do escoamento é directamente proporcional ao quadrado da abertura, isto é, a velocidade e o caudal dos escoamentos são muito sensíveis a pequenas variações da abertura da fracturação e, por isso, ao estado de tensão dos maciços. Existem sub-domínios associados às grandes fracturas e suas fracturas associadas abertas, onde a circulação da água e a produtividade dos furos são significativamente mais elevadas que nas formações envolventes. A configuração da superficie livre é irregular e depende da distribuição da condutividade hidráulica e da infiltração; o meio aquífero resulta fortemente 3

compartimentado, com variações bruscas dos níveis piezométricos e das características hidráulicas entre compartimentos adjacentes. As condições geomorfológicas condicionam a ocorrência e a circulação da água, em particular a infiltração. Por exemplo, na Cordilheira Central a pluviosidade é elevada; no entanto, o declive acentuado das encostas influencia negativamente a infiltração, promovendo a escorrência superficial e o escoamento hipodérmico. Também as áreas mais altas são locais potencialmente geradores de escoamentos profundos que podem entrar no âmbito da hidrogeotermia. Na Plataforma do Mondego, pelo contrário, o relevo é mais suave e os sedimentos que recobrem localmente as rochas do soco são factores que facilitam a infiltração. Os pequenos aquíferos suspensos, suportados pelos sedimentos destas pequenas bacias, recarregam as rochas cristalinas subjacentes através de drenância que se prolonga para além da época das chuvas. As captações tradicionais em rochas duras do Maciço Hespérico são nascentes, minas, poços e poços com minas. Actualmente, privilegia-se a construção sobretudo de furos (verticais em substituição de poços e horizontais em vez de minas). O seu aproveitamento é aceitável para pequenos abastecimentos locais, como vem sendo feito na actualidade. 2.2 - Rochas Porosas As formações de cobertura que preenchem as pequenas bacias sedimentares do Maciço Hespérico (Mortágua, Lousã, Arganil e Coja, entre outras) são áreas geomorfologicamente favoráveis à infiltração e ao armazenamento da água. No entanto, a condutividade hidráulica parece reduzida. Com efeito, PEIXINHO DE CRISTO (1988) refere que nos casos da Lousã e de Miranda do Corvo a produtividade aquífera e a permeabilidade destas formações sedimentares arcósicas são muito baixas. Os aquíferos mais produtivos têm por suporte as aluviões modernas, isto é, areias e areias com seixos e calhaus sobre um substrato que se pode considerar impermeável (granitos, xistos e grauvaques, e depósitos arcósicos, conforme a localização). 4

Estes aquíferos formam estreitas faixas ao longo dos rios e são claramente subordinadas a estes. Isto é, são aquíferos em que as reservas e os recursos intrínsecos são muito pequenos e muito inferiores aos recursos exploráveis. A exploração destes aquíferos induz a infiltração (captura) da água no leito dos rios e traduz-se, por isso, por um "prejuízo" no caudal do escoamento superficial. O nível estático. é variável e acompanha as flutuações sazonais do nível da água no rio e está a cota muito próxima da cota da superfície da água no rio. Estes aquíferos aluvionares são muito vulneráveis, sujeitos a risco de contaminação pela água do escoamento superficial e pela agricultura que se pratica nalgumas daquelas faixas aluvionares ou nos terrenos lateralmente adjacentes. 3 - A Produtividade das Captações e as Características Hidráulicas no Maciço Hespérico 3.1- Rochas Duras A produtividade das captações de água subterrânea nas rochas duras do Maciço Hespérico é genericamente baixa. No entanto, há alguma diferença na favorabilidade hidrogeológica dos granitos, dos xistos e grauvaques e dos quartzitos. Nos granitos, as captações superficiais são mais produtivas que os furos (Quadro 1). Há casos de furos com perfuração de várias dezenas de metros em que a zona de captação se limita à primeira dezena de metros. Quadro 1 - Produtividade de Captações em Granitos (caudal em l/s) Tipo de captação n Média Q 1 Mediana Q 3 Furos 61 0,54 0,16 0,28 0,56 Nascentes 60 0,97 0,39 0,64 1,02 Minas 126 1,37 0,35 0,60 1,33 Poços 10 1,60 0,25 1,0 1,9 Poços c/drenos 21 10,00 2,0 5,6 15,0 5

Nos granitos, estabeleceram-se algumas correlações que parecem interessantes e com interesse prático na pesquisa e captação da água subterrânea: Caudal(l/s) = 0,10 Prof(m) 0,21 com r = 0,53, entre o caudal e a profundidade (Prof) dos furos; q(l/s/m) = 0,72 Caudal(l/s) 0,05 com r = 0,57, entre o caudal específico (q) e o caudal dos furos. Nos poços em granitos, a correlação entre o caudal e a profundidade expressa-se pela equação seguinte: Caudal(l/s) = 0,27 Prof(m) 0,28 com r = 0,74 Nos granitos, calcularam-se 12 valores da transmissividade através de resultados de ensaios de caudal; a média é 30,4 m 2 /dia e a mediana é 7,5 m 2 /dia. A correlação entre a transmissividade (T) e o caudal específico (q) é relativamente baixa: T(m 2 /dia) = 50,6 q(1/s/m) + 7,4 com r = 0,39, Este baixo valor do coeficiente de correlação, provavelmente, reflecte a diversidade de técnicas construtivas e a consequente variação das perdas de carga na entrada e na circulação da água na captação. A correlação entre a transmissividade e o caudal é bastante melhor (r = 0,84), como seria de esperar. Nos xistos e grauvaques, os furos são captações mais produtivas que as nascentes e as minas (Quadro 2). Nos poços com drenos, aparentemente os caudais são muito irregulares: alguns com caudais muito baixos (que não justificam a construção destas captações) e outros bastante produtivos. 6

Nos xistos e grauvaques, não se observou correlação entre propriedades hidráulicas e morfológicas dos furos. O caudal e o caudal específico dos furos correlacionam-se através da expressão: q(l/s/m) = 0,075 Caudal(1/s) + 0,022 com r = 0,70 Quadro 2 - Produtividade de Captações em Xistos e Grauvaques (caudal em l/s) Tipo de captação n Média Q 1 Mediana Q 3 Furos 51 2,4 0,97 1,5 2,6 Nascentes 45 0,89 0,14 0,40 0,93 Minas 45 0,79 0,14 0,19 0,91 Poços 4 valores: 0,3; 1,05; 3,0; 3,4 Poços c/drenos 12 9,4 0,36 0,74 10,0 O tamanho da amostra das captações em quartzitos é muito reduzido para se poderem tirar conclusões. No entanto, os dados apontam no sentido de melhores condições hidrogeológicas nos quartzitos que nas outras rochas duras da Bacia Hidrográfica do Mondego. As captações superficiais (nascentes e minas) são mais produtivas nos granitos que nos xistos e grauvaques (Quadro 1 e 2). À semelhança do caudal, o índice caudal/comprimento das minas é mais elevado nos granitos que nos xistos e grauvaques (Quadro 3 ). Quadro 3 - índice caudal/comprimento em minas (l/s/m) Unidade Aquífera n Média Q 1 Mediana Q 3 Granitos 72 0,07 0,011 0,021 0,040 Xistos e Grauvaques 19 0,21 0,004 0,010 0,025 Pelo contrário, a produtividade dos furos é maior nos xistos e grauvaques que nos granitos (Quadros 1 e 2). Também o índice Caudal/Profundidade dos furos é maior nos xistos e grauvaques que nos granitos (Quadro 4). 7

Quadro 4 - Índice Caudal/Profundidade dos Furos (l/s/m) Unidade Aquífera n Média Q 1 Mediana Q 3 Granitos 61 0,007 0,003 0,005 0,008 Xistos e Grauvaques 46 0,04 0,01 0,02 0,05 Os resultados da produtividade das captações e as correlações, ou a sua ausência, entre algumas variáveis estudadas pode ter um significado hidrogeológico genérico. Assim: A alteração e/ou a decomposição superficial dos granitos são propiciadoras de melhores condições de armazenamento e de transmissividade que nos xistos e grauvaques. A zona superficial dos granitos, alterada e/ou decomposta desempenha uma regulação efectiva dos escoamentos subterrâneos, permitindo escoamentos difusos em profundidade e laterais. A correlação entre o caudal e a profundidade dos furos em granitos pode associar-se à existência de sistemas de fracturas que se mantêm em profundidade. Nos xistos e grauvaques, a ausência de correlação entre o caudal e a profundidade dos furos pode significar que o caudal dos furos depende predominantemente do escoamento em poucas fracturas bem localizadas e abertas, em vez de fracturarão mais ou menos espaçada em profundidade, como parece ser o caso dos granitos. Nos xistos e grauvaques, a zona superficial alterada e fracturada desempenha um papel menos relevante na regulação do fluxo de água subterrâneo, facilitando a escorrência superficial. 3.2 - Rochas Porosas A produtividade das captações é muito distinta nas aluviões e depósitos arcósicos do Maciço Hespérico. As primeiras são bastante produtivas e utilizam o mecanismo da 8

infiltração induzida no leito dos rios adjacentes; pelo contrário, as arcoses são muito pouco produtivas. A produtividade das captações nas aluviões é apresentada no Quadro 5. Quadro 5 - Produtividade das Captações em Depósitos Aluvionares do Maciço Hespérico (l/s) Tipo de captação n Média Q 1 Mediana Q 3 Poços 10 40,1 5,9 43,5 56,0 Poços c/drenos 45 39,7 5,3 22,0 49,3 Furos 15 19,0 2,5 20,0 28,3 Nos furos, as correlações entre valores de características hidráulicas e de parâmetros geométricas são escassas e o grau de correlação apenas esboça tendências: Caudal(1/s) = 1,30 Prof(m) +1,17 com r = 0,36 q(l/s/m) = 0,22 Caudal(1/s) + 6,80 com r = 0,28 Nos poços com drenos, a correlação entre o caudal específico e o caudal é muito boa: q(l/s/m) = 0,60 Caudal(l/s) 6,39 com r = 0,96 Com fundamento em ensaios de caudal, apenas se conseguiram calcular dois valores da transmissividade: 2970 m 2 /dia e 9850 m 2 /dia. Estes valores são manifestamente altos, eventualmente já reflectem a interferência do cone dos rebaixamentos com o rio. Os depósitos arcósicos são formações de permeabilidade baixa a muito baixa. Por isso, a produtividade das captações que as interessam é diminuta (Quadro 6). Os valores da transmissividade calculados através dos valores do caudal específico dos furos de captação são: 4 m 2 /dia, 5 m 2 /dia e 14 m 2 /dia. Na bacia de Mortágua, foi executado um furo de 207 m de profundidade. A litologia atravessada é desencorajante do ponto de vista hidrogeológico: formação argilosa, da superfície até cerca de 60 m de profundidade, sobrejacente a arenitos arcósicos 9

(Arenitos de Buçaco) que incluem passagens com argilas e com calhaus (DAVEAU, 1985). Quadro 6 - Produtividade das Captações em Depósitos Arcósicos (l/s) Tipo de captação n Média Q 1 Mediana Q 3 Todos os tipos 23 0,62 0,12 0,30 1,06 Nascentes 3 valores: 0,30; 0,76; 1,14 Poços 4 valores: 0,24; 0,74; 1,15 Poços c/drenos 4 valores: 0,08; 0,09; 0,19; 2,0;2,0 Minas 6 0,36 0,13 0,19 0,35 Furos 6 0,57 0,00 0,4 0,95 Neste furo, ensaiou-se apenas a camada que apresentava a litologia mais prometedora, localizada entre 101,9 m e 108 m de profundidade. O nível estático estava a 11,3 m de profundidade e foi bombeado com o caudal constante de 1,5 l/s. O caudal específico do furo é baixo (0.05 1/s/m) e a transmissividade do troço ensaiado é de 5,2 m 2 /dia (interpretação pelo modelo de Theis). 4 Conclusões No Maciço Hespérico, os tipos litológicos dominantes são os granitos, os xistos, os grauvaques e alguns quartzitos. Em sub-domínios localizados, ocorrem depósitos arcósicos e faixas aluvionares de pequena extensão. Com excepção das aluviões, aquelas rochas são o suporte de sistemas aquíferos descontínuos, de produtividade muito baixa e em geral livres (Quadro 7) Quadro 7 - Caracterização Hidrogeológica Geral dos Sistemas Aquíferos do Maciço Hespérico Sistemas Aquíferos Extensão Tipo escoamento Produtividade Granitos Descontínuo/Muito extenso Fracturas Baixa Xistos e Grauvaques Descontínuo/Muito extenso Fracturas Baixa Quartzitos Descontínuo/ pouco extenso Fracturas Baixa Aluviões do Maciço Descontínuo/ Muito pouco Poroso Elevada Hesperico extenso Depósitos Arcósicos Descontínuo/Pouco extenso Poroso Baixa 10

Há alguma diferença na favorabilidade hidrogeológica dos granitos, dos xistos e grauvaques e dos quartzitos. Nos granitos, as captações superficiais são mais produtivas que nos xistos e grauvaques; pelo contrário, nos xistos e grauvaques, os furos são mais produtivos. Os quartzitos são tendencialmente as rochas duras mais produtivas. Bibliografia: DAVEAU, S. (1985) - Les Bassins de Lousã et D Arganil, Volume I. Memórias do Centro de Estudos Geográficos Nº 8, Universidade de Lisboa, Lisboa. PEIXINHO DE CRISTO, F. (1988) - Análise dos Sistemas da Abastecimento Público de Água nos Distritos de Aveiro e Leiria. Direcção Geral dos Recursos Naturais, Lisboa. 11