A UNIVERSIDADE MEDIEVAL E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO: ASPECTOS DA GNOSEOLOGIA DE BOAVENTURA DE BAGNOREGIO 1

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A UNIVERSIDADE MEDIEVAL E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO: ASPECTOS DA GNOSEOLOGIA DE BOAVENTURA DE BAGNOREGIO 1 SOUZA, Rodrigo Augusto de (UEM) MACHADO, Maria Cristina Gomes (UEM) Considerações Iniciais O conhecimento produzido na Idade Média nos parece prejudicado por um tipo de historiografia que insiste em considerar de maneira inadequada o medievo. A Universidade Medieval viveu uma grande efervescência cultural, científica e teológica desconhecida por muitos. Análises que se referem à Idade Média como idade das trevas ou da ignorância, revelam uma compreensão da história de tendência iluminista. Essa perspectiva procura romper com a tradição clássica do pensamento faz tábula rasa com o passado. O pensar teológico, muito difundido na Universidade Medieval, é visto com muitas reservas pela modernidade. A teologia é sinônimo de ingenuidade ou ignorância, para os adeptos desta historiografia moderna que desconsidera a tradição clássica. Aliado a isso, há o forte sentimento anti-religioso ou anti-eclesiástico, inspirado pelos ideais burgueses da Revolução Francesa. O objetivo desse trabalho é afirmar outra leitura possível da produção do conhecimento medieval. Procura discutir a questão do pensamento científico e do pensamento teológico a partir dos grandes mestres medievais. A intenção é apresentar uma face pouco conhecida da Idade Média, isto é, a racionalidade e a produção do conhecimento nesse período histórico. Por valorizar a teologia, a Universidade Medieval não era anti-científica. Que ciência produziu a Idade Média? Como se articulavam a ciência experimental e a teologia no medievo? São essas questões que o nosso estudo buscará responder. A produção do conhecimento na Universidade Medieval decorre de duas fontes fundamentais: a filosofia grega e a Bíblia. Afirmamos que a ciência emergiu do próprio 1 Esse texto é síntese das reflexões, leituras e discussões da disciplina Universidade, História e Política, sob orientação da Profa. Dra. Terezinha Oliveira e do Prof. Dr. Mário Azevedo, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá UEM. 1

pensamento teológico. Ao lado da especulação espiritual e mística, outras áreas do saber foram se configurando, não de maneira fragmentada, mas articulada com os outros conhecimentos. Nossa preocupação é entender como a ciência proveniente da teologia foi tratada por seus estudiosos. Como a teologia não negou a ciência e as coisas do seu tempo. Recorreremos ao pensamento franciscano, especialmente do século XIII. Faremos uso da obra de Boaventura de Bagnoregio (1221-1274), Itinerário da Mente para Deus (1999); na tentativa de compreender a racionalidade e o conhecimento próprios do medievo, segundo essa perspectiva. Buscamos também entender o diálogo de Boaventura de Bagnoregio com o pensamento antigo, com a Bíblia e as fontes cristãs. Redescobrindo a Idade Média: Entre o Passado e o Presente O pensamento Jacques Le Goff aborda a discussão sobre os conceitos de passado e presente e antigo e moderno ao longo do pensamento historiográfico. A abordagem utilizada pelo autor evita posturas simplistas de interpretação das épocas históricas anteriores à modernidade. Aliás, ele põe em questão a divisão tradicional da historiografia, que procura ver o tempo histórico em uma perspectiva linear e progressiva. Para Le Goff, é muito difícil precisar o início de um período histórico e o término de outro. A história é feita de rupturas e as ideologias marcam decisivamente o pensamento historiográfico. O passado é muito mais complexo do que parece. Considera o historiador francês que os cortes históricos são ideológicos, isto é, que a definição de um período da história atende interesses dos grupos humanos detentores do poder. De acordo com o pensamento de Le Goff, a tradição histórico-medieval foi prejudicada pela influência dos ideais burgueses no pensamento historiográfico. Ao definir a Revolução Francesa ou Burguesa (1789), como marco da fundação da idade contemporânea houve um desprezo pelos temas antigos e medievais, principalmente nos países europeus que tinham que carregar o fardo da história. Segundo a historiografia proposta pelo autor, não faz sentido estudar a história em si mesma. A história está a serviço daquilo que ele chama de definição de presente histórico, ou seja, a possibilidade de compreender o presente a partir do recurso à história. Nesse intento a história não está sozinha, mas conta com o auxílio das ciências históricas, da antropologia cultural ou etnografia, dos estudos lingüísticos, sociológicos, entre outros. 2

Uma determinada concepção de tempo é tomada por análise no pensamento de Le Goff. O autor se põe a investigar novas relações entre passado e presente. Procura igualmente analisar as concepções de passado e de presente, para isso, faz uso da memória coletiva e da história dos povos. O pensamento historiográfico de Le Goff está imbuído da nova história, uma vertente da história contemporânea que procura rever a nossa apropriação do passado. Tradicionalmente o passado foi estudado em si mesmo, quer dizer, como forma de libertação do presente. A história não é um simples olhar para trás, um aprender com o passado, ela é uma forma de compreensão do presente e do real. A história é eminentemente transformação e não repetição do passado. É preciso saber ler e interpretar a história. O desenvolvimento das categorias de tempo histórico, passado, presente e futuro, quando analisadas pela memória social, histórica e pelos estudos lingüísticos mostram a construção de uma identidade cultural baseada em uma noção de tempo. É o que o autor chama de desenvolvimento de nossas perspectivas temporais. Contudo, para Le Goff, há uma polarização da história no futuro, em detrimento do passado e do presente. O autor chega a sustentar a chamada aceleração da história, característica dos nossos dias, marcados por sucessivas transformações histórico-culturais. O entendimento adequado da história estaria no equilíbrio entre passado, presente e futuro. O tempo histórico deve ser uma referência constante ao presente. Por sua vez, o presente é entendido em função do futuro. Uma idéia é acentuada por Le Goff, presente e passado são construções históricas e o autor recorre a autores como Piaget, cujo marco teórico é o construtivismo, para justificar sua afirmação. Em sua incursão etnográfica, Le Goff cita o estudo de tribos e povos primitivos que demonstram uma confusão entre os tempos. Para esses povos não há muita distinção entre passado, presente e futuro. Por isso afirma a ambigüidade dos discursos históricos em relação ao tempo. A perspectiva do tempo cíclico deve prevalecer sobre o tempo linear, para Le Goff. Desse modo, a oposição entre moderno e medieval deve ser objeto de reflexão do historiador. Principalmente a investigação das atitudes dos indivíduos perante o passado e o moderno com a consciência da modernidade. O texto de Le Goff faz uma incursão nos estudos da religião, procurando entender o antigo e o novo, a partir dos estudos bíblicos do antigo e do novo testamento. O antigo é visto pelos modernos do velho e ultrapassado. Por outro lado, há uma valorização demasiada do passado, um culto ao passado, que ignora a 3

força de transformação do presente. Cabe, portanto, reconsiderar os tempos históricos e tomar o devido cuidado com a delimitação de fronteiras entre os respectivos períodos históricos. Origens da Universidade Medieval: Problemas Historiográficos O pesquisador Walter Rüegg há uma análise reflexiva da história da Universidade. O autor se preocupa em mostrar a apropriação pela historiografia da origem das Universidades a partir da Idade Média. Construir uma história social das Universidades é a intenção de Rüegg. Segundo suas idéias, a história da Universidade está articulada a partir dos mitos. Entender a Universidade considerando o seu início na Idade Média favorece uma compreensão histórica da Instituição, além de fomentar novas discussões para a organização da Universidade no presente. Para Rüegg, o entendimento da história das três mais antigas Universidades Medievais: Bolonha, Paris e Oxford, é fundamental para identificar as raízes da organização institucional da Universidade e também do trabalho pedagógico. De acordo com seu pensamento, a mitologia é muito importante para uma historiografia das origens da Universidade. Rüegg cita o caso da Universidade Paris, que procura apresentar Pedro Abelardo como seu fundador. Mais do que identificar um fundador, é preciso reconstruir a composição e estrutura de grupos intelectuais que dão origem à Universidade. Outro aspecto é reconhecer a importância dos seguintes elementos: o Aristotelismo no século XIII, o Direito Romano no século XIV, o Humanismo no século XV e a Reforma no século XVI. Outra idéia que Rüegg desmistifica é a afirmação de que Bolonha é a mãe das Universidades Européias. Afirmar isso seria um problema, para o autor. Rüegg entende que não existe uma causa para o surgimento das Universidades, mas sim, um conjunto de fatores que levaram à sua constituição. A origem se daria assim a partir da tensão entre: escolas religiosas e os professores independentes. No século XI já é possível identificar o surgimento de escolas livres para o ensino do Direito. Essas escolas que se originam a partir dos séculos XI e XIII são imprescindíveis para compreender a formação das Universidades. As bases da Universidade estão, para Rüegg, nas corporações dos ofícios, de mestres e estudantes, e nos Studium Generalis. Não é possível também ignorar a relação entre cidade medieval e Universidade. É no contexto da urbanização da vida social que surge a instituição universitária. Já na Idade Média se organizavam comunidades acadêmicas. A história da 4

Universidade medieval não é homogênea e linear, é possível identificar enfrentamentos, embates e tensões entre os estudantes e os mestres. Sabe-se que no século XI o mundo medieval recebe uma grande influência da cultura islâmica. Essa influência tem impacto também sobre a organização do trabalho pedagógico na Universidade. Rüegg fala de dois modelos de organização das escolas medievais: o modelo islâmico e o modelo cristão. Não se deve, na perspectiva de Rüegg, separar a Universidade medieval da sociedade que lhe dá origem. Uma afirmação do autor nos chama a atenção: A Universidade não é fruto do progresso do espírito histórico. Apesar dos inúmeros trabalhos e pesquisas sobre a origem medieval da Universidade, ainda há uma historiografia que defende a Universidade como filha da Modernidade, com dois modelos hegemônicos: o francês, advindo dos ideais burgueses da Revolução Francesa e o alemão, proveniente do iluminismo filosófico. O aparecimento da Universidade na sociedade medieval atende também às necessidades das classes dirigentes. Daí é possível fazer a conexão entre Universidade e Capitalismo. Afirma Rüegg: A nova instituição social, a universidade, apenas poderia ter surgido nas circunstâncias econômicas, políticas e sociais particulares de certas cidades européias no início da Idade Média. A organização do trabalho pedagógico no interior das Universidades medievais seguia a disposição de privilegiar os saberes teóricos, como a teologia, em detrimento dos saberes práticos, como a medicina. Influência essa que vem da educação na Grécia antiga. Não se pode negar que a Universidade estava a serviço dos monarcas e do papa. Sob a forte influência da fé cristã, o conhecimento era compreendido como luz. Interessante notar o papel do papado medieval, os papas eram doutos e muitos deles eram universitários. Há, portanto, uma proximidade do papa e da Universidade, que era utilizada muitas vezes como instrumento de refutação das heresias. Ao lado do surgimento da Universidade medieval há o aparecimento do livro, como instrumento de aprendizagem. Aparece também uma indústria livreira. Na segunda parte do texto, Jacques Verger, analisa o trabalho docente. E sinaliza que certas discussões como: a carreira, a corrupção e as disputas no interior Universidade já marcavam a docência desde a Idade Média. 5

Boaventura de Bagnoregio: Mestre do Pensamento Franciscano e da Universidade Medieval O pensamento de Boaventura de Bagnoregio deve ser entendido a partir do seu contexto histórico, isto é, do século XIII, período da baixa Idade Média. Alguns fatores são importantes: o surgimento do Movimento Mendicante, procurando afirmar o valor da pobreza evangélica frente a uma igreja cristã extremamente rica, a ambiência citadina, a transformação das relações humanas pela vida urbana e o nascimento das Universidades, particularmente da Universidade de Paris, palco das principais disputas teológicas na Idade Média. Podemos afirmar que o cristianismo do século XIII é fecundo e inovador. Seu caráter reformador estava muito presente. No período da baixa Idade Média a igreja cristã experimentava uma riqueza e um poder sem precedentes em sua história. Frente a essa situação há o aparecimento das chamadas Ordens Mendicantes, que buscavam promover uma reforma no cristianismo do período. Cabe ressaltar que o Movimento Mendicante, responsável pelo surgimento dessas novas Ordens religiosas, não tinha uma característica apenas espiritual. Os aspectos intelectual, sócio-cultural e econômico também tinham importância bastante acentuada. As Ordens Mendicantes, no século XIII, não representaram um avanço apenas a igreja cristã, voltando seus princípios religiosos ao cristianismo originário, mas promoveram novas relações e, por que não dizer, novas racionalidades, ou novos processos do conhecer. Destacam-se os franciscanos e os dominicanos. Na mesma igreja cristã, encontramos posturas diferenciadas em relação ao próprio cristianismo. Essa disputa entre a ordem dos franciscanos e dominicanos ficará muito visível na Universidade de Paris, nas discussões de Boaventura de Bagnoregio (1221-1274) e Tomás de Aquino (1225-1274). Na teologia da época havia uma diversidade de posturas e esses dois mestres da Universidade Medieval ilustram muito bem isso. O século XIII é marcado pela vida urbana, e as Ordens mendicantes são fruto desse processo de urbanização e do impacto disso sobre as relações humanas. O mesmo se pode sustentar em relação às Universidades surgidas no medievo. A Universidade é provém da vida na cidade. As Ordens mendicantes também representam essa mudança do campo para a cidade. Os mosteiros das primeiras Ordens religiosas eram caracterizados pela espiritualidade 6

da fuga do mundo, por isso, seus edifícios eram construídos fora das cidades. Já as Ordens do século XIII defendiam o contrário, a inserção na ambiência da cidade. Essa urbanização levou a uma adequação da igreja cristã, mas também ao aparecimento da Universidade. A redescoberta do pensamento clássico, a leitura de Aristóteles e as transformações sociais do período levaram ao surgimento da Universidade Medieval, com feições diferenciadas da Universidade Moderna, mas que conferiu uma identidade à instituição. A identidade da Universidade remonta necessariamente à Idade Média, especialmente ao século XIII. O mestre do pensamento franciscano e da Universidade Medieval, Boaventura de Bagnoregio, possuía uma notável inteligência. Em Paris, estudou Artes entre 1235-1243 e Teologia entre 1243 a 1254. Como o seu mestre, Alexandre de Hales, fez-se franciscano, por volta do ano 1243. Na Ordem franciscana se destacou muito, ao ponto de ser considerado o seu segundo fundador, ao lado de Francisco de Assis. Foi eleito para o cargo de ministro geral da Ordem, governando-a até 1273, quando foi nomeado cardeal. Sua morte se deu durante o IV Concílio de Lyon, do qual ajudou na preparação, vindo a falecer por excesso de trabalho, durante as sessões conciliares. (DE BONI, 2005, p. 197). O Pensamento Franciscano Para compreendermos o pensamento franciscano, devemos considerar alguns aspectos fundamentais na sua constituição. O primeiro deles é a influência platônico-agostiniana. As fontes franciscanas estão em diálogo com essa matriz filosófica. Essa nos parece uma consideração importante a ser feita. A pobreza evangélica é outra característica do pensamento franciscano. O conhecimento é visto como um dom ou uma graça de Deus. Disso vem a idéia de iluminação, tal como Agostinho de Hipona, o conhecimento se dá por essa iluminação divina. A importância da natureza é outro ponto que precisa ser ressaltado. O franciscanismo, como movimento espiritual e forma de racionalidade, insiste no valor da imanência. Isso não significa abdicar a transcendência, ao contrário, mas sustentar que se chega ao transcendente pelo imanente. O mundo, a natureza, o cosmos, o universo das coisas criadas, alcançam, no pensamento franciscano um valor sagrado. Esses elementos são formas na manifestação do próprio Deus, na visão franciscana. 7

Tamanha era a importância da natureza, atribuída pelo franciscanismo, que seu pensamento foi acusado de ser um paganismo cristão. No entendimento de alguns pensadores e líderes eclesiais do período, o pensamento franciscano negava a dimensão de transcendência, ou, em termos teológicos, a escatologia, ao defender o caráter sagrado das criaturas e defender a presença de Deus nas próprias criaturas. Essa foi uma contenda no seio da igreja cristã no período do surgimento da Ordem franciscana. A mística é outro elemento significativo do pensamento franciscano. Sua espiritualidade é muito mais mística do que ascética, isto é, insiste mais na revelação como dom gratuito de Deus, do que no esforço humano, via conduta moral, para chegar até Deus. Isso mostra mais uma diferença entre franciscanos e dominicanos. O pensamento franciscano é mais otimista, por ser mais místico. Não insiste tanto em temas como o pecado ou o inferno. Já entre os dominicanos o aspecto ascético parece ser mais importante. A retidão moral, a ascese, em um abnegado espírito de sacrifício fundamenta, de certo modo, o pensamento dominicano. Podemos confirmar isso no pensamento de Tomás de Aquino, quando ele dedica a segunda parte da Suma Teológica, ao tema do pecado, originando o que se chama em teologia de moral casuística. Ao afirmarmos que o pensamento franciscano é mais místico do que ascético, não defendemos a idéia de que ele nega a dimensão do pecado, pelo contrário. Em sua obra Itinerário da Mente para Deus, Boaventura de Bagnoregio entende que o pecado deforma a nossa possibilidade de conhecer. O pecado é um obstáculo para o conhecimento, no entanto, a graça de Deus sempre é maior que o pecado, e vem em socorro da fraqueza humana, corrigindo assim o pecado do homem e levando-o ao estado de graça e à possibilidade de conhecer. O otimismo do pensamento franciscano está justamente nessa afirmação da vitória da graça divina sobre o pecado, a deformação da possibilidade de conhecer. Conhecer só é possível por que Deus oferece seu auxílio à natureza humana, quando no pecado. Dessa maneira, conhecer é um dom de Deus. 8

O Método Espiritual de Boaventura de Bagnoregio Inserido no contexto do pensamento franciscano, como mestre da Universidade medieval no século XIII, Boaventura de Bagnoregio, mostra sua visão de conhecimento como um método espiritual, que une o conhecimento da natureza à teologia. Nesse sentido ele é fiel ao aspecto místico do pensamento franciscano. Na mesma tradição filosófica de Platão e Agostinho de Hipona, o mestre medieval defende o conhecimento como iluminação. No início de sua obra mais importante: Itinerário da Mente para Deus, Boaventura de Bagnoregio faz uma oração ao Pai das luzes, mostrando assim, que o conhecimento é um dom de Deus, uma espécie de revelação divina. De acordo com o seu pensamento, o conhecimento é uma dádiva de Deus, sinal da atuação da graça divina na natureza humana. O processo de conhecer, para Boaventura de Bagnoregio, tem um caráter místico ou espiritual bastante acentuado. Sua intenção é elevar o homem, pelo correto uso de sua racionalidade, até Deus. Partindo da natureza, do conhecimento racional, Boaventura quer chegar ao sobrenatural e ao místico, uma dimensão de profunda contemplação. Nesse estágio, a razão humana cessaria sua busca, poderia descansar em paz, pois experimentaria a plenitude da contemplação. O pensamento de Boaventura de Bagnoregio propõe um método, um caminho para se chegar até Deus, a verdade definitiva. O diálogo com a Bíblia é constante. Apresenta seu método como uma escada, partindo da interpretação do número sete no livro do Gênesis, que afirma que Deus teria criado todas as coisas em sete dias e no último teria descansado. Esse esquema teológico é utilizado por Boaventura de Bagnoregio como caminho do homem, via uso da racionalidade, para chegar até Deus. Uma escada espiritual de sete degraus. É um itinerário progressivo da alma humana, do intelecto, para se chegar até Deus, à contemplação definitiva. Boaventura define seu método como caminho para a paz, por isso, descreve as sucessivas elevações da alma até se encontrar definitivamente com Deus. Nesse caminho espiritual, que é também racional, e, é interessante notar como esses elementos aparecem articulados no pensamento de Boaventura de Bagnoregio, o homem aparece inteiro, isto é, com seus afetos, desejos e emoções. A subjetividade ou os afetos não são obstáculos para conhecer, tal como veremos a partir gnoseologia do século XVI. Não há dicotomia entre racional e espiritual, essas 9

dimensões são indissociáveis, inseparáveis no ato de conhecer, na visão do mestre franciscano. Que não venha a crer que baste a leitura sem unção, a meditação sem a devoção, a indagação sem a admiração, a atenção profunda sem a alegria do coração, a atividade sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça divina, o espelho sem a luz sobrenatural da divina sabedoria. (BAGNOREGIO, 1999, p. 293). O método espiritual de Boaventura Bagnoregio supõe uma preparação, antes é preciso que o homem escute as censuras de sua consciência. O pecado, na visão bonaventuriana, é um obstáculo para o conhecimento. Só possível conhecer pela graça divina e por nossa própria natureza. De acordo com essas idéias, o pecado é a deformação da natureza humana, impossibilitando nossa faculdade de conhecer. Por isso, Boaventura reza no início da apresentação seu método, para que os espelhos de nossos espíritos estejam purificados e polidos e possam assim refletir a luz da verdade. A verdade do que somos, de nossa própria natureza e a verdade de Deus. O itinerário sugerido por Boaventura é um caminho que conjuga mística e contemplação. O elemento intelectual deve conduzir à visão de Deus, que por sua vez, está presente tanto na ordem natural quanto na sobrenatural. O primeiro estágio para chegar à Deus é pelo universo criado, pelo dado natural, a partir disso, nos elevamos, buscamos a divindade e a graça por sua vez, age em nós, nos ajudando nessa busca para chegar a Deus. Boaventura de Bagnoregio descreve três fases distintas ao longo do itinerário: o intelecto, a mística e o arrebatamento. O estágio do arrebatamento é o mais difícil de ser alcançado. Há um apelo para deixar-se conduzir pelo Senhor, no início do itinerário. A escada visa ascender ao Criador. No entendimento de Boaventura, o mundo não é empecilho para conhecer a Deus. Ele fala de dois mundos: o interior (a subjetividade humana ou sua consciência) e o exterior (a natureza criada). É possível chegar ao Criador pelo universo, mais uma característica do pensamento franciscano. O aspecto místico se ressalta quando Boaventura de Bagnoregio afirma que é possível chegar a Deus pelas criaturas. Isso mostra como seu método espiritual é otimista em relação à natureza humana, às coisas criadas e ao mundo. Boaventura compara a aplicação de seu método a três dias de solidão. 10

Tal viagem é de três dias de solidão. Esse é o tríplice esplendor de um só dia, dos quais o primeiro pode ser comparado ao anoitecer, o segundo a manhã, o terceiro ao meio-dia. Isso ainda representa a tríplice existência das coisas: na matéria, na inteligência e na arte divina (existência das coisas em Deus). [...] Isso tem relação com a tríplice substância de Jesus Cristo, nossa verdadeira escada, isto é, com seu corpo, com sua alma e sua divindade. (Ibid., p. 297). Em seu método espiritual de conhecer, Boaventura de Bagnoregio expõe três vias pra o conhecimento de Deus: a animalidade, o espírito e a mente. O que pode ser entendido de um modo mais simples como: coração, alma e mente. A primeira via parte das coisas corporais e exteriores, pelo dado da animalidade e sensitividade. A segunda, o espírito, é o olhar sobre si mesmo. Na terceira via, pela mente, olhamos acima de nós mesmos, o horizonte de transcendência, a eternidade. O pensamento de Boaventura de Bagnoregio possui teologia bastante elaborada. Ela se divide em: teologia simbólica, que parte das coisas sensíveis, a teologia própria, produzida pela razão humana e a teologia mística, própria do espírito. Só é possível conhecer a Deus pela graça que nos é concedida. Ninguém chega à sabedoria sem a graça, sem a justiça e sem a ciência, assim também ninguém pode chegar à contemplação sem a meditação profunda, sem uma vida pura e sem uma oração fervorosa. Ora, a graça é princípio da retidão da vontade e da iluminação da inteligência. Por conseguinte, devemos antes de tudo orar, depois viver santamente e, enfim, aplicar nosso espírito ás belezas da verdade e nos elevar gradativamente, contemplando-as até chegarmos à montanha excelsa onde se vê o sumo Deus, no esplendor de sua glória [Sl. 83,8]. (Ibid., p. 300). Essa articulação entre razão e fé, natural e sobrenatural, no pensamento de Boaventura de Bagnoregio, supõe que podemos ter acesso a Deus de três modos: através da razão, da fé e da contemplação (que envolve também os sentidos). Em visão de mundo, Boaventura vê uma hierarquia entre os seres, partindo dos seres irracionais, ou ligados às coisas terrestres, para se chegar aos seres mais elevados, cuja consciência consegue contemplar a Deus. Dessa experiência mística decorre também um princípio de moralidade, baseado em três leis: natural, a escrita (elaborada pelos homens) e a graça (a lei da liberdade). 11

Não há distinção entre sagrado e profano no pensamento de Boaventura de Bagnoregio. Tudo é sagrado, reflexo da cosmologia franciscana que permeia o seu pensamento. Ao defender sua hierarquia dos seres, considera que Deus está presente nas criaturas de duas formas fundamentais: como vestígios do criador, aplicado às coisas materiais, que possuem os atributos de Deus e como imagens de Deus, onde a presença de Deus é explícita e inegável, tendo Deus como objeto. O homem é imagem de Deus, temos em Boaventura uma antropologia cristã otimista. Cego é, por conseguinte, quem não é iluminado por tantos e tão vivos resplendores espalhados na criação. É surdo, quem não acorda por tão fortes vozes. É mudo quem, em presença de tantas maravilhas, não louva o Senhor. É insensato, enfim, quem, com tantos e tão luminosos sinais, não reconhece o primeiro Princípio. (Ibid., p.303). No pensamento de Boaventura de Bagnoregio, não há um pessimismo da matéria, como em outros pensadores cristãos, de influência platônico-agotiniana. Ao contrário, podemos chegar ao conhecimento e a Deus através da natureza. Boaventura põe a natureza como estágio primeiro do acesso ao conhecer. Ele afirma que a trindade mora no homem e avança ainda mais ao comparar as faculdades cognitivas do homem a Deus. Refletindo sobre a trindade, ele defende que Deus se mostra ao homem pela: memória, a inteligência e a vontade. A teologia é aplicada á compreensão dessas dimensões humanas. Ainda na investigação sobre a trindade, o Doutor Seráfico, relaciona o conhecimento racional e natural à natureza divina. Ele afirma que o Pai é a metafísica, o Filho é a matemática e o Espírito Santo é a física. Essa três coisas a mente que gera, o verbo e o amor, existem na alma como memória, inteligência e vontade, as quais são consubstanciais, coexistentes, coiguais e se compenetram mutuamente. Se, portanto, Deus é perfeito espírito, tem então uma memória, uma inteligência e uma vontade, as quais necessariamente se distinguem, porque uma procede da outra. Distinguem-se, porém, não essencialmente nem acidentalmente, mas pessoalmente. (Ibid., p. 323). Para Boaventura de Bagnoregio, raciocinar é buscar a luz e a verdade. Nesse sentido, pensar é buscar a Deus. Nesse processo todo, a vontade não está excluída, muito menos os afetos. Eles se unem em uma experiência de conhecimento a partir da totalidade do homem. 12

Ao tratar do conhecimento, Boaventura trata das quatro luzes: a luz exterior, da arte mecânica, a luz inferior, do conhecimento sensitivo, a luz do conhecimento filosófico, da especulação racional e a luz superior, da compreensão da sagrada escritura e de Deus. Essa é a hierarquia do conhecimento para Boaventura de Bagnorégio, e, assim, apresenta seu método de conhecer, que conjuga razão e espiritualidade, mística e natureza, fé e especulação científica. Considerações Finais Nossa intenção com esse trabalho foi mostrar aspectos da produção do conhecimento na Universidade medieval, em particular no pensamento de Boaventura de Bagnoregio, no século XIII. Com isso, procuramos fomentar, em sintonia com outros estudiosos, um novo olhar sobre a Idade Média. Rejeitando a idéia, um tanto simplista, de que esse período da história foi infértil à racionalidade humana. A Idade Média produziu conhecimento sob pressupostos racionais e experimentais, como nos atesta o pensamento de Boaventura de Bagnoregio. As expressões ciência experimental e conhecimento racional ou da natureza aparecem com freqüencia os escritos dos mestres medievais, especialmente na baixa Idade Média. Preservar a memória da Universidade, enquanto instituição é uma necessidade atual. O recurso à história é uma forma de compreender o presente, as questões que estão colocadas em nossos dias. Assim, ir ao encontro da Universidade medieval é buscar as raízes de nossas instituições de hoje. Analisar a organização do trabalho pedagógico, a atuação dos mestres e de seus discípulos, o processo do conhecimento, no seio da Universidade medieval, pode projetar luzes sobre a compreensão de nossa realidade presente. A Idade Média foi um período intenso de produção de saberes e conhecimentos. A leitura dos clássicos era constante, a inquietação estava presente no pensamento através dos debates travados no seio da Universidade nascente. No século XIII se destacam Aberto Magno, Tomás de Aquino e Boaventura de Bagnoregio, nas disputas teológicas da Universidade de Paris. O surgimento das cidades, as novas relações surgidas daí originaram uma nova forma de organização da vida social e também uma nova racionalidade. Representante do pensamento franciscano, Boaventura de Bagnoregio, desenvolve um método espiritual, como proposta de conhecimento. Ele articula em sua gnoseologia dois planos do conhecimento: a mística e a razão, o natural e o sobrenatural. Por ser teológico, seu 13

método, como sugestão do processo do conhecer, não é irracional. A racionalidade humana tem um lugar muito importante no Itinerário da Mente para Deus, obra fundamental do pensamento bonaventuriano. Nessa obra, Boaventura defende um caminho que vai da razão para a mística, isto é, do homem a Deus, na forma de uma escada, de um movimento de ascendência. A teologia de Boaventura de Bagnoregio compara Deus a uma mente, a um logos criador. Faz afirmações como: Deus está presente por imagens e vestígios nas criaturas, Deus mora dentro do homem, o homem pode conhecer a Deus pela bondade da graça divina. Há um otimismo em relação ao homem e ao mundo. Não se trata de uma espiritualidade de fuga do mundo, mas ao contrário, de inserção no mundo. A razão não chega à sua plenitude se não alcançar a mística. REFERÊNCIAS BAGNOREGIO, Boaventura. Escritos Filosóficos e Teológicos. Porto Alegre: Edipucrs, 1999.. Itinerário da Mente para Deus. Porto Alegre: Edipucrs, 1999.. Redução das Ciências à Teologia. In: DE BONI, Luis Alberto (Org.). Filosofia Medieval. Porto Alegre: Edipucrs, 2005, p. 197-213. CHARLE, Christophe & VERGER, Jacques. História das Universidades. São Paulo: Editora Unesp, 1996. DE BONI, Luis Alberto (Org.). Filosofia Medieval. Porto Alegre: Edipucrs, 2005. LE GOFF, Jacques. Antigo/Moderno. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, s./d., vol.1, p. 370-392.. Passado/Presente. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, s./d., vol. 1, p. 292-310. RUEGG, Walter. Temas. In: RUEGG,Walter (Org.). Uma História da Universidade na Europa. Lisboa: Casa da Moeda, s./d., Vol. 1, p. 3-31. OLIVEIRA, Terezinha. As Universidades na Idade Média. São Paulo/Porto: Mandruvá/Instituto Jurídico Interdisciplinar, 2005.. Origem e Memória das Universidades Medievais. Varia Historia. Belo Horizonte, Vol. 23, n.37, Jan/Jun 2007, p.113-129. 14

VERGER, Jacques. Os Professores. In: RUEGG, Walter (Org.). Uma História da Universidade na Europa. Lisboa: Casa da Moeda, s./d., Vol.1, p. 143-167. 15