3) A construção da argumentação: seleção de fatos e argumentos Nós vimos, anteriormente, algumas etapas pelas quais devemos passar antes de iniciar o processo de escrita: compreensão do tema, leitura e interpretação dos textos de apoio e seleção das ideias. Em seguida, estudamos formas de se iniciar o texto, ou seja, maneiras de se construir a introdução do tema, como definição, flashes, retomada histórica, citação e declaração inicial. No último módulo apresentado, esclarecemos as exigências da introdução, ou seja, os elementos que não podem faltar nesse parágrafo, a apresentação do tema e o estabelecimento da tese. É essa parte do texto que vai guiar todo o restante da construção da produção textual, pois toda a argumentação será construída a partir dos elementos iniciais apresentados. O restante da produção deve estar ligado ao que é apresentado nesse parágrafo inicial. Após a construção da introdução e, consequentemente, do estabelecimento da tese, iniciaremos o desenvolvimento do texto dissertativo-argumentativo. Esse é o momento de apresentarmos os fatos, os argumentos e de defendermos o nosso ponto de vista. Em suma, é o momento da escrita em que vamos mostrar o nosso conhecimento acerca do assunto e defender a tese levantada. Antes de iniciarmos essa parte do texto, é importante relembrarmos que o gênero exige argumentação, portanto não podemos ficar apenas na exposição dos fatos. É claro que o texto argumentativo apresentará exposição, porém essa última deve sempre ser apresentada acompanhada de argumentação, de debate, de crítica. Sendo assim, a partir da seleção da tese, precisamos selecionar os fatos e os argumentos que vão dar sustentação ao que será defendido, isso significa que deveremos trazer elementos para o nosso texto que possam explicar, justificar a nossa tese, com o objetivo de persuadir, isto é, de convencer o leitor. O desenvolvimento é a segunda etapa estrutural solicitada pelo gênero dissertativo-argumentativo. Como vimos anteriormente, esse gênero exige a discussão sobre um determinado assunto e a defesa de um ponto de vista. Sendo assim, o desenvolvimento é o momento de nossa produção textual em que faremos a discussão solicitada, trata-se do momento da argumentação. Essa argumentação deve estar diretamente ligada às informações apresentadas na introdução, para evitar a desorganização de ideias e a contradição, uma vez que não podemos apresentar algo e discutir sobre outra coisa. Da mesma forma, não podemos apresentar um ponto de vista e defender outro. Com isso, vemos a necessidade manter a organização de nosso texto, sempre direcionando a nossa argumentação ao que é solicitado pela proposta de redação (pelo tema) e sempre defendendo o ponto de vista escolhido. Ao tratarmos das etapas pré-produção textual, vimos que é fundamental compreendermos o tema, interpretarmos os textos de apoio e esquematizar as ideias que vão surgindo. Dessa estruturação de ideias, surgem os nossos argumentos, as nossas justificativas, os nossos posicionamentos acerca da problemática. Para construirmos a parte do desenvolvimento do nosso texto, selecionamos dois (no máximo três) argumentos, visto a quantidade de linhas disponibilizadas, trinta. Se pensarmos no tema do ano passado, que tratou da persistência da violência contra a mulher, podemos selecionar duas justificativas para tal fato e desenvolver o processo de argumentação. Podemos escolher, por exemplo, a falta de punição como fator que gera esse tipo de violência e o machismo presente em nossa sociedade. Para cada um desses pontos levantados, desenvolvemos um parágrafo, bem argumentado, discutido e fundamentado. 21
Todavia, ao selecionarmos as ideias e os argumentos, é preciso ter em mente que só podemos apresentar pontos sobre os quais somos capazes de discutir, ou seja, só podemos falar daquilo que temos domínio, pois tudo precisa ficar muito bem explicado e claro, evitando que o leitor fique com dúvidas. Todos os argumentos apresentados precisam estar diretamente ligados ao tema e ao ponto de vista selecionado, por isso, fique atento e sempre se pergunte Será que o meu texto está discutindo sobre o assunto e defendendo a minha tese? O texto precisa ser direcionado ao que é pedido, exigido e apresentado. Os fatos e os argumentos devem sempre fugir do que é comum, do que todo mundo já sabe e repete, é preciso fugir do senso comum. É necessário mostrar sempre o seu senso crítico, pois é isso que a banca espera. Ela quer ver a sua capacidade de criticar e de sair do lugar-comum, do lugar que a maioria ocupa. O senso crítico consiste na capacidade de questionar, de criticar, de refletir sobre os fatos, sem fazer uso de verdades absolutas. É mostrar criticidade e não reproduzir verdades que já estão postas. É mostrar um olhar diferente sobre o assunto, é questionar, é refletir. Veremos a seguir algumas maneiras de se construir a argumentação. Vamos lá? Argumentos Senso Crítico 3.1 Tipos de argumentação É comum termos dificuldades na hora de organizar os parágrafos do desenvolvimento de nosso texto. Da mesma forma com que muitas dúvidas, medos e incertezas surgem no momento de iniciarmos a nossa produção, a etapa de construção da discussão também pode representar um momento de desgaste. Tendo em vista tal fato e na tentativa de tornarmos essa fase da produção algo mais simples e objetivo, selecionamos cinco modos de se construir a argumentação. É claro, que outras maneiras também são utilizadas, mas é importante, nesse momento de muito estudo, focar em algumas e encontrar aquela nos dará maior segurança. 3.1.1 Consequência Essa técnica talvez seja a mais utilizada na argumentação. Nela apresentamos um fato e as suas 22
consequências, sempre nessa relação causa-consequência. Vamos ver o exemplo: Uma das consequências imediatas dessa iniciativa do poder público é a diminuição dos perigos relacionados à locomoção viária, uma vez que o número de acidentes tende a ser sensivelmente reduzido. Nesse sentido, por estarem sóbrios, indivíduos tornam-se mais conscientes, o que dificulta a perda do controle da direção que é uma das grandes responsáveis por mortes no trânsito. Dessa forma, a população passa a ter seu direito à vida - garantia defendida pela ONU - respeitado diante da vigência de uma regra que incompatibiliza a associação entre o álcool e o dirigir. Candidata: Beatriz Pego Damasceno Ao discutir sobre álcool e trânsito, a candidata apresenta uma das consequências da Lei Seca, a redução dos acidentes de trânsito. Observe que ela faz essa marcação com o uso da expressão Uma das consequências imediatas, porém essa marcação não precisa aparecer necessariamente, a própria construção da oração vai nos mostrar que os fatos estão organizados nessa relação causa-consequência. É válido observar ainda, que ao tratar do direito à vida, a aluna diz que se trata de uma garantia defendida pela ONU, o que funciona como justificativa, como fundamentação, para aquilo que ela está apresentando. É importante lembrar que as consequências apresentadas sobre os fatos podem ser positivas ou negativas, você pode ver o fato como uma boa alternativa/acontecimento ou não. 3.1.2 Explicação Outra estratégia comumente empregada na construção dos parágrafos de argumentação de um texto é a explicação. Como o próprio nome já diz, o autor da produção textual irá apresentar o fato e fará uma explicação sobre ele. Então, fazemos uma apresentação de um fato e levantamos os porquês dele. Beber e dirigir definitivamente não combinam. Uma vez que combinados colocam não apenas a vida do motorista em risco, e sim a de todos aqueles os quais tiveram a má sorte de o encontrar pelo caminho. O número de mortes (muitas vezes de inocentes) em consequências de bebedeiras é alto. A BR-381 - Rodovia da Morte em Minas Gerais - é conhecida pelos elevados índices de acidente. Candidata: Danielle Nunes Gonçalves 23
Nesse parágrafo, a aluna apresenta um fato Beber e dirigir definitivamente não combinam e traz uma explicação para tal colocação uma vez que combinados colocam não apenas a vida do motorista em risco, mas sim a de todos aqueles os quais tiveram a má sorte de o encontrar pelo caminho. A candidata apresenta um fato e uma explicação. Essa estratégia consiste na apresentação de um fato e uma explicação sobre ele. Essa é uma boa ferramenta de argumentação, pois evita que o leitor fique com dúvidas. Nesse mesmo exemplo, podemos ressaltar outra estratégia de argumentação, o uso de exemplos. Isso reafirma a colocação feita e mostra que se pode comprovar tal problema, através de acontecimentos que fazem parte da realidade da sociedade. 3.1.3 Argumento de autoridade Podemos destacar, ainda, outra maneira de construção da argumentação, o uso de argumento de autoridade. Esse uso se dá a partir das citações, sejam elas diretas ou indiretas. Vamos dar uma olhada no exemplo abaixo? A aplicação do código de trânsito encontra seu maior desafio no alto índice de transgressão. Isso ocorre devido à mentalidade individualista da maioria das pessoas, já citada pelo filósofo Jon Locke, que acredita que as leis seriam para os outros mas não para si. Além disso, a má qualidade educacional, principalmente do ensino público, reduz o conhecimento acerca da cidadania e dos direitos necessários para a sua execução. Dessa forma, a quantidade de acidentes nas cidades e estradas ainda é grande, assim como o número de mortes. Candidata: Beatriz do Nascimento Carvalho No trecho acima, a candidata faz uma colocação, destacando a questão da transgressão às leis e para construir a argumentação sobre essa questão, destaca uma colocação do filósofo Jon Locke, em que ele afirma que as leis não foram feitas para si, mas para os outros. Essa é uma estratégia que enriquece o texto, fundamenta a discussão e reforça a colocação da autora do texto, pois ela coloca algo de caráter científico para justificar a sua posição. Mas é necessário ter cuidado para não atribuir citações a autores errados e é preciso sempre fazer as devidas referências, além de falar quem é a autoridade que está falando. No caso, ela esclareceu que se trata de um filósofo. 3.1.4 Contraste O contraste também é uma maneira de se construir a argumentação em um texto. Nesse caso, o autor faz uma oposição entre dois lados de um mesmo fato, na tentativa de mostrar o lado bom e o 24
lado ruim daquilo que está apresentando. O álcool, mesmo sendo uma droga lícita, não perde a sua propriedade depressora do sistema nervoso, ocasionando a redução gradativa da capacidade de construção dos impulsos para o restante do corpo, enquanto a bebida estiver circulando no organismo. [...] Candidata: Laisa Santos Amaral Rolin Nesse parágrafo, a autora faz uma colocação mostrando a legalidade da droga, mas apresenta o lado negativo que é a propriedade depressora do sistema nervoso. A apresentação dos dois lados de um mesmo fato enriquece a discussão e mostra que o autor está antenado aos fatos e que sabe reconhecer as duas faces de um mesmo problema. 3.1.5 Argumentos históricos Na estratégia dos argumentos históricos, o autor vai apresentar fatos históricos diretamente ligados à problemática, fazendo uma contraposição entre um acontecimento passado e o momento presente, ou tomando um acontecimento histórico como ponto de partida para a discussão. Veja o exemplo: Há quem duvide da capacidade de convencimento dos meios de comunicação. No entanto, tais artifícios já foram responsáveis por mudar o curso da História. A imprensa, no século XVIII, disseminou as ideias iluministas e foi uma das causas da queda do absolutismo. Mas não é preciso ir tão longe: no Brasil redemocratizado, as propagandas políticas e os debates eleitorais são capazes de definir o resultado de eleições. É impossível negar o impacto provocado por um anúncio ou uma retórica bem estruturada. Candidato: Carlos Eduardo Lopes Marciano No trecho acima, ao tratar da questão da publicidade infantil, o aluno retoma a impressa do século XVIII, que disseminou as ideias iluministas e estabelece uma relação com o Brasil redemocratizado, destacando as propagandas políticas e os debates eleitorais. Essa é uma estratégia que requer conhecimentos históricos e é preciso estabelecer relação entre momentos históricos que de fato estão ligados, sempre tendo em mente tudo o que foi exposto na introdução do texto. Essas estratégias aqui apresentadas e exemplificas com trechos de redações, que atingiram a 25
nota 1000 no Enem, são técnicas que podem ser utilizadas na construção do desenvolvimento do texto. Elas devem priorizar a discussão do problema e a defesa da tese. Tais técnicas, se bem desenvolvidas, vão contribuir para um texto rico em informações e mostrará um repertório sociocultural muito bem desenvolvido. Vamos pensar um pouco sobre esse repertório? 3.2 A importância do repertório sociocultural Vimos que a banca espera que mostremos o nosso senso crítico durante o nosso processo de argumentação, independentemente da estratégia que for utilizada. Outro ponto avaliado nesse momento de discussão é o repertório sociocultural. Para justificar, defender o ponto de vista é preciso enriquecer a discussão. E para isso, é necessário que mobilizemos diversas áreas do conhecimento para justificar as nossas colocações. E é isso que define o repertório sociocultural. O repertório sociocultural consiste na utilização de conceitos, de conhecimentos de outros campos, como por exemplo: História, Filosofia, Educação, Economia. Esses conhecimentos vão aparecer como fundamentação das nossas ideias, nós vamos usá-los para justificar aquilo que estamos falando. É como se precisássemos falar e comprovar a nossa colocação, para isso usamos áreas diferentes, que dão certa cientificidade à nossa produção textual. De maneira bem geral, esse repertório sociocultural consiste no nosso conhecimento de mundo. A construção desse repertório se dá, por mais repetitivo que isso possa parecer, através da leitura. É fundamental que tenhamos uma rotina de leitura e ao tratarmos do ato de ler, não nos restringimos à ação de tomar um livro, uma revista ou um jornal para procedê-la. Trata-se, também, de estabelecer discussões, participar de rodas de conversas, ficar antenado ao que acontece no mundo, assistir telejornal, ouvir rádio, acessar conteúdos informativos na internet. É tentar construir uma leitura de mundo, a partir do acesso a áreas de conhecimentos distintas. Dessa forma, o repertório sociocultural (avaliado na competência 2) vai sustentar a nossa discussão. Trata-se de mobilizar outras áreas para justificar o seu ponto de vista. Por isso, traga informações históricas, culturais, sociais, faça uso de citações, use dados, analise-os. Mostre que você tem conhecimento e domina outras áreas. Use isso para justificar os seus argumentos. 3.3 Dicas para a argumentação 1) Cuidado com a contradição. A tese precisa ser bem defendida, então tome cuidado para que você não diga algo e depois fale o contrário. 2) Abuse dos recursos coesivos. Mostre sempre um repertório variado de recursos coesivos, não use sempre os mesmos, mostre que você conhece outros. Isso te garantirá uma boa nota na competência 4. 3) Saia do senso comum e ative o senso crítico. A banca quer ver sempre a sua capacidade de criticar, de refletir sobre o assunto debatido, por isso saia do lugar comum, do senso comum, não fique apenas naquilo que é sempre repetido e defendido. Mostre outras vertentes e outras possibilidades de discussão. 26
4) Mostre o seu repertório sociocultural. Mostre que você conhece e domina outras áreas e utilize essas informações como sustentação para a sua discussão. Use-as para justificar as suas colocações. 5) Convença o seu leitor Você precisa convencer o seu leitor, é para ele que você está escrevendo, por isso deixe tudo bem claro, traga informações relevantes, discuta, critique, argumente, convença o seu leitor de que o seu ponto de vista é o correto e que não há outras possibilidades. 6) Cuidado com as generalizações Não faça colocações que generalize e que coloque tudo no mesmo lugar, pois isso pode deixar a sua argumentação rasa. Evite esse tipo de construção 27