Protagonismo Feminino em Hora de Aventura: Uma Análise do Percurso Gerativo de Sentido em A Bruxa do Céu 1

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Transcrição:

Protagonismo Feminino em Hora de Aventura: Uma Análise do Percurso Gerativo de Sentido em A Bruxa do Céu 1 Resumo Emanuelly Menezes VARGAS 2 Juliana PETERMANN 3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Através de Fiorin (2015) e Maingueneau (1989) este artigo realiza uma análise de discurso do episódio "A Bruxa do Céu" do desenho animado Hora de Aventura, uma animação cômica e dramática com aprofundação de personagens. Percorremos os níveis da construção do percurso gerativo de sentido para entender melhor um episódio com temáticas incomuns neste tipo de produto, como protagonismo feminino e construção de uma relação de amizade entre meninas. Palavras-chave: semiótica; protagonismo feminino; animação; percurso gerativo; narrativa. 1 INTRODUÇÃO Assistir desenhos animados faz parte da infância de uma grande parcela da população em países do ocidente, o número de crianças que tem nesses personagens verdadeiros ídolos é enorme, e o peso que estes personagens tem na formação humana dessas crianças é igualmente grande. Mas infelizmente a quantidade expressiva de audiência em muito pouco reflete qualidade destas animações. Quando se trata de gênero estes desenhos ainda deixam muito a desejar a falta de proporção entre personagens femininos e masculinos, e a manutenção do esteriótipo de menina, princesa, frágil e que precisa se salva ainda é alarmante. Desde pequenos impomos aos meninos que eles precisam salvar alguém para mostrar seu valor, e diminuímos meninas ao simples papel de serem salvas. O presente artigo procura observar com um olhar otimista e propões uma análise sobre um episódio onde estes esteriótipos são quebrados. Para que sirva de reflexão sobre a possibilidade de uma produção audiovisual que não diminua personagens se baseando em seu gênero, ou qualquer outro fator. 1 Trabalho apresentado na divisão temática IJ08 Estudos Interdisciplinares da Comunicação do Intercom Júnior - XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Graduanda do 6º semestre em Comunicação Social Hab. Produção Editorial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: emanuelly.mvargas@gmail.com 3 Orientadora do trabalho. Professora do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: jupetermann@yahoo.com.br 1

A partir de Fiorin (2005) queremos observar cada nível da construção do percurso gerativo de sentido e assim então entender melhor esse episódio. 2 METODOLOGIA 2.1 Descrição do corpus O objeto de análise escolhido por nós foi A Bruxa do Céu, o vigésimo nono episódio da quinta temporada do desenho Hora de Aventura (Adventure Time). Hora de Aventura é um desenho criado por Pendleton Ward e produzido e exibido pelo Cartoon Network. A trama se passa na Terra de Ooo, onde os personagens principais Finn, um humano, e Jake, seu cachorro mágico, envolvem-se em tramas e aventuras. Apesar do nome sugerir um desenho do gênero aventura cômica, Hora de Aventura encaixa-se melhor no gênero drama, dada a profundidade de seus personagens e os temas abordados nos episódios como relações afetivas, passagem da infância para a adolescência e a relação dos personagens com seus familiares. Ainda sobre os personagens é relevante observar que apesar dos protagonistas serem Finn e Jake, outros personagens tem tanta profundidade e suas histórias são tão exploradas quanto os personagens principais. No episódio escolhido, por exemplo, Finn e Jake aparecem apenas nos primeiros segundos e não tem nem mesmo uma fala. Neste episódio, duas personagens femininas, Princesa Jujuba e Marceline, vão atrás de uma bruxa para recuperar um objeto de grande valor para Marceline. Escolhemos este episódio porque ele apresenta as quatro fazes da sequência canônica do nível narrativo proposta por Fiorin (2005), mas os sujeitos são personagens femininos, diferente do que ocorre nas histórias clássicas de princesas, e também porque ele permite uma boa análise sobre empoderamento no nível discursivo. 2

Fig. 1: Marceline e Princesa Jujuba discorrem sobre como adentrar os domínios da casa da bruxa. Fonte: reprodução, Hora de Aventura, Cartoon Network 2.2 Passos da Análise Pretendemos com este artigo problematizar a representação feminina em produtos audiovisuais com o esteriótipo de menina, frágil e incapaz, através da análise de um episódio onde os personagens femininos são extremamente capazes e em momento algum precisam ser salvas por um príncipe ou um personagem masculino. Para isso usaremos como base o percurso gerativo de sentido de Fiorin (2005), que é dividido em quatro níveis: nível fundamental, nível narrativo, nível discursivo e nível da manifestação. O quadro abaixo apresenta uma sistematização destes níveis. Quadro 1 Sistematização dos níveis em Fiorin Nível Semântica Sintaxe Fundamental /possuir/ versus /despossuir/ Afirmação da desposse, negação da desposse e afirmação da posse. Narrativo Objetos modais: camiseta, Sequência canônica: inteligência da Princesa manipulação do tipo Jujuba. Objeto de valor: sedução, competência, Hambo, bicho de pelúcia. Discursivo Tematização: objetos tecnológicos da Princesa Jujuba, etc. Manifestação performance e sanção. Ethos Paleta de cores, Marceline e Jujuba abraças, etc. Partindo deste sistema de análise buscaremos entender a construção das personagens, dando atenção especial ao nível narrativo e discursivo, comparando a história clássica de princesas e aventuras. 3

3 ANÁLISE 3.1 Nível fundamental No que diz respeito ao nível fundamental pode-se dizer que a semântica do nível fundamental abriga categorias semânticas que estão na base da construção de um texto (FIORIN, 2005, pg. 21), ou seja, as categorias semânticas são o que há de mais abstrato em um texto. É aquilo que poderia passar batido por olhos que não estejam devidamente atentos ou com sua sensibilidade devidamente treinada, pois, como nos lembra Fiorin (2005, pg. 9), a sensibilidade não é um dom inato, mas algo que se cultiva e se desenvolve. Ainda segundo ele uma categoria semântica fundamenta-se numa diferença numa oposição (2005, pg. 21), mas para que exista um valor de oposição é necessário que exista uma ligação. No texto analisado, essa relação se estabelece como /posse/ versus /desposse/. Para /posse/ atribuímos um valor de euforia e para /desposse/ atribuímos um valor de /disforia/, de acordo com o autor. A /posse/ ou /desposse/ que categorizamos se trata de um bicho de pelúcia que tem grande valor sentimental para a personagem Marceline, então, para o texto, não estar empossado deste objeto geraria um sentimento com valor negativo. Mas é válido observar que euforia e disforia não são valores determinados pelo sistema axiológico do leitor, mas estão inscritos no texto (FIORIN, 2005, pg. 23). Assim, se em outro texto estar em posse de algo pode ser uma maldição, algo com valor negativo, e aqui estar em posse tem valor positivo, somos levados a entender que o contexto é o que dita se algo é positivo ou negativo. De acordo com o autor, quando falamos de sintaxe no nível fundamental, podemos observar duas operações: a negação e a asserção. Na sucessividade de um texto ocorrem essas duas operações o que significa que dada uma categoria tal que a versus b, podem aparecer as seguintes relações: a) afirmação de a, negação de a, afirmação de b. b) afirmação de b, negação de b, afirmação de a. (FIORIN, 2005, pg. 23) Na animação analisada podemos verificar esta relação entre os dois valores de /posse/ e /desposse/. Partimos do estado inicial de /desposse/ (termo B), então existe uma negação deste estado quando Marceline e Jujuba vão procurar a bruxa que está com o bicho 4

de pelúcia 4, ou seja negação de B, e finalmente a afirmação de a quando Marceline volta a /posse/ (termo A). 3.2 Nível Narrativo Como define Fiorin (2005, pg. 27), a narratividade é uma transformação situada entre dois estados sucessivos diferentes, ou seja, existe um estado inicial, que é quebrado, um percurso, e um estado final, para que possamos dizer que existe uma narrativa. Na semântica do nível narrativo da análise baseada no autor, é tratado sobre objetos, que ele define sendo de dois tipos, os objetos modais e os objetos de valor. Objetos modais são aqueles que usamos, são as ferramentas que nos levam até o nosso objetivo final. Já os objetos de valor são justamente o nosso objetivo final, aquele que queremos entrar em conjunção ou disjunção no final. No episódio selecionado, podemos classificar como objeto modal a inteligência da Princesa Jujuba, pois perante os obstáculos encontrados no caminho é sempre a sua inteligência que faz com que a dupla possa prosseguir seu caminho. Podemos citar ainda a camiseta 5 que Jujuba troca com a bruxa pelo bicho de pelúcia de Marceline. Já o objeto valor é o bicho de pelúcia de Marceline, pois após recuperarem ele Marceline fica feliz e a aventura termina. Ao falar de sintaxe no nível narrativo é importante observar que neste momento é quando acontece uma narrativa complexa e, segundo Fiorin, uma narrativa complexa estrutura-se numa sequência canônica, que compreende quatro fases: a manipulação, a competência, a performance e a sanção (2005, pg. 29). A seguir, explicaremos cada uma das quatro fases e apontaremos elas no episódio, mas é importante ressaltar como em uma narrativa clássica de histórias de princesas, a princesa nunca é o sujeito e quase sempre é posta como prêmio na fase da sanção. De acordo com o pensamento de Fiorin, manipulação é a fase onde um sujeito age sobre o outro para levá-lo a quer e/ou dever fazer alguma coisa (2005, pg. 29). Existindo então a figura do manipulador e do manipulado, ele ressalta também que estes dois sujeitos narrativos podem ser representados por um único personagem. No nosso caso, a 4 No vigésimo quinto episódio da quarta temporada, é revelado que Hambo foi presentado a Marceline por Simon Petrikov há muito tempo atrás. 5 Esta camiseta aparece no décimo episódio da terceira temporada de Hora de Aventura, onde é revelado que ela foi um presente de Marceline para a princesa. Hambo, o bicho de pelúcia de Marceline, aparece no terceiro episódio da terceira temporada, onde é roubado de Marceline e vendido à bruxa. 5

personagem manipuladora é Marceline, que utilizando um tipo de manipulação definida pelo autor como sedução, pede que Princesa Jujuba acompanhe ela na busca de Hambo assim, Jujuba configura-se como manipulada. Já na fase da competência, segundo Fiorin (2005), o sujeito que realizará a transformação, é dotado de um saber, de um poder, de uma competência. Nos contos de fadas normalmente o sujeito que é dotado de competência é um personagem masculino, sua competência pode ser a força física, um objeto encantado que lhe dá poderes ou ainda sua inteligência. Em Hora de Aventura, o sujeito competência é Jujuba que, com sua inteligência e conhecimentos sobre ciência, consegue encontrar o esconderijo da bruxa, e com sua diplomacia consegue fazer com que a bruxa aceite uma troca 6. Fig. 2: Princesa Jujuba negocia Hambo, o bicho de pelúcia, com a bruxa. Fonte: reprodução, Hora de Aventura, Cartoon Network Temos ainda a fase da performance (FIORIN, 2005), onde acontece a mudança central da narrativa, quando acontece a mudança de um estado para outro. Ao entregar para a bruxa a camiseta em troca do bicho de pelúcia, a Princesa Jujuba realiza a performance, mas quem entra em conjunção (vai de um estado para outro) é Marceline, pois, como explica Fiorin (2005, pg. 31), o sujeito que opera transformação e o que entra em conjunção ou disjunção com um objeto podem ser distintos ou idênticos. E, finalmente, sobre a fase da sanção, que de acordo com Fiorin é quando são distribuídos os prêmios e os castigos, o prêmio, naturalmente, é entrar em conjunção ou disjunção com o que se desejava. É neste momento que em contos de fadas tradicionais a 6 A Princesa Jujuba troca sua camiseta com a bruxa pelo Hambo pois, para a bruxa, estes objetos podem ser usados para a realização de feitiços devido ao seu frescor sentimental. O episódio dá a entender que frescor sentimental' é um valor quantitativo atribuído a objetos por seres vivos e não qualitativo, por este motivo, para a bruxa, não há diferença entre a camiseta e o Hambo. 6

mão da princesa é dada ao guerreiro que a salvou do dragão. Em Hora de Aventura, o prêmio dado a Marceline é entrar em conjunção com o objeto de valor Hambo e, para Jujuba, a gratidão de Marceline. 3.3 Nível discursivo A sintaxe do nível discursivo pode ser analisada através do conceito de ethos de Maingueneau (1989), que, na narrativa estudada, é o aspecto mais claro. Hora de Aventura é um desenho animado seriado produzido pelos estúdios do Cartoon Network e criado por Pendleton Ward; identificamos neles, portanto, o enunciador deste discurso. O público do Cartoon Network é de crianças e, especialmente no caso de Hora de Aventura (por ser indicado para maiores de 12 anos), jovens e adolescentes; identificamos aqui, portanto, o enunciatário. O discurso de Hora de Aventura (e seu enunciador) encontra seu enunciatário na incorporação desse no formato de desenho animado. Para Maingueneau, esta incorporação atua em três registros: primeiramente, quando o discurso se apresenta na mídia de consumo de seu destinatário, desenho animado, a formação discursiva que o confere corporalidade; em segundo lugar, quando a enunciação incorpora esquemas que o enunciatário reconhece: personagens femininas, jovens, inteligentes, protagonistas de suas histórias, como as personagens de Marceline e Princesa Jujuba. Finalmente, no terceiro registro, o enunciatário encontra o discurso do enunciador através da incorporação de esquemas comuns na forma do desenho animado, a corporalidade do discurso. Dessa forma, o discurso de protagonismo feminino e companheirismo suscita crença entre seu destinatário, tornando-o adepto do discurso eficaz. Para Fiorin (2005): No nível discursivo, as formas abstratas do nível narrativo são revestidas de termos que lhe dão concretude, essa é a semântica deste nível, que aparece através da tematização de valores abstratos. Os valores abstratos que aparecem no nível narrativo, como a inteligência da Princesa Jujuba, tornam-se concretos na presença de seus aparatos tecnológicos e sua habilidade de dedução. O valor sentimental que as personagens têm por seus objetos (a camiseta e o Hambo) aparecem quando a Princesa Jujuba cheira a camiseta logo pela manhã e Marceline chora ao recuperar seu urso de pelúcia. O companheirismo das personagens é apontado no começo do episódio, quando vemos uma foto das duas dentro do armário de Princesa Jujuba e, ao final do episódio, quando elas 7

fogem juntas e abraçadas. O protagonismo feminino neste episódio é tematizado quando Marceline busca e encontra a Princesa Jujuba, enquanto poderia ter buscado a ajuda de, por exemplo, Finn, o protagonista da série, que neste episódio é apenas um coadjuvante. 3.4 Nível da manifestação Para Fiorin (2015, pg. 45) quando um discurso é manifestado por um plano de expressão qualquer, temos um texto. Os valores abstratos tematizados no nível discursivo aparecem manifestados neste nível, em seu plano de expressão. O objeto analisado trata-se de uma animação, um produto audiovisual, que conta com características pictóricas e verbais inerentes de seu meio (a televisão) e, através delas, manifestam-se no texto de diferentes formas e valores. Nos domínios do Reino Doce (território da Terra de Ooo sob comando político da Princesa Jujuba) os coloristas aplicam uma paleta de cores mais vibrante, o que acompanha as cores que caracterizam Jujuba e trazem consigo uma característica mais lúdica do desenho animado associado ao território onde há segurança. No interior da casa da bruxa, a paleta de cores assume tons terrosos e acinzentados, caracterizando um ambiente hostil e mais sóbrio do que o Reino Doce, portanto, mais assustador, por passar uma sensação de insegurança. Esta manifestação pictórica colabora para a sensação de perigo que as protagonistas enfrentam ao adentrarem o território da bruxa, o que faz parte da ambientação da aventura e ajuda na construção de uma ambientação. Fig. 3 e Fig. 4: as cores vibrantes do Reino Doce passam segurança, as cores acinzentadas da casa da bruxa demonstram perigo. Fonte: reprodução, Hora de Aventura, Cartoon Network A camiseta da Princesa Jujuba, um dos objetos modais analisados no nível narrativo, e o bicho de pelúcia Hambo de Marceline, o objeto de valor analisado também nível narrativo, tem seu valor sentimental para as personagens manifestados também 8

pictoricamente em dois momentos diferentes: Jujuba cheira a camiseta ao acordar, demonstrando por ela carinho; Marceline chora ao recuperar seu bicho de pelúcia. Fig. 5 e Fig. 6: Jujuba cheira a camiseta ao acordar, Marceline chora ao recuperar seu bicho de pelúcia. Fonte: reprodução, Hora de Aventura, Cartoon Network A inteligência da Princesa Jujuba, também um objeto modal, é manifestado através de seus aparatos tecnológicos, que se apresentam como um dedal de análise e seu medidor de Googoomama, e em uma sequência que acompanha sua habilidade de dedução no interior da casa da bruxa (um close no rosto da princesa mostra sua concentração). Fig. 7, Fig. 8 e Fig. 9: Jujuba usa seu dedal de análise, seu medidor de Googoomama e um close em seu rosto mostra sua concentração. Fonte: reprodução, Hora de Aventura, Cartoon Network O companheirismo entre as personagens manifesta-se em diversos momentos, inicialmente de forma verbal, quando Marceline demonstra intimidade com a Princesa Jujuba referindo-se a ela como Jujubinha, e de forma pictórica através da fotografia que Jujuba tem com Marceline no interior de seu armário e, no final, quando elas escapam da casa da bruxa abraçadas. 9

Fig. 10 e Fig. 11: Detalhe da fotografia das protagonistas no armário da Princesa Jujuba, as duas meninas escapam da casa da bruxa abraçadas. Fonte: reprodução, Hora de Aventura, Cartoon Network 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após analisar cada item do percurso gerativo de sentido, e observar como neste episódio os sujeitos são femininos, diferente do que podemos verificar em narrativas tradicionais, o que fica é a sensação de que um produto audiovisual que foge aos padrões não só é possível como também é desejável. Pois o sucesso de Hora de Aventura seja, talvez, justamente um reflexo de suas escolhas narrativas mais complexas o que permite aprofundar os personagens e sua escolha por temas incomuns como protagonismo feminino e a construção de uma relação de amizade entre meninas. É preciso apontar, porém que Hora de Aventura ainda que tenha espaços de desconstrução como neste episódio continua a ter dois personagens principais masculinos que em vários momentos salvam princesas ou o dia. Hora de Aventura não deve ser entendido por tanto como um produto fechado a ser copiado. Este episódio assim como este artigo deve ser considerado apenas um passo para uma longa trajetória em direção a uma comunicação mais representativa, para uma produção de conteúdo que possa ser muito mais do que uma reprodução dos valores vigentes na sociedade uma forma de nos levar a refletir sobre nosso papel. Referências bibliográficas FIORIN, J. L. Elementos do Discurso. São Paulo: Contexto, 2005. MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes/EDUSC, 1989. 10