Turma e Ano: 2015 (Master A) Matéria / Aula: Direito Penal Aula 24 Professor: Marcelo Uzeda Monitor: Paula Ferreira Aula 24 CONCURSO DE PESSOAS (continuação) CONCEITO DE AUTORIA A compreensão deste tema parte do pressuposto do conceito finalista (domínio final do fato - autor é aquele que possui o poder de decisão quanto a realização ou desistência do delito e possui em suas mãos o desenrolar do acontecimento típico compreendido pelo dolo). Assim, em uma visão finalista, temos o conceito de autoria direta e autoria indireta, vejamos: - Autor direito (ou imediato) Autor direito é aquele que tem o domínio do fato, na forma do domínio da ação, pela pessoal (de mão própria) e dolosa (consciência e vontade) realização da conduta típica. É quem pratica o fato típico pessoalmente/diretamente. Assim, pode ser autor executor se realiza pessoalmente (diretamente/materialmente) a ação típica ou autor intelectual se domina-a dolosamente por completo, delegando ao coautor a realização material. - Autor indireto (ou mediato) Autor mediato é aquele que, possuindo o domínio do fato, pelo domínio da vontade de terceiro, serve-se deste, que atua como mero instrumento. Na autoria mediata, há o abuso do homem não-livre e, através deste abuso é que o autor mediato controla o fato. A consequência é que não há concurso de pessoas. Na autoria direta, há duas pessoas livres cooperando um com o outro e, com o domínio do fato, ambos diretamente se ligam ao fato criminoso. Já na autoria indireta, o autor domina o fato através do domínio do instrumento (terceiro), sendo este instrumento que realiza o fato (ele quem está ligado diretamente ao fato). Assim, o autor tem o domínio do fato dolosamente por meio do domínio da vontade de seu instrumento. É indireto, pois ele não se liga ao fato diretamente. Hipóteses de autoria mediata a) Utilização de inimputável: o instrumento é doente mental, menor, ou está em embriagues involuntária completa. É necessário que o inimputável não tenha qualquer capacidade de entendimento ou determinação.
De acordo com Nilo Batista, se o menor não é mero instrumento (ainda que inimputável, tem algum discernimento), há a colaboração ou concurso impropriamente dito ou pseudoconcurso ou concurso aparente. Neste caso o maior é considerado autor direto e o menor é colaborador. Obs. O ECA utiliza o critério de 12 anos, isto é, abaixo de 12 é criança, sem condições de possuir qualquer discernimento, enquanto de 12 a 18 é adolescente. Já o CP utiliza-se do critério de 14 anos (abaixo de 14 será sempre instrumento, porém, acima de 14 deve ser analisado o caso concreto para saber se possui discernimento ou não). Obs2. Haverá uma separação obrigatória do processo, o menor irá para esfera especializada enquanto o maior, para a comum. Obs3. Maior irá responder por corrupção de menor também, tanto no caso do menor ser utilizado como instrumento, como no pseudoconcurso. Súmula 500, STJ ( a configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal ). b) Coação física irresistível: responde pela pratica do delito o coator, pois o coagido não pratica conduta. c) Coação moral irresistível (art. 22, CP): responde o coator e o coagido é inculpável pela inexigibilidade de conduta diversa. d) Estrita obediência hierárquica (art. 22, CP): responde como autor mediato o autor da ordem e o inferior hierárquico é inculpável pela inexigibilidade de conduta diversa. e) Indução a erro (art. 20, 2º) ou quando o autor mediato se aproveita de situação de erro de tipo ou de proibição inevitáveis. PARTICIPAÇÃO A participação é espécie do gênero concurso de pessoas (uma vez que utilizamos a teoria monista temperada, e não pura, caso contrário, todos seriam autores) consistente na intervenção em fato alheio, o que pressupõe a existência de um fato principal. O partícipe não pratica a conduta descrita no tipo penal, mas realiza uma atividade secundária que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida. A tentativa de participação (tentativa de auxilio, induzimento ou instigação) é impunível, pois o partícipe somente pratica ações fora do tipo penal. - Teoria Objetivo-formal Para a teoria objetivo-formal, partícipe é aquele que comete ações fora do tipo, instigando, induzindo ou auxiliando, sendo punido em função da norma de extensão
adotada (art. 29, CP), que implica uma ampliação da punibilidade de comportamentos, que, de outro modo, seriam impunes, uma vez que não estão previstos na parte especial. A tipicidade da conduta do partícipe decorre da norma de extensão, já a tipicidade do autor decorre diretamente na norma principal incriminadora. Ex. artigo 121, CP. Autor tem uma adequação típica por subordinação direta ao tipo legal. O partícipe, na verdade, precisa de uma norma de extensão para que seu comportamento seja adequado ao tipo legal (art. 29, CP), pois ele não realiza o tipo. Na situação do partícipe, sempre haverá uma adequação típica por subordinação indireta, por meio da norma de extensão. Essencialmente, o partícipe precisa dessa norma de extensão presente no artigo 29, porém, este artigo não é exclusivo aos partícipes. - Teoria do Domínio do Fato Segundo a teoria do domínio do fato, a participação é a contribuição dolosa (livre e consciente), sem o domínio do fato, em fato punível doloso alheio. Deve haver homogeneidade do elemento subjetivo (dolo do autor + dolo do partícipe). Não cabe, portanto, participação culposa em crime doloso (seria hipótese de autoria colateral), nem participação dolosa em crime culposo (há uma forma heteróloga de autoria colateral, se houver erro vencível). Ex.: Dois amigos estão em um estande de tiros e um deles induz um míope, sem óculos, a acertar um toco que está a 300 metros. Porém, não era um toco, e sim uma pessoa. Quem induziu sabia que era uma pessoa, mas o míope não sabia. Porém, tal erro é evitável, pois bastava que o míope colocasse seus óculos para perceber que aquele toco na realidade era uma pessoa. Quem induziu, queria matar, respondendo por homicídio doloso; Já quem atirou não queria matar, mas foi descuidado, respondendo por homicídio culposo. Trata-se de hipótese de autoria colateral, pois falta o liame/vínculo subjetivo e heterólogo, pois, um responde por dolo e outro por culpa. Ex2: peculato culposo (art. 312, 2º). Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem, tratar-se-á de participação culposa em crime doloso alheio. Não é o caso de concurso de pessoas e sim autoria colateral. A conduta do funcionário descuidado possui relevância causal. Motorista do magistrado deixa a pasta do juiz em cima do balcão, ás 11h50 (balcão apenas abre 12h) e vai tomar café. Abre-se o balcão e alguém, ao perceber que a pasta do magistrado está em cima do balcão, a pega e leva embora. Este praticou um furto e o motorista, peculato culposo. Ex3. Imagine um caso com um motorista e um carona. O carona instiga o motorista à aumentar a velocidade. O motorista, instigado, aumenta a velocidade e atropela um pedestre lhe causando a morte. Trata-se de um homicídio culposo em veículo automotor. Aquele que instigou, apenas queria que o motorista acelerasse, não tendo dolo de matar ninguém. Assim, ele pode ter contribuído culposamente na conduta do colega, porém, e se o carona
queria realmente atropelar aquela pessoa, como ficaria este caso? Isto é o que Greco sugere como participação dolosa em crime culposo. Um responderia por homicídio doloso e o outro por homicídio culposo. Porém, o professor considera que o motorista não é um mero instrumento, há certa liberdade que caracterizaria uma autoria colateral e não uma participação dolosa em crime culposo. Elementos da Participação Art. 31, CP - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado 1. - Elemento Objetivo: comportamento no sentido de auxiliar, contribuir. Pressupõe um agir. Via de regra, a conduta do partícipe é ativa. Não persuadir não é instigar. - Elemento Subjetivo: ajuste é um acordo de vontades (voluntária adesão de uma atividade a outra). Vontade livre e consciente de concorrer com a própria ação, na ação de outrem. Espécies de Participação a) Instigação (aspecto psíquico) É a indução intencional (dolosa) de outrem ao cometimento do delito. Caracteriza-se pela colaboração espiritual no delito alheio. A instigação implica sujeito certo como destinatário e fato determinado (v. art. 286, CP incitação ao crime). Não é possível persuasão por omissão, pois deve haver relevância causal na conduta do instigador. Pode ser dividida em duas subespécies: i. Persuasão ou por determinação (induzimento): fazer nascer no autor direito a resolução (decisão) que o conduz à execução do crime (influencia moral ou outro meio). Fazer nascer a ideia. ii. Incitação ou instigação propriamente dita corresponde a reforçar ou desenvolver no autor direto uma resolução ainda não concretizada, mas preexistente. O agente estimula/acoroçoa alguém a levar a diante uma decisão já tomada de praticar o delito. b) Cumplicidade (auxílio material ou moral) i. Cumplicidade física, material ou real: é a dolosa colaboração de ordem material objetivando o cometimento de um crime doloso. Corresponde à promoção, 1 Termos grifados são as condutas do partícipe.
ii. colaboração, cooperação ou auxílio material relevante ao autor direto. Ex. fornecer arma. Cumplicidade moral: cumplicidade intelectual, psíquica ou psicológica. Ex. fornecer o segredo do cofre, ensinar determinada técnica. Nilo Batista rejeita essa figura, afirmando ser hipótese de instigação. Para quem não segue essa divisão, há outra mais simples: (i) induzimento (faz nascer a ideia); (ii) instigação (reforça a ideia já existente); (iii) auxílio (materialmente). Há outros tipos de cumplicidade que não são unânimes entre a doutrina, vejamos: - Cumplicidade por omissão 2 (Nilo Batista): quando o partícipe, não sendo garantidor, tem um dever genérico de agir. Se for garantidor, trata-se de autoria (por omissão imprópria). Admite-se a cumplicidade que, por uma omissão, contribua para a ocorrência de uma infração penal. Na participação moral (induzimento e instigação) não é possível por omissão (não é possível persuadir ou induzir por omissão). Ex.: a empregada deixa propositalmente a porta da casa aberta para facilitar a ação do ladrão que ronda a vizinhança (ela não combinou nada anteriormente com o ladrão, não há liame subjetivo, porém, ela está aderindo a vontade do autor). - Cumplicidade Necessária: cumplicidade necessária é aquela em que o bem ou auxílio material são entendidos como escassos, ou seja, não poderiam ser fornecidos normalmente por qualquer pessoa. Ex. alta soma de dinheiro, fornecimento de medicamentos controlados, explosivo. Consequência: impossibilidade de se aplicar a causa geral de redução de pena relativa à participação de menor importância, prevista no 1º do artigo 29 do Código Penal 3. Quando o auxílio diz respeito a uma prestação de serviço, gozará o status de escasso somente o auxílio material que não puder ser fornecido por um número considerável de pessoas. Críticas: em muitas situações, poderá haver dúvidas sobre a escassez do bem ou o auxílio prestado. Todavia, quando a toda evidência se puder afirmar a escassez, a consequência dessa afirmação será a completa impossibilidade de se aplicar a causa geral de redução da pena relativa à participação de menor importância, prevista no 1º do artigo 29, CP. 2 Tal tema não é pacífico, mas é aceito por boa parte da doutrina. 3 Obs. O Supremo Tribunal diferenciou a participação menos importante (que seria a participação em sentido estrito) da participação de somenos importância (seria equivalente a cumplicidade desnecessária art. 29, 1º, CP).
- Cumplicidade Desnecessária ou participação de menor importância (participação de somenos ou auxílio secundário): (posição majoritária) É causa de redução de pena somente aplicável na participação em sentido estrito, não alcançando a coautoria. O partícipe que pouco tomou parte na empreitada criminosa, colaborando minimamente, deve receber a pena diminuída de 1/6 a 1/3. Art. 29, 1º, CP - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. - Princípio da executividade (art. 31, CP): É necessário que o autor inicie os atos executórios ( pelo menos tentado ), não havendo punição do partícipe, se aquele apenas ficou na cogitação ou nos atos preparatórios. Á luz do artigo 31, CP, a impunibilidade diz respeito ao fato e não ao agente. Trata-se de causa de atipicidade que afasta incidência da norma de extensão do artigo 29, CP. A punibilidade do partícipe depende da execução por parte do autor, se exige, no mínimo, o inicio da execução. Art. 31, CP - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.