UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: ABORDAGENS E CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS. Carlos Alberto MENARIN *

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UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: ABORDAGENS E CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS Carlos Alberto MENARIN * Resenha de: GUERRA, Antonio José Teixeira; COELHO, Maria Célia Nunes. (Orgs.). Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. 296p. A criação de Unidades de Conservação (UCs), no Brasil, tem-se constituído em uma das principais formas de intervenção do Estado na proteção de áreas representativas dos biomas naturais do país, frente ao acelerado processo de exploração e dilapidação do meio ambiente, imposto pelo sistema capitalista. Paradoxalmente, tem sido esse mesmo Estado que há tempos vem agindo de modo a fomentar a expansão desse sistema. Portanto, as UCs podem constituir objeto privilegiado de investigação sobre as relações entre Estado, Sociedade e Meio Ambiente nesse país. O livro Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas (2009), composto por sete capítulos, contando com a participação de dezoito geógrafos oriundos do Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRJ, publicado pela Editora Bertrand Brasil, vem complementar uma seqüência de publicações fruto de pesquisas desse mesmo grupo que merecem ser consultadas¹, inclusive, pelos historiadores afeitos à questão ambiental, particularmente, aqueles dedicados às políticas públicas de proteção do patrimônio ambiental, urbano ou não. As UCs constituem um novo objeto de investigação no campo das Ciências Humanas de modo geral, ainda pouco trabalhado por historiadores. Outras áreas como a Antropologia, a Sociologia e a Geografia têm dedicado maiores esforços na incorporação desse novo tema às suas análises. No campo daquela última disciplina, as relações entre natureza e sociedade têm pautado grande número de trabalhos. Particularmente, sobre as UCs, a obra em foco propõe a perspectiva de uma análise integrada da chamada geografia física e humana como ponto de partida para o conjunto das investigações, teóricas e aplicadas a estudos de caso. Na Apresentação do volume, os organizadores reafirmam as possibilidades reservadas pelo estudo dessas Unidades a partir das realidades físicas e das * Carlos Alberto Menarin é doutorando em História pela Faculdade de Ciências e Letras UNESP Assis/SP Brasil e-mail: menarin@bol.com.br 195

construções sociais, culturais e políticas em torno dessas áreas protegidas, encontrando-se, invariavelmente, inseridas em problemáticas tanto locais como globais, as quais deveriam estar comprometidas com os ditames do desenvolvimento sustentável, que pressupõe redes de interdependência, mais densas e eficazes, e equilíbrio dinâmico nas relações entre crescimento econômico, contingente populacional e a preservação normativa dos recursos para além da duração das demandas presentes. (p. 16) O prefácio escrito pela geógrafa Bertha Becker segue a mesma linha e enfatiza que o estudo das UCs deve contribuir para um questionamento sobre o modo como a sociedade e o Estado brasileiro vêm por muito tempo tratando a natureza, seja via mera extração predatória de recursos para atender a mercados globais, seja apenas via preservação generalizada, que pouco ou nada beneficia a população. (p. 19). Uma das questões de fundo apresentadas nesse volume é justamente a dificuldade e a importância da gestão dessas áreas para que se tornem indutores de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável local e equidade social. De modo geral, os autores dessa obra advogam pela leitura das Unidades de Conservação como espaços de diferentes territorialidades. Em nossa opinião, a consideração dessas múltiplas territorialidades pode ser melhor operacionalizada se vista sob a perspectiva diacrônica, pois as diferentes temporalidades expressas nessas territorialidades podem informar sobre as diversas racionalidades e identidades culturais das distintas organizações sociais estabelecidas ao longo da história com esses espaços. O que deve contribuir para uma renovada interpretação sobre as mudanças ambientais para além da insuficiente visão do ser humano essencialmente destruidor e da idealização da natureza em estado puro dotada de uma organização e racionalidade intrínseca. Sobre o tema das UCs, encontramos referências dispersas em várias disciplinas e em uma série de estudos de caso. Para uma visão panorâmica, destacamos o trabalho de Maria Cecília Wey de Brito, resultado de pesquisa de mestrado em Ciência Ambiental na USP, defendido em 1995, editada em livro no ano de 2000 2, e a obra de Carla Morsello, Áreas Protegidas Públicas e Privadas: seleção e manejo (2003), ambas publicadas pela editora Annablume 3. A obra em questão é de significativa importância no rol dessas publicações por transitar entre propostas teórico-metodológicas consistentes e estudos de caso de significativa relevância. Pelo caráter de obra coletiva, as contribuições acabam sendo desiguais. Destacamos os esforços de sistematização das políticas de proteção e 196 Unidades de Conservação

gestão da biodiversidade, articuladas entre as demandas nacionais (Brasil) e internacionais (propostas emergidas das reuniões e conferências organizadas pela ONU, por exemplo), apresentados no primeiro Capítulo Gestão da Biodiversidade e Áreas Protegidas, redigido pelos geógrafos Evaristo de Castro Jr., Bruno H. Coutinho e Leonardo E. de Freitas. Esses autores chamam a atenção para situar o conceito de biodiversidade como uma produção social, construído historicamente. Na atualidade, a biodiversidade adquire sentido de força mediadora dos sistemas ecológicos e sociais a natureza apresentando valor intrínseco e resvala no senso comum, como natureza em estado puro, com destaque para a crescente necessidade de serem negociados acordos, em diferentes escalas, entre instituições e grupos sociais para o estabelecimento de novos compromissos sobre a sua proteção e utilização sustentável. (p. 28) No Brasil, o Estado sempre foi o condutor da política de implantação de áreas protegidas, mesmo quando marcadas por processos de mobilização popular. Segundo esses autores, até fins da década de 1980, esse papel era fruto de uma visão de apropriação de recursos naturais e controle territorial (p. 47). Desde então, a perspectiva do Estado brasileiro viria se alterando ao incorporar a noção estratégica de meio ambiente, na qual a biodiversidade passa a ser o conceito central na política de conservação. Contudo, subjacente aos modelos de desenvolvimento atuantes, não tem conseguido equacionar justiça social, proteção e conservação dessa biodiversidade, sendo o desafio posto neste novo século a construção social de modelos que expressem outra racionalidade produtiva que não a da instrumentalização da natureza pelo capital (p. 62). O Capítulo 2, redigido por Maria Cecília N. Coelho, Luis H. Cunha e Maurílio de A. Monteiro, Unidades de Conservação: populações, recursos e territórios abordagens da geografia e da ecologia política, apresenta uma rigorosa discussão teórica da qual sobressai elementos analíticos para interpretar as dificuldades de gestão de UCs na Amazônia brasileira. A importância da relação das populações com o meio é ressaltada de forma a advertir a racionalidade e estratégia das ações de populações locais, evidenciando relações conflituosas estabelecidas por vários indivíduos ou grupos, econômicos ou não. A abordagem proposta por esses autores busca referencial teórico na chamada ecologia política, considerada síntese teórica entre economia política e ecologia cultural. Em linhas gerais, a economia política contextualiza um determinado grupo ou processo social em relação a uma região, nação ou até mesmo ao sistema mundial. Já Carlos Alberto Menarin 197

a ecologia cultural examina as adaptações dos grupos sociais ao ambiente local e aos fatores demográficos (p. 74) Ora, uma perspectiva que não é, de modo algum, estranha aos historiadores. Particularmente, destacamos a História empreendida em torno do movimento historiográfico conhecido por escola dos Annales, ou mais precisamente pelo modelo desenvolvido por Fernand Braudel, conhecido como geohistória e atualmente, as abordagens advindas da emergente História Ambiental. Particularmente, quanto ao Capítulo em questão, outro mérito a ser destacado é chamar a atenção para o fato de que as UCs são também projetos territoriais que não podem ser totalmente compreendidos apenas no contexto das políticas públicas voltadas para proteção da natureza. Ou seja, a criação desses espaços pode estar ligada a diversos interesses que não o da estrita conservação ambiental, conforme demonstrado nas analises de casos específicos de Unidades criadas na Amazônia brasileira, onde as dinâmicas da territorialização puderam ser interpretadas tanto em termos de estratégias de permanência/sobrevivência das populações locais quanto das formas de acomodação/adaptação de novas populações que se dirigem para a região, mediadas por interesses econômicos, científicos, conservacionistas, entre outros. (p. 104). Segundo esses autores, considerar as relações de poder e as dinâmicas territoriais como foco analítico permitiria a adoção de uma visão menos romântica tanto das populações tradicionais/locais quanto das políticas públicas destinadas à criação dessas Unidades no Brasil. Depois de um Capítulo instigante, do ponto de vista teórico-metodológico, e das análises empíricas dos estudos de caso, os Capítulos seguintes versarão sobre áreas protegidas próximas ou em meio a espaços urbanos. Uma problemática importantíssima, devido ao grau de urbanização atual do Brasil como um todo, mas principalmente das metrópoles, e ao crescimento dessas áreas sem efetivo planejamento, o que coloca essa obra em fina sintonia com a publicação Impactos Ambientais Urbanos no Brasil (2001), já citada. Nesse sentido, o Capítulo 3 APA de Petrópolis: um estudo das características geográficas escrito pelos geógrafos Antonio José T. Guerra e Patrícia Batista M. Lopes, apresenta grande ênfase na descrição do meio físico e levanta questões importantes de uma Área de Proteção Ambiental (APA) que sofre diretamente os impactos da expansão das áreas urbanas, não apenas a da cidade de Petrópolis, mas das demais do seu entorno, envolvendo desde especulação imobiliária para construção de luxuosos condomínios até os avanços das favelas em direção àquela área, principalmente, as de encostas, dentre outros agravantes. A questão posta é 198 Unidades de Conservação

equacionar o desenvolvimento das áreas urbanas sem afetar as condições ambientais da APA e produzir condições de vida para grande número de famílias que habitam as áreas indevidas e de risco. A gestão do território urbano deveria estar em sintonia com programas voltados à conservação e manejo dessa área, mas parece haver um recorrente descompasso entre os interesses assentados no crescimento urbano regidos pelo capitalismo e ações de conservação ambiental e qualidade de vida para populações postas à margem pelo mesmo sistema. Na mesma linha de estudo de UCs em áreas urbanas, no Capítulo 4 O Parque Nacional no Maciço da Tijuca: uma Unidade de Conservação na Metrópole do Rio de Janeiro, as autoras Ana Luiza C. Netto, Lia O. Machado e Rita de Cássia M. Montezuma apresentam uma perspectiva histórica da ocupação do maciço da Tijuca para justificar em seguida a heterogeneidade das formações vegetais oriundas de sucessões naturais ou induzidas, encontradas no momento de criação daquela Unidade, em 1961. Sob essa perspectiva fez-se sensível a ausência do trabalho da historiadora Claudia Heynemann sobre a região que viria a ser a Floresta da Tijuca. Essa pesquisadora colocou em evidência o papel da natureza no processo de constituição de um ideal de civilização almejado pela classe dirigente imperial. Com o reflorestamento de tal área, a partir de 1861, a elite política refletia sua proposta de organização do Estado Imperial a partir do próprio ordenamento da natureza 4. Sobressai, da análise das autoras desse Capítulo, a urgência de não apenas constatar as degradações internas à mencionada Unidade, mas também de estabelecer um plano de gestão integrada desta com os espaços urbanos. O Capítulo seguinte, Legislação Ambiental e a Gestão de Unidades de Conservação: o caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba-RJ, escrito pelas geógrafas Claudia B. de Dios e Mônica dos S. Marçal, defende a idéia de que a proteção legal não tem sido suficiente para manter a integridade das UCs. Para tal afirmação, as autoras cotejam o arcabouço legal que incide sobre a referida Unidade juntamente com a realidade local e os problemas enfrentados para gestão daquele espaço. Constatam que a criação de tal UCs influiu diretamente no ritmo de vida local, particularmente na economia, pela vinculação história daquelas comunidades com a extração de recursos naturais daquela área. O governo local via nas restingas o atrativo turístico que propiciaria, ainda, a expansão imobiliária de condomínios de alta classe. Sob esses aspectos, ressaltam as autoras que os conflitos gerados pela criação de UCs não devem ser tratados como meros entraves técnicos, mas como Carlos Alberto Menarin 199

problemas socioeconômicos decorrentes do histórico de ocupação dessas áreas. (p. 196). No Capítulo 6, intitulado Caracterização e análise de situações ambientais relevantes no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e áreas vizinhas, os pesquisadores Jorge Hamilton S. dos Santos, Jorge X. da Silva e Nádja Furtado B. dos Santos apresentam o texto menos crítico e mais descritivo do volume, com grande ênfase nos aspectos do meio físico da região. A proposta foi subsidiar a tomada de decisões quanto à gestão daquela, mas o que traz evidente é a completa insuficiência das normas estabelecidas no Plano de Manejo daquela Unidade. As considerações apresentadas pouco trazem de referências aos contextos sociais locais e às questões políticas. O Capitulo final Parque Estadual da Pedra Branca: o desafio da gestão de uma Unidade de Conservação em área urbana, das autoras Josilda Rodrigues da S. Moura e Vivian Castilho da Costa, retoma os estudos de áreas protegias em espaço fluminense. Ressalta da análise que práticas consideradas tradicionais para comunidades da região, como o plantio de banana e criação de gado, acabavam sendo utilizados como instrumentos para delimitação de propriedades irregulares invadindo os limites do referido Parque, mascarando o verdadeiro uso que se fazia: ocupação e retirada de madeira nativa. Essas ocupações irregulares são favorecidas pelas dificuldades de regularização fundiária do Parque, e por outro lado, da falta de política pública de habitação para a cidade do Rio de Janeiro, que lança grande contingente populacional para as zonas periféricas. Fato relevante dos estudos de caso que tiveram como foco áreas situadas no Estado do Rio de Janeiro é que tais áreas naturais protegidas encontram-se sob a chamada Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, categoria internacional criada pela UNESCO, a partir do Programa Man and Biosphere, que propõe a conservação dos recursos naturais e melhoria da qualidade de vida das populações localizadas nesses espaços, disponibilizando meios de acesso a financiamentos internacionais para ações nessas áreas visando tais objetivos. Contudo, uma perspectiva pouco explorada pelos autores, restringido-se apenas à menção ao fato. Em termos de editoração, o volume apresenta-se muito bem acabado, contudo, o livro apresenta uma série de imagens (fotografias, mapas e imagens de satélite) presentes nos Capítulos 3 ao 7, todas em preto e branco, aparecendo em caráter meramente ilustrativo e deficitárias em resolução e tamanho. 200 Unidades de Conservação

A apresentação das múltiplas possibilidades de estudo sobre as UCs parece evidente ao final da leitura da obra em questão. De maneira ampla, os Capítulos demonstram as dificuldades de gestão dessas áreas, particularmente, emergidas de problemas fundiárias: não reconhecimento das sociedades do entorno e conflitos com os interesses locais e/ou regionais. O mérito do volume, de modo geral, é apresentar uma discussão abrangente das dificuldades em torno da criação e, principalmente, a implantação e gestão das UCs no Brasil. Panorama atual de grande relevância para o estado da questão das insuficiências das políticas públicas de proteção ao patrimônio ambiental no país. Constatação que deveria ter maior atenção dos historiadores. As questões abordadas nesse livro apresentam congêneres em outras partes do país, como a região metropolitana de São Paulo e as áreas naturais protegidas localizadas nesse espaço e entorno dele. Da leitura dessa obra de geógrafos, mas não circunscrita a geógrafos, devemos destacar o leque de abordagens possível para o tema das UCs e sua inquestionável relevância para compreensão e possibilidade de intervenção crítica na realidade de questões cruciais da atualidade, como a formulação de políticas públicas que dêem conta da conservação do patrimônio ambiental do país com justiça social. Recebido para publicação em setembro de 2009. Aprovado para publicação em setembro de 2009. Notas ¹ Dentro do conjunto de títulos disponíveis, destacamos os seguintes, que apresentam afinidades com a obra em questão: Cf. CUNHA, Sandra Baptista; GUERRA, Antonio José Teixeira. (Orgs.). A questão ambiental: diferentes abordagens. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista. (Orgs.). Impactos ambientais urbanos no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 2 Cf. BRITO, Maria Cecília Wey de. Unidades de Conservação: intenções e resultados. 2. ed. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2003. 3 Cf. MORSELLO, Carla. Áreas Protegidas Públicas e Privadas: seleção e manejo. São Paulo: Annablume, 2003. 4 Cf. HEYNEMANN, Claudia. Floresta da Tijuca: natureza e civilização no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria municipal de cultura; Departamento geral de documentação e informação cultural; Divisão de editoração, 1995. Carlos Alberto Menarin 201