A MATEMÁTICA NO DISCURSO MIDIÁTICO: O ETHOS NO PROGRAMA DE TV PASSA OU REPASSA

Documentos relacionados
TÍTULO: DO CANÔNICO AO MARGINAL: UM NOVO OLHAR SOBRA A CULTURA CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

TÍTULO: A IRONIA E A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS FEMINISTA NO DISCURSO LITERÁRIO DE JANE AUSTEN

A QUESTÃO RELIGIOSA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAS DE

A CONSTRUÇÃO ETHÓTICA E ESTILÍSTICA, EM MEMÓRIAS INVENTADAS: AS INFÂNCIAS DE MANOEL DE BARROS

O TEXTO PUBLICITÁRIO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: A IMPORTÂNCIA DE UMA PERSPECTIVA FUNCIONAL E SOCIODISCURSIVA

MEMÓRIA E DISCURSO POLÍTICO: ANÁLISE DE BLOGS 124

TÍTULO: A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO DA PERSONAGEM FÉLIX: DA NOVELA PARA AS PÁGINAS DO FACEBOOK

I CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DO DISCURSO

DISCURSIVIDADE NA MÍDIA EM TORNO DO CASO CELSO DANIEL DO PT 1

ANÁLISE DE DISCURSO de origem francesa. Circulação e textualização do conhecimento científico PPGECT maio 2015 Henrique César da Silva

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS DIRETORIA DE GRADUAÇÃO Curso de Letras - Tecnologias da Edição ANA LUÍSA ARAÚJO DE ALBUQUERQUE

ÉTHOS E PÁTHOS NA RETÓRICA: A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PERSUASIVO EM MATERIALIDADES AUDIOVISUAIS

AS FORMAS BÁSICAS DE COMPOSIÇÃO DO TEXTO

INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO(S)/DE DISCURSO(S) UNEB Teorias do signo Lidiane Pinheiro

A PATEMIZAÇÃO NO DISCURSO POLÍTICO ESTUDO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA EMOÇÃO EM PRÁTICAS DISCURSIVAS DO EX-PRESIDENTE LULA

A POLÍTICA NA ORDEM DO DISCURSO MIDIÁTICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ENUNCIADO LULA É O CARA

Linguagem em (Dis)curso LemD, v. 9, n. 1, p , jan./abr. 2009

SUJEITO PSC: RELAÇÃO ENTRE OS DISCURSOS POLÍTICO E RELIGIOSO

Tempos significantes na experiência com a psicanálise 1

Linguagem como Interlocução em Portos de Passagem

ASPECTOS DO ETHOS DISCURSIVO NAS ELEIÇÕES PARA A PRESIDÊNCIA DO BRASIL EM 2006

ISSN: X COLÓQUIO DO MUSEU PEDAGÓGICO 28 a 30 de agosto de 2013

O objectivo da argumentação é estudar as estratégias capazes de tornar os argumentos convincentes.

Palavras-Chave: Poder. Discurso Jornalístico. Análise do Discurso. Resistência.

ANÁLISE DE TEXTO: UM OLHAR DE SEMANTICISTA. Sheila Elias de Oliveira 1

PATERNALISMO E PAIXÃO: a intertextualidade do discurso de despedida do presidente Lula e da carta-testamento de Getúlio Vargas

Em busca da compreensão das práticas discursivas

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

Recursos Argumentativos no Discurso Jornalístico da Edição Comemorativa dos 319 anos de Curitiba 1

UM ESTUDO DISCURSIVO DOS BLOGS: SENTIDOS DE/SOBRE. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade

UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE CAMPANHAS MISSIONÁRIAS: SOBRE O FUNCIONAMENTO DE DISCURSOS CONSTITUINTES

O MEMORÁVEL NA RELAÇÃO ENTRE LÍNGUAS

MEMÓRIA, RELIGIÃO E POLÍTICA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS 2010: A VOZ DO (E)LEITOR

TÍTULO: OS LUGARES DA ARGUMENTAÇÃO EM PROVÉRBIOS: UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS LÍNGUAS INGLESA E PORTUGUESA.

1. FRASE E ENUNCIADO NA SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA

A VISÃO DIALÓGICA DO DISCURSO

Koch, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997, 124 p.

ANÁLISE DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL: IMPLÍCITOS E NÃO-DITOS

DO TEXTO AO DISCURSO TV Aula 5 : DISCURSO. Prof.ª Me. Angélica Moriconi

O SENTIDO DE INDISCIPLINA NO DISCURSO DA COMUNIDADE ESCOLAR

OS DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO NAS PROPAGANDAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS

DISCIPLINA. Requisitos do pesquisador

O ETHOS NO DISCURSO PUBLICITÁRIO DA FRIBOI NA REVISTA VEJA: ENTRE O SUJEITO, A ENCENAÇÃO E A INCORPORAÇÃO.

TÍTULO: O PODER DA MÚSICA NA CONSTRUÇÃO RETÓRICA: A EVOCAÇÃO DO PATHOS POR MEIO DA TRILHA SONORA

manifestações científicas, gêneros literários (provérbio, poesia, romance) etc. AULA GÊNEROS DISCURSIVOS: NOÇÕES - CONTINUAÇÃO -

Jairo Mancilha M.D. Ph.D. Master Trainer Internacional em Neurolingüística e Coaching, Diretor do INAp-Instituto de Neurolingüística Aplicada e do

O CATÁLOGO DE PRODUTOS COMO INSTRUMENTO PARA O ENSINO DE LEITURA E ESCRITA

MEMÓRIA E CENOGRAFIA NO PACTO DE LAUSANNE Alexandre Ribeiro Lessa 1 Edvania Gomes da Silva 2 INTRODUÇÃO

A CONSTRUÇÃO DO ETHOS NO DISCURSO IRÔNICO: UMA ANÁLISE DO TEXTO PUBLICITÁRIO DO JORNAL ESTADÃO


GÊNEROS TEXTUAIS: A PRÁTICA DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS NA AULA DE LP

DOADORES DE ÓRGÃOS: O BIOPODER NO CONTROLE SOBRE A VIDA 1

SUBSÍDIOS DE LÍNGUA MATERNA NA PRODUÇÃO ESCRITA EM PORTUGUÊS LÍNGUA ADICIONAL

JOGO MEMORGÂNICO: UMA FERRAMENTA COMPLEMENTAR NO APRENDIZADO DE NOMENCLATURAS DE HIDROCARBONETOS

O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

II Encontro de Iniciação Científica e Tecnológica II EnICT ISSN: IFSP Câmpus Araraquara 26 e 27 de Outubro de 2017

MEMÓRIA E ARGUMENTAÇÃO NA PROPAGANDA ELEITORAL 68

A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS DIDÁTICOS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA

O ENSINO NA CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Aula7 MEMÓRIA DISCURSIVA. Eugênio Pacelli Jerônimo Santos Flávia Ferreira da Silva

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO CIENTISTA BLOGUEIRO NOS BLOGS BRASILEIROS

RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO: UM ESTUDO DA TRÍADE João Antônio de Santana Neto (UNEB/PPGEL)

REFERÊNCIAS: acontecimento histórico : o discurso do jornal O Estado de S. Paulo sobre a Guerra de Canudos e sobre as

AULA DE LITERATURA NAS ESCOLAS PÚBLICAS: UM DESAFIO A SER SUPERADO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

JUVENTUDE E ESCOLA (RELAÇÃO JUVENTUDE E ESCOLA)

APONTAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA EM RESENHAS ACADÊMICAS

PRODUÇÃO DE SENTIDO E CENA DE ENUNCIAÇÃO NO GÊNERO CHARGE

ETHOS REFLETIDO E ETHOS VALIDADO: UMA POSSIBILIDADE DE DESLOCAMENTO TEÓRICO DO ETHOS DISCURSIVO? Paula Camila Mesti 1

O percurso histórico e as questões teóricas e metodológicas da análise do discurso

Os discursos da divulgação científica um estudo de Revistas especializadas em divulgar ciência para o público leigo 1. Elizabeth Moraes Gonçalves 2

Não se destrói senão o que se substitui

OS EFEITOS PATÊMICOS DE UMA CAMPANHAS DE CONSCIENTIZAÇÃO PARA A PREVENÇÃO DE ACIDENTES DE TRÂNSITO Jones Gonçalves Ferreira 1 Bruna Toso Tavares 2

PRODUÇÕES DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVAS NA ESFERA ESCOLAR: O CASO DAS MODALIZAÇÕES

04/07 IDENTIDADE IDEAL VERSUS CORRUPÇÃO EM PROPAGANDA POLÍTICA Regiane Bellay (Universidade Estadual de Maringá mestranda em Letras)

PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; SANTOS, Leonor Werneck (Org.). Estratégias de Leitura: Texto e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, p.

Lógica Proposicional. 1- O que é o Modus Ponens?

Tema Retórica e Comunicação. Mini Curso Oratória. Responsável. Ana Lúcia Magalhães

Géneros textuais e tipos textuais Armando Jorge Lopes

FORMAÇÃO E SABERES DOCENTES NA INTERFACE DA MATEMATICA

1.1 Os temas e as questões de pesquisa. Introdução

MÉTODOS INTERDISCIPLINARES APROXIMANDO SABERES MATEMÁTICOS E GEOGRÁFICOS

Profa. Dra. Carolina Mandaji paginapessoal.utfpr.edu.br/cfernandes

A Teoria Hipodérmica e as abordagens empíricas subsequentes

O ESTÁGIO DE PÓS-ESCRITA NO PROCESSO DE PRODUÇÃO TEXTUAL Sabrine Weber 1 (UFSM) Cristiane Fuzer 2 (UFSM)

II Congresso Nacional de Pesquisa em Tradução e Interpretação de Língua de Sinais Brasileira

AULA 6: ORALIDADE E ESCRITURALIDADE

Revista X, volume 2, 2008 Página 76 RELATO

TEXTOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM SALA DE AULA

A Teoria Hipodérmica e as abordagens empíricas subsequentes

Sugestão de Atividades Escolares Que Priorizam a Diversidade Sociocultural 1

MEMÓRIA DISCURSIVA DO FEMININO NA PUBLICIDADE DE LINGERIES

ANÁLISE DO DISCURSO DO GÊNERO PANFLETO

O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO DA PROFISSÃO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: OS SENTIDOS DA PRÁTICA

GEPLIS GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LINGUAGEM E IDENTIDADES SOCIAIS

A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO DE LEITURA DE ARQUIVOS NO DISCURSO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO SCIENCEBLOGS BRASIL 12

ELEMENTOS DE TEXTUALIDADE

Aula6 MATERIALIDADE LINGUÍSTICA E MATERIALIDADE DISCURSIVA. Eugênio Pacelli Jerônimo Santos Flávia Ferreira da Silva

LES INTERACTIONS DANS L ENSEIGNEMENT DES LANGUES: AGIR PROFESSORAL ET PRATIQUES DE CLASSE

A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO EM GÊNERO ENTREVISTA. Simone Ribeiro de Ávila VELOSO (Universidade de São Paulo)

Transcrição:

A MATEMÁTICA NO DISCURSO MIDIÁTICO: O ETHOS NO PROGRAMA DE TV PASSA OU REPASSA Arthur de Araujo FILGUEIRAS Universidade Federal da Paraíba arthurfilgueiras@yahoo.com.br 1. INTRODUÇÃO A associação da matemática a uma disciplina de difícil compreensão e reservada a poucos indivíduos, conforme assevera Silveira (2000 ), encontra na mídia televisiva um modo de representação pelos apresentadores de televisão. Segundo Maingueneau (2008), a difusão de tais ideias parece, em se tratando de programa de TV, mobilizar na plateia, pelo modo de dizer, uma cristalização desse estereótipo de matemática. Nessa perspectiva, objetiva-se investigar, a partir do discurso do apresentador Celso Portiolli, o seu ethos discursivo no tratar sobre a matemática, apontando reflexos sobre a imagem atual que se tem da disciplina. 2. METODOLOGIA A pesquisa é de cunho documental e parte da análise de enunciações evidenciadas no programa Passa ou Repassa, do Sistema Brasileiro de Televisão SBT, disponível no site Youtube e exibido no citado programa televisivo em 25 de abril e 12 de julho de 2014, respectivamente. Foram analisados os momentos em que o apresentador conhece os alunos das duas escolas participantes da gincana e traz as perguntas de conhecimentos gerais. Com foco em um arcabouço discursivo sobre a matemática, investigou-se, o ethos do apresentador na enunciação das perguntas, à luz das noções sobre ethos e sua incidência na análise do discurso. 3. RESULTADOS E DISCUSSÂO

Segundo Amossy (1999), o ato de tomar a palavra já faz com que o locutor tenha construída uma imagem de si. É a partir de seu estilo, de crenças, competências linguísticas e de conhecimentos refletidos na enunciação que sua apresentação é construída. Em sua acepção original na retórica aristotélica, o ethos é um dos modos de persuasão ou componentes de um argumento. Ele é o componente moral, o caráter (ethos) responsável pela persuasão (influência) do público. Os outros componentes são o logos (uso da razão) que se refere à argumentação utilizada e necessária à persuasão do público e o pathos, que trabalha no uso da emoção na tentativa de ameaçar, seduzir ou persuadir o público (Cf. CHARAUDEAU, 2008). Para Ducrot (1984, apud MAINGUENEAU, 2008), a noção de ethos retórico é tomada a partir da distinção entre o Locutor-L (apreendido como enunciador que fala/escreve) e o locutor-lambda (apreendido como o ser do mundo). Nessa percepção, o ethos não é dito (claramente) no enunciado, mas se mostra no ato da enunciação. Ele é percebido, mesmo não sendo o objeto do discurso. Logo, [...] o ethos está associado a L, o locutor enquanto tal: é na medida em que é fonte da enunciação que ele se vê revestido de certos caracteres que, em consequência, tornam essa enunciação aceitável ou refutável (op.cit., p. 59). Constata-se, assim, a diferenciação do ethos aos atributos reais do locutor, mesmo que este seja a fonte da enunciação. Sua construção se processa em meio à performance de fala do locutor; todavia, é um processo que se dá no exterior, a partir da percepção de elementos linguísticos e do ambiente do destinatário, que tem sua afetividade mobilizada (Cf. MAINGUENEAU, 2008). Assim, a noção de ethos pode ser compreendida como uma maneira de dizer que implica em uma maneira de ser, não se referindo ao modo de ser do enunciador, determinam sua percepção e construção pelo público que interage com o discurso enunciado. Para Maingueneau (op. cit., p. 63), isso se deve a constituição discursiva por meio de processos de interação e influência sobre o outro. Por seu turno, a noção sócio-discursiva que considera, nas situações de comunicação, fatores sócio-históricos constituintes.

No caso do programa Passa ou Repassa, o apresentador Celso Portiolli tem seu discurso orientado para com os alunos de duas escolas que disputam uma gincana envolvendo conhecimentos gerais nas mais diversas disciplinas. Observase, no discurso do apresentador, ao fazer a leitura das perguntas para o trabalho de interação com os participantes, seu ethos com relação à matemática, a saber: - Agora é matemática. Silêncio absoluto, concentração, heim? - Primeiro lugar, quem falou que era bom de matemática, aí? Você, né Carlos? Você é bom de matemática. Pergunta de matemática... Tais enunciações são amplamente marcadas por um suspense que antecede às perguntas feitas pelo apresentador e são reforçadas na gesticulação e no tom de voz do mesmo, tentando provocar uma reação no ambito emocional dos alunos. Ao acertar a resposta, os alunos recebem um elogio: bom garoto, que se constitui em um argumento persuasivo e indicador da genilidade do(s) aluno(s), especialmente quando o acerto é em uma questão de matemática (perspectiva discursiva). Através do ethos, na cena de enunciação, o apresentador traz aos alunos o desafio e a necessidade de atenção a fim de não fracassarem no jogo. Esse ethos discursivo é amplamente difundido pela mídia em enunciados do tipo: a eterna dificuldade com a matemática ; o mito de que só aprende matemática quem é inteligente ; o mito de que matemática é dificil e feita para alguns iluminados ; dentre outros, faz emergir em muitos leitores uma identificação com problemáticas vividas na sala de aula de matemática (Cf. SILVEIRA, 2000). Em sua incorporação, sinalizam para a tentativa de persuasão do apresentador (atrelada ao discurso verbalizado sobre a matemática) para com os alunos a fim de deixar a disputa mais envolvente e desafiadora. Isso se torna possível porque consegue passar em seu discurso o ethos característico do auditório (MAINGUENEAU, 2008, p. 58). Nesse processo, o apresentador parece construir uma imagem de si a partir da necessidade que sente em se adptar àquele (formado por estudantes), ao construir uma imagem confiável de sua própria pessoa, em função das crenças e valores que atribui àqueles que o ouvem (AMOSSY, 2005, p.19).

Nessas condições, o apresentador Celso Portiolli é tomado como o fiador: [...] por meio de sua fala, se dá uma identidade em acordo com o mundo que ele supostamente faz surgir (MAINGUENEAU, 2008, p. 72). Esse mundo, configurado pela enunciação (op. cit.) remete à sua apropriação do difundido discurso de que a matemática não é uma disciplina simples, inscrevendo subjetividade ao discurso e atestando veracidade (pela persuasão), em seu modo de dizer, de que a matemática é uma disciplina difícil e voltada a pessoas inteligentes. Assim, o poder de persuasão de seu discurso acontece por sua identificação (e convencimento) pelos alunos, na cena de enunciação (contexto), com as crenças e mitos historicamente perpetuados sobre a matemática. Isso pode ser exemplificado com os seguintes trechos do programa: Apresentador: - Você manda bem em qual matéria na escola? Aluno: - Matemática Apresentador: - Matemática! Boa (...) boa cabeça... Os demais responderam que eram bons em história e biologia. Tal comentário trouxe um ethos de surpresa que só foi feito com esse aluno que respondeu ser aplicado em matemática. Em sua enunciação, vê-se a eficácia do ethos presente: em nenhum momento ele diz explicitamente que a matemática não é uma disciplina fácil e que só pode ser aprendida por indivíduos com intelecto diferenciado, mas o faz por meio desta. Os alunos tem sua afetividade mobilizada no calor da disputa na TV, influenciados ainda pelos discursos pré-construídos 1 sobre as dificuldades da matemática e que estão em seu inconsciente coletivo. Observa-se nos alunos uma acepção do ethos que Auschlin (2001 apud MAINGUENEAU, 2008, p. 62) aponta como sendo coletivo ou partilhado. São os habitos locucionais partilhados pelos membros de uma comunidade (op. cit., p.62). No caso do programa, tem-se o ethos característico do ambiente escolar que é reproduzido no palco em meio à enunciação (cenografia). Daí a importância do seu 1 Fazem referência à memória discursiva descrita em Pêcheux (1999): são formulações anteriores, aos conceitos que estão no inconsciente coletivo e que produzem sentido através da sua relação com os diferentes discursos que circulam nas formações sociais.

estudo e análise sob um foco específico (o discurso sobre a matemática), permitindo vislumbrar os reflexos panorâmicos das experiências e sentimentos partilhados pelos alunos nas aulas de matemática que tem como fiador a figura do professor. Por outro lado, o enfoque dado no presente trabalho é merecedor de cautela, pois, mesmo que o ethos propicie tais importantes desdobramentos sob os locutores e destinatários em suas abordagens sócio-discursivas, deve-se também atentar para sua instabilidade em situações orais de comunicação, uma vez que envolve um sujeito que é (re)construído diariamente em práticas discursivas. Assim, toda e qualquer análise feita sobre o ethos terá sua eficácia para um momento e objeto específico, não havendo espaço para conclusões fechadas e determinação de padrões fixos e imutáveis. 4. CONCLUSÃO Percebe-se no ethos do apresentador, o caráter desafiador e um imenso grau de dificuldade que é imposto à matemática. Como fiador, ele se investe do amplo discurso difundido sobre a seletividade de indivíduos para aprendê-la, encontrando sua identificação pelos alunos, no ato da enunciação, e que evidencia, na atualidade, uma matemática carregada de crenças negativas quanto à sua compreensão e ao domínio de suas habilidades. 5. REFERÊNCIAS AMOSSY, R. Da noção retórica do ethos à análise do discurso. In: (Org). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. CHARAUDEAU, P. Discurso político. Tradução de Fabiana Komesu e Dílson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2008. MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: Papel da memória. Trad. e introdução J. Horta Nunes. Campinas: Pontes, 1999. SILVEIRA, M. A interpretação da matemática na escola, no dizer dos alunos: ressonâncias do sentido de dificuldade. Porto Alegre: UFRGS, 2000.