Sobre o significado da ideia de honestidade na filosofia moral de Eric Weil **

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Transcrição:

A Revista de Filosofia Sergio de Siqueira Camargo* Sobre o significado da ideia de honestidade na filosofia moral de Eric Weil ** RESUMO O artigo expõe alguns aspectos pelos quais a ideia de honestidade, na filosofia moral de Eric Weil, apresenta-se como a síntese de todos os deveres que devem ser praticados para a auto-realização moral e política do homem na sociedade moderna. Para Weil, a razão última do homem - e da comunidade histórica - é ser feliz, para tanto, é necessário que ele seja moralizado e, assim, possa agir, politicamente, na perspectiva do governo responsável. Palavras-chave: Filosofia moral; Filosofia política; Honestidade; Eric Weil. ABSTRACT This article presents some aspects in which the idea of honesty, in moral philosophy of Eric Weil, is presented as a synthesis of all the duties that must be practiced for moral and political self-achievement of man in modern society. For Weil, man s ultimate reason - and the historical community s - is to be happy and to do so, he must be moralized thus he can act politically in a perspective of responsible government. Keywords: Moral philosophy; Political philosophy; Honesty; Eric Weil. * Doutor em filosofia, pela Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino (Roma). Mestre em filosofia pela PUC/SP. Bacharel em Administração de Empresas. Bacharel em Teologia. Bacharel em Filosofia. E-mail: sergiodesiqueira@uol.com.br ** Este artigo foi originalmente apresentado como comunicação em 11 de maio de 2011 no 1 Colóquio Internacional EricWeil, realizado nas dependências da Universidade Federal do Ceará. 70

Introdução Para Eric Weil, o indivíduo para agir bem em política, para transformar a sociedade, deve levar uma vida virtuosa. Em outras palavras, ele precisa ser moralizado. O processo de moralização do indivíduo, no pensamento moral weiliano, se dá segundo os deveres de honestidade, de ser feliz, de justiça e de prudência 1. Para ele, dever é a categoria que organiza o discurso moral; ela equivale à categoria Consciência da Lógica da Filosofia. Com efeito, honestidade é o dever que se apresenta como o resumo da moral positiva, dado que contém os outros deveres. Nesse sentido, a tese de fundo deste artigo é que a ideia de honestidade, como prática moral-política, supõe que somente o indivíduo que se moralizou poderá agir moralmente em política. (WEIL, 1961, p. 141), visto que deve pensar a política do ponto de vista do bom governo. Honestidade e moral É oportuno dizer que Weil, na primeira seção da Filosofia Moral (1961, p. 17-68), mostra que a moral formal exige um conteúdo para se fazer o espaço de universalidade de tudo aquilo que advém da realidade histórica. Esse conteúdo vem das várias morais concretas. Por sua vez, a segunda seção da Filosofia Moral (WEIL, 1961, p. 71-77) revela que a função da moral é dizer que a vida moral do homem se orienta segundo a moral existente na comunidade. Para Weil, o mundo moral é sensato e pode ser compreendido. Porém, sua compreensão supõe as categorias que constituem a moral. Nessas condições, o dever se apresenta como a categoria fundamental da moral; é o princípio organizador do discurso moral. Ele existe para o homem sob a forma de deveres; é um modo de positividade moral. Na lógica do discurso weiliano, a categoria do dever equivale à categoria da Consciência, ela é consciência, por isso, é dever (WEIL, 1961, p. 86.), vale dizer que o dever tem como tarefa afirmar a liberdade concreta na vontade razoável, na oposição dessa vontade à animalidade, à violência interior e exterior, e concebível somente nessa oposição à animalidade (WEIL, 1961, p. 86). Nesse sentido, a moral da ação tem a função de afirmar o dever como categoria que funda o sistema moral positivo, que faz, por exemplo, com que o agir político do indivíduo seja agir razoável na comunidade histórica. O dever existe, para o indivíduo, sob a forma de deveres no plural: o dever é encontrado na relação com o outro e consigo mesmo considerado (e tratado) como um outro (WEIL, 1961, p. 86). 1 A propósito do processo de moralização do indivíduo no pensamento de Weil, ver S. S. Camargo (2008). 71

Em outras palavras, o dever no plural é uma forma de positividade, pois as morais históricas confirmam a existência de deveres positivos e a experiência moral de cada um revela sua realidade. A moral formal é negatividade. Ela julga a moral concreta. O dever é a característica primeira da moral da ação, que é uma moral concreta positiva. Ele contém a totalidade do problema moral. Segundo Weil, os pensadores gregos não possuíam tal conceito. Kant é aquele que, por uma primeira vez, reconhece o dever como caráter fundante, não fundado, da liberdade razoável. (WEIL, 1961, p.88). O dever se apresenta de dois modos: dever de fazer e dever de não fazer, vale dizer, todo dever de fazer produz um dever de não fazer, toda defesa encontra sua contrapartida num mandamento. (WEIL, 1961, p.89). Isso significa que o dever introduz na vida moral do homem essa atitude bipolar: prescrição e interdição. O homem, ao agir, deve ter consciência de que o saber-fazer, modo político de agir correto, supõe, necessariamente, se opor à violência, que é o não fazer. É importante ressaltar que na tese 15 da Filosofia Moral, Weil apresenta o conceito de dever de honestidade 2. Nessa tese, ele diz que a moral da ação, ao reconhecer a multiplicidade dos deveres, afirma que existe, no fundo, um só dever, o da honestidade, e que esse dever contém em si todos os outros (WEIL, 1961, p. 91). Em outras palavras, a multiplicidade de deveres se resume no dever de honestidade. Com efeito, honesto é o homem que cumpre seus deveres, visto que é moral cumpri-los, não por pressão social, política, econômica ou por temor de represálias, mas porque tem consciência de sua importância para o bem da comunidade. Segundo Weil, a possibilidade da não-violência na comunidade histórica, em qualquer grupo humano, repousa sobre a prática da honestidade. Dito de outro modo, o homem que assume o dever de honestidade como prática moral-política visa, em última instância, a erradicação da violência no mundo. A honestidade é assim o verdadeiro resumo de toda moral positiva. (WEIL, 1961, p. 91). Porém, é condição necessária, não suficiente da moralidade das ações, da moral concreta. O indivíduo deve ser honesto porque é razoável e livre, pois é capaz de realizar, na e contra a violência, o sentido da vida, de sua vida, na universalidade. Para Weil, o dever de honestidade é vivido pelo homem no mundo da condição, vale dizer, no mundo do trabalho organizado. Seja dito que a categoria da Condição se situa no conjunto da Lógica da Filosofia depois da categoria Deus. A categoria Deus tem uma importância singular no discurso filosófico weiliano, pois mostra que o homem que recusa fazer a experiência da fé, coloca-se na atitude de alguém que se deixa ser determinado por uma série de elementos de ordem natural e social. Dito de outro modo, o homem, sem fé, faz 2 Sobre o dever de honestidade, ver M. Perine (1987, p. 219). 72

com que sua finitude seja determinada por fatores não transcendentes, ou seja, por elementos de ordem temporal (CAMARGO, 2009, p. 107-119). Como observou G. Kirscher, a atitude da perda da fé leva à atitude da Condição (1989, p. 267-271).Com efeito, o homem da Condição busca sentido para seu agir a partir da função que ocupa no mundo do trabalho organizado. Em outras palavras, a atitude do homem que deixa a fé é aquela de ser condicionado, determinado pela função que exerce na organização social. É o homem que tem ou exerce uma função técnica no mundo do trabalho. Segundo Weil, o dever de honestidade não é somente uma regra praticada pelos homens em vista de solucionar problemas morais existentes em uma comunidade política. É um conceito pertencente também ao domínio da moral da ação. Assim, a honestidade se apresenta como conceito que designa um ideal filosófico e político, que deve regular a vida de todos os homens em vista de um mundo humano em perfeito equilíbrio moral, vale dizer, honestidade é o ideal político, por excelência, que regula a vida moral dos cidadãos no mundo do trabalho organizado. Ela tem como objetivo garantir a vida dos cidadãos numa comunidade moral perfeita, sem violência. A honestidade, enquanto regra de conduta, deve ser compreendida como um modo, moralmente aprimorado, civilizado, de agir do homem, diante de uma prática política coerente em oposição à violência. Para Weil, a honestidade, como prática moral-política, justifica-se, por exemplo, quando um cidadão, em determinadas circunstâncias históricas, recusa as ordens de um governante tirânico e corrupto, ao dizer a verdade num tribunal diante de um criminoso, ao aderir a uma moral que não contradiz a moral proclamada pela comunidade, viver, segundo um modo que se oponha à violência, aquilo que porventura possa destruir a comunidade. Nesse sentido, a regra da honestidade, porque contém todos os outros deveres, se coloca ao lado de uma moral universal, a tudo aquilo que destrói a consciência moral e política dos homens. Com efeito, honesto é o homem da moral concreta, que quer ser universal e razoável ao mesmo tempo. Para Weil, razoável é não ser violento e arbitrário na comunidade política, visto que esse modo de ser exprime, em diversas circunstâncias históricas e políticas, o desejo de buscar sempre a felicidade como horizonte último da vida em comunidade. Daí ser que a honestidade se faz como resumo de toda moral positiva, pois se apresenta como condição necessária do agir político do homem, porém insuficiente. É uma regra moral circunscrita por ideais filosóficos e políticos. Assim, no início do processo de moralização do homem, está o dever de honestidade como síntese de todos os outros deveres que devem ser praticados. Weil diz, na tese 19 da Filosofia Moral, que a moral é real como moralização. Isso significa que a primeira tarefa, a única a se levar em conta [...] é se moralizar (1961, p.148). Nessas condições, o dever de honestidade se apresenta 73

como o ponto de partida para a realização de moralização do homem, como a condição necessária, não a condição suficiente da moralidade das ações (WEIL, 1961, p.119). Para Weil, a regra de honestidade supõe a regra do dever de ser feliz. Segundo ele, todo dever do homem moral é fundado sobre o dever para consigo mesmo, que é o dever de ser feliz. É um dever que se realiza moralmente nos deveres para com os outros. Não é uma obrigação, é um dever em forma de princípio moral que norteia o agir do homem. Ele mostra que o homem não pode ser compreendido como simples razão, pois é também um ser finito, passional, ser de necessidades e de desejos e, constantemente, exposto à violência, ou seja, é um ser razoável, que escolhe ser feliz a partir da razão razoável. Marcelo Perine, no texto A dimensão ética do ser humano mostra que é função da moral weiliana prometer também ao homem a felicidade (2004, p. 13). Felicidade é o espaço no qual o homem se descobre como ser razoável, livre e responsável. Nessas condições, felicidade é ser razoável, agir na e pela razão, ou seja, feliz é o homem que vive segundo o dever, o respeito de si mesmo como ser universalizável na e pela sua vontade. Felicidade não é satisfação das necessidades materiais, mas reconhecimento de ser e agir razoavelmente, portanto uma virtude, ou seja, é consciência de dignidade do próprio ser e das próprias decisões. Assim, virtude e felicidade são a mesma coisa. Daí ser que no processo de moralização do homem se encontra a ideia de felicidade vinculada à regra de honestidade. Honestidade e política Na tese 19 da Filosofia Moral, se encontra a fórmula somente o indivíduo que se moralizou poderá agir moralmente em política (WEIL, 1961, p.141). Esse princípio é importante, no contexto da Filosofia Moral de Weil, para dizer que o homem, ao se moralizar, se faz também ser político, podendo, assim, assumir o ponto de vista do bom governo. Para tanto, é necessário, num primeiro momento, que a ideia de honestidade esteja vinculada a de justiça social. O conceito de dever de justiça é desenvolvido na tese 17 da Filosofia Moral. A justiça exige que eu trate o outro como a mim mesmo e a mim mesmo como o outro: antes da ação, todo indivíduo é, para a moral, equivalente a qualquer outro indivíduo, diz Weil (1961, p. 110). P. Canivez, no excelente artigo A noção de justiça em Eric Weil, mostra que o dever de justiça tem a tarefa de dizer que o homem deve tratar o outro como a si mesmo e a si mesmo como o outro (2006, p.135-148). Significa que ele tem a tarefa de exprimir o princípio de universalidade no interior da comunidade política, interditando o agir passional e egoísta do homem. É um princípio moral que rejeita a violência praticada na comunidade política. O dever de justiça gera, consequentemente, o dever de veracidade, que é uma virtude que se opõe à 74

mentira e a toda forma de manipulação política violenta. Seu conteúdo é dado pela virtude da coragem. Porém, para Weil, existe, em certas situações, o dever de mentir, isto é, quando a dignidade do ser razoável do homem se encontra ameaçada pela violência. Isso não significa justificar a atitude da mentira habitual. O critério de justificação do direito de mentir é dado pela moral concreta, pela moral da universalização possível, ou seja, por aquilo que é razoável. Com efeito, no contexto da Filosofia Moral de Weil, o dever de justiça gera também o dever de coragem moral, que é uma forma de moralização, de ação moralizante. Nessas condições, corajoso é o homem que age politicamente, porque se deixa moralizar constantemente. Assim, o dever de justiça leva a dizer que o homem honesto e justo é, ao mesmo tempo, veraz e corajoso. Para Weil, a ideia de honestidade reconhece que o dever de prudência moral se apresenta como resumo de todos os deveres fundados sobre a justiça. Na tese 18 da Filosofia Moral, se encontra o conceito de prudência como uma exigência do dever de justiça. Weil diz ao dever de justiça, primeiro e fundamento de todos os deveres para com os outros, corresponde o dever de prudência moral, resumo de todos os deveres fundados sobre a justiça. (1961, p.121). Andrea Vestrucci, no artigo O papel da prudência na filosofia moral de Eric Weil, analisa exaustivamente a problemática da prudência no contexto da Filosofia Moral de Weil (2006, p. 121-134). Para ele, o dever de prudência não é uma regra jurídica, mas uma forma de dever formal, ou seja, coloca ao homem a exigência de um agir moralmente correto em vista de agir bem politicamente. Assim, o dever de prudência moral é uma virtude moral que se manifesta em forma de sabedoria prática, no sentido de fazer com que o homem pratique, antes de agir, o discernimento acerca do que é razoável ou não. Ela aperfeiçoa todas as outras virtudes, ou seja, torna praticáveis os deveres de justiça. É o dever moral que leva o homem a agir politicamente de modo mais próximo da realidade da comunidade. É o agir moral razoável na realidade histórica. O homem prudente age com a consciência fundada na responsabilidade moral porque conhece plenamente as consequências dos atos realizados. Sob o dever de prudência, o homem deve agir moralmente bem em qualquer circunstância histórica. Nesse sentido, a prudência, como virtude, guia o homem ao sucesso moral já que exige dele uma moralização constante. No domínio da prudência, a vida moral está sempre recomeçando para que o homem possa se conhecer moralmente e, assim, poder agir politicamente de modo coerente. A prudência impõe ao homem honesto o dever de compreender e perdoar a falha moral dos outros homens da comunidade. É uma forma de discernimento moral com objetivo de erradicar a violência do mundo. Ela supõe a prática de justiça social, que se apresenta como possibilidade real de satisfação das necessidades ma- 75

teriais de todos os membros da comunidade. Ademais, a justiça possibilita que cada homem seja capaz de exercer a função que aspira legitimamente na sociedade. Assim, a justiça social fundada no dever de prudência se torna prática política no sentido verdadeiro. Com efeito, o homem honesto deve pensar a política do ponto de vista do governo, não necessariamente do governo de fato, contra o qual, ao contrário, ele pode ser conduzido a opor-se, mas do ponto de vista do bom governo, do governo responsável. (WEIL, 1971, p. 350). Porém, Weil diz: Mas isto só vale para o indivíduo razoável, não para o natural e passional (WEIL, 1971, p. 254). Isso significa que o homem razoável é aquele que se moralizou pelos deveres de honestidade, de felicidade, de justiça e de prudência com o objetivo de poder agir bem do ponto de vista do bom governo. É importante observar que o homem que age na perspectiva do governo responsável, é sempre violento em potência. Porém, educado pelo Estado, ele pode se universalizar, fazendo com que a violência seja anulada. É pela educação moral recebida do Estado que o homem, em sua vida, se abre para a realidade política, se descobre como ser político. Política é a consciência que o homem honesto, porque moralizado, possui do Estado. Conclusão Antes de concluir este breve artigo, é importante ressaltar que uma das originalidades do pensamento de Weil consiste em ter afirmado que a política é a moral em marcha. (1961, p. 213). Ou seja, a moral verdadeira leva à prática da política responsável. Ela se apresenta como o oposto da violência, é o princípio da não violência. A razão última da moral é a redução da violência. O homem moralizado pelo Estado tem como meta, alcançar a felicidade em sua vida em comum. Assim, a felicidade é que dá sentido a toda ação moral e política. Quis-se evidenciar que a ideia de honestidade em Weil, como prática moral-política, diz que na vida política, em sociedade, o homem educado, do ponto de vista moral, pelo Estado, busca a justiça. É a partir de um agir político, na perspectiva do governo responsável, que se chega ao universal concreto, à justiça social. Enfim, a meta da moral, como a da política, é a felicidade do homem na sociedade moderna, ou seja, uma vida vivida com sentido no mundo da condição. Quis-se mostrar também que Weil, como observou Hegel, no texto Filosofia do Direito, parágrafo 150, reconhece que na sociedade moderna a única virtude é a honestidade, vale dizer, no fundo, existe um só dever, o da 76

honestidade, visto que ele contém todos os outros (WEIL, 1956, p. 51) 3. Assim, na sociedade moderna, o homem que quer ser honesto deverá cumprir seus deveres, não por pressão social, política, econômica, mas pelo fato de ter consciência de sua importância para o bem da comunidade. Desse modo, a não-violência na comunidade histórica, em qualquer grupo humano, repousa sobre a prática da honestidade. Em suma, o homem que assume o dever de honestidade como prática moral-política visa, em última instância, a erradicação da violência no mundo. Para finalizar, o que, no fundo, quis-se dizer é que a ideia de honestidade em Weil, enquanto dever formal constitui a condição necessária, não a condição suficiente para a prática política no sentido verdadeiro. Weil conclui a segunda seção da Filosofia Moral com estas palavras: o indivíduo só será moral em política, isto é, só terá vontade e fins razoáveis, universais, se pratica o que exigem dele na sua vida cotidiana o domínio de si, a justiça, a coragem e a prudência. (1961, p. 141). Referências bibliográficas CAMARGO, S. S. Filosofia e política em Eric Weil: um estudo sobre a ideia de cidadania na filosofia política de Eric Weil, Roma, 2008.. Religião e política em Eric Weil. Interações, v. 6, 2009. CANIVEZ, P. La nozione di giustizia in Eric Weil. In: Weil, Eric: violenza e libertà. Scritti di morale e política. Milano: Mimesis Edizioni, 2006.. Le politique et sa logique dans l oeuvre d Eric Weil. Paris: Éditions Kimé, 2000. KIRSCHER, G. La philosophie d Eric Weil. Paris: Puf, 1989.. Figures de la violence et de la modernité. Lille: Presses Universitaires de Lille, 1993.. Les figures de La subjetivité dans la Logique de La philosophie d Eric Weil. Archives de Philosophie, v. 59, 1996. PERINE, M. Filosofia e violência. Sentido e intenção da filosofia de Eric Weil. São Paulo: Loyola, 1987.. Eric Weil e a compreensão do nosso tempo. São Paulo: Loyola, 2004. VESTRUCCI, A., Il ruolo della prudenza nella filosofia morale di Eric Weil. In: Weil, Eric: Violenza e Libertà. Scritti di morale e politica, Mimesis Edizioni, Milano, 2006. 3 E. Weil reconhece que Hegel foi o primeiro a enunciar que na sociedade moderna a única virtude é a honestidade (1956, p. 51). 77

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