VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA E ENSINO: EXCLUSÃO PELA LINGUAGEM 1

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Transcrição:

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA E ENSINO: EXCLUSÃO PELA LINGUAGEM 1 Marcia Ione SURDI (UFSM/UNOCHAPECÓ) Introdução A forma como a escola tem trabalhado a língua e os resultados deste trabalho são objeto de estudos em pesquisas na área de estudos da linguagem. Nas duas últimas décadas cresceu a incidência de pesquisas nas quais os pesquisadores estão interessados em observar e diagnosticar o estado da arte no ensino de língua portuguesa. Além de se enfocar os resultados deste ensino, ao se analisar as produções de alunos, tem-se agora como foco o professor, para tentar se compreender o papel desse no processo de ensino da língua. Atualmente é possível identificar a influência de noções advindas de teorias lingüísticas que têm agido no sentido de fazer repensar que língua é essa que a escola tenta ensinar. A partir disso nos propomos discutir a concepção língua e de variação lingüística, via discurso dos professores. Nossa preocupação, então, é a de refletir sobre: Concepções e práticas docentes sobre o tema variação lingüística, partindo da seguinte problemática: quais são as concepções dos professores de língua portuguesa em relação à variação lingüística presentes em sala de aula e suas implicações para o ensino de língua portuguesa nos anos finais do nível fundamental, da rede estadual de ensino em Chapecó/SC? Para responder a essa inquietação, procurou-se analisar quais são as concepções dos professores de língua portuguesa sobre a variação lingüística; verificar qual a posição do professor de língua portuguesa diante da variação lingüística na oralidade e na escrita; identificar se há estratégias de reconhecimento da variação lingüística em aulas de língua portuguesa; identificar que atividades são empregadas no trabalho escolar com a variação lingüística em aulas de língua portuguesa e investigar se teorias sociolingüísticas são objeto de estudo nos cursos de graduação e quais são as suas contribuições à prática docente. Partiu-se da idéia de que as concepções de variação lingüística que permeiam as práticas escolares de professores de língua portuguesa são determinantes para se compreender o papel da escola e do próprio professor na manutenção ou no questionamento das formas de preconceito lingüístico. Este artigo apresenta alguns resultados que ajudam refletir sobre as questões apontadas acima e que são indicadores do que acontece em sala de aula, permitindo que se possa pensar em estratégias de intervenção. 2 Metodologia E Sujeitos Da Pesquisa Para a realização da pesquisa optou-se por adotar como ferramenta metodológica o questionário. Esse questionário consistiu-se em uma série de perguntas abertas que permitiram a livre resposta, entregues por escrito aos informantes que deveriam respondê-las por escrito também. Antes da aplicação definitiva, foram aplicados questionários pilotos para testagem.

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 878 Para a composição da amostragem de docentes, foram sujeitos da pesquisa nove professores, voluntários. Os critérios para seleção da amostragem foi ter concluído o curso de graduação e atuar nas séries finais do ensino fundamental, da rede estadual de ensino de Chapecó/SC. Entende-se que discutir o ensino de língua, sobretudo variação lingüística, nessa fase de atuação escolar é pertinente, pois mesmo diante de orientações e da existência de estudos sobre o tema variação lingüística, ainda são poucas as investigações voltadas para as concepções e práticas docentes. Consideramos muito importante conhecer o que o professor das séries finais do Ensino Fundamental diz sobre o assunto e como é seu fazer pedagógico em sala de aula, contanto que ainda há uma forte tendência de ensino baseada na tradição gramatical. Coletados os discursos dos sujeitos, realizou-se a análise de dados que seguiu os procedimentos descritos na seqüência. Os dados obtidos nos questionários foram agrupados em categorias. De acordo com Minayo (1999), as categorias são empregadas para estabelecer classificações, agrupando elementos, idéias e expressões em torno de um conceito capaz de abranger os resultados. Nesse sentido, foram identificados pontos recorrentes em suas respostas que passaram a ser considerados categorias de análise e depois procedeu-se a leitura e análise do discurso de cada sujeito, procurando identificar possíveis regularidades e/ou contradições. A amostra de sujeitos ficou composta por nove professores que atuavam nas séries finais do ensino fundamental, da rede estadual de ensino de Chapecó/SC. Dos nove professores, seis são mulheres e três são homens. A composição do grupo se deu em função da livre iniciativa do docente em participar da pesquisa, pois a categoria gênero não foi definida como critério de seleção. Quanto à formação acadêmica, todos os professores são especialistas na disciplina de atuação, neste caso, língua portuguesa. O tempo de atuação no magistério variou de seis anos a trinta e um anos. O tempo de atuação no ensino de língua portuguesa variou de quatro anos a vinte anos, sendo que 60% do grupo tem mais de onze anos de experiência profissional no ensino de língua portuguesa e 40% apresentou o tempo mínimo de atuação de quatro anos e o máximo de sete anos. Quadro 1: Perfil geral dos professores Sexo Graduação Especialização F M em curso Completo em curso completo Atuação magistério (anos) Atuação ensino LP (anos) Professor 1 P1 X X X 06 04 Professor 2 P2 X X X 10 05 Professor 3 P3 X X X 20 06 Professor 4 P4 X X X 07 07 Professor 5 P5 X X X 12 11 Professor 6 P6 X X X 15 13 Professor 7 P7 X X X 20 18 Professor 8 P8 X X X 28 18 Professor 9 P9 X X X 31 20 Pelo levantamento desses dados, pode-se verificar que as graduações dos professores ocorreram em épocas distintas, entre 1970 e 2000, isso nos faz considerar o fato de que esses sujeitos tiveram orientadores teóricos e metodológicos diferenciados. Nesse contexto é preciso falar um pouco sobre o trajeto que o ensino de línguas no Brasil percorreu e vem percorrendo. Para Soares (1998), os anos de 1960 878

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 879 representam um marco no ensino de língua portuguesa. Com a democratização das escolas, as camadas populares tiveram garantido o espaço nos bancos escolares. A clientela atendida pelas escolas fazia uso de outras variantes lingüísticas e não mais da variante dominada pela classe privilegiada da sociedade. No cenário sócio-político tinha-se o desenvolvimento do capitalismo que atribui à escola a formação de recursos humanos. Eckert-Hoff (2002) acrescenta que a década de 70, os professores foram acusados de contribuir para o crescimento das desigualdades sociais. Foi uma década marcada por programas de formação de professores, numa perspectiva estruturalista. A formação era vista como treinamento e o professor um mero aplicador de métodos. Os professores eram habilitados a transmitir os saberes. O início da década de 80 é marcado por novas teorias que chegavam das áreas das ciências lingüísticas assim provocaram mudanças significativas no ensino de língua portuguesa. Tem-se [..] uma gramática que ultrapassa o nível da palavra e da frase e que traz nova orientação para o ensino da leitura e da produção de textos; sobretudo uma nova concepção de língua: uma concepção que vê a língua como enunciação, discurso, não apenas como comunicação, que, portanto, inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização.(soares, 1998, p.59). A partir da década de 90, os cursos de formação surgiram de forma continuada e eram vistos como atualização, ou seja, a formação voltou-se para a relação entre os sujeitos. Esses cursos tinham como objetivo principal ajudar os profissionais formados em décadas anteriores na apropriação desses novos conhecimentos que vão dar base aos documentos oficiais norteadores de ensino, tal como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC). Dado esse panorama, observa-se que os sujeitos da pesquisa são frutos de diferentes orientações teóricas em seus cursos de formação inicial e isso reflete-se hoje na prática docente. Nesse sentido, na seqüência será apresentada a análise e discussão dos resultados encontrados. 3 O Que Dizem E O Que Fazem Os Professores Depois de conhecer quem foram os sujeitos participantes da pesquisa e compreender o contexto no qual se inserem, passamos a analisar o que dizem os professores e professoras e o que fazem na prática docente. Para tanto, esta discussão contempla quatro tópicos, assim nomeados: concepções sobre variação lingüística; variação lingüística na oralidade; variação lingüística na escrita e formação docente. Para a identificação dos exemplos será empregada a seguinte codificação: S - corresponde à seqüência, indicando que se trata de um recorte selecionado das respostas apresentadas pelos sujeitos, o número a seguir indica a numeração crescente e no final será indicado o sujeito pelo código estabelecido no Quadro 1. Eis alguns exemplos: S1: É um jeito diferente (e não errado) de utilização da linguagem que não se apropria das regras da gramática tradicional (norma culta) e que sofre influência de outras línguas e dos falares regionais. (P6) S2: São as diferenças presentes nos falares regionais e sociais. (P5) 879

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 880 Um reduzido percentual de professores, 11%, vê a variação lingüística como transformação histórica. O exemplo abaixo, ilustra essa concepção: S3: São as alterações sofridas pela língua no decorrer da história. (P1) Constatou-se que 33% dos professores compreendem a variação lingüística como o uso da norma culta e da gramática. As falas a seguir, são exemplares relacionadas à terceira concepção: S4: Uso correto da gramática no que diz uso correto em sentido oficial e universal. (P9) S5: É o português falado usando a norma culta da língua portuguesa. (P4) S6: Como devemos escrever corretamente e expressar. (P3) Ao analisar as respostas dos professores, podemos perceber que emergem diferentes concepções de variação lingüística em seus discursos sendo possível elencar três concepções de variação lingüística. A primeira compreende a variação lingüística como diversidade/diferenças lingüísticas. A segunda, como transformação histórica. Para a terceira concepção, variação lingüística é o uso da norma padrão, norma culta e gramática. Nesse levantamento, observou-se que 56% concebem a variação lingüística como diversidade/diferenças lingüísticas. Partindo do princípio que o português brasileiro não é uma língua uniforme e constata-se isso diariamente nas mais diversas situações, Ilari e Basso (2006) apresentam quatro concepções para variação lingüística. A primeira é a variação diacrônica, aquela que se dá através do tempo; a variação diatópica é compreendida como as diferenças que uma mesma língua apresenta na dimensão do espaço, quando é falada em diferentes regiões de um mesmo país ou diferentes países; a variação diastrática é o tipo de variação que se encontra quando se comparam diferentes estratos de uma população; a variação diamésica está associada ao uso de diferentes meios ou veículos de expressão. O português brasileiro apresenta variação em cada uma dessas dimensões. Comparando essas concepções às respostas dos professores, pode-se dizer que diversidade/diferenças lingüísticas e transformação histórica são de fato concepções aceitáveis sobre variação lingüística, mas a terceira concepção foge totalmente a qualquer idéia relacionada ao que significa o termo variação lingüística. Partindo de um olhar sociolingüístico, as duas primeiras concepções vêem a língua como um processo, quando dizem que é transformação histórica, pois percebem que não é estável e sim variável, e os termos diversidade/diferenças revelam o teor heterogêneo e mutável da língua. Já a terceira concepção vê a língua como um produto acabado, estável e invariável, ou seja, uma língua homogênea. Bagno (2007) explica essa situação argumentando que nas sociedades complexas e letradas a realidade lingüística é composta por dois pólos: o da variação lingüística e o da norma-padrão. O primeiro representa a língua em seu estado permanente de transformação, fluidez, instabilidade. O segundo pólo é um produto cultural, modelo artificial de língua criado para tentar neutralizar os efeitos da variação, para servir de padrão para os comportamentos lingüísticos considerados adequados, corretos e convenientes. Voltando a atenção à terceira concepção de variação lingüística, revelada pelos professores (sujeitos de pesquisa) que a compreende como uso da norma padrão, norma culta e gramática, antes de se discutir o tratamento dado à gramática pelos professores, é necessário esclarecer o que se entende por gramática. Para Neves (2003, p. 29), o termo pode remeter a várias idéias, desde 880

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 881 mecanismo que organiza as línguas até a idéia de gramática como disciplina. Em Travaglia (2002), é possível encontrar três conceitos de gramática: - gramática normativa: é uma espécie de lei que regula o uso da língua em sociedade, dita as normas de bem falar e escrever, o que se deve e o que não se deve usar na língua. Esse tipo de gramática estuda apenas os fatos da língua padrão, da norma culta de uma língua, norma essa que se tornou oficial. É importante se fazer uma diferenciação entre a descrição que se faz da norma culta da língua, com a transformação do resultado dessa descrição em leis para uso da língua. A gramática normativa aparece quando os fatos da variedade culta da língua são transformados em regras, em leis de uso [...], considerando como "erro" as outras possibilidades existentes nas demais variedades da língua. (TRAVAGLIA, 2002, p. 31) - gramática descritiva: descreve a estrutura e funcionamento da língua numa abordagem sincrônica. Essa gramática trabalha com qualquer variedade da língua e não apenas com a variedade culta. - gramática internalizada: está relacionada ao conjunto de regras que o falante/escritor domina. Essas regras são incorporadas na interação com outros falantes/escritores. As seqüências S4, S5 e S6 estão relacionadas à concepção de gramática normativa ou prescritiva que estabelece as regras que devem ser seguidas para o bem falar e o bem escrever. De acordo com Bagno (2003), infelizmente o uso da gramática normativa vem vigorando na educação brasileira como um material didático. Esse tipo de gramática já traz em seu nome um problema congênito, sobretudo por causa do conceito de norma que nelas vigora. O mais grave é que essas obras simplesmente não fazem uma descrição criteriosa nem mesmo do que elas chamam de norma culta. (BAGNO, 2003, p. 156-157) A gramática tradicional, segundo Bagno (2007), é interessante do ponto de vista da história do desenvolvimento das idéias lingüísticas no Ocidente, mas não pode ser usada como instrumento de análise e muito menos de ensino da língua, pois baseia-se num conjunto de intuições filosóficas e preconceitos sociais que não têm cabimento nos dias de hoje. Segundo Scherre (2005), quando o professor de língua portuguesa ensina gramática normativa, ele não está ensinando língua materna nem língua portuguesa. Língua materna se adquiri; não se aprende e nem se ensina. (p. 93) As mesmas seqüências S4, S5 e S6 revelam implicitamente a noção de erro. Quando o sujeito diz uso correto, existe a pressuposição de que há uso incorreto. A mesma situação ocorre em escrever corretamente e expressar, pressupõe-se que há alunos que escrevam e falem "incorretamente. Para Bagno (2002), esse suposto erro lingüístico desencadeia uma série de avaliações negativas falsas lançadas sobre o sujeito: ele fala errado porque pensa errado, age errado, é errado. Sobre essa situação, Bagno (2002, p. 71 72) diz: [...] já está mais do que comprovado que, do ponto de vista exclusivamente científico, não existe erro em língua, o que existe é variação e mudança, e a variação e a mudança não são acidentes de percurso : muito pelo contrário, elas são constitutivas da natureza de todas as línguas humanas. Mas a noção de erro não é algo recente. Bagno (2007) conta que é no mundo ocidental, Antigüidade clássica, que nasce a noção de erro junto com as primeiras 881

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 882 descrições sistemáticas de uma língua específica. A língua grega havia se tornado um idioma internacional dentro de um grande império, assim surge a necessidade de normatizar essa língua. A tarefa de criar um padrão uniforme e homogêneo que se erguesse acima das diferenças regionais e sociais para se transformar num instrumento de unificação política e cultural foi empreendida pelos filólogos, os amantes da palavra. Para Bagno (2007, p. 36), [...] a língua não está registrada por inteiro nos dicionários, nem suas regras de funcionamento são exatamente (nem somente) aquelas que aparecem nos livros chamados gramática. Isso ocorre porque a língua é heterogênea, instável e mutante. Com tudo isso, é mister refletir sobre a prática pedagógica desses professores e professoras, devendo questioná-la, questionando também o contexto em que ela acontece. Ao fazer uma opção de prática pedagógica, o professor faz também uma opção política, concebendo uma interpretação da realidade. As seqüências S4, S5 e S6 além de estarem relacionadas à concepção de gramática normativa, uso das normas cultas e padrão revelam também uma postura de professor tradicional, alguém que se não ensinar gramática, não sabe que conteúdo ensinar. De acordo com Geraldi (1996, p. 61): As diferentes instâncias de uso da linguagem e as diferentes variedades lingüísticas apontam para outras aprendizagens a se darem na escola, aprendizagens possíveis pelo deslocamento do que tem sido considerado conteúdo de ensino de aulas de língua portuguesa, recuperando as próprias atividades dos sujeitos falantes como inspiração do trabalho escolar. A existência de variedades lingüísticas é um fato empírico. Nesse sentido, se o que se quer é uma escola e um professor tranformador, a opção mais coerente, segundo Geraldi (1996), é assumir o movimento da linguagem (e portanto sua transformação no tempo), participando sem preconceito desse processo. Quando questionados se percebiam a ocorrência da variação lingüística na fala dos alunos, os professores foram unânimes respondendo positivamente. Considerando esse padrão de resposta afirmativa, os professores foram solicitados a dar exemplos. A partir desses exemplos, foi elaborado um quadro que resume as diferenças encontradas numa comparação das formas de variante-padrão e das formas de variante- não-padrão: Quadro 2: Formas de variante-padrão e formas de variante- não-padrão Formas de variante-padrão Formas de variante não-padrão (exemplos mencionados pelos professores) 1. nós 2. nós 1. a gente 2. nóis 3. milho 3. mio 4. feijão 4. fejão 5. nós ganhamos 5. nós ganhêmo 6. carroça 6. caroça 7. está 7. tá 8. eu dei 8. eu di No primeiro exemplo ocorre a inclusão da expressão a gente no quadro de pronomes pessoais. A gente assume função de pronome-sujeito de primeira pessoa do plural. Essa forma, apesar de ser recorrente na oralidade, ainda não é aceita em gramáticas e na língua escrita. No segundo exemplo tem-se uma ditongação da vogal tônica final seguida de /s/ 882

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 883 : /nos/ > /noys/. No terceiro exemplo, na forma de variante não-padrão, mio, ocorre a pronúncia [y] da consoante palatal [λ], /miλo/ > /miyo/. No quarto exemplo mencionado, fejão, constata-se a redução do ditongo /ey/ diante de uma consoante palatal: /fey ãw/ > / fe ãw/. No exemplo 5 ocorre o alçamento da vogal baixa /a/ para a média /e/. Uma hipótese para essa situação é de o falante tomar como paradigma a estrutura mórfica de outros verbos, como CORRER CORREMOS. No sexto exemplo ocorre a alteração do ponto de articulação da consoante, acompanhada de um processo de enfraquecimento, em que /R/ é pronunciado como /r/, traço fonético característico das pronúncias de falantes da região que abrange a pesquisa, em que há uma forte influencia de dialetos italianos, nos quais não há a oposição /R/ e /r/ com a ocorrência somente do último. No exemplo 7 ocorre um processo fonológico denominado aférese. Constata-se a supressão de um som no início da palavra: /está/ >/tá/. No exemplo 8 há a redução fonética do ditongo a uma simples vogal : /dey/ > /di/ Uma hipótese para essa situação é de o falante tomar como paradigma a estrutura mórfica de outros verbos, como VENDER VENDEMOS. Esses exemplos mostram que o que os professores indicam como variações na oralidade são casos de processos fonológicos, que são estágios de desenvolvimento lingüístico de uma língua. Além disso, a seleção de exemplos, por parte dos sujeitos, se deu a partir de um paradigma de língua padrão, eles apontam como variação àquilo que não corresponde à norma padrão. Na coleta de dados também foram identificados alguns padrões nos procedimentos metodológicos que os professores adotam em sala de aula diante dos casos de variação lingüística na oralidade. A estratégia mais utilizada, segundo 45% dos professores, é mostrar o erro e em seguida o correto. Esse procedimento precisa ser repensado, uma vez que pode levar a instauração de situações constrangedoras em sala de aula, dependendo da maneira como o professor fizer esse apontamento. Além disso, esse tipo de situação é propícia à manutenção de preconceitos lingüísticos uma vez que perpetua a dicotomia certo e errado. Outra estratégia utilizada por 22% dos professores é comparar fala e escrita. Esse procedimento também deve receber atenção especial, uma vez que o professor não pode construir nos alunos a falsa idéia de que se deve falar como se escreve. Deve-se chamar a atenção dos alunos para o fato de que fala e escrita são duas modalidades de manifestação de um mesmo sistema lingüístico e que cada modalidade tem seus próprios princípios de organização: não se pode falar como se escreve e nem escrever como se fala. A adequação ao contexto é apontada como uma estratégia empregada por 11% dos professores. S7: Procuro chamar a atenção para o local, momento que está sendo usada esta fala. (P7) Essa estratégia se mostra em consonância com as atuais orientações em torno de como se explorar os usos de linguagem. Toda produção lingüística é determinada pela situação imediata, ou seja, é adequada ao contexto de uso. Esse tipo de reflexão faz com que o aluno tome consciência de que o falante não faz um uso homogêneo da língua e passe a perceber que todo o usuário da língua é, na verdade, um camaleão lingüístico. É 883

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 884 a chamada variação diafásica, ou seja, é o uso diferenciado que o indivíduo faz da língua de acordo com o grau de monitoramento que ele confere ao seu comportamento verbal. Para 11% dos professores, pronunciar a fala de forma correta é a estratégia utilizada mediante a ocorrência de variação lingüística na oralidade. S8: Tento de várias maneiras fazer com que o aluno perceba o desvio que cometeu e consiga pronunciar de maneira correta. (P1) Essa estratégia não é adequada, pois pode constranger o aluno e inibir suas produções orais, interferindo diretamente no processo ensino-aprendizagem. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), a postura que alguns professores assumem em sala de aula diante da variação da língua é de forma preconceituosa, pois ao perceber que o aluno usou essa variação o professor deve intervir de forma cuidadosa para não humilhá-lo. Em contrapartida, 11% dos professores mostram aos alunos que há diversidades lingüísticas e que deve existir respeito a essas diversidades. S9: Procuro realizar atividades em que o aluno possa perceber que há uma linguagem aceita na oralidade e no pequeno grupo social, mas que não é aceita na escrita e na sociedade devido ao preconceito lingüístico. (P6) Esse tipo de procedimento parece ser o tipo mais adequado, pois ao mesmo tempo que chama atenção para a diversidade, tenta desinstalar o espaço que o preconceito lingüístico tem não só no contexto escolar, mas também na sociedade em geral. Para Bortoni-Ricardo (2004), diante da realização de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia dos professores deve incluir os componentes de identificação da diferença e de conscientização da diferença. A identificação é prejudicada pela falta de atenção ou pelo desconhecimento que os professores têm a respeito daquela regra. A conscientização representa maior dificuldade, pois é preciso conscientizar o aluno quanto às diferenças para que ele possa começar a monitorar seu estilo, mas esse processo não deve prejudicar o ensino-aprendizagem com interrupções inoportunas. Depois de verificar a ocorrência de variação lingüística na oralidade, também verificou-se qual a posição do professor de língua portuguesa diante da variação lingüística na escrita e também foram identificadas quais atividades são empregadas no trabalho escolar. Constatou-se que todos os professores percebem a ocorrência de variação lingüística na produção escrita dos alunos associando-a às alterações ou possibilidades de pronúncia que são registradas. Uma breve análise revela que, com poucas exceções, a maioria dos professores argumenta: S10: O sujeito escreve aquilo que ele fala. (P1) S11: Eles passam para a escrita o modo de falar. (P5) De acordo com Bagno (2007), no processo de implementação de uma inovação lingüística, um fenômeno interessante é o avanço da mudança que parte da fala para a escrita. Há muito tempo criou-se em nossa cultura uma falsa visão dicotômica, que separa a fala da escrita, mas estudos mais recentes vêm tentando mostrar que as coisas são não como a gramática tradicional diz serem. Um dos expoentes nesses estudos é Marcuschi que discute que nas relações fala-escrita entra em cena o conceito de gêneros textuais, ou seja, as diversas formas de realização empírica da língua nos usos sociais. Toda vez que se fala ou se escreve está se produzindo um texto que vai se configurar de acordo com as convenções de alguns inúmeros gêneros textuais que circulam na sociedade. 884

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 885 Conforme Geraldi (1996), o processo de construção histórica da escrita permitiu uma reflexão em geral e sobre cada língua em particular, e esta reflexão fixou-se na escrita e acabou por prevalecer como o capital lingüístico escolarmente rentável. Nesse contexto, a escrita passou a ser usada como forma de normatizar a fala e assim seria a língua correta. Em relação aos casos de variação lingüística na escrita, a maioria dos professores apresentou exemplos de ocorrências que têm influência da oralidade (a gente, nóis, mio, fejão, nós ganhêmo, caroça, tá, eu di). Vê-se, assim, que a noção de variação apresentada pelos professores limita-se aos casos de variação fonéticofonológica em que são reconhecidas as diferentes pronúncias de alguns vocábulos, como aponta Bagno (2007). Assim, constata-se, também, que a perspectiva discursivista não é levada em conta, deixando muito a desejar. Na coleta de dados, também foram identificados alguns padrões nos procedimentos metodológicos que os professores adotam em sala de aula diante dos casos de variação lingüística na escrita. Segundo Scherre (2005), as unidades gramaticais de fala não são necessariamente as mesmas que as unidades gramaticais da escrita, em tese, não se pode confundir fala com escrita. Fala, leitura e escrita são atividades correlacionadas, mas distintas, e uma não implica necessariamente a outra. Novamente o que se tem segundo esses dados, é que a maioria dos professores acaba trabalhando atividades de leitura e de escrita como forma de fazer com que o aluno internalize os padrões de uma língua. Há também 22% que investem na percepção das variedades, nesse sentido é pertinente observar que se faz necessário ter o cuidado de se trabalhar com as diferentes naturezas das modalidades escrita e oral. Além de perceber as variações, é preciso desenvolver o princípio de respeito às diferenças e de adequação aos contextos de produção. Segundo os dados colhidos na pesquisa, todos os professores afirmam que estudaram o tema variação lingüística na graduação, mas essa afirmativa se distribui nas seguintes características quando solicitados a citar algum autor, obra ou teoria que desse fundamentação. Ficou evidente que para a maioria dos professores, 45%, esse tema ou conteúdo não ficou marcado como algo significativo ou, pelo menos, não é alvo de suas reflexões cotidianas, pois eles não lembram autor, obra ou teoria sobre o tema variação lingüística. Os professores que não lembram autor, obra ou teoria sobre variação lingüística são os mesmos que acreditam que variação lingüística é uso da norma culta, norma padrão e gramática. Como já foi dito, observa-se que os sujeitos da pesquisa são frutos de diferentes orientações teóricas em seus cursos de formação inicial e isso reflete-se hoje na prática docente. Chama atenção que 22% dos professores citam somente Saussure, ou seja, tomam o pai da Lingüística ocidental, como uma referência a tudo o que foi estudado em relação à lingüística em sua formação inicial. Outros 22% dos professores mostramse conectados às atuais discussões e orientações teórico-metodológicas e citam teóricos representativos de atuais teorias lingüísticas. No entanto, um dos números que preocupa são os 11% dos professores que não responderam à questão. Esse silenciamento pode indicar um desconhecimento, ou seja, por ter consciência de que não domina esse saber o professor se cala. Silenciar é nesse caso um modo de dizer: Eu não sei ou eu não quero/não posso/não devo falar sobre... Isso também indica uma fragilidade dos cursos de formação inicial e de 885

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 886 formação continuada que não deram a devida atenção ao tema. De acordo com Santos (2005), quando já faz muito tempo que o professor concluiu o ensino superior, ou estudou em instituição de qualidade questionável, percebe-se que os conhecimentos teóricos estão defasados, alguns nem sequer tiveram aula de lingüística. Pensando agora nos documentos oficiais que orientam o ensino de língua portuguesa, tanto os PCNLP como a PCSC constituem-se sobre um aparato teórico, e também constituem um aparato teórico, que, no entanto, não fazem parte da formação da maioria dos docentes. São documentos com termos e conceitos científicos, o que não possa parecer, mas que possibilita interpretações diferentes de professor para professor. Segundo Santos (2005), muitos professores de língua portuguesa desatualizados entendem que valorizar a variação lingüística significa aceitar tudo que o aluno produz, considerar tudo certo, não ensinar gramática e deixar o aluno no mesmo ponto em que estava antes de entrar na escola. Por isso, é fundamental lembrar que um dos papéis da Universidade é acompanhar seus egressos e das Secretarias de Educação é garantir a formação continuada desses professores. Considerações Finais Abrir espaço para ouvir o que os professores têm a dizer tem sido uma tarefa que a pesquisa tem abraçado nos últimos tempos. É preciso estabelecer uma diálogo entre os professores que atuam nas diferentes redes e níveis de ensino para que a academia possa compreender o que se passa no cotidiano escolar e daí propor ações de intervenção que garantam a qualidade da formação profissional e da educação básica. Deve-se ressaltar que há uma certa resistência por parte de alguns professores que revelam temer a participação em projetos de pesquisa. Esse temor pode ser fruto de uma imagem que se criou de que a pesquisa em geral teria como objetivo avaliar a prática e os conhecimentos dos professores. Mesmo assim, há sempre aqueles que contribuem para a execução de trabalhos como esse, que acabam mais por ajudar a avaliar os processos formativos do que os sujeitos em si. Assim, as análises realizadas ajudam a perceber que o tema variação lingüística deve ser mais bem trabalhado em cursos de formação inicial e de formação continuada uma vez que a compreensão equivocada pode provocar práticas inadequadas. Apesar de ser um conteúdo que já vem sendo incorporado em disciplinas de cursos de graduação, essa inserção é recente, uma vez que a própria Lingüística e por conseguinte as teorias e estudos dela originados e a ela relacionados só garantiram espaço nas discussões acadêmicas nas duas últimas décadas. Também é preciso considerar que o estudo da língua e o modo como a escola a aborda esteve por muito tempo limitado ao estudo de frases, negligenciando-se o fato de que a língua só se realiza em práticas discursivas. Assim, é preciso estudar a língua sob um enfoque discursivo de modo a se captar não somente as manifestações lingüísticas, mas também que tais manifestações são constitutivas dos sujeitos e marcam e são marcadas pela história. Há um grande contigente de professores que tiveram pouco ou nenhum contato em sua formação inicial com as noções de variação e diversidade lingüística e apresentam hoje dificuldades para trabalhar com esses temas em sala de aula. Para Guedes (2006, p. 35), hoje na aula de português [...] o aluno fica sabendo que a língua que fala está errada e descobre que não é ali que vai aprender a usar uma língua certa, pois o que se aprende na aula de português só serve para a prova de português. 886

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 887 Para Bagno (2007), em sala de aula, a variação lingüística ou fica em segundo plano na prática docente ou é abordada de maneira insuficiente e até mesmo distorcida. O autor complementa dizendo que as mudanças ocorridas no perfil dos professores e alunos nos últimos cinqüenta anos exigem um tratamento adequado das questões de variação lingüística e de suas relações com o ensino de língua na escola e com vida social. Tal mudança implica na valorização da variação lingüística e não significa aceitar tudo o que o aluno produz. É preciso respeitar a diversidade e ao mesmo tempo garantir o acesso a uma língua padrão. Qualquer outra hipótese é um equívoco, político e pedagógico. GERALDI, 2001, p. 33) Os sujeitos da pesquisa fazem uso de diferentes concepções de variação lingüística o que acaba por revelar diferentes conceitos de como se constrói o conhecimento lingüístico e de como esse conhecimento é trabalhado na escola. Evidencia-se o trabalho com a gramática em sala de aula e a implícita noção de erro. Conhecimento gramatical, segundo Geraldi (1996), é necessário para aquele que se dedica ao estudo da língua e ao seu ensino. Mas não é um conhecimento, em seu todo, necessário para o aluno, aquele que quer aprender a ler criticamente e a escrever exitosamente. Quanto à noção de erro, os estudos lingüísticos sobre as variedades já mostraram a complexidade de cada um dialetos, diferenças e semelhanças, e assim, mostrou-se que a noção de erro não é uma questão lingüística escrita, mas deriva da eleição social de uma das variedades como a certa. Se a prática de alguns é assim, a de outros é completamente contrária. A compreensão adequada do tema variação lingüística permite que ela se torne um objeto de ensino, com práticas significativas que adotam fontes de dados lingüísticos variados, como, telenovelas, literatura regionalista, histórias em quadrinhos, entre outros. Isso vem ao encontro do que diz Geraldi (2001), não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas e o domínio de uma língua resulta de práticas efetivas, significativas, contextualizadas. A partir desses dados, compete às instâncias e a todos vinculados a elas, incluindo-se professores universitários, secretarias de educação etc., responsáveis pela formação de professores, repensar o modo como a variação lingüística tem sido abordada, seja na formação inicial ou na formação continuada. Isso tem importância capital uma vez que ao conceito de variação lingüística estão associados outros conceitos basilares ao ensino de língua portuguesa: língua, gramática, fala, escrita, certo, errado. Só é possível realizar um ensino de língua em consonância às atuais orientações teórico-metodológicas se os atores principais desse processo estiverem capacitados para tal. Esses resultados indicam que o tema em análise deve ser mais bem trabalhado em cursos de formação inicial e de formação continuada, uma vez que a compreensão equivocada pode provocar práticas inadequadas, marcando formas de exclusão pela linguagem no contexto escolar. Referências BAGNO, M.; GAGNÉ, G. e STUBBS, M. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. 887

1 a JIED Jornada Internacional de Estudos do Discurso 27, 28 e 29 de março de 2008 888. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo, Parábola, 2007. BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2004. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Brasília: MEC/SEF, 1998. ECKERT-HOFF, B. M. O dizer da prática na formação do professor. Chapecó: Argos, 2002. GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercícios de militância. Campinas: Mercado de Letras, 1996 (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 2001. GUEDES, P. C. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar? São Paulo: Parábola Editorial, 2006. ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. NEVES, M. H. M. Que gramática estudar na escolar? Norma e uso da língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003. SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular. 1998. SANTOS, L. W. O ensino de língua portuguesa e os PCN. In: PAULIUKONIS, M. A. L.; GAVAZZI, S. (orgs). Da língua ao discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna: 2005. SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola, 2005. SOARES. M. B. Concepções de linguagem e o ensino da língua portuguesa. In: BASTOS, N. (org.). Língua portuguesa: história, perspectivas, ensino. São Paulo: Educ, 1998. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no primeiro e segundo graus. São Paulo: Cortez, 2002. NOTAS 1 O presente artigo explicita resultados de um trabalho de pesquisa realizado no ano de 2007, vinculado ao curso de Especialização em Lingüística e Ensino, da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ), sob orientação da Prof.ª Me. Mary Neiva Surdi da Luz. 888